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Proc. nº 341/99
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. M.... propôs contra I..., Lda. acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma ordinária, pedindo que fosse decretada a nulidade do processo disciplinar, a inexistência de justa causa e a consequente ilicitude do despedimento e que a Ré fosse condenada a reintegrá-lo no seu posto e local de trabalho ou, em alternativa, a pagar-lhe a indemnização por antiguidade prevista no n.º 3 do artigo 13º do Regime aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, bem como a quantia de 4.542.872$00 relativa a créditos emergentes da relação de trabalho, a quantia de 2.000.000$00 relativa a indemnização por danos morais sofridos pelo Autor em consequência da suspensão ilícita que lhe foi imposta e todas as retribuições que deixou de auferir desde 21 de Dezembro de
1995 até ao trânsito da sentença. Por sentença de 13 de Novembro de 1997 do Tribunal do Trabalho do Círculo Judicial de Viana do Castelo, foi a acção julgada improcedente por não provada, tendo a Ré sido absolvida do pedido e confirmado o despedimento do Autor decidido em 15 de Novembro de 1995 (fls. 922 e seguintes). O Autor apelou da sentença proferida. Já antes, aliás, interpusera dois recursos de agravo, o primeiro do despacho saneador, o segundo do despacho proferido em audiência de julgamento, que indeferiu a contradita de uma testemunha. O Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 22 de Junho de 1998, julgou improcedentes os agravos e a apelação, confirmando os despachos e a sentença recorridos (fls. 1036 e seguintes). O Autor recorreu de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
2. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 14 de Abril de 1999, negou provimento ao recurso de revista interposto por M... (fls. 1146 e seguintes). No texto deste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça lê-se, para o que aqui releva:
'[...]
3.1. Começa o Recorrente por arguir «múltipla omissão da pronúncia» por parte do acórdão recorrido, «ao não conhecer das diversas e sucessivas questões suscitadas pelo Recorrente na sua apelação» (cfr. conclusões nºs 28º a 32º da sua alegação). Diz-se no acórdão recorrido que «se não aprecia os pretensos vícios apontados pelo Recorrente à sentença como nulidades, previstas no art. 668º, nº 1, do C.P.C., porque o Recorrente não as arguiu no requerimento de interposição do recurso como é exigido pelo nº 1 do art. 72º do Cód. Proc. Trab.». O mesmo sucede, aliás, na presente revista. O Recorrente, no requerimento de interposição desta revista, invoca como fundamento do recurso, designadamente, a «violação quer da lei substantiva ordinária e constitucional, quer da lei adjectiva e ainda de algumas nulidades» não esclarecendo minuciosamente «quais nulidades». Tal referência não satisfaz a exigência do nº 1 do art. 72º do C.P.T. que, ao dizer «a arguição de nulidade da sentença...» pressupõe que desde logo, no requerimento, se especifique, ainda que sucintamente, qual (ou quais) a(s) nulidade(s) arguida(s). Deste modo, não tendo o Recorrente arguido (devidamente), no requerimento de interposição da revista, as nulidades atribuídas ao acórdão recorrido, fazendo-o apenas nas alegações, não pode este Supremo Tribunal conhecer dessas nulidades, por extemporaneidade, de acordo com a jurisprudência uniforme deste Tribunal no sentido de que a referida disposição legal impõe que a arguição de nulidade do acórdão da Relação seja feita, necessariamente, no requerimento de interposição de recurso (cfr., nomeadamente, os acórdãos de 17/2/93 e 6/3/96, em A.D. do S.T.A., nº 378º / 709, e C.J. – S.T.J., Ano IV, Tomo I, pág. 266, respectivamente). Entende o Recorrente que, a ser assim interpretado, aquele preceito legal – o nº
1 do art. 72º do C.P.T. – padeceria de «óbvia inconstitucionalidade material por violação dos preceitos e princípios dos arts. 2º, 20º, 205º e 207º da C.R.P. Não se concorda com tal entendimento. Na interpretação que lhe é dada por este Supremo – e foi dada pela Relação – o referido preceito legal não desrespeita os direitos e liberdades fundamentais (art. 2º), não dificulta o acesso aos Tribunais (art. 20º), não impede os Tribunais de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, dirimindo os conflitos de interesses públicos e privados (art. 205º), nem infringe o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (art. 207º, todas as disposições citadas da C.R.P.). Efectivamente: As partes têm «prazos razoáveis» para interpor recurso (ao abrigo do C.P.T.), prazo que é de quinze dias na apelação (art. 75º do C.P.T.), sendo dez dias na revista (art. 685º do C.P.C.). Tais prazos são mais que suficientes não só para se interpor recurso como para desde logo se enunciaram as nulidades que vão ser arguidas.
[...] Improcede, pois, o alegado nesta parte (não conhecimento pela Relação de pretensas nulidades da sentença).
3.2. Nas conclusões 33ª a 39ª o Recorrente alega que o acórdão recorrido «também comete evidentíssima omissão de pronúncia ao autenticamente 'passar por cima' de todas as (já atrás examinadas) questões relativas à matéria de facto...». Não tendo o Recorrente, como já se notou, arguido devidamente essas pretensas
«nulidades» no requerimento de interposição da presente revista, não pode este Supremo conhecer das mesmas, como tais. No entanto, por estarem em causa questões e decisões de que este Supremo possa eventualmente tomar conhecimento ou censurar, nos termos dos arts. 721º, nº 2,
722º, nº 2 e 729º, nºs 2 e 3 do C.P.C., sempre se dirá que o acórdão recorrido se pronunciou sobre tais questões, no âmbito do recurso do despacho proferido sobre a reclamação apresentada contra a especificação e o questionário – matéria a que o Recorrente se refere, ainda, nas conclusões 2ª a 13ª –, se bem que de forma muito sumária. Ora, neste âmbito – (eventual) erro na fixação dos factos materiais da causa – é bem sabido que o Supremo Tribunal de Justiça não pode alterar a decisão da 2ª instância quanto à matéria de facto, salvo nos casos excepcionais previstos no nº 2 do art. 722º da C.P.C. (cfr. arts. 721º, nº 2 e 729º, nº 2, do C.P.C.), isto por o fundamento específico do recurso de revista ser a violação da lei substantiva (art. 722º, nº 1, do C.P.C.).
[...]. E daí que o Supremo, segundo jurisprudência uniforme, só possa alterar a matéria de facto dada por provada pelas instâncias nos casos específicos previstos na parte final dessa disposição, que, no caso «sub judice», não ocorrem. No tocante à matéria de facto restará ainda a possibilidade de o Supremo, nos termos do nº 3 do art. 729º do C.P.C., ordenar a baixa do processo à Relação, caso se conclua que a decisão de facto pode e deve ser ampliada ou que existem contradições nessa decisão que inviabilizem a decisão jurídica do pleito – o que na devida altura será apreciado. Por todo o exposto, improcedem as conclusões 2ª e 13ª e 33ª a 39ª.
[...]
3.5. Na conclusão 15ª o Recorrente sustenta que o processo disciplinar que lhe foi instaurado padece de relevantes vícios que o tornam irremediavelmente nulo, nomeadamente: a) por não ter sido permitido ao Autor a consulta integral do processo; b) ao se subtrair ao seu conhecimento as partes mais importantes do mesmo; c) ao se proceder, tão propositada quanto injustificadamente, à marcação da inquirição de testemunhas do recorrente com menos de um dia útil de antecedência e para fora do local de residência; d) ao não inquirir infundamentadamente duas testemunhas arroladas pelo Autor na sua resposta à nota de culpa; e) ao adulterar conscientemente o depoimento prestado pelas testemunhas; f) ao não fundamentar devidamente a decisão do despedimento; e g) ao fazer figurar nessa decisão factos que não constavam da nota de culpa, pelo que tal processo deveria ter sido declarado nulo e consequentemente julgado ilícito o despedimento do Autor, por – tal como decorre dessa conclusão – violação dos nºs 4/5 e 8/10 do art. 10º do R.J.C.C.I.T. Vejamos: as nulidades do processo disciplinar estão taxativamente indicadas no nº 3 do art. 12º desse R.J.C.C.I.T. (da L.C.C.T.) [...]. O recorrente invoca as nulidades da alínea b) e de parte (no tocante aos fundamentos da decisão) da alínea c) do referido art. 12º. No tocante à falta de fundamentação (devida) – al. c) – manifesta e claramente que improcede o alegado pois que a decisão, depois de elencar mais de três dezenas de factos, conclui: «integrarem tais comportamentos (do Autor) o factualismo previsto nas al. a), b), c), d), e), i) do nº 2 do art. 9º do D.L. nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro»; «comportamentos» reveladores de «claro e absoluto desinteresse continuado pelo cumprimento diligente das tarefas inerentes às funções de director da empresa, vontade de ofender os seus subordinados de trabalho e causando grande prejuízo à economia da empresa, com violação reiterada dos deveres de obediência, diligência, lealdade e custódia, violando assim o disposto nas alíneas c), b), d), e) do nº 1 do art. 20º da L.C.T.»; pelo que «de imediato impossibilitava a subsistência da relação de trabalho». E daí que se decidiu aplicar ao Autor a sanção de despedimento com justa causa, decisão tomada pela Gerência do Réu – cfr. folhas 287 do pr. disciplinar –, ao «concordar inteiramente com a fundamentação e proposta do Sr. Instrutor, que subscreveu integralmente» (cfr. proposta de folhas 283/286 do proc. disciplinar). Não é possível, pois, concluir que a Ré não fundamentou devidamente a decisão de despedimento. Passemos aos direitos reconhecidos nos nºs 4 e 5 do art. 10º e no nº 2 do art.
15º do R.J.C.C.I.T., que o Autor diz terem sido desrespeitados, nos termos que expôs.
«O trabalhador dispõe de cinco dias úteis para consultar o processo e responder
à nota de culpa [...]» (nº 4 do art. 10º do R.J.C.C.I.T.). Diz o recorrente
(citadas alíneas a) e b)) que não lhe foi permitido a consulta integral do processo (depois de recebida a nota de culpa), ao se subtrair do seu conhecimento as partes mais importantes do mesmo. Ora, analisando a resposta do Autor à nota de culpa, não se vê – cfr. folhas 125/137 do proc. disciplinar – qualquer «queixa» nesse sentido. Antes da acusação existem no proc. disciplinar o auto de notícia, com despacho a ordenar a instauração, vários depoimentos e documentos, não provando o Recorrente que esses elementos lhe tenham sido
«escondidos», para dificultar a sua defesa. Improcede, assim, o alegado nesta parte. A marcação da inquirição de testemunhas do Recorrente (de uma 6ª feira para a 2ª feira seguinte) não integra qualquer vício, apenas relevando que essa inquirição se tenha feito. Improcede assim o alegado na alínea c). Na sua resposta à nota de culpa o Recorrente requereu a audição de 10 testemunhas e, por despacho de 14/11/95 – folhas 180 do proc. disciplinar –, foram admitidas essas testemunhas a depor, tendo sido solicitada à Ré, entidade patronal, para proporcionar meio de transporte às testemunhas para se deslocarem ao Porto, local da inquirição. Foram inquiridos, em 14/11/95, oito das dez testemunhas, faltando as testemunhas Dr. Armando Costa e Maria Manuela Sousa. No final da inquirição o arguido, ora Recorrente, requereu que fosse designada nova data para inquirição dessas duas testemunhas faltosas, o que foi indeferido pelo instrutor, em 15/11/95 (cfr. despacho de folhas 279 do proc. disciplinar).
[...]. Concorda-se, de um modo geral, com a fundamentação do despacho de indeferimento. Desenhava-se uma situação em que era previsível que a testemunha nada dissesse – nada pudesse dizer – com interesse, sobre a matéria, eventualmente recusar-se-ia a depor (ou, mesmo, a comparecer), tornando-se, nessa medida, uma frustrada (e dilatória) diligência. Depois, estava em causa (apenas) a matéria do ponto nº 10 da nota de culpa, onde se dizia que o arguido 'contratou (a testemunha), seu «amigo», para assistência
à empresa, pagando-lhe uma avença de 100.000$00, quando a empresa dispunha (já), habitualmente dos serviços (de dois advogados). E na resposta a essa
«insinuação» – como o arguido lhe chamou, no ponto 39 da sua resposta à nota de culpa – disse este que esse advogado «lhe foi recomendado como sendo um prestigiado advogado», que sempre correspondeu, pelo que «é, no mínimo, incorrecto afirmar que se tratou de uma despesa desnecessária quando é certo que a empresa não tinha mais nenhum advogado avençado». Afigura-se, do exposto, que pouco, de relevante, poderia dizer a testemunha sobre a matéria em causa – pouco mais (ou nada) poderia dizer do que sobre a possível amizade com o arguido, como possível causa da sua contratação. Daí que se aceite que a inquirição não era essencial, rondando a «impertinência» referida no nº 5 do art. 10º do R.J.C.C.I.T., sem prejuízo de se dar muito pouco
(ou nenhum) relevo ao facto em causa – um dos escritos de que o arguido, ora Recorrente, foi acusado – aquando da (eventual) apreciação da justeza (ou não) do seu despedimento. Improcede, assim, o alegado vício – não inquirição, infundadamente, de duas testemunhas. Na referida alínea e) sustenta o Recorrente, que foi adulterado conscientemente o depoimento prestado pelas testemunhas, mas tal facto não se mostra comprovado. Os autos de inquirição estão assinados, não há nenhum protesto, salvo do Exmº. Advogado do arguido – folhas 269 do proc. disciplinar –, não sendo possível concluir, como o faz o arguido – que os autos têm omissões, que as «respostas escritas» foram induzidas, não correspondendo ao sentido querido pelas respostas dadas pelas testemunhas. Improcede, por isso, o alegado, neste ponto. Diz-se, por fim, que a decisão punitiva contém factos que não constavam da nota de culpa. Mas tal não resulta da análise comparativa das duas referidas peças processuais, pelo que improcede a arguição. Não contém, pois, o processo disciplinar os vícios apontados, não podendo, por isso, ser anulado, nos termos do nº 3 do art. 12º do R.J.C.C.I.T., e sendo manifestamente injustificada a invocação dos arts. 32º – «garantias do processo criminal» – e 53º – «segurança no emprego» – da C.R.P., como normas violadas com tal entendimento.
[...]'
3. M..., por requerimento de fls. 1171, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendendo que fosse apreciada a inconstitucionalidade das normas constantes do artigo 10º, n.ºs 4 e 5, do Regime Jurídico da Cessação do Contrato de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, bem como do artigo 72º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho. Invocou, nesse requerimento, a violação dos artigos 32º e 53º, bem como dos artigos 2º, 205º e 207º da Constituição. Disse ainda que tais inconstitucionalidades foram arguidas pelo recorrente nas alegações de recurso de apelação, no que ao artigo 10º do R.J.C.C.I.T. diz respeito, e nas alegações de recurso de revista, no que àquela disposição legal e à do artigo 72º, n.º 1, do C.P.T. se refere.
4. Já no Tribunal Constitucional, e tendo em conta que, das peças processuais indicadas pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso, decorre que se pretende questionar a constitucionalidade de uma determinada interpretação das normas dos artigos 10º, n.ºs 4 e 5, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, e 72º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, foi o recorrente, por despacho da relatora de fls. 1174 e v.º, convidado a explicitar o sentido atribuído a tais normas na decisão recorrida que considera desconforme com a Constituição e que pretende que o Tribunal Constitucional aprecie. Notificado deste despacho, veio o recorrente dizer o seguinte (fls. 1175 a
1176):
'[...] a) Quanto ao art. 72º, nº 1 do C.P.T., o sentido é o de que, devendo embora o requerimento de interposição de recurso de apelação ser logo acompanhado das respectivas alegações, numa única peça processual, as nulidades da sentença recorrida deixariam de poder ser conhecidas pelo Tribunal Superior, por mais evidentes e graves que fossem, acaso houvesse sido (apenas) arguidas na parte
(da mesmíssima peça processual) das alegações propriamente, e não na parte do requerimento de interposição do recurso, o que se afigura designadamente uma evidente – e absolutamente injustificada – postergação do direito de acesso ao Direito e aos Tribunais, senão mesmo uma autêntica denegação de Justiça por razões (aliás infundadas) meramente formais. b) No que concerne aos nºs 4 e 5 do art. 10º do R.J.C.C.I.T. aprovado pelo Dec. Lei 64-A/89 o sentido é o de que, interpretados e aplicados como foram, seria legalmente possível à entidade patronal não permitir ao trabalhador arguido a consulta integral do processo disciplinar em que é arguido, subtraindo-lhe o conhecimento das partes mais relevantes do mesmo; ou proceder, para mais de todo injustificadamente, à marcação da inquirição de testemunhas do arguido, com menos de um dia útil de antecedência (!?) e para fora do local da residência; ou não inquirir, para mais também injustificadamente, duas testemunhas arroladas pelo trabalhador/arguido na sua resposta à nota de culpa; ou adulterar conscientemente o depoimento prestado pela testemunha inquirida; ou não fundamentar devidamente a decisão de despedimento; ou, finalmente, fazer figurar nessa decisão final factos que não constavam da nota de culpa e, consequentemente, sobre os quais se não pôde exercer-se o contraditório; o que tudo claramente configura violação dos preceitos e princípios constitucionais que garantem as máximas garantias de defesa de qualquer arguido (preceitos e princípios estes próprios do processo penal, mas aplicáveis a todo o direito disciplinar laboral) e que estabelecem a proibição dos despedimentos arbitrários.'
5. Nas suas alegações (fls. 1178 a 1192), concluiu o recorrente do seguinte modo:
'1º- O artº 72º do C.P.T., se interpretado e aplicado como o foi no Acórdão recorrido, consubstancia uma visão em absoluto formalista do direito adjectivo, ao arrepio da moderna evolução deste e em completa contradição com os mais basilares princípios estruturantes do Estado de direito democrático,
2º- Representando um obstáculo e um impedimento para que o cidadão (trabalhador) que vai a Juízo veja a sua causa devidamente analisada e decidida pelos Tribunais. Assim,
3º- Interpretado e aplicado como o foi, o referido art. 72º do C.P.T. padece de evidente inconstitucionalidade material, por violação designadamente dos arts
2º, 205º e 207º, todos da C.R.P. Por outro lado,
4º- O processo disciplinar instaurado pela R. ao A. e que culminou com o seu despedimento (já perfeitamente pré-decidido) padece de relevantes vícios que o tornam irremediavelmente nulo, nomeadamente por não ter sido permitido ao A. a consulta integral do processo, ao se subtrair ao seu conhecimento as partes mais importantes do mesmo, ao se proceder, tão propositada quanto injustificadamente,
à marcação da inquirição de testemunhas do recorrente com menos de um dia útil de antecedência e para fora do local de residência, ao não inquirir infundamentadamente duas testemunhas arroladas pelo A. na sua resposta à nota de culpa, ao adulterar conscientemente o depoimento prestado pelas testemunhas, ao não fundamentar devidamente a decisão do despedimento e ao fazer figurar nessa decisão factos que não constavam da nota de culpa. Ora,
5º- Se os nºs 4 e 5 do art. 10º do R.J.C.C.I.T. pudessem ser interpretados e aplicados no sentido de permitirem esse tipo de actuações por parte da entidade patronal, eles padeceriam de evidente inconstitucionalidade material, por violação dos preceitos e princípios constitucionais, maxime os dos arts. 32º e
53º da C.R.P.
6º- Já que os basilares princípios constitucionais do respeito pelo contraditório e das máximas garantias de defesa do arguido não são apenas aplicáveis ao processo penal, mas a todo o processo sancionatório.
7º- E sendo assim certo que, nos termos do art. 18º da C.R.P., esses preceitos e princípios são directa e imediatamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
8º- Os vícios em causa foram oportunamente arguidos pelo ora recorrente no decurso do processo, pelo que nada obsta ao seu conhecimento por parte deste Tribunal Constitucional.
[...].'
A recorrida, nas suas alegações (fls. 1195 a 1211), veio dizer, em síntese, que:
'Quanto à interpretação e aplicação do art. 72º do CPT, limita-se o recorrente, nas referidas conclusões, a sustentar que padeceria a mesma de evidente inconstitucionalidade material, por violação designadamente dos art.ºs 2º, 205º e 207º, todos da CRP. Mas não dá qualquer indicação nessas conclusões do sentido com que foi a norma interpretada/aplicada, como é que, à luz dos invocados artigos da CRP, seria essa interpretação/aplicação inconstitucional, e, finalmente, em que sentido deveria então o art. 72º ser interpretado/aplicado. [...] Face a esse silêncio do recorrente nas conclusões da alegação, não pode esse Alto Tribunal substituir-se-lhe, como parece pretender o recorrente, numa actividade exploratória que supra tais deficiências. E, sendo assim como é, face à inconsistência e indefinição das razões de discordância (não) explanadas nas conclusões, não deverão V. Ex.ªs conhecer da questão suscitada. Mas, a entenderem diferentemente, ainda assim o resultado deverá ser desfavorável ao recorrente.
[...] Com efeito, está-se no domínio dos recursos, quer para a 2ª instância, quer para o STJ em que o comando técnico do art. 72º do CPT se dirige aos mandatários judiciais, obrigatoriamente intervenientes. E visa disciplinar o, correcto e tecnicamente complexo, funcionamento das regras dos recursos, com vista a facilitar a correcção, justeza e eficácia do labor dos Tribunais Superiores na apreciação das questões postas.
