Imprimir acórdão
Procº 733/98
1ª Secção Cons.º Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I - RELATÓRIO:
1. - M..., Lda recorreu para o Tribunal Fiscal Aduaneiro do Porto, impugnando o acto de liquidação de receita tributária aduaneira praticado pelo Verificador Chefe da 1ª Secção da Alfândega do Porto de 27 de Maio de 1991.
Por sentença de 13 de Outubro de 1992 foi o recurso julgado improcedente, tendo M..., Lda recorrido para o Supremo Tribunal Administrativo (STA).
Por acórdão de 3 de Julho de 1996, o STA decidiu conceder provimento ao recurso, tendo, para o efeito, recusado aplicar o artigo
22º alínea d) da Lei n.º 40/81, de 31 de Dezembro, por inconstitucionalidade material, e, por inconstitucionalidade derivada, o Decreto-Lei n.º 54/83, de 1 de Fevereiro.
Interposto recurso desta decisão pelo Ministério Público para o Tribunal Constitucional, veio a ser proferido o Acórdão n.º 385/97, publicado no 'Diário da República', II Série, de 11 de Julho de 1997, que decidiu conceder provimento ao recurso, revogando a decisão impugnada na parte respeitante à questão de constitucionalidade e determinando a reformulação de tal decisão de acordo com o juízo efectuado.
2 - O STA veio a pronunciar-se, de novo, sobre a matéria, e, por acórdão de 10 de Dezembro de 1997, decidiu negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Embora começando por manifestar dúvidas quanto à procedência dos fundamentos da jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a questão, nesse acórdão, o STA acabou por a acolher nos seguintes termos:
'...seguimos, in casu, a jurisprudência do TC: o que vale é a data da aprovação do diploma em Conselho de Ministros. Ora, tendo o DL 54/83, de 1 de Fevereiro, sido aprovado em CM em 20.12.1982, não foi excedido o prazo de duração da autorização legislativa, prazo esse que se estendia durante todo o ano de 1982, terminando, logicamente, no dia 31.12.1982. O Tribunal Constitucional, e bem, vem entendendo que mesmo antes da revisão constitucional de 1989, que aditou ao artº 168º da Constituição o nº 5, (que diz que as autorizações concedidas ao Governo na lei do Orçamento, quando incidam sobre matéria fiscal, só caducam no termo do ano económico a que respeitam), já tinha de se entender que as autorizações legislativas orçamentais duravam apenas até 31 de Dezembro do ano do orçamento. Neste sentido podem ver-se os acórdãos
387/91 e 183/92, publicados na II Série do DR de 2.4.92 e 18.9.92, respectivamente. Este STA tinha uma jurisprudência divergente, como se pode ver dos acórdãos do Pleno do STA, de 20.2.91 e de 27.11.91, publicados nos AD
355-890 e 370-1085, respectivamente, jurisprudência esta que foi seguida pelo Mº Juiz a quo. Nesta parte, seguimos a jurisprudência do TC: a autorização legislativa contida no artº 22º, al.d), da Lei nº 40/81, de 31 de Dezembro, caducou no dia
31.12.1982. Mas porque foi utilizada antes dessa data, não se verifica a inconstitucionalidade orgânica apontada pela recorrente. A isto acresce que no dia 22.6.83 a sobretaxa estava em vigor por ter sido prorrogada até 31.12.1983 pelo artº 29º do Decreto-Lei nº 119-A/83, de 28 de Fevereiro.'
M..., Lda, ainda não conformada com o assim decidido veio interpor novo recurso para o Tribunal Constitucional, pretendendo que se aprecie a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo único do Decreto-Lei n.º 54/83, de 1 de Fevereiro.
Neste Tribunal, a recorrente apresentou alegações no sentido de que a autorização legislativa para emitir o diploma em causa caducou em 31 de Dezembro de 1982, pelo que, tendo o diploma sido emitido em 1/2/1983 padece de inconstitucionalidade orgânica.
A Fazenda Pública não apresentou alegações.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II - FUNDAMENTOS:
3. - A questão que vem suscitada nos autos já foi objecto de várias pronúncias deste Tribunal, considerando-se que sobre tal matéria se formou já uma jurisprudência uniforme. Trata-se da questão de saber qual o momento ou o acto relevante para apurar se a autorização legislativa foi ou não tempestivamente utilizada pelo Governo.
Tal jurisprudência assenta nas seguintes linhas de força: de acordo com o preceituado no artigo 168º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) - versão de 1989 - 'as leis de autorização legislativa devem definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização, a qual pode ser prorrogada'; para que se considere respeitado o prazo da autorização legislativa, basta que ocorra dentro dele a aprovação pelo Conselho de Ministros do decreto-lei emitido no uso dessa autorização; a publicação de um decreto-lei não é elemento de validade, mas, tão só da sua eficácia; é certo que a falta de promulgação e de referenda importam a inexistência jurídica do acto, mas, para o efeito em causa - saber qual o momento atendível para aferir do uso tempestivo da autorização - é irrelevante atender ao momento da publicação e da referenda, bastando que a aprovação do diploma ocorra dentro do prazo fixado. Como se escreveu no Acórdão n.º 150/92
('Acórdãos do Tribunal Constitucional', 21º Vol.,pág.637): 'Para que se considere respeitado o prazo da autorização legislativa, basta que ocorra dentro desse prazo a aprovação pelo Conselho de Ministros do decreto-lei emitido no uso dessa autorização'
É esta jurisprudência (constante dos Acórdãos nºs 37/84,
59/84 e 80/84, todos publicados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, no 3º Vol., os três primeiros, e no 4º Vol., o último; mantida no Acórdão nº 400/89, in 'Acórdãos do Tribunal Constitucional',13º Vol., pág.1137 e no Acórdão nº
672/95, in 'Diário da República',IIª Série, de 20 de Março de 1996), que aqui se reitera, aduzindo a respectiva fundamentação esclarecedora:
'Por um lado, não constituindo a promulgação um acto da competência do Governo, não é de exigir que ela ocorra dentro do prazo concedido ao Governo para legislar em determinada matéria. Por outro lado, e quanto à possibilidade de o Governo antedatar diplomas –
[risco para que alerta J.J.Gomes Canotilho, in Direito Constitucional, 5ª ed., Coimbra, 1991, p.865] -, sempre se poderia estabelecer a presunção de que a sua aprovação ocorreu na data que deles consta (com admissão de prova em contrário). Finalmente, deve entender-se que o decreto-lei aprovado dentro do prazo da autorização legislativa «existe» para o efeito de se considerar respeitado esse prazo, como «existe» qualquer decreto do Governo enviado ao Presidente da República para promulgação e que este resolve enviar ao Tribunal Constitucional para efeito de apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer das suas normas.'
3. - No caso em apreço, o Decreto-Lei nº 54/83, de 1 de Fevereiro, cujo artigo Único determina que 'A sobretaxa de importação criada pelo Decreto-Lei nº 271-A/75, de 31 de Maio, estabelecida no artigo 1º do Decreto-Lei nº 110/79, de 3 de Maio, é fixada em 30%', foi editado ao abrigo da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 40/81, de 31 de Dezembro
(Orçamento Geral do Estado para 1982).
Esta sobretaxa - criada, como resulta da norma transcrita atrás, pelo Decreto-Lei nº 271-A/75, de 31 de Maio, cuja prorrogação até 31 de Dezembro de 1982 foi estabelecida pelo artigo 22º. alínea d), da Lei nº 40/81 (norma esta que o Acórdão nº 385/97 julgou não inconstitucional) - veio a ser prorrogada pelo Decreto-Lei nº 119-A/83, de 28 de Fevereiro até 31 de Dezembro de 1983.
A Lei de Autorização Legislativa do diploma em causa foi introduzida no Orçamento Geral do Estado para 1982 e, de acordo com o que a doutrina constitucional considerava mais correcto - de tal modo que veio depois a ser consagrado na revisão Constitucional de 1989 (cf. artigo 168º, nº5), tais autorizações quando incidam sobre matéria fiscal, só caducam no termo do ano económico a que respeitam.
Assim, o Decreto-Lei n.º 54/83 foi aprovado em Conselho de Ministros em 20 de Dezembro de 1982, mas apenas veio a ser publicado em 1 de Fevereiro de 1983.
Por outro lado, o diploma foi promulgado pelo Presidente da República em 19 de Janeiro de 1983 e foi referendado pelo Primeiro Ministro em 21 de Janeiro de 1983.
De acordo com a jurisprudência constitucional atrás referida, tendo o diploma em questão sido aprovado em 20 de Dezembro de 1982, isto é, antes de 31 de Dezembro de 1982 (termo do ano económico), não sofre o Decreto-Lei nº 54/83 de inconstitucionalidade orgânica por desrespeito do prazo de duração da lei de autorização, apesar de apenas ter sido publicado em 1 de Fevereiro de 1983. III - DECISÃO:
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida na parte impugnada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
15 UC’s.
Lisboa,13 de Julho de 1999 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Artur Maurício Luís Nunes de Almeida