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Proc. nº 650/00 Plenário Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional:
I – RELATÓRIO
1. Jaime Ernesto Vieira Ramos, na qualidade de mandatário das listas do Partido Social Democrata (PPD/PSD) concorrentes à eleição dos deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira, efectuada em 15 de Outubro de 2000, requereu à Comissão Nacional de Eleições, no dia 30 do mesmo mês, que esta entidade, verificando a divergência entre o número de eleitores recenseados no círculo de Câmara de Lobos, segundo o Mapa Oficial nº 1/2000 (subscrito pelo competente Ministro da República e publicado no Diário da República, I série-A, de 16 de Agosto) que era de 22.667, e o número de eleitores recenseados no mesmo círculo, segundo a Acta final da Assembleia de Apuramento Geral, que é de
22.820, procedesse da seguinte forma:
a) tomasse as necessárias providências junto do Ministro da República para que este solicitasse à Imprensa Nacional a rectificação do referido Mapa Oficial nº 1/2000, onde se procede à distribuição dos mandatos pelos diversos círculos eleitorais, corrigindo-se o número de eleitores inscritos no círculo de Câmara de Lobos e, consequentemente, o número de deputados daquele mesmo círculo, o qual deveria passar de 6 para 7;
b) corrigisse a acta da Assembleia de Apuramento Geral, quando da elaboração do Mapa Oficial com o resultado das eleições, atribuindo-se ao PPD/PSD seis mandatos pelo círculo eleitoral em causa, e não cinco mandatos como dela consta «por lapso manifesto, decorrente do erro registado no referido Mapa de Distribuição de Deputados», uma vez que cabe
à CNE elaborar e mandar publicar o mapa com o resultado da eleição, em conformidade com o artigo 108º do Decreto-Lei nº 318-E/76, de 30 de Abril (Lei Eleitoral da Assembleia Legislativa Regional da Madeira);
c) interviesse de imediato junto da Imprensa Nacional para impedir a publicação com erro do mencionado mapa dos resultados, caso este já tivesse sido elaborado e remetido pela CNE àquela empresa, para publicação.
Em 31 de Outubro, a CNE aprovou as conclusões constantes de parecer interno elaborado pelo seu gabinete jurídico, deliberando o seguinte:
1. A Comissão Nacional de Eleições não dispõe dos poderes para alterar os resultados proclamados pela Assembleia de Apuramento Geral.
2. A Comissão Nacional de Eleições não pode interferir nas competências exclusivas do Senhor Ministro da República, nem tampouco lhe compete solicitar à Assembleia de Apuramento Geral uma reapreciação dos resultados já proclamados.
3. Nestes termos, indefere-se o requerido pelo Senhor Mandatário do PPD/PSD – Partido Social Democrata.
Esta deliberação da CNE foi notificada ao requerente, por telecópia transmitida pelas 18h 44m do dia 2 de Novembro.
Em 6 de Novembro, foi registada a entrada, neste Tribunal, de recurso interposto pelo mesmo mandatário contra aquela deliberação da CNE, recurso que foi remetido por telecópia a esta última entidade, à qual foi transmitida às 19h 30m do dia 3 de Novembro.
Neste recurso, pede-se que seja ordenado:
a) ao Ministro da República, que providencie pela rectificação do Mapa Oficial nº 1/2000, a fim de dele constar o correcto número de recenseados pelo círculo eleitoral de Câmara de Lobos (22.820 e não
22.667) e o correcto número de mandatos (7 e não 6);
b) à Comissão Nacional de Eleições e, se necessário, à Assembleia de Apuramento Geral, que corrijam, igualmente, a atribuição de mandatos no círculo eleitoral de Câmara de Lobos, de seis para sete, conferindo o sétimo mandato ao último elemento da lista de efectivos do PPD/PSD, em conformidade com as votações apuradas.
2. Em 4 de Novembro, foi publicado na I Série-A do Diário da República o Mapa Oficial nº 4/2000, aprovado pela Comissão Nacional de Eleições no dia 25 de Outubro antecedente, o qual contém a relação dos deputados eleitos e mapa oficial das eleições para a Assembleia Legislativa Regional da Madeira realizadas em 15 de Outubro.
De acordo com esse Mapa Oficial, foram eleitos seis deputados pelo círculo eleitoral de Câmara de Lobos, cabendo cinco mandatos ao Partido Social Democrata e um mandato ao Partido Socialista.
3. Nesse mesmo dia 4 de Novembro, o já referido mandatário das listas do PPD/PSD, Jaime Ernesto Vieira Ramos interpôs recurso da deliberação da CNE que elaborou, apurou e mandou publicar o mencionado mapa oficial de resultados, por telecópia transmitida à mesma CNE, pelas 19h 01m, tendo tal recurso dado entrada neste Tribunal no dia 6 do mesmo mês.
Nesse recurso, pede-se que seja ordenado:
a) à Comissão Nacional de Eleições e (ou) ao Ministro da República, que providencie pela rectificação do Mapa Oficial nº
1/2000, em termos idênticos ao solicitado no outro recurso;
b) à Comissão Nacional de Eleições e, se necessário, à Assembleia de Apuramento Geral, que corrijam de seis para sete o número de mandatos atribuídos no círculo eleitoral de Câmara de Lobos, conferindo o sétimo mandato ao último elemento da lista de efectivos do PPD/PSD
(Vasco Luís Lemos Vieira), em conformidade com as votações apuradas.
4. Antes da distribuição, foi ordenada a incorporação dos autos correspondentes ao primeiro recurso nos autos relativos ao segundo recurso.
Cumpre, agora, decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5. Pelo Decreto do Presidente da República nº 36/2000, de 28 de Julho, foi fixado, de harmonia com o artigo 10º do Decreto-Lei nº 318-E/76, de
30 de Abril, o dia 15 de Outubro para a eleição dos deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira.
Subsequentemente, nos termos do artigo 5º do mesmo diploma legal, em conjugação com o artigo 2º da Lei nº 40/80, de 8 de Agosto, e em conformidade com o nº 2 do artigo 2º do referido Decreto-lei nº 318-E/76, na redacção da Lei Orgânica nº 1/2000, de 21 de Junho, o Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira tornou público, através do Mapa Oficial nº 1/2000, o número de deputados a eleger, bem como a sua distribuição pelos círculos eleitorais. De acordo com esse mapa, que não foi objecto de qualquer recurso, foi fixado em sessenta e um o número total de deputados a eleger, cabendo seis ao círculo eleitoral de Câmara de Lobos.
Em função do número de mandatos assim fixados, foram apresentadas as candidaturas pelos partidos concorrentes à eleição em causa, a qual ocorreu na data prevista.
Já depois de terem decorrido as operações de apuramento parcial e geral, incluindo a proclamação e publicação dos resultados pelo presidente da Assembleia de Apuramento Geral, sem que tivesse havido qualquer recurso, e, bem assim, já depois de a Comissão Nacional de Eleições ter elaborado e mandado publicar, em 25 de Outubro, o mapa oficial com o resultado das eleições, o ora recorrente requereu, como ficou relatado, a correcção daquele resultado, por forma a ser fixado o número total de mandatos em sessenta e dois, cabendo sete desses mandatos ao círculo eleitoral de Câmara de Lobos e sendo esse mandato adicional conferido ao último elemento da lista do PPD/PSD.
Este requerimento foi indeferido, tendo vindo o mapa oficial, já anteriormente elaborado, a ser publicado no Diário da República, em 4 de Novembro.
O ora recorrente interpôs recurso das deliberações da CNE - quer da que lhe indeferiu o requerimento, quer da que aprovou e mandou publicar o mapa oficial que torna públicos os resultados da eleição.
6. Quanto ao recurso interposto do acto da CNE que determinou a publicação do mapa oficial com os resultados da eleição, entende este Tribunal que ele incide sobre acto irrecorrível com o fundamento invocado.
Com efeito, a propósito da recorribilidade de actos dessa natureza, afirmou-se no Acórdão nº 1/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Fevereiro de 1999: O acto em causa da Comissão Nacional de Eleições é recorrível contenciosamente.
É certo que o mapa dos resultados do referendo, elaborado pela Comissão Nacional de Eleições, não é 'constitutivo' ou 'definitório' de qualquer situação jurídica, pois que há-de ser apenas 'declarativo' daqueles resultados, tal como apurados pela Assembleia de Apuramento Geral, e isso, em ordem à respectiva publicação oficial no Diário da República. Configura-se assim, em rigor, como um
'acto de execução', relativamente ao acto de apuramento, praticado por aquela assembleia, que é, esse sim, o acto que estabelece e define os resultados do referendo (em suma, o acto definitivo, na terminologia tradicional). Ora – como se sabe – os puros actos administrativos de execução não são, em princípio, susceptíveis de impugnação contenciosa.
Simplesmente – e como a doutrina adverte – 'quando, porém, um acto administrativo de execução contrarie ou exceda o conteúdo do acto definitivo, então perde o carácter de execução na medida em que seja inovador (isto é, na medida da contradição ou do excesso), e passa a ser considerado definitivo nessa parte' [MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, 10ª ed. (revista e actualizada por FREITAS DO AMARAL), Tomo I, p. 447]. E, logo, contenciosamente impugnável (cfr. A. e ob. cit., 8ª ed., Tomo II, p. 1222) (neste sentido, expressamente, o artigo 151,n.º3, do Código de Procedimento Administrativo).
Daí que, vindo o mapa de resultados do referendo, elaborado pela Comissão Nacional de Eleições, impugnado justamente com fundamento na sua desconformidade com o acto (o acto de apuramento da Assembleia de Apuramento Geral) que lhe cumpria simplesmente executar, não possa deixar de ser admitido e conhecido, justamente nessa medida, o recurso contencioso dele interposto.
Ora, no caso dos autos, o mapa elaborado pela CNE vem impugnado com outros fundamentos, não se questionando a sua integral conformidade com o acto da Assembleia de Apuramento Geral que lhe cabia executar. Assume ele, assim, a natureza de mero acto de execução, pelo que não é recorrível.
7. Quanto ao recurso interposto do acto da CNE que indeferiu, por se considerar incompetente para o efeito, o requerimento em que lhe era solicitado que interviesse para promover a rectificação do Mapa Oficial nº 1/2000 e da Acta da Assembleia de Apuramento Geral, apresenta-se ele como manifestamente improcedente – a entender-se que foi interposto atempadamente.
Com efeito, tal indeferimento assentou, como resulta da nota informativa elaborada pelo gabinete jurídico da CNE, na consideração de jurisprudência uniforme e constante do Tribunal Constitucional, vertida no Acórdão nº 200/85 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 6º vol., pág. 743), no Acórdão nº 236/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 12º vol., pág. 867), no Acórdão nº 20/98 (Diário da República, II Série, de 16 de Fevereiro de 1998) e no já citado Acórdão nº 1/99.
Tal jurisprudência pode resumir-se como segue:
a) os mapas oficiais que fixam a distribuição de mandatos pelos círculos eleitorais constituem actos administrativos definitivos e executórios, que se convertem em caso resolvido quando não tenha sido deles tempestivamente interposto o competente recurso contencioso para o Tribunal Constitucional;
b) a definição dos resultados eleitorais pelas assembleias de apuramento geral constitui igualmente acto definitivo e executório, que se converte também em caso resolvido na ausência de atempado recurso contencioso para o Tribunal Constitucional;
c) aliás, desenvolvendo-se o processo eleitoral por etapas sucessivas, não podendo passar-se à fase seguinte sem que esteja encerrada a precedente, o número de deputados de cada círculo, fixado no correspondente mapa oficial, constitui um dado inalterável pelas assembleias de apuramento geral;
d) as próprias assembleias de apuramento geral encontram-se vinculadas às suas decisões, esgotando-se os seus poderes com a afixação dos editais que publicitam os resultados apurados, sem prejuízo apenas da possibilidade de correcção de erros materiais ou, quando muito, de correcção de ilegalidades (ao menos quando manifestas), a qual, neste último caso, só poderá ocorrer dentro do prazo de interposição do recurso contencioso;
e) o mapa dos resultados eleitorais, a elaborar pela CNE, há-de traduzir exactamente o correspondente apuramento, tal como estabelecido pela assembleia de apuramento geral, não podendo conter, nem mais, nem menos, do que foi apurado por essa assembleia.
Ora, face a esta jurisprudência, há-de se concluir necessariamente que a CNE não poderia deixar de se considerar incompetente para proceder, ou mandar proceder, às rectificações requeridas.
É bem verdade que, em 1984, a mesma CNE procedeu de forma diversa no momento da elaboração do mapa com os resultados da eleição da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, mandando então alterar o mapa, anteriormenete aprovado e publicado, com a distribuição dos mandatos pelos círculos, donde resultou a eleição de mais um deputado do que inicialmente previsto e posteriormente apurado pela competente assembleia de apuramento geral. Todavia, tal facto afigura-se irrelevante para a decisão a tomar agora por este Tribunal: aquela deliberação tomada pela CNE em 1984 não foi impugnada perante o Tribunal Constitucional, sendo certo que a posterior jurisprudência deste órgão jurisdicional, que a CNE decidiu agora expressamente acatar, não conforta a prática administrativa então seguida.
III – DECISÃO
8. Nestes termos, decide-se:
a) Não tomar conhecimento do recurso interposto do acto da CNE que determinou a publicação do Mapa Oficial nº 4/2000;
b) Negar provimento ao recurso interposto da deliberação da CNE, de 31 de Outubro de 2000, que indeferiu, por se julgar incompetente, o requerimento apresentado pelo mandatário das listas do PPD/PSD em 30 de Outubro. Lisboa, 8 de Novembro de 2000 Luís Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Guilherme da Fonseca José de Sousa e Brito Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Paulo Mota Pinto Bravo Serra Messias Bento Alberto Tavares da Costa José Manuel Cardoso da Costa