[...] Veja-se, aliás a grande tecnicidade exigida, v.g. no art. 412º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Penal, que V. Ex.ªs, pelo acórdão n.º 38/97, não julgaram inconstitucional.
[...] Finalmente, importa sublinhar que o douto acórdão recorrido embora tenha feito a impugnada interpretação do art. 72º do CPT, o certo é que acabou por a não aplicar.
[...] não pode conhecer-se da primeira questão suscitada, por na prática a decisão em causa não se ter recusado a conhecer das faladas questões por ter acolhido a impugnada interpretação do art. 72º do CPT. Quanto à 2ª questão, aos vícios de que sofreria o processo disciplinar instaurado pela R. ao A., que conduziu ao seu despedimento, [...] os invocados vícios partem necessariamente de uma base de facto e poderão (ou não) densificar-se em sede de subsunção. Ora, os factos estão definitivamente assentes no âmbito deste processo e não podem ser alterados por esse Alto Tribunal. E deles não resulta o quadro de que parte o recorrente na sua impugnação. Na verdade, a matéria de facto fixada não permite sustentar as afirmações, nessa sede, feitas pelo recorrente.
[...] E, em sede de subsunção, o STJ no douto acórdão recorrido concluiu fundamentadamente, face àquela matéria de facto, que nenhum dos vícios invocados se verificava.
[...] Face ao julgamento feito no douto acórdão quanto àquelas questões, não pode, pois, partir-se para a afirmação de que aquele aresto teria aplicado os normativos invocados numa interpretação inconstitucional. Antes se impõe a conclusão de que o STJ aplicou aqueles normativos numa interpretação conforme à Constituição, exactamente porque concluiu que não se verificou nenhuma das circunstâncias que permitiriam afirmar a existência dos pretendidos vícios. O que tudo significa que o recorrente, a coberto da alegada inconstitucionalidade, mais não pretende do que alterar o julgamento efectuado pelo STJ, depois de esgotado o seu poder jurisdicional. Termos em que não deve ser conhecido o presente recurso. Ou, não se entendendo assim, deve ser-lhe negado cumprimento.'.
Atenta a questão prévia do não conhecimento do recurso suscitada pela recorrida, foi ordenada, por despacho de fls. 1212, a notificação do recorrente para responder, o que este fez, concluindo pela improcedência de tal questão (fls.
1213 a 1216).
6. Posteriormente, veio o recorrente requerer (fls. 1217) a junção aos autos de um parecer jurídico sobre a constitucionalidade do n.º 1 do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho, subscrito pelo Professor Rui Medeiros, de que se salientam as seguintes conclusões:
'1. O entendimento que as instâncias entenderam dever atribuir ao n.º 1 do artigo 72º do Código de Processo de Trabalho impediu o conhecimento das nulidades – exaustivamente fundamentadas pelo recorrente – da sentença que, em primeira instância, negou a ilicitude do despedimento, pelo que a questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente é uma questão juridicamente relevante.
[...]
4. No caso sub judice, o entendimento que as instâncias atribuíram ao n.º 1 do artigo 72º do Código de Processo de Trabalho não revela qualquer ponderação de interesses que objectivamente justificasse a compressão do direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais. Pelo contrário, ao negar pura e simplesmente o conhecimento das nulidades invocadas com o fundamento de que as mesmas não foram invocadas na primeira parte da respectiva peça processual, a Relação e o Supremo Tribunal de Justiça aplicaram o n.º 1 do artigo 72º do Código de Processo de Trabalho com um sentido arbitrário e violador do princípio pro actione, corolário do direito de acesso ao direito e aos tribunais e do princípio da proporcionalidade.'. Notificada da junção do mencionado parecer, veio a recorrida dizer quanto ao mesmo, e em síntese, o seguinte (fls. 1240 a 1241):
'[...] No caso não faz sentido conhecer sequer da invocada inconstitucionalidade da interpretação feita do art. 72º, n.º 1, do C.P.T. porque, independentemente da resposta a dar a tal questão, o problema já se encontra resolvido, seja, o STJ acabou por conhecer efectivamente da questão das invocadas nulidades e resolveu-a desfavoravelmente quanto à pretensão do recorrente, e assim, sendo inútil a decisão a proferir em sede deste Tribunal. [...] não é excessiva a interpretação do art. 72º, n.º 1, C.P.T. feita pelo STJ e também pelo TRP, [...] excessivo é sim não saber ler o preceito em causa. [...]'.
II
A. Quanto ao artigo 72º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho
7. O artigo 72º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30 de Outubro, tem como epígrafe 'arguição de nulidade da sentença', e o seu n.º 1 reza assim:
'A arguição de nulidade da sentença é feita no requerimento de interposição do recurso'.
O actual Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, regula a arguição de nulidades da sentença no artigo 77º, dispondo agora o n.º 1 deste preceito que: 'A arguição de nulidades da sentença
é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso'. Verifica-se, pois, que no tocante ao modo de arguição das nulidades da sentença, quando se interponha recurso, o Código actual formula duas exigências que não se encontravam contidas no teor literal do correspondente preceito anterior: a de a arguição ser expressamente feita, e a de ser separadamente feita. Quanto ao mais, existe correspondência entre os dois preceitos.
8. Será inconstitucional a norma do artigo 72º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981, quando interpretada no sentido de que 'devendo embora o requerimento de interposição de recurso de apelação ser logo acompanhado das respectivas alegações, numa única peça processual, as nulidades da sentença recorrida deixariam de poder ser conhecidas pelo Tribunal Superior, por mais evidentes e graves que fossem, acaso houvessem sido (apenas) arguidas na parte (da mesmíssima peça processual) das alegações, e não no requerimento de interposição do recurso' (cfr. esclarecimento do recorrente prestado a fls. 1175 e 1176), em confronto, designadamente, com o disposto nos artigos 2º, 20º, 205º e 207º da Constituição da República Portuguesa? Este o objecto do recurso, tal como foi delimitado pelo recorrente.
9. Antes de analisar esta questão, cumpre analisar as duas questões prévias suscitadas pela recorrida:
– a de que o recorrente não invocou, nas conclusões das alegações produzidas perante o Tribunal Constitucional, o sentido da interpretação da norma constante do n.º 1 do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho, que considera inconstitucional;
– a de que a decisão recorrida acabou por não aplicar aquela norma, com a mencionada interpretação. A verificação de qualquer uma destas circunstâncias importaria o não conhecimento do objecto do recurso.
9.1. Relativamente à primeira questão prévia, considera-se que a recorrida não tem razão. O artigo 690º, n.º 4, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 69º da Lei do Tribunal Constitucional, determina que quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou não contenham certas especificações, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, sob pena de não se conhecer do recurso, na parte afectada. Portanto, o não conhecimento do objecto do recurso só ocorre quando o recorrente não acolhe o convite, não constituindo consequência automática da deficiência. Assim sendo, face à irregularidade detectada, a consequência não podia ser a imediata rejeição do conhecimento do recurso. Seria, eventualmente, o convite ao recorrente. Mas como, por despacho da relatora de fls. 1174, proferido ao abrigo do artigo
75º-A, n.º 6, da Lei do Tribunal Constitucional, já o recorrente havia sido notificado para explicitar o sentido atribuído à norma constante do n.º 1 do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho que reputava inconstitucional – convite que o recorrente acolheu –, seria manifestamente excessivo convidá-lo outra vez a suprir a deficiência. Tal só se justificaria se, da leitura das próprias alegações, resultasse pouco compreensível aquilo que o recorrente pretendia e, em consequência, o exercício do contraditório pela recorrida pudesse ser restringido. Não era, porém, o caso – tendo a recorrida, aliás, como decorre da leitura das suas alegações, compreendido perfeitamente aquilo que o recorrente pretende –, pelo que não se justificava um novo convite ao recorrente ou, eventualmente, a notificação à recorrida do esclarecimento prestado pelo recorrente a este tribunal (fls. 1175 a 1176). Quer isto dizer que não só a aplicação subsidiária do artigo 690º, n.º 4, do Código de Processo Civil não importa uma automática consequência desfavorável para o recorrente como também que essa aplicação subsidiária sofre as necessárias adaptações decorrentes do preceituado no artigo 75º-A, n.º 6, da Lei do Tribunal Constitucional.
9.2. Relativamente à segunda questão prévia, também a recorrida não tem razão. Com efeito, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça começa-se por dizer (ponto
3.1.), por referência às conclusões n.ºs 28º a 32º das alegações produzidas pelo recorrente na revista (fls. 1064 e seguintes), que, ao interpor o recurso de revista, o recorrente devia ter arguido a nulidade do acórdão da Relação, por omissão de pronúncia quanto a pretensas nulidades da sentença da 1ª instância, no próprio requerimento de interposição da revista. Confirma-se também o entendimento da Relação segundo o qual seria extemporânea a invocação das nulidades da sentença da 1ª instância nas alegações da apelação, dado que essa arguição devia ter sido feita no requerimento de interposição da apelação. Para chegar a estas duas conclusões, o Supremo Tribunal de Justiça invocou o disposto no n.º 1 do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho, tendo sustentado que este preceito legal, com tal interpretação, não seria inconstitucional. Seguidamente, e por referência às conclusões n.ºs 33º a 39º das alegações produzidas pelo recorrente na revista, diz-se nesse acórdão (ponto 3.2.) que, ao interpor o recurso de revista, o recorrente devia ter arguido a nulidade do acórdão da Relação, por omissão de pronúncia quanto a certas questões relativas
à matéria de facto, no próprio requerimento de interposição da revista. Para se chegar a esta conclusão, invocou-se novamente o disposto no n.º 1 do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho, mas considerou-se que, como estavam em causa questões e decisões de que o Supremo podia eventualmente conhecer ou censurar, cumpria dizer que 'o acórdão recorrido se pronunciou sobre tais questões, no
âmbito do recurso do despacho proferido sobre a reclamação apresentada contra a especificação e o questionário – matéria a que o recorrente se refere, ainda, nas conclusões 2ª a 13ª, se bem que de forma muito sumária.'. Isto é: o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre a nulidade do acórdão da Relação, por omissão de pronúncia quanto a pretensas nulidades da sentença da 1ª instância, pois que, em virtude da interpretação que deu ao n.º 1 do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho, considerou extemporânea a invocação dessa nulidade perante o Supremo Tribunal de Justiça. Só se pronunciou (apesar da interpretação que deu a este preceito) sobre a nulidade do acórdão da Relação, por omissão de pronúncia quanto a certas questões relativas à matéria de facto. Assim sendo, verifica-se que, em relação à questão da nulidade do acórdão da Relação, por omissão de pronúncia quanto a pretensas nulidades da sentença da 1ª instância, o Supremo Tribunal de Justiça efectivamente aplicou o disposto no n.º
1 do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho, numa certa interpretação. Assim sendo, há que tomar conhecimento do objecto do presente recurso quanto à referida norma do Código de Processo do Trabalho.
10. No acórdão n.º 266/93 do Tribunal Constitucional, de 30 de Março de
1993 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º Vol., 1993, p. 699 ss), apreciou-se uma questão de constitucionalidade que, sendo embora diversa da que constitui objecto do presente recurso, no que ao artigo 72º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981 diz respeito, foi resolvida de acordo com um critério que agora também deve ser seguido. A questão incidia sobre uma dada interpretação do artigo 76º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981, perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão recorrido. Tal artigo 76º, n.º 1, dispõe o seguinte: 'O requerimento de interposição de recurso deverá conter a alegação do recorrente, além da identificação da decisão recorrida, especificando, se for caso disso, a parte dela a que o recurso se restringe. ' Lê-se nesse acórdão, para o que aqui releva:
'[...] importa reter este dado legislativo fundamental: existe um Código de Processo do Trabalho diverso do Código de Processo Civil, não tendo triunfado em
1981 a orientação de política legislativa que preconizava a integração da lei processual do trabalho na lei processual civil. Quer dizer, a integração dos tribunais de trabalho na ordem dos tribunais judiciais não foi acompanhada pela eliminação da autonomia do processo laboral e da sua lei reguladora. No preâmbulo do Decreto-Lei nº 272-A/81, que aprovou o Código de Processo do Trabalho vigente, afirmou-se ser desejável «levar mais longe a simplificação do processo do trabalho, mas julgou-se ser inconveniente prosseguir antes de concluída a primeira fase da revisão do Código de Processo Civil». Em matéria de recursos, confessou o legislador que a regulamentação destes foi feita de forma diferente da proposta no Código de Processo do Trabalho de 1979, isto enquanto se não procedia «a um estudo sério neste capítulo e que também se encontra em curso no âmbito da já referida revisão do processo civil».
[...]. No que toca ao prazo e modo de interposição dos recursos em processo laboral, os arts. 75º e 76º do Código de Processo do Trabalho não se referem especialmente ao recurso de revista e, relativamente ao recurso de agravo, não distinguem os recursos de agravo interpostos em primeira e em segunda instância. A jurisprudência foi, assim, chamada a fixar a interpretação da nova regulamentação e a integrar eventuais lacunas, de harmonia com o disposto no art. 1º do Código de Processo do Trabalho, tendo em especial em conta o princípio estabelecido no nº 2 deste artigo (não aplicação das normas subsidiárias «quando forem incompatíveis com a índole do processo regulado neste Código»). No que toca apenas ao prazo e modo de interposição de recursos de natureza cível em processo laboral, a jurisprudência considerou que o disposto nos arts. 75º, nº 1, e 76º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho era aplicável quer ao agravo interposto em primeira instância, quer ao agravo interposto em 2ª instância, em virtude de este Código não distinguir entre os dois casos [...]. Só quanto à revista e relativamente à lacuna de regulamentação quanto ao prazo e modo de interposição deste recurso, tem sido controvertido na jurisprudência saber se se aplica o regime do agravo previsto no Código de Processo do Trabalho ou o regime específico estabelecido no Código de Processo Civil, inclinando-se a jurisprudência maioritariamente neste último sentido [...].
[...] O acórdão recorrido acolheu a orientação jurisprudencial uniforme que considera que o art. 76º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho abrange não só o agravo interposto de decisões proferidas em 1ª instância, como o agravo interposto de decisões proferidas em segunda instância. Como é evidente, é vedado a este Tribunal censurar a bondade da interpretação feita, salvo se a mesma se vier a mostrar contrária à Constituição. Pretende o recorrente que tal interpretação, implicando a aplicação do regime do art. 76º, nº 1, também ao agravo interposto de decisões de segunda instância, contraria o art. 20º, nº 1, da Constituição. Mas não tem razão. A exigência de a alegação ter de constar do requerimento de interposição de recurso ou, quando muito, de ter de ser apresentada no prazo de interposição do recurso de oito dias, não diminui, por si mesma, as garantias processuais das partes, nem acarreta um cerceamento das possibilidades de defesa dos interesses das partes que se tenha de considerar desproporcionado ou intolerável. Na verdade, o legislador tem ampla liberdade de conformação no estabelecimento das regras sobre recursos em cada ramo processual, não se vendo que o sistema constante do art. 76º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, na interpretação agora impugnada, seja em si mais gravoso do que o estabelecido no Código de Processo Civil, em que a alegação nos agravos tem de ser apresentada também no prazo de oito dias, embora este prazo se conte da notificação do despacho de admissão do recurso. Há uma preocupação de maior celeridade e economia processual no domínio das leis regulamentadoras do processo de trabalho, visando no fundamental evitar que as demoras do processo penalizem as partes mais fracas do ponto de vista económico, os trabalhadores, os sinistrados e os seus familiares. Só no caso de não vir a ser admitido o recurso interposto é que as partes se poderão queixar da inutilidade da apresentação de alegações (cfr. art.
77º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho), mas tal inconveniente não é susceptível de fundamentar, por si só, um juízo de inconstitucionalidade do art.
76º, nº 1, do mesmo diploma.
[...] Por último, e decisivamente, a concessão de um prazo de 8 dias para motivação do recurso de agravo interposto de decisão proferida em segunda instância não se revela passível de censura constitucional, pois tal prazo não pode considerar-se intoleravelmente exíguo, tanto mais que o objecto desta espécie de recurso tem a ver em regra com a impugnação de decisões respeitantes a matérias processuais, de menor complexidade, como decorre da conjugação dos arts. 721º, 722º e 754º, alínea b), do Código de Processo Civil. Não existe, assim, o risco denunciado pelo recorrente, nas suas alegações, de que possa chegar-se a «uma justiça pronta mas materialmente injusta» (s fls. 193 dos autos). Acrescente-se que a fixação de prazo para alegações em recursos oscila, no nosso direito e nos diferentes ramos, entre oito e vinte dias, fazendo apenas excepção o caso de reclamação prevista nos arts. 688º e 689º do Código de Processo Civil, em que a fundamentação tem de constar do requerimento de interposição, tendo este de ser apresentado no prazo de cinco dias a contar da notificação do despacho reclamado.
[...]' Também no acórdão n.º 51/88 (publicado no Diário da República, II Série, n.º
193, de 22 de Agosto de 1988 e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 375, p.
109 ss) o Tribunal Constitucional tinha considerado que essa interpretação do n.º 1 do artigo 76º do Código de Processo do Trabalho de 1981 não violava o princípio constitucional da igualdade nem o direito de recurso aos tribunais. Escreveu-se aí:
'O T. Const. tem entendido em sucessivos acórdãos (cfr., por último, os Acs.
358/86, 359/86 e 31/87, publicados, respectivamente, no DR, 2ª, de 11-4-87 e
1-4-87) que tal garantia [a prevista hoje no art. 20º, nº 1, da Constituição] não abrange a obrigatoriedade da existência, para todas as decisões, de um duplo grau de jurisdição nem, muito menos, que esteja constitucionalmente garantido o triplo grau de jurisdição, isto é, o direito de recurso, em qualquer caso, ao S.T.J.. Não é, porém, nesta perspectiva que o recorrente invoca a violação do art. 20º, nº 2, da Constituição [hoje, a referência deve ter-se como feita para o nº 1 deste artigo]. Pretende ele que, com a mera interposição do recurso na 2ª instância, no prazo estabelecido, já havia cumprido o ónus legalmente necessário com vista a assegurar o acesso ao STJ para a legítima defesa dos seus interesses
[...]. Mas não é assim. Se é certo poder dizer-se que, não obstante a Constituição da República não adiantar expressamente nenhum princípio em matéria de recursos, tal matéria não
é constitucionalmente neutra, nem significa que a lei possa discipliná-la de forma arbitrária (cfr. o Ac. 199/86, no DR, 2ª S. de 25-8-86), a verdade é que não se consegue descortinar, neste caso, qualquer violação do art. 20º, nº 2, da Constituição [...]. Mas é evidente que essa especialidade [do regime do direito processual laboral, face ao civil] não coarcta ou elimina, ou sequer dificulta de modo particularmente oneroso, o direito ao recurso que o CPT reconhece, não violando o art. 20º, nº 2, da Constituição, pois que, se o recorrente cumprir a obrigação que a lei lhe impõe de fazer a sua alegação de recurso no requerimento de interposição, o processo seguirá os seus termos.'
11. A orientação espelhada nos acórdãos acabados de transcrever deve ser mantida no caso sub judice, com as devidas adaptações. A interpretação do n.º 1 do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho de
1981, adoptada no acórdão recorrido, não pode, evidentemente, ser questionada pelo Tribunal Constitucional, no que se refere à sua correcção perante o texto legal. Importa apenas averiguar se essa interpretação elimina ou dificulta de modo particularmente oneroso o direito ao recurso reconhecido pelo Código de Processo do Trabalho e que o artigo 20º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa impede que seja arbitrariamente disciplinado. Refira-se, antes do mais, que sendo embora certo que o Código de Processo Civil não contém regra expressa a determinar que as nulidades da sentença sejam arguidas no requerimento de interposição do recurso – parecendo antes que, podendo estas constituir fundamento de recurso (artigo 668º, n.º 3), devem ser arguidas nas alegações, se esse recurso for interposto (artigo 690º, n.º 1) –, também contempla casos em que o fundamento específico do recurso deve ser indicado no próprio requerimento de interposição (artigo 687º, n.º 1). Significa isto que a exigência contida no n.º 1 do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho, na interpretação perfilhada no acórdão recorrido, e no que se refere à exigência de o fundamento do recurso ser invocado no requerimento e não nas alegações, não se apresenta como anómala ou arbitrária face ao próprio sistema processual civil: sistema que, como se assinala no transcrito acórdão n.º 266/93, é distinto do processual laboral. Refira-se, em segundo lugar, que a circunstância de, no processo de trabalho, o requerimento de interposição do recurso e as alegações constarem da mesma peça processual (artigo 76º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981), não constitui qualquer indício no sentido de ser arbitrária ou puramente formalista a exigência contida no n.º 1 do artigo 72º deste Código, na interpretação veiculada no acórdão recorrido. Podem existir motivos para, na parte dessa peça que contém o requerimento, se exigir a invocação do fundamento do recurso. Como se salientou no referido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 266/93, há uma preocupação de maior celeridade e economia processual no domínio das leis regulamentadoras do processo de trabalho. De acordo com a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça sobre o n.º 1 do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho – a que se faz referência no acórdão recorrido e, nomeadamente, em A. Mendes Baptista (Código de Processo do Trabalho anotado, Lisboa, 2000, anotação ao artigo 77º, p. 149-151) – é essa preocupação que justifica o particular regime de arguição de nulidades da sentença no processo de trabalho: a invocação das nulidades no próprio requerimento de interposição do recurso permitiria ao juiz que proferiu a decisão suprir a nulidade antes da subida do recurso. Se bem que, também no processo civil seja possível ao juiz que proferiu a decisão suprir as nulidades respectivas antes da subida do recurso (artigo 668º, n.º 4, do Código de Processo Civil), sem se exigir, todavia, que a arguição dessas nulidades se faça no próprio requerimento de interposição do recurso, compreende-se que a particular celeridade e economia processual exigida no processo do trabalho se reflicta num cuidado acrescido do recorrente na delimitação dos fundamentos do recurso, quando eles se traduzam em nulidades da sentença. Sem prejuízo de, nas suas alegações, invocar tais nulidades como fundamentos do recurso, a exigência dessa invocação no próprio requerimento possibilita ao tribunal recorrido a sua mais rápida e clara detecção e consequente suprimento. Trata-se de formalidade que, sobretudo quando o requerimento de interposição do recurso e as alegações constam da mesma peça processual, pode parecer excessiva e inútil, mas que ainda se justifica por razões de celeridade e economia processual. Em terceiro lugar, refira-se que, além de não ser anómala face ao sistema processual civil e de se justificar por razões de economia e celeridade processual, a interpretação acolhida no acórdão recorrido não implica a constituição, para o recorrente, de um pesado ónus, que pudesse dificultar de modo especialmente oneroso o exercício do direito ao recurso. Ao interpor o recurso, sabe certamente a parte vencida quais os fundamentos do recurso que pretende invocar: assim sendo, a exigência de que os indique no próprio requerimento em nada constitui uma incumbência que não possa levar a cabo ao interpor o recurso. Tanto mais, que, se se considerarem os prazos de interposição dos recursos, eles são perfeitamente razoáveis (artigo 75º do Código de Processo do Trabalho de 1981). Finalmente, alega o recorrente que a solução do acórdão recorrido é drástica, dado que optou pela solução do não conhecimento do objecto do recurso, por extemporaneidade, em vez de ter 'admitido a possibilidade de o recorrente aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso', ou de 'começar por dar ao recorrente a possibilidade de regularizar o requerimento' (cfr. parecer junto a fls. 1218 e segs.). Simplesmente, não pode considerar-se incluído, dentro do direito ao acesso aos tribunais, o direito à obtenção de um despacho de aperfeiçoamento, quando se verifiquem obstáculos ao conhecimento do objecto do recurso: casos há (vários, aliás, no Código de Processo Civil: cfr., por exemplo, artigos 687º, n.º 3, 1ª parte, ou 690º, n.º 3) em que, por impossibilidade de suprimento do vício, pela gravidade deste, ou por razões de disciplina da própria actividade processual, se justifica que o recorrente sofra imediatamente as consequências do inadequado exercício do direito ao recurso, sem lhe ser dada uma segunda oportunidade para o exercer adequadamente. Não se verificando qualquer justo impedimento para a não arguição atempada das nulidades da sentença, a possibilidade de convite à parte para sanar o vício, que o recorrente reivindica como corolário do princípio pro actione, enquadra-se ainda dentro da liberdade de conformação do legislador. Não padece, pois, de inconstitucionalidade a norma constante do n.º 1 do artigo
72º do Código de Processo do Trabalho, na interpretação perfilhada na decisão recorrida, em confronto com o direito de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, ou em confronto com o princípio da proporcionalidade. Nem nela, consequentemente, se vislumbra qualquer assomo de inconstitucionalidade face à ideia de Estado de Direito consagrada no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa. Nem se compreende em que medida podem ser afectadas as normas constantes dos artigos 205º e 207º da Constituição da República Portuguesa, que manifestamente não regulam situações como a do caso sub judice.
B. Quanto ao artigo 10º, n.ºs 4 e 5, do Decreto-Lei n.º 64-A/89
12. Determinam os n.ºs 4 e 5 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de
27 de Fevereiro:
'Artigo 10º
(Processo)
[...]
4. O trabalhador dispõe de cinco dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.
5. A entidade empregadora, directamente ou através de instrutor que tenha nomeado, procederá obrigatoriamente às diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo, nesse caso, alegá-lo fundamentadamente, por escrito.
[...].'
13. Relativamente à invocada inconstitucionalidade dos n.ºs 4 e 5 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro – na interpretação segundo a qual (cfr. esclarecimento do recorrente, a fls. 1175) 'seria legalmente possível à entidade patronal não permitir ao trabalhador arguido a consulta integral do processo disciplinar em que é arguido, subtraindo-lhe o conhecimento das partes mais relevantes do mesmo; ou proceder, para mais de todo injustificadamente, à marcação da inquirição de testemunhas do arguido, com menos de um dia útil de antecedência (!?) e para fora do local da residência; ou não inquirir, para mais também injustificadamente, duas testemunhas arroladas pelo trabalhador/arguido na sua resposta à nota de culpa; ou adulterar conscientemente o depoimento prestado pela testemunha inquirida; ou não fundamentar devidamente a decisão de despedimento; ou, finalmente, fazer figurar nessa decisão final factos que não constavam da nota de culpa e, consequentemente, sobre os quais se não pôde exercer-se o contraditório' –, é evidente que não pode conhecer-se do objecto do recurso, como aliás sustentou a recorrida nas suas alegações. O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – a alínea invocada pelo recorrente – é o recurso que cabe das decisões dos tribunais 'que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo'. Ora, o recorrente não pretende que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade dos n.ºs 4 e 5 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, numa dada interpretação. Pretende apenas que o Tribunal Constitucional censure a valoração que o Supremo Tribunal de Justiça fez dos factos que ficaram provados no processo, e que lhe permitiram concluir terem sido respeitados os direitos reconhecidos ao trabalhador nos n.ºs 4 e 5 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro. Em suma, o recorrente critica a subsunção dos factos ao direito a que procedeu o tribunal recorrido, mais não fazendo, pois, do que suscitar a inconstitucionalidade da própria decisão desse tribunal.
14. Ao invocar a aplicação de uma norma que teria levado a entidade patronal a 'não permitir ao trabalhador arguido a consulta integral do processo disciplinar em que é arguido, subtraindo-lhe o conhecimento das partes mais relevantes do mesmo', o recorrente apenas pretende que o Tribunal Constitucional decida que é procedente a alegação, feita perante o Supremo Tribunal de Justiça e que foi julgada por este improcedente, de que certos elementos lhe foram
'escondidos', para dificultar a sua defesa. Ainda que se admita que o recorrente não tem tal pretensão, então forçoso é concluir que também não se pode conhecer do objecto do presente recurso, mas por outro fundamento: o de não ter sido efectivamente aplicada a norma em questão, na interpretação apontada, dado que o Supremo Tribunal de Justiça concluiu não terem sido subtraídos elementos ao recorrente. Ao invocar a aplicação de uma norma que teria permitido à entidade patronal
'proceder, para mais de todo injustificadamente, à marcação da inquirição de testemunhas do arguido, com menos de um dia útil de antecedência (!?) e para fora do local da residência', o recorrente apenas pretende que o Tribunal Constitucional decida que tal circunstância integra nulidade do processo disciplinar, contrariamente ao decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça, que entendeu que seria apenas relevante a falta de tal inquirição. Ainda que se admita que o recorrente não tem tal pretensão, então forçoso é concluir que seria de negar provimento ao recurso, pelo seguinte fundamento: o de ser manifestamente infundada a questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente, dado que, tendo sido feita a inquirição das testemunhas do arguido, não explica como resultaram afectados os seus direitos. Ao invocar a aplicação de uma norma que teria permitido à entidade patronal 'não inquirir, para mais também injustificadamente, duas testemunhas arroladas pelo trabalhador/arguido na sua resposta à nota de culpa', o recorrente apenas pretende que o Tribunal Constitucional decida, contrariamente ao tribunal recorrido, que era fundada a respectiva inquirição.
Ainda que se admita que o recorrente não tem tal pretensão, então forçoso é concluir que não seria também de conhecer do objecto do recurso, mas por outro fundamento: o de não ter sido efectivamente aplicada a norma em questão, na interpretação apontada, dado que o Supremo Tribunal de Justiça concluiu, fundamentando exaustivamente, ser justificada a não inquirição dessas testemunhas. Ao invocar a interpretação que teria permitido à entidade patronal 'adulterar conscientemente o depoimento prestado pela testemunha inquirida', o recorrente apenas pretende que o Tribunal Constitucional decida, contrariamente ao Supremo Tribunal de Justiça, que o facto da adulteração havia ficado provado no processo. A não se entender que o recorrente teria tal pretensão, então forçoso seria concluir que também não se podia conhecer do objecto do presente recurso, mas por outro fundamento: o de não ter sido efectivamente aplicada a norma em questão, na interpretação apontada, dado que o Supremo Tribunal de Justiça concluiu não ter havido qualquer adulteração do despedimento. Ao invocar a interpretação que teria permitido à entidade patronal 'não fundamentar devidamente a decisão de despedimento', o recorrente mais não pretende que o Tribunal Constitucional decida, contrariamente ao Supremo Tribunal de Justiça, que aquela decisão não foi devidamente fundamentada. A não se entender que o recorrente teria tal pretensão, então forçoso seria concluir que também não se podia conhecer do objecto do presente recurso, mas por outro fundamento: o de não ter sido efectivamente aplicada a norma em questão, na interpretação apontada, dado que o Supremo Tribunal de Justiça concluiu ser tal decisão devidamente fundamentada. Ao invocar a interpretação que teria permitido à entidade patronal 'fazer figurar nessa decisão final factos que não constavam da nota de culpa e, consequentemente, sobre os quais se não pôde exercer o contraditório', o recorrente mais não pretende que o Tribunal Constitucional decida, contrariamente ao Supremo Tribunal de Justiça, que tal resulta da análise comparativa das duas referidas peças processuais. A não se entender que o recorrente teria tal pretensão, então forçoso seria concluir que também não se podia conhecer do objecto do presente recurso, mas por outro fundamento: o de não ter sido efectivamente aplicada a norma em questão, na interpretação apontada, dado que o Supremo Tribunal de Justiça concluiu haver coincidência entre as duas peças.
15. A pretensão do recorrente extravasa, pois, a competência decisória do Tribunal Constitucional. Ao pretender que o Tribunal Constitucional reaprecie os pressupostos de facto de que partiu a decisão recorrida, o recorrente esquece que o amparo não é admitido no nosso ordenamento jurídico e não integra, seguramente, o fim do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, dirigido à valoração da constitucionalidade da norma aplicada. Que o recorrente pretende atacar a própria decisão do Supremo Tribunal de Justiça e não as normas dos n.ºs 4 e 5 do artigo 10º, do Decreto-Lei n.º
64-A/89, de 27 de Fevereiro, numa certa interpretação, é algo que também resulta do processado até às alegações perante o Supremo Tribunal de Justiça. Assim, nas alegações produzidas no recurso de apelação (cfr. fls. 952-1000), o recorrente invoca a violação, pela apelada, dos direitos do recorrente, que são a este reconhecidos pelos n.ºs 4 e 5 do artigo 10º do Regime Anexo ao Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, quando analisa duas questões: a nulidade do processo disciplinar (cfr. ponto VII dessas alegações); a manifesta insuficiência da matéria de facto (cfr. ponto X dessas alegações). Quanto a este
último aspecto (manifesta insuficiência da matéria de facto), afirma (cfr. ponto X, n.º 12): 'Acresce que a decisão recorrida, tal como interpretou e aplicou os artigos 9º, 10º, 11º e 12º do Regime Anexo ao Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, violou os preceitos e princípios constitucionais dos artigos 53º, 2º,
13º e 32º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.).'. E, depois de na conclusão 32º ter referido que a decisão recorrida (a da 1ª instância) violou os artigos 9º, 10º, 11º e 12º do Regime Anexo ao Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, o recorrente remata (cfr. conclusão 33º), dizendo: 'Acresce ainda que a decisão recorrida, tal como interpretou e aplicou os artigos 9º, 10º, 11º e 12º do Regime Anexo ao Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro, violou ainda os preceitos e princípios constitucionais dos artigos
53º, 2º, 13º e 32º da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.).' Verifica-se, portanto, que o recorrente invocou, perante o Tribunal da Relação do Porto, a inconstitucionalidade da própria decisão da primeira instância, e não a inconstitucionalidade de quaisquer normas que ela tivesse aplicado. Era a apreciação da decisão que, em suma, o recorrente pretendia, e continua a pretender. Só perante o Supremo Tribunal de Justiça e perante o Tribunal Constitucional o recorrente tentou convolar tal questão de constitucionalidade da decisão numa questão de constitucionalidade normativa. Sem sucesso, porém, como se demonstrou no número 14. Não pode, pois, conhecer-se do objecto do recurso, no que se refere à invocada inconstitucionalidade dos n.ºs 4 e 5 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, na interpretação transcrita no número 13., por não haver questão de constitucionalidade normativa a apreciar.
III
16. Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide: a) Não julgar inconstitucional, face ao disposto nos artigos 2º, 20º,
205º e 207º, da Constituição da República Portuguesa, e ao princípio da proporcionalidade, a norma constante do n.º 1 do artigo 72º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30 de Outubro, na interpretação segundo a qual, devendo embora o requerimento de interposição do recurso de apelação ser logo acompanhado das respectivas alegações, numa
única peça processual, as nulidades da sentença recorrida não podem ser conhecidas pelo Tribunal Superior, caso tenham sido apenas arguidas na parte das alegações, e não na parte do requerimento de interposição do recurso; b) Consequentemente, negar, nesta parte, provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido no que se refere à questão de constitucionalidade; c) Não tomar conhecimento do objecto do recurso, relativamente às normas constantes dos n.ºs 4 e 5 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, na interpretação segundo a qual 'seria legalmente possível à entidade patronal não permitir ao trabalhador arguido a consulta integral do processo disciplinar em que é arguido, subtraindo-lhe o conhecimento das partes mais relevantes do mesmo; ou proceder, para mais de todo injustificadamente, à marcação da inquirição de testemunhas do arguido, com menos de um dia útil de antecedência (!?) e para fora do local da residência; ou não inquirir, para mais também injustificadamente, duas testemunhas arroladas pelo trabalhador/arguido na sua resposta à nota de culpa; ou adulterar conscientemente o depoimento prestado pela testemunha inquirida; ou não fundamentar devidamente a decisão de despedimento; ou, finalmente, fazer figurar nessa decisão final factos que não constavam da nota de culpa e, consequentemente, sobre os quais se não pôde exercer-se o contraditório'.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 27 de Setembro de 2000 Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa