Imprimir acórdão
Processo nº 445/2000 Conselheiro Messias Bento
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. EV, LDª interpôs o presente recurso para o Plenário do acórdão nº 427/2000, alegando estar ele em oposição com anteriores arestos deste Tribunal: os acórdãos nºs 124/98, 383/98, 695/98 e 696/98.
A recorrente concluiu como segue a sua alegação:
1. Pretende-se com o presente recurso alcançar a declaração de inconstitucionalidade do injuntivo contido no § único do artigo 15º do Decreto nº 37.021, de 21 de Agosto de 1948, aditado e com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto Regulamentar nº 1/86, de 2 de Janeiro, que veda aos tribunais superiores, em via de recurso e em processo com valor superior à alçada do tribunal recorrido, a discussão da admissibilidade legal da realização de avaliação fiscal extraordinária que fixe as rendas a praticar em imóveis.
2. Este comando, da lei ordinária, foi já julgado inconstitucional, pelo Tribunal Constitucional, em 4 (quatro) casos concretos, decisões tomadas pelos Acórdão 124/98/T. Const. de 05 de Fevereiro, publicado na IIª Série do DR, nº
100 de 30.04.1998, págs. 5.840 e ss e no BMJ – 474 págs. 48 e ss e no Acórdão
383/98/T.Const. de 19 de Maio, publicado na IIª Série do Diário da República, nº
276 de 28.11.1998, págs. 16.973 e ss e no BMJ – 477, págs. 66 e ss; Acórdão
695/98/T. Const. e Acórdão 696/98/T. Const., estes últimos ainda por publicar.
3. E de acordo com o artigo 82º da LTC, por iniciativa de qualquer dos seus Juízes ou do Ministério Público, nos termos dos artigos 62º e ss da LTC o Tribunal Constitucional deveria ter promovido a organização de processo com vista à fiscalização abstracta sucessiva, e ter declarado a inconstitucionalidade da norma, com força obrigatória geral. Com o muitíssimo respeito por divergente opinião superior, assim se teria dado um efectivo conteúdo útil à ratio da previsão contida no nº 3 do artigo 281º, bem como à do artigo 282º, ambos da CRP.
4. A norma de que se requereu a declaração de inconstitucionalidade respeita a uma pura questão de natureza jurídica que excede e ultrapassa a apreciação do juízo de discricionariedade técnica a que está limitada a competência da Comissão de Avaliação em processo, de natureza administrativa, quanto à avaliação das rendas a praticar em imóveis.
5. Numa primeira observação poderia avançar-se a hipótese de que aquela mera questão de direito poderia ser objecto de uma acção de simples apreciação (nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 4º do Código de Processo Civil (CPC)), onde o acesso aos sucessivos graus de jurisdição dependia exclusivamente do valor da causa, nº 1 do artigo 678º do CPC. No entanto, essa hipotética acção de simples apreciação colidiria com o princípio de economia processual, consagrado na nossa lei processual, o que a inviabilizaria liminarmente.
6. Pelo que a lei não poderá admitir o recurso em toda uma categoria de casos e vir a excluí-lo apenas em relação a um sector dessa categoria, sem que qualquer razão objectiva se verifique para tal discriminação.
7. A decisão tomada em conferência, que confirmou o juízo do tribunal da Relação de Lisboa ao não declarar a inconstitucionalidade da norma sub judice, viola o princípio constitucional da igualdade, consagrado no nº 1 do artigo 13º da CRP e, por reflexo, o princípio contido no artigo 204º da nossa Constituição. Princípios que, na modesta opinião da recorrente, determinam a inconstitucionalidade do § único do artigo 15º do Decreto 37.021 supra referido. Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas e com a vénia devida, deverá o presente recurso obter provimento e por via dele: a) ser decidido inconstitucional, também neste processo, o conteúdo do § único do artigo 15º do Decreto 37.021 de 21 de Agosto de 1948, aditado pelo Decreto Regulamentar 1/86 de 2 de Janeiro. b) sugere ainda a recorrente que por aplicação do disposto no artigo 82º, nos termos dos artigos 62º e ss., ambos da LTC, que aplica o normativo constitucional contido no nº 3 do artigo 281º e artigo 282º, estes da CRP, quanto à repetição de julgados, se venha a promover a fiscalização abstracta sucessiva da norma sub judice, por forma a obter decisão com força obrigatória geral. Não obstante o Tribunal Constitucional ter ultimamente decidido esta questão de forma diferente, o facto é que a norma foi já anteriormente declarada inconstitucional em 4 (quatro) casos concretos. Sendo os autos devolvidos ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa para que prossigam de acordo e nos termos do Recurso de Apelação aí interposto. O recorrido OT não alegou.
O PROCURADOR-GERAL ADJUNTO, apôs o seu visto nos autos.
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. A questão do conhecimento do recurso:
3.1. Este Tribunal, no acórdão nº 270/95 (Diário da República, II série, de 21 de Julho de 1995), concluiu que o mencionado § único do artigo 15º do Decreto nº
37.021, de 21 de Agosto de 1948 (aditado pelo Decreto Regulamentar nº 1/86, de 2 de Janeiro) não era inconstitucional, pois que não violava o direito de acesso aos tribunais, nem o princípio da igualdade, nem invadia a reserva parlamentar atinente à competência dos tribunais. Posteriormente, nos acórdãos nºs 124/98 e 383/98 (publicados no Diário da República, II série, de 30 de Abril e 28 de Novembro de 1998), o Tribunal julgou tal norma inconstitucional – por violação do princípio da igualdade -, mas tão-só na medida em que ela não permite o acesso aos tribunais superiores em via de recurso, em processo com valor superior à alçada do tribunal recorrido, para discussão de questão atinente à admissibilidade legal da avaliação extraordinária requerida. E esse julgamento de inconstitucionalidade repetiu-o o Tribunal nos acórdãos nºs 695/98 e 696/98 (ambos por publicar). Mais recentemente ainda, no acórdão nº 638/99 (publicado no Diário da República, II série, de 15 de Maio de 1999), o Tribunal voltou à tese da não inconstitucionalidade da norma em causa, concluindo não haver violação do referido princípio da igualdade, mesmo nos casos em que o valor do processo é superior à alçada do tribunal recorrido. Tendo sido interposto recurso para o Plenário do Tribunal daquele acórdão nº
696/98, foi a tese da não inconstitucionalidade que aí fez vencimento. Na verdade, o Tribunal decidiu, no acórdão nº 202/99 (publicado no Boletim do Ministério da Justiça, nº 486, pág. 44), não julgar inconstitucional 'a norma constante do § único do artigo 15º do Decreto n.º 37.021, de 21 de Agosto de
1948, na redacção do Decreto Regulamentar nº 1/86, de 2 de Janeiro, na parte em que não permite o acesso aos tribunais superiores em via de recurso, em processo com valor superior à alçada do tribunal recorrido, para discussão da questão atinente à admissibilidade legal da avaliação extraordinária'. Na sequência deste acórdão nº 202/99, já o Tribunal tirou o acórdão nº 310/99
(por publicar), no qual, fazendo aplicação da doutrina fixada em Plenário naquele acórdão nº 202/99, concluiu pela não inconstitucionalidade da norma em causa.
A jurisprudência firmada no mencionado acórdão nº 202/99 reiterou-o o Tribunal no acórdão ora sob recurso: o acórdão nº 427/2000.
Foi por se ter reiterado tal jurisprudência, que, nesse acórdão nº 427/2000, se negou provimento ao recurso que o recorrente interpôs do acórdão da Relação de Lisboa, de 11 de Maio de 2000, com vista à apreciação da constitucionalidade da norma constante do mencionado § único do artigo 15º do Decreto nº 37.021, de 21 de Agosto de 1948 (aditado pelo Decreto Regulamentar nº 1/86, de 2 de Janeiro).
3.2. O acórdão nº 427/2000, ao adoptar a jurisprudência firmada no acórdão nº
202/99, está, assim, em oposição com os acórdãos nºs 124/98, 383/98, 695/98 e
696/98, todos eles anteriores a esse acórdão nº 202/99, que o Plenário tirou para resolver o conflito de jurisprudência que existia a respeito da referida questão de inconstitucionalidade.
Tal facto – ou seja, o facto de o acórdão nº 427/2000 apenas estar em oposição com arestos anteriores ao acórdão nº 202/99, tirado em Plenário – não obsta, porém, ao conhecimento do presente recurso, como bem decorre da doutrina adoptada pelo Plenário no acórdão nº 533/99 (publicado no Diário da República, II série, de 22 de Novembro de 1999).
Passando, pois, ao conhecimento do objecto do recurso.
4. A questão de constitucionalidade:
4.1 Antes de mais, há que sublinhar que – contrariamente ao que parece ser entendimento do recorrente, quando 'sugere que, por aplicação do disposto no artigo 82º' da Lei do Tribunal Constitucional, 'se venha a promover a fiscalização abstracta sucessiva da norma sub iudicio, por forma a obter decisão com força obrigatória geral', alegando que, 'não obstante o Tribunal Constitucional ter ultimamente decidido esta questão de forma diferente, o facto
é que a norma foi já anteriormente declarada inconstitucional em quatro casos concretos' – nos denominados processos de generalização, instaurados ao abrigo do mencionado artigo 82º, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, não é uma espécie de efeito automático dos julgamentos de inconstitucionalidade proferidos em três casos concretos. O Tribunal só profere tal declaração de inconstitucionalidade, quando confirmar os juízos de inconstitucionalidade que, anteriormente, foram emitidos no julgamento dos casos concretos. Há, por isso, que dizer, tal como se anotou no acórdão ora sob recurso (o acórdão nº 427/2000), que, como o processo de generalização seria julgado pelo mesmo Plenário que tirou o acórdão nº 202/99, se, acaso, ele tivesse sido instaurado, a norma aqui sub iudicio continuaria a não ter sido julgada inconstitucional.
4.2. O recorrente não aduz razões novas que imponham o reexame da questão de constitucionalidade. Por isso, fazendo aplicação do julgamento de não inconstitucionalidade a que se chegou no acórdão nº 202/99, há que negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão nº 427/2000, que, por sua vez, negou provimento ao recurso interposto do acórdão da Relação de Lisboa, de 11 de Maio de 2000 (cf. o artigo 79º-D, nº 6, da Lei do Tribunal Constitucional).
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, o Plenário deste Tribunal decide:
(a). em aplicação da jurisprudência firmada no acórdão nº 202/99, negar provimento ao recurso; e, em consequência, confirmar o acórdão nº 427/2000;
(b). condenar a recorrente nas custas, com 20 unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 24 de Janeiro de 2001 Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida Artur Maurício Guilherme da Fonseca Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Paulo Mota Pinto (nos termos da declaração de voto que junto, quanto ao conhecimento do recurso) José Manuel Cardoso da Costa
Declaração de voto O Tribunal decidiu tomar conhecimento do presente recurso por tal decorrer da doutrina adoptada pelo Plenário no acórdão n.º 533/99. Não votei vencido apenas considerando esta decisão e os fundamentos em que ela se baseou. Discordo, porém, de tal decisão, conforme decorre da declaração de voto que juntei ao citado acórdão. E considero ainda que, diferentemente do que acontecia no decidido por esse aresto, o presente caso, em que o recurso para o Plenário foi interposto pouco depois da decisão anterior do mesmo Plenário sobre contradição entre as secções relativa à mesma questão, sem que tenha havido recomposição do Tribunal ou se descortinem (ou o recorrente tenha aduzido) novos argumentos sobre a questão, mostra bem as consequências negativas de se manter 'ad aeternum aberta a possibilidade de a parte futuramente vencida (...) provocar constantemente nova intervenção do Plenário do Tribunal', mesmo que este já tenha decidido a contradição jurisprudencial – assim, sobre a questão decidida por este aresto não deixará, futuramente, qualquer recorrente vencido pela decisão da secção de poder sempre recorrer para o Plenário. Paulo Mota Pinto