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Acórdão 694/99ACTA
Aos vinte e dois de Dezembro de mil novecentos e noventa nove, achando-se presentes o Exmº. Conselheiro Presidente José Manuel Moreira Cardoso da Costa e os Ex.mos Conselheiros José de Sousa e Brito, Paulo Mota Pinto, José Manuel Bravo Serra, Maria dos Prazeres Beleza, Maria Fernanda Palma, Luís Nunes de Almeida e Maria Helena de Brito, foram trazidos à conferência, em sessão plenária do Tribunal Constitucional, os presentes autos de apreciação de referendo local.
Após debate e votação, foi, pelo Ex.mo Presidente, ditado o seguinte ACÓRDÃO Nº 694/99
I. Relatório.
1. O presidente da assembleia municipal de Barcelos, veio