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Proc. nº 213/99
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - M... e mulher, I..., interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26 de Fevereiro de 1998, uma vez que o artigo 17º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, 'enquanto aplicável às acções já instauradas quando entrou em vigor, está ferido de inconstitucionalidade, por violação, pelo menos, do disposto na alínea b)'.
2. - Os ora reclamantes tinham instaurado acção de investigação de paternidade no Tribunal Judicial da comarca de Monção, em 24 de Novembro de 1993, contra A... e Outros, pedindo que, julgada a acção procedente por provada, seja o autor marido considerado filho de AV..., falecido em 2 de Fevereiro de 1993.
Os réus viriam a ser absolvidos do pedido, ao ser julgada procedente, por decisão de 19 de Abril de 1995, a excepção peremptória da caducidade da acção, tendo em conta o disposto no nº 4 do artigo 1817º do Código Civil.
A sentença foi confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 19 de Março de 1996, não obstante os apelantes terem defendido haver violação do preceituado nos artigos 1817º, nº 4, e 1871º, nº 1, alínea a), daquele Código, por remissão do disposto no artigo 1873º.
Recorreu o autor para o Supremo Tribunal de Justiça, de revista, mas o acórdão de 26 de Fevereiro de 1998, não lhe reconheceu razão.
Posteriormente, o autor arguíu a nulidade do acórdão, alegando que o decidido quanto à caducidade do direito da acção está em oposição com o decidido em outros arestos do mesmo Tribunal - o de 5 de Dezembro de 1991, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 412, págs. 407 e ss., e o de 3 de Novembro de 1994, proferido nos autos de recurso de revista nº 85 904, 1ª Secção - razão pela qual deveria ter sido observado o disposto no nº 1 do artigo
732º-A do Código de Processo Civil (CPC), o que requereu, nos termos do nº 2 do preceito.
O Supremo, após ouvir a parte contrária, julgou improcedente a arguida nulidade, por acórdão de 25 de Junho de 1998, e condenou o recorrente nas custas do processo.
Aí se escreveu, além do mais:
'Devia [...] na óptica dos requerentes, face à invocada oposição, ter-se observado o preceituado no artigo 732º-A do Código de Processo Civil, remetendo-se o processo para julgamento em plenário das secções cíveis
(...) O art. 666 Cód. Proc. Civil, aplicável a este tribunal de revista ‘ ex vi’ dos arts. 716, nº 1 e 732, ambos daquele mesmo Código, determina que uma vez proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sendo lícito, porém, rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e regulá-la quanto a custas e multa. Por outro lado, o art. 668 Cód. Proc. Civil enumera as causas de nulidade da sentença, e o fundamento invocado pelos requerentes não se enquadra em nenhuma delas, sendo certo que aquelas causas de nulidade traduzem, tão só, vícios de natureza formal e não de natureza substancial e, por outro lado, a enumeração aí feita tem carácter taxativo e não meramente exemplificativo. Logo, a não se integrar o vício invocado em nenhuma das causas enumeradas naquele normativo, estaria excluída a possibilidade de existência da alegada nulidade. Quando muito, existiria um erro de julgamento, por errada apreciação dos factos, mas a admitir-se tal erro ele estaria fora do conceito legal de vício formal, sendo insusceptível, por isso, de suprimento, por se encontrar esgotado o poder jurisdicional deste tribunal. Poderia, no entanto, entender-se estamos em presença da nulidade a que alude o art. 201, nº 1, do Cód. Proc. Civil, na medida em que, na perspectiva dos requerentes, teria sido omitido o julgamento da questão colocada à apreciação deste tribunal pelo plenário das suas secções cíveis, face à invocada oposição de decisões e à necessidade de uniformização de jurisprudência – art. 732-A Cód. Proc. Civil. E, a estar correcto esse entendimento, ou seja, a existir a invocada oposição, a irregularidade cometida poderia efectivamente influir no exame ou na decisão da causa pois que a análise da questão por a um tribunal diverso e mais alargado poderia vir a merecer tratamento diferentes. Porém, se a parte pretendia a revista ampliada que, para nós, se não justificava, devia tê-la requerido, o que não fez. A questão da pretensa oposição de julgados só agora foi colocada, pelo que também não ocorreu a omissão atrás mencionada. Improcede, portanto, a arguida nulidade.'
3. - O autor, em 8 de Julho de 1998, veio pedir a
'rectificação' do decidido (recte, a reforma), à luz do artigo 667º do CPC, considerando ter sido aditado ao artigo 1817º do Código Civil, pela Lei nº
21/98, de 12 de Maio, um nº 6, que, em seu entendimento, acolhe a corrente jurisprudencial que mencionara para fundamentar o recurso para o plenário das secções cíveis, conduzindo à procedência da acção, como lei interpretativa que é e tendo em conta o disposto no artigo 13º do Código Civil e o facto de ainda não estar esgotado o poder jurisdicional (fls. 241 e segs.).
E, na mesma data, em requerimento autónomo dirigido ao Conselheiro relator do Supremo Tribunal de Justiça, interpôs o autor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (fls. 243 e segs.).
Aí considerou, nomeadamente, que o artigo 17º do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, veio suprimir a garantia de recurso para o tribunal pleno prevista no artigo 764º do CPC, na redacção anterior à introduzida por aquele diploma, com o que não poderia naturalmente contar, pelo que o referido artigo 17º, 'enquanto aplicável às acções já instauradas quando entrou em vigor, está ferido de inconstitucionalidade, por violação, pelo menos, do disposto na alínea b) do artigo 9º da Constituição da República, e, por isso, inaplicável ex vi do artigo 204º, também da Constituição da República'.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 25 de Novembro de 1998, indeferiu o pedido de reforma do seu anterior acórdão, que englobou no âmbito do nº 2 do artigo 669º do CPC (redacção do Decreto-Lei nº
180/96, de 25 de Setembro), condenando o autor nas custas do incidente. Por sua vez, o recurso para o Tribunal Constitucional foi admitido por despacho do Conselheiro relator, de 3 de Março de 1999, o que, no entanto, não vincula este Tribunal - nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82.
4. - Entendeu-se, então, ser caso de proferir decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, por não se poder conhecer do objecto do recurso.
É desta decisão que o autor agora reclama para a conferência, nos termos do nº 3 daquele artigo 78º-A, com o objectivo de obter a sua revogação.
Os recorridos não responderam.
Cumpre decidir.
II
1. - Escreveu-se na decisão sumária:
'11.- Desde logo, o recurso foi reiteradamente fundamentado na alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, que é o cabível das decisões dos tribunais 'que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade'. Ou seja, o tipo de recurso de constitucionalidade convocado assenta na recusa, no concreto caso, da norma do artigo 17º do Decreto-Lei nº 329-A/95. Trata-se de norma integrada em diploma que alterou profundamente o Código de Processo Civil (e o republicou), preceituando especificamente o seu nº 1, perante a revogação das normas relativas ao recurso para o tribunal pleno
(artigo 763º a 770º) levada a efeito pelo artigo 3º, ser imediatamente aplicável essa revogação (sem prejuízo do disposto nos nºs. 2 e 3 do preceito, onde, além do mais, e para efeitos de uniformização de jurisprudência, manda observar o disposto no artigo 732º-A). Ora o recorrente, ao arguir a alegada nulidade do acórdão de 26 de Fevereiro de
1998, 22 de Março, pretende que seja observado o disposto no artigo 732º-A do CPC, e só perante o acórdão que indeferiu esse seu pedido veio suscitar a questão de constitucionalidade.
12. - Poderá, primo conspectu, entender-se que o fundamento utilizado para o recurso - o da alínea a) - se compagina com uma recusa implícita que se contenha na motivação da decisão recorrida, se se dever concluir no sentido de o conteúdo estatuidor da norma não ter sido acolhido pelo julgador por força da sua não conformação constitucional. Ou seja, no quadro dos pressupostos de que depende a admissibilidade deste tipo de recurso, a norma desaplicada deve interessar à decisão e deveria integrar a respectiva fundamentação normativa, não fosse a recusa da sua aplicação dada a sua ilegitimidade constitucional. Não foi este o caso, obviamente. Consequentemente, por não se verificarem os pressupostos de admissibilidade deste tipo de recurso de constitucionalidade, não pode conhecer-se do objecto do mesmo.
13. - Diferente sorte não teriam os autos se se entendesse ter havido lapso na indicação da alínea do nº 1 do artigo 70ºcitado, como fundamento do recurso. Apreciar-se-ia, então, a decisão do tribunal na medida em que tivesse aplicado norma cuja inconstitucionalidade fosse suscitada durante o processo. Ora, neste enfoque, cumprirá relembrar que o interessado começou por aceitar, implicitamente ao menos, a norma que impugna, ao pretender a observância do disposto no artigo 732º-A do CPC, e só quando viu essa sua pretensão ser-lhe negada, após o incidente de arguição de nulidade, é que veio invocar a pretensa inconstitucionalidade do artigo 17º, na medida em que redutor de um direito fundamental do recorrente, enquanto aplicável às acções já instauradas quando entrou em vigor. Sucede, assim, que, para além da questão não ter sido suscitada durante o processo, no sentido que repetida e uniformemente a jurisprudência constitucional lhe dá - ou seja, no sentido funcional que permita ao tribunal a quo conhecer da questão não sendo já esse, em princípio, o momento oportuno na arguição de nulidades - a norma não foi sequer aplicada pela decisão recorrida, muito menos como sua ratio decidendi. Como se colhe da leitura do acórdão de 25 de Junho de 1998, e consta da passagem transcrita, a improcedência da arguida nulidade deu-se não por razões de aplicação ou desaplicação normativa, em parâmetros de constitucionalidade, mas sim por tardia apresentação do problema de oposição - o que escapa, naturalmente, à competência deste Tribunal Constitucional.'
2. - Perante a decisão sumária em referência, o recorrente reclama para a conferência sem, no entanto, conseguir infirmar a conclusão então alcançada, de não conhecimento do objecto do recurso, por inverificação dos respectivos pressupostos de admissibilidade.
Com efeito, limita-se o interessado, como ele próprio reconhece, a reafirmar o constante do requerimento de interposição do recurso, que se dá por reproduzido, 'para todos os devidos e legais efeitos'.
Assim sendo, remetendo para o essencial dos fundamentos na oportunidade coligidos, conclui-se no sentido de indeferir a reclamação apresentada, confirmando-se a decisão de não conhecimento do recurso.
III
Em face do exposto, decide-se:
a) indeferir a reclamação apresentada;
b) consequentemente, confirmar a decisão de não conhecimento do recurso;
c) condenar o reclamante nas custas, com taxa de justiça que se fixa em _15___ unidades de conta. Lisboa, 8 de Julho de 1999- Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida