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Processo nº 32/99
3ª secção Relatora: Maria dos Prazeres Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 39 foi proferida decisão sumária de não conhecimento do objecto do recurso acima identificado, de cujo texto se transcreve o que agora releva:
'1. Não se conformando com o despacho de fls. 21 dos autos acima identificados, que fixou a modalidade de venda mediante propostas em carta fechada na execução contra ela movida pelo BANCO B..., SA, A..., LDA., interpôs recurso de agravo que não foi admitido com o fundamento de se tratar de uma decisão proferida no uso legal de um poder discricionário, sendo, portanto, irrecorrível, nos termos do disposto no artigo 679º do Código de Processo Civil. Reclamou então a executada para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do requerimento de fls. 2, sustentando, no que agora interessa, a inconstitucionalidade da ‘interpretação do (...) artigo 26º, nº 3, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, no sentido de se considerar proferido no uso legal de um poder discricionário e, portanto, insusceptível de recurso, o despacho proferido sobre a modalidade de venda(...). Porque, na medida em que coarcta o direito ao recurso, ofende o princípio de acesso ao direito, consagrado no artigo 20º da Constituição. Mas se se disser, ex adverso, que não se trata de ‘interpretação’, mas do próprio artigo, terá de responder-se que o próprio artigo é inconstitucional. Pelas razões referidas (...) supra’ (artigos 20º a 23º do requerimento). Julgando a reclamação, que indeferiu, o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa considerou não ocorrer a inconstitucionalidade apontada, nos termos constantes de fls. 31, vº.
2. Inconformada, a executada interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional, ‘nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea b), e 2, da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro (...) porquanto na referida reclamação foi suscitada a inconstitucionalidade da interpretação que se fez do artigo 886º-A, nº 1, do Código de Processo Civil no sentido de considerar proferido no uso legal de um poder discricionário e, portanto, insusceptível de recurso o despacho que com base naquele artigo se proferiu, por violar o princípio de acesso ao direito, consagrado no artigo 20º da Constituição.’ O recurso foi admitido no Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho que não vincula o Tribunal Constitucional (nº 3 do artigo 76º da citada Lei nº 28/82).
3. Como resulta da leitura atenta das peças processuais constantes dos autos, cujos trechos relevantes para o presente recurso de constitucionalidade se transcreveram, não foi suscitada durante o processo (no caso, na reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, como sustenta a recorrente), conforme exige a al. b) do nº 1 do artigo 70º da mesma Lei nº 28/82, a inconstitucionalidade da norma que, nos termos do requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, constitui o respectivo objecto.
(...) Ora, no caso concreto, a recorrente refere explicitamente e por diversas vezes que o despacho de que pretendeu recorrer sem êxito para a 2ª instância foi proferido ao abrigo do disposto no nº 1 do referido artigo 886º-A, não levantando, porém, a inconstitucionalidade que invoca no requerimento de interposição de recurso. Esta invocação é, pois, extemporânea.
(...)'.
2. Invocando ter incorrido em erro de escrita no requerimento de interposição de recurso, porquanto ao escrever 'a inconstitucionalidade do artigo 886º-A, nº 1, no Código de Processo Civil no sentido de considerar proferido no uso legal de um poder discricionário e, portanto, insusceptível de recurso o despacho que com base naquele artigo se proferiu', queria referir a inconstitucionalidade do artigo 26º, nº 3, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, A..., LDA., veio, simultaneamente, apresentar:
– Requerimento de fls. 44: 'que sobre a matéria do douto despacho recaia um acórdão, em que a) Seja ordenada a rectificação do apontado erro de escrita (...); b) Seja decidido tomar conhecimento do objecto do presente recurso (...)';
– Requerimento de fls. 48: que a relatora ordene 'a rectificação consistente na substituição, do requerimento de interposição do presente recurso, da expressão
‘do artigo 886º-A, nº 1, do Código de Processo Civil’ pela expressão ‘do artigo
26º, nº 3, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro’ (...);
– Requerimento de fls. 54, dirigido a S. Exa. o Presidente do Tribunal Constitucional: 'vem (...) reclamar para V. Exa. do douto despacho de fls. , que decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso (...). E 'requer a V. Exa. que se digne: a) Ordenar a rectificação do apontado erro de escrita nos termos referidos
(...); b) Atender à presente reclamação e decidir que seja tomado conhecimento do objecto do recurso (...)'. Notificada para se pronunciar, a parte contrária não respondeu.
3. Pelo despacho de fls. 67, verso, S. Exa. O Presidente do Tribunal Constitucional não tomou conhecimento da reclamação, por considerar não lhe caber competência para o efeito.
4. Pelo despacho de 9 de Junho de 1999, a relatora indeferiu o requerido a fls.
48, por considerar não dispor de poder jurisdicional para o efeito.
5. Cabe, assim, à conferência referida no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro conhecer da questão, considerando como reclamação para a conferência o requerimento de fls. 44, uma vez que é esta a via de reacção contra as decisões sumárias previstas no nº 1 do mesmo artigo 78º-A. Não se encontra, nem na Lei nº 28/82 citada, nem no Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente aos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas, nos termos do disposto no artigo 69º da referida Lei, a disciplina geral aplicável a eventuais vícios de que enfermem os actos praticados em juízo pelas partes. Nomeadamente, não contêm regras que possam resolver uma hipótese como a presente, em que é alegada pelo reclamante um erro na declaração, que diz ser ostensivo. Nada impede, porém, que se recorra à disciplina prevista no Código Civil para o efeito, desde que ela não contrarie a natureza (necessariamente formal) de actos praticados em juízo e através de representante – de advogado. Assim, e muito embora não seja invocada qualquer invalidade, mas, apenas, requerida uma correcção, considera-se aplicável o regime previsto no artigo 249º do Código Civil, conjugado com o artigo 259º do mesmo diploma. É, aliás, idêntico ao que o artigo 667º do Código de Processo Civil prevê para a correcção de erros materiais dos actos judiciais. Seria pois necessário que de um 'simples erro (...) de escrita se tratasse, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita' (artigo 249º citado) – de um erro ostensivo, como habitualmente se refere. Dizendo de outro modo, o que está previsto neste preceito é a divergência involuntária entre a vontade e a declaração (erro) que se revela da mera leitura do texto que consubstancia o acto, pois que se trata de uma declaração escrita, ou através do contexto em que o documento é apresentado. E a verdade é que não é possível concluir nesse sentido. Em primeiro lugar, e começando por ler, apenas, o requerimento de interposição de recurso, nenhum sinal de erro se detecta, uma vez que o nº 1 do artigo 886º do Código de Processo Civil prevê um despacho judicial a que se podem referir as considerações de inconstitucionalidade apresentadas no requerimento. Esta dificuldade é, aliás, reconhecida pelo reclamante, a fls. 51. Em segundo lugar, e recorrendo agora ao contexto em que o requerimento é apresentado, o que resulta é que tal requerimento, tanto se poderia referir a um, como a outro dos preceitos em causa. Na verdade, na reclamação do despacho de não admissão do recurso, de fls. 2, escreve-se que 'não é despacho proferido no uso legal de um poder discricionário' (nº 10), 'porque admite recurso por expressa disposição da lei'
(nº 11), uma vez que 'foi proferido ao abrigo do nº 1 do artigo 886º do Código de Processo Civil' (nº 12), razão pela qual 'é passível de recurso nos termos do nº 5 do mesmo artigo (a contrario)' (nº 13), violando, 'assim, frontalmente, o disposto no artigo 886º-A, nº 5, do Código de Processo Civil (nº 14), e estando.
'além disso, ferido de inconstitucionalidade' (nº 15). 'Com efeito'¸ diz-se ainda no nº 15, 'dispõe o art. 26º, nº 3 do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro (...) (nº16, que transcreve o preceito). Faz-se depois uma descrição do regime vigente na redacção do Código de Processo Civil anterior à que lhe foi dada pelo referido Decreto-Lei nº 329-A/95, relativo às modalidades de venda executiva (nº 17) para concluir (nº 18) que 'os despachos que, no regime anterior, poderiam ser proferidos nesta matéria eram susceptíveis de recurso', também o continuando a ser aqueles que são emitidos ao abrigo da redacção actual do nº 1 do artigo 886º (nº 19).
'Porque assim é, a interpretação do citado artigo 26º, nº 3, do Decreto-Lei nº
329-A/95, de 12 de Dezembro, no sentido de se considerar proferido no uso legal de um poder discricionário e, portanto, insusceptível de recurso, o despacho proferido sobre a modalidade de venda – é inconstitucional' (nº 20). Fez-se esta transcrição para concluir que, na reclamação de fls. 2, dirigida ao Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, se invocam duas inconstitucionalidades: a do despacho ( e não da norma que o fundamenta) que fixou a modalidade da venda (nº 15), que diz ter sido emitido ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 886º da Código de Processo Civil, e a do nº 3 do artigo 26º do Decreto-Lei nº 329-A/95. Neste contexto, não é realmente possível concluir que, quando, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, a reclamante escreveu
'nº 1 do artigo 886º da Código de Processo Civil', queria escrever 'nº 3 do artigo 26º do Decreto-Lei nº 329-A/95'. É que, como se viu, a acusação de inconstitucionalidade e a justificação apresentada tanto quadram, na argumentação apresentada, a um preceito, como a outro.
Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão reclamada de não conhecimento do objecto do recurso. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. Lisboa, 8 de Julho de 1999 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida