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Processo nº 130/99 Plenário Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, no Plenário do Tribunal Constitucional:
1. Pela Resolução nº 6/99/M, de 5 de Março, aprovada em 10 de Fevereiro de 1999 e enviada a este Tribunal juntamente com um parecer da 1ª comissão especializada respectiva, a Assembleia Legislativa Regional da Madeira veio 'solicitar ao Tribunal Constitucional que se pronunciasse sobre a constitucionalidade da Lei nº 42/98, de 6 de Agosto' (Lei das Finanças Locais), invocando como fundamento que
'A Constituição no nº 2 do artigo 229º obriga a ‘audição dos Órgãos de Governo Próprio das Regiões Autónomas’. A Lei nº 40/96, de 31 de Agosto, regula essa audição e o seu artigo 9º aponta, no caso de incumprimento, a inconstitucionalidade ou a ilegalidade, conforme a natureza dos actos. A Assembleia da República pediu o parecer a esta Assembleia Legislativa sobre a proposta de Lei nº 180/VII, Lei das Finanças Locais. O pedido de parecer entrou nesta Assembleia em 29 de Junho de 1998. A 2ª Comissão Especializada recebeu o pedido de parecer em 30 de Junho de 1998, dia em que a proposta de lei foi aprovada na Assembleia da República. A 2ª Comissão reuniu-se a 2 de Julho de 1998 e concluiu pela não emissão de parecer, uma vez que a proposta objecto de parecer já tinha sido votada. A comissão solicitou, nessa mesma data, que esta Assembleia Legislativa desse conhecimento desta posição à Assembleia da República e pedisse a Sua Excelência o Senhor Presidente da República a fiscalização preventiva do documento. A Proposta de Lei nº 180/VII tem um despacho da Mesa da Assembleia da República de 8 de Maio de 1998. Foi assim violado o artigo 229º da Constituição e a Lei nº 40/96, de 31 de Agosto. (...)'
Notificado 'nos termos e para os efeitos dos artigos 54º e 55º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional', o Presidente da Assembleia da República veio oferecer o merecimento dos autos e juntar os Diários da Assembleia da República que contêm os trabalhos preparatórios da referida Lei nº 42/98, bem como fotocópia autenticada dos ofícios constantes de fls. 17, 18 e 19. Nos termos previstos no nº 1 do artigo 63º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, foi distribuído e debatido em plenário o memorando elaborado pelo Presidente do Tribunal Constitucional. Fixada a orientação a seguir, o processo foi atribuído à relatora, nos termos previstos no nº 2 do mesmo artigo 63º.
2. Antes de mais, cabe analisar se tem algum efeito no julgamento do pedido a Resolução nº 23/99/M da Assembleia Legislativa Regional da Madeira, de 17 de Dezembro, aprovada em 16 de Novembro, através da qual, 'considerando haver uma superveniência política que determina o desinteresse processual pelas razões que tinham determinado a anterior deliberação do Plenário, resolve, ao abrigo das disposições estatutárias e regulamentares, proceder à revogação da Resolução nº
6/99/M, de 5 de Março, dando desse facto conhecimento ao Tribunal Constitucional'. Depreende-se desta revogação a vontade de que o Tribunal Constitucional não conheça do presente pedido de declaração de inconstitucionalidade. Sucede, todavia, que não é admissível a desistência nos pedidos de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade de normas, como resulta do princípio que informa o artigo 53º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Assim, não pode ser considerada a revogação da Resolução nº 6/99/M.
3. Não existem obstáculos de natureza processual ao conhecimento do objecto do presente pedido, que cabe fixar. Pretende a requerente que o Tribunal julgue inconstitucional toda a Lei nº
42/98, de 6 de Agosto (Lei das Finanças Locais), por violação do direito de audição da Região Autónoma da Madeira. Trata-se de uma questão semelhante à que foi julgada pelo acórdão nº 690/99 deste Tribunal. Tal como nele se escreveu, também aqui há, 'em primeiro lugar,
(...) que esclarecer que, embora a Assembleia Legislativa Regional da Madeira filie esse direito de audição, quer na Constituição (no nº 2 do seu artigo
229º), quer na Lei nº 40/96, de 31 de Agosto (que regula a audição dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas), a verdade é que só a Constituição pode, naturalmente, ser tomada como parâmetro de aferição da inconstitucionalidade alegada. Em segundo lugar, e porque de um julgamento de inconstitucionalidade se trata, torna-se imprescindível determinar a extensão do direito constitucional de audição das Regiões Autónomas, já que só na medida em que eventualmente tiver sido lesado se poderá concluir por um juízo de inconstitucionalidade. Todavia, e ainda que se conclua no sentido de que a Constituição não impõe a audição das Regiões Autónomas sobre todas as normas do Orçamento de Estado
[agora, da Lei das Finanças Locais], como entende a requerente, a verdade é que o pedido abrange essa totalidade, assim se definindo o objecto deste processo'.
4. Assim, e tal como se procedeu no acórdão nº 690/99, 'cumpre então determinar a extensão do direito constitucionalmente reconhecido às Regiões Autónomas pelo
(actual) nº 2 do artigo 229º da Constituição de serem ouvidas pelos 'órgãos de soberania..., relativamente às questões da sua competência respeitantes às regiões autónomas', através dos 'órgãos de governo regional'. Note-se que este preceito não sofreu alteração de redacção ao longo das diversas revisões constitucionais, apenas passando do nº 2 do artigo 231º originário para a numeração actual, na última revisão. Trata-se de uma questão que já foi analisada por diversas vezes, quer pela Comissão Constitucional, quer por este Tribunal, não se encontrando razão para afastar a orientação adoptada de forma constante. Com efeito, desde o Parecer nº 20/77 da Comissão Constitucional (Pareceres da Comissão Constitucional, 2º vol., pág. 159 e segs.) que se entendeu que 'são questões da competência dos órgãos de soberania, mas respeitantes às regiões autónomas, aquelas que, excedendo a competência dos órgãos de governo regional:
– respeitem a interesses predominantemente regionais;
– ou pelo menos mereçam, no plano nacional, um tratamento específico no que toca
à sua incidência nas regiões, em função das particularidades destas e tendo em vista a relevância de que se revestem para esses territórios'. Reconhecendo embora não ser fácil a aplicação deste critério geral, a Comissão Constitucional indicou alguns indícios 'capazes de revelarem, no caso concreto, a existência de uma questão respeitante às regiões autónomas, no sentido que ficou proposto. Será, por exemplo, a circunstância de o órgão de soberania, na disciplina que propõe editar para determinada questão, circunscrever tal disciplina ao âmbito regional. Ou ainda a circunstância de o órgão de soberania, na regulamentação de determinada questão, se propor adoptar uma solução especial no que toca às regiões autónomas, por referência à regulamentação que nessa matéria prevê para o restante território nacional'. Esta orientação foi confirmada em sucessivos pareceres da Comissão Constitucional e em vários acórdãos do Tribunal Constitucional. De entre aqueles, cabe referir em particular o Parecer nº 17/78 (Pareceres cit.,
5º vol., pág. 179 e segs.), e o Parecer nº 26/78 (Pareceres cit., 6º vol., pág.
321 e segs.). O primeiro, complementando o critério referido, explicita que ‘é evidente que o dever de audiência (nº 2 do artigo 231º da Constituição) não existe naqueles casos em que as regiões autónomas são interessadas apenas na medida em que o é o restante território nacional’ e frisa que a resposta a dar, em cada caso, há-de partir da análise do caso concreto'. No segundo, relativo à questão da existência e extensão do direito de audição das Regiões Autónomas sobre o Orçamento de Estado, considerou-se que 'não se vislumbra facilmente como
é que diplomas do género de uma lei do orçamento e de um orçamento geral do Estado possam corresponder ao conceito do artigo 231º, nº 2. Muito pelo contrário, tomados no seu conjunto, eles visam o todo nacional, visam todo o País sem acepção de regiões ou parcelas. Ora, sendo assim, não pode a assembleia regional, perante diplomas com a função primacial e as características dessa lei e desse decreto-lei, vir argui-los, na sua globalidade, de inconstitucionais, por os órgãos da região não terem sido ouvidos, sem especificar as ‘medidas concretas’ ‘que se aplicam na região autónoma da Madeira’ . Esta orientação – a de que só pode considerar-se 'questão respeitante às Regiões Autónomas' para o efeito previsto no (actual) nº 2 do artigo 229º da Constituição, a que, embora englobada na competência dos órgãos de soberania, revele alguma 'especificidade ou pecularidade relevante no que concerne a essas regiões' (Parecer nº 2/82, Pareceres cit., 18º vol. , pág. 103 e segs.) – foi seguida posteriormente pelo Tribunal Constitucional, nomeadamente, nos seus acórdãos nºs 42/85, 284/86 e 403/89 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., pág. 181 e segs., 8º vol., pág. 169 e segs. e 13º vol., I, pág. 465 e segs., respectivamente). E o mesmo critério se pode encontrar na doutrina. Assim, JORGE MIRANDA (Manual de Direito Constitucional, III, 4ª ed., Coimbra, 1998, pág. 319 e Participação das Regiões Autónomas, in A Feitura das Leis, II, Oeiras, 1986, pág. 231 e segs., págs. 236-237); J. J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, págs. 867-868); CARLOS BLANCO DE MORAIS, A autonomia legislativa regional, Lisboa, 1993, págs. 418 e 419; MARIA LÚCIA AMARAL, Questões regionais e jurisprudência constitucional: para o estudo de uma actividade conformadora do Tribunal Constitucional, in Estudos em memória do Professor Josão de Castro Mendes, Lisboa, s/d, pág 511 e segs., pág. 532; PEDRO MACHETE, Elementos para o estudo das relações entre os actos legislativos do Estado e das regiões autónomas no quadro da Constituição vigente, in Estudos de Direito Regional, Lisboa, 1997, pág. 89 e segs., págs. 102-103.; RUI MEDEIROS e JORGE PEREIRA DA SILVA, Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores – Anotado, Lisboa, 1997, pág. 187 e segs. Podemos, assim, concluir que o direito de audição constitucionalmente garantido
às Regiões Autónomas pelo nº 2 do artigo 229º da Constituição se refere a actos que, sendo da competência dos órgãos de soberania, incidam de forma particular – diferente daquela em que afectam o resto do País – sobre uma ou ambas as Regiões, ou versem sobre interesses predominantemente regionais'.
5. E, também como se concluiu no acórdão nº 670/99, aplicando este critério, verificamos que a primeira das condições está manifestamente preenchida: é da competência de um órgão de soberania, a Assembleia da República, a aprovação da Lei das Finanças Locais (al. q) do nº 1 do artigo 165º da Constituição). Já a avaliação da segunda levanta, também aqui, maiores dificuldades. Seguro é que a Lei das Finanças Locais, 'globalmente considerada, não é, manifestamente, uma 'questão' respeitante às Regiões Autónomas, ou, em especial, à Região Autónoma da Madeira. Melhor dizendo, nem todas as suas normas se podem considerar respeitantes às Regiões Autónomas, no sentido relevante. Como se escreveu no Parecer nº 26/78 atrás citado, trata-se precisamente de uma lei que, pela sua natureza e pelo seu objecto, se destina a ‘todo o País, sem acepção de regiões ou parcelas’ '. O direito constitucional de audição não existe, pois, em relação à Lei das Finanças Locais na sua totalidade. E não passa, naturalmente, a existir pela circunstância de a Assembleia Legislativa Regional da Madeira ter sido convidada a emitir parecer sobre essa totalidade (cfr. ofº de fls. 18).
6. Tal como se decidiu no acórdão nº 670/99, 'tratando-se de um pedido de declaração de inconstitucionalidade, e não incidindo o direito que a requerente diz ter sido violado sobre a globalidade' da Lei nº 42/98, 'competir-lhe-ia ter determinado quais as normas da mesma lei sobre as quais a Constituição lhe confere o direito de se pronunciar. Não o fez, todavia, a requerente, possivelmente por entender que tal direito abrangia toda a Lei; e não tem o Tribunal Constitucional que se lhe substituir nessa indicação.' Assim, decide-se não declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 42/98, de 6 de Agosto. Lisboa, 21 de Dezembro de 1999 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito Artur Maurício Messias Bento Guilherme da Fonseca Vítor Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa