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Proc. nº 362/00 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - O Município de Braga interpõe recurso para este Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 70º nº 1 alínea b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do despacho do Juiz da Vara de Competência Mista de Braga que, em acção intentada contra o recorrente por A. S. e mulher, indeferiu a arguição de nulidade do acto de secretaria que o notificou para pagamento de multa nos termos do artigo 145º do CPC por apresentação da contestação no terceiro dia
útil subsequente ao termo do prazo para o efeito, sem que tivesse sido logo paga a multa devida.
Nos termos do requerimento de interposição de recurso, pretende o recorrente que o Tribunal aprecie a constitucionalidade da norma contido no artigo 252º-A nº 1 alínea a) do CPC, 'na interpretação de que a dilação de cinco dias aí aludida apenas se aplica ao caso de citação de pessoas singulares, quando a carta é entregue a pessoa diversa do demandado, e já não no caso de citação de pessoas colectivas, quando a carta é entregue a pessoa diversa do seu legal representante'.
Segundo o mesmo requerimento, a norma em causa violaria os artigos
2º e 13º da CRP, tendo sido suscitada a questão de constitucionalidade no requerimento em que o recorrente arguiu a aludida nulidade.
Nas suas alegações, formulou o recorrente as seguintes conclusões:
1 – Quando uma pessoa colectiva seja demandada num processo de natureza cível e é um dos seus funcionários que recebe a carta registada para citação enviada pelo Tribunal, assinando o aviso de recepção que a acompanha, deve entender-se que, ao prazo normal para aquela contestar, acresce a dilação de cinco dias a que alude a al. a) do nº 1 do artº 252º-A do CPCiv;
2 – Tendo o Mmo Juiz a quo sufragado inverso entendimento no douto despacho recorrido, acabou dessa forma por dar cobertura legal a uma clamorosa e injustificada desigualdade entre partes processuais em idêntica situação, cuja
única diferença radica na circunstância de trata de pessoas singulares ou de entes colectivos;
3 – Não se vê, com efeito, porque é que há-de haver lugar à dilação de cinco dias quando a carta para citação de uma pessoa singular é p. ex. entregue ao porteiro do prédio onde a mesma vive ou à sua empregada doméstica, e já não haja lugar a essa mesma dilação quando a carta é entregue ao porteiro que se encontra na sede da pessoa colectiva ou a um qualquer empregado ou funcionário desta última;
4 – Aliás, tendo em atenção o número de funcionários, de serviços e de departamentos do aqui recorrente justifica-se muito mais a observância de tal dilação numa demanda do município de Braga (em que a carta é recepcionada e registada no livro de entrada pelo funcionário competente; depois é encaminhada para os serviços jurídicos para análise e informação prévia; em seguida, são recolhidos os antecedentes ou é-lhe junto o processo administrativo existente; finalmente vai tudo a despacho do Presidente da Câmara) do que numa demanda de um qualquer cidadão que, por estar a trabalhar durante o dia, só recebe a carta
à noite, quando regressa a casa;
5 – Uma vez que, tanto na citação de pessoas singulares como na de pessoas colectivas, a lei equipara ou considera (o que significa o mesmo) como citação pessoal a que é feita em pessoa diversa ou em pessoa diversa dos seus legais representantes, ambas essas situações deverão merecer igual tratamento à face da lei, por ser bem patente a similitude de uma e outra;
6 – Enferma, pois, de manifesta inconstitucionalidade a norma contida na al a) do nº 1 do art. 252-A do CPCiv, na interpretação de que a dilação de cinco dias aí aludida apenas se aplica no caso de citação via postal de pessoas singulares, quando a carta é entregue a pessoa diversa do citando e já não no caso de citação de pessoas colectivas, quando a carta é entregue a pessoa diversa do seu legal representante.'
Em contra-alegações, concluiu o Ministério Público:
'1 – Não é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, a norma constante do artigo 252º-A, nº 1 alínea a) do Código de Processo Civil, interpretada em termos de não outorgar à pessoa colectiva, citada pessoalmente num seu empregado, encontrado na respectiva sede ou local onde funciona normalmente a administração, o prazo de dilação aí previsto, para os casos de citação em terceiro (ou mediante mera afixação de nota de citação) de pessoa singular;
2 – Na verdade, a relação funcional entre o empregado e a pessoa colectiva, a sua subordinação hierárquica e funcional à administração e a necessária existência de uma estrutura organizatória de tal ente colectivo justificam materialmente a especialidade da solução consignada na lei de processo, relativamente à citação, feita em terceiro, de pessoa singular;
3 – Termos em que deverá improceder o recurso.'
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
2 – A questão de constitucionalidade que o recorrente suscita reporta-se à norma contida no artigo 252º-A nº 1 alínea a) do CPC que se expressa nos seguintes termos:
'1 – Ao prazo da defesa do citando acresce uma dilação de cinco dias quando: a. A citação tenha sido realizada em pessoa diversa do réu, nos termos do nº 2 do artigo 236º e dos nºs 2 e 3 do artigo 240º;
.............................................................................................................................'
No que ao caso interessa (os nºs 2 e 3 do artigo 240º referem-se à citação com hora certa que aqui não está em causa), o artigo 236º nº 2 do CPC estabelece:
'No caso de citação de pessoa singular, a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando.'
Ora, o despacho recorrido, ao indeferir a já aludida arguição de nulidade, entendeu que o artigo 252º-A nº 1 alínea a), conjugado com o disposto no artigo 236º nº 2, ambos do CPC como todos os que se vierem a referir, se não aplicava à citação postal de pessoas colectivas, não beneficiando estas do acréscimo de cinco dias (prazo de dilação) ao prazo de defesa, em contrário do que sucederia com a citação de pessoas singulares nas condições expressas no segundo preceito citado.
Tendo, no caso, ocorrido a citação por via postal e sido assinado o aviso de recepção por um funcionário da pessoa colectiva (município), é naquela diferença de tratamento que a recorrente assenta a alegação de inconstitucionalidade face ao disposto nos artigos 2º e 13º da CRP, considerando que a doutrina do despacho impugnado dá cobertura legal 'a uma clamorosa e injustificada desigualdade entre partes processuais em idêntica situação'.
Mas não tem qualquer razão.
Muito embora o legislador, na definição de regras processuais, goze de uma larga margem de liberdade de conformação, não deixa ele de estar sujeito
à observância de princípios que, em termos constitucionais, se devem considerar como estruturantes de qualquer processo contencioso; é este o caso do princípio da igualdade de armas, inquestionável imperativo do direito a um processo equitativo e justo que a CRP garante (artigo 20º nº 4 da CRP).
Não há, com efeito, processo equitativo, sem a parificação das partes nos poderes de exposição e demonstração dos factos e razões em que elas, na controvérsia que dirimem, entendem alicerçar as suas respectivas posições.
Mas decorre dessa própria parificação, da igualdade de tratamento das partes, a necessidade das diferenças, ali onde a igualdade formal possa redundar em desigualdade substancial ou, pelo menos, onde elas se legitimem por um fundamento racional, não arbitrário.
E é isto o que sucede quando, no caso, o prazo de contestação de pessoa singular citada, por via postal, em terceiro que assina o aviso de recepção é acrescido de dilação, o que se não verifica quando, na citação de pessoa colectiva e usada a mesma forma de citação (postal), o aviso de recepção
é assinado por qualquer empregado que se encontre na sede ou local onde funcione normalmente a administração.
Como bem salienta o Exmo Magistrado do Ministério Público nas suas alegações, a própria citação das pessoas colectivas tem merecido no nosso ordenamento jurídico um tratamento particular que se justifica pela especificidade dos entes colectivos, em termos organizatórios e humanos, especificidade essa que torna mais fácil o recebimento das citações e, consequentemente, a menor necessidade (face às pessoas singulares) de um complexo de garantias que assegurem o efectivo conhecimento do que, contra elas, se peticiona em juízo.
E, de facto, p. ex., era dominante o entendimento, depois da reforma Código de Processo Civil, operada pelo DL nº 242/85, de 9 de Julho, que apenas relativamente às pessoas colectivas a lei facultava a citação postal. Na verdade, a pessoalidade (na pessoa dos legais representantes) da citação não era posta em causa pela circunstância de a carta, remetida para a sede social da pessoa colectiva, ser recebida por um qualquer empregado dessa pessoa. A dependência funcional do empregado, no âmbito de uma organização devidamente estruturada, garantiria que a carta chegasse, prontamente, ao conhecimento do legal representante do ente colectivo.
Deste modo, o artigo 238º-A, na redacção dada pelo citado DL nº
242/85, estabelecia que a citação de pessoas colectivas por via postal tinha o valor de citação pessoal (nº 1), considerando-se como efectuada na própria pessoa do citando (nº 5); por outro lado, o artigo 234º, também na redacção do mesmo Decreto-lei, previa, em termos gerais, que a citação pudesse ser feita na pessoa de qualquer empregado que se encontrasse na sede da pessoa colectiva, tendo o mesmo valor que a citação feita na própria pessoa do representante (nºs
3 e 4).
No regime actual, a citação por via postal está igualmente prevista para as pessoas singulares, estabelecendo-se ainda que a carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de recepção, ao citando, ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando (artigo 236º nº
2); esta citação, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinada por terceiro, tem-se por efectuada na própria pessoa do citando, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário (artigo 238º ).
De todo o modo e apesar de a citação postal ser agora igualmente aplicável a entes singulares e colectivos, a lei não deixou de rodear de particulares cuidados a citação dos primeiros. E assim é que a entrega da carta deve ser feita a quem 'declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando', cabendo ainda ao distribuidor do serviço postal
'adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando' (artigo 236º nºs 2 e 4); acresce também que, nos termos do artigo 241º e em tais condições,
'será ainda enviada carta registada ao citado, comunicando-lhe a data e o modo por q eu o acto se considera realizado, o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta, o destino dado ao duplicado e a identidade da pessoa em quem a citação foi realizada'.
É precisamente o que justifica este cuidado que confere um fundamento material e razoável à previsão de uma dilação de cinco dias que acresce ao prazo de defesa do citando, nos termos do artigo 252º-A nº 1 alínea a) .
Na verdade, visando a dilação, entre o mais, obviar ao efeito, lesivo dos direitos do citado, de um eventual atraso no conhecimento da citação, compreende-se e aceita-se que os termos em que a citação em terceiro é efectuada
– e apesar de ela valer como citação no demandado e de o terceiro ficar obrigado a uma comunicação pronta - justifiquem a concessão daquela dilação.
Já a situação é diversa no caso da citação de ente colectivo na pessoa de um seu empregado que, como bem refere o Exmo Magistrado do Ministério Público, 'está integrado na estrutura organizatória do ente colectivo a citar, sendo legítimo presumir (...) que ocorrerá pronta comunicação do acto ao legal representante, de quem o dito empregado depende, em termos hierárquicos e funcionais'. Compete, aliás, à pessoa colectiva estruturar-se de modo a que, na cadeia dos seus serviços, se estabeleçam canais de comunicação eficientes que permitam aquela comunicação expedita, sendo, para o caso, irrelevante a eventual ocorrência, num ou noutro caso, de retardamentos de ordem burocrática que o recorrente dá conta, alguns deles, aliás, já integrados numa fase preparatória da defesa do citado.
Em suma, a norma contida no artigo 252º-A nº 1 alínea a) do CPC, entendida como não aplicável às pessoas colectivas citadas por via postal na pessoa de um empregado ou funcionário, não ofende o princípio da igualdade nem o direito a um processo justo e equitativo, pois o benefício concedido aos entes singulares tem um fundamento racional, não arbitrário, assente na situação materialmente distinta que regula. Não se mostram, pois violados os preceitos constitucionais invocados pelo recorrente.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, nega-se provimento ao recurso.
Sem custas, por não serem devidas pelo recorrente.
Lisboa, 29 de Novembro de 2000 Artur Maurício Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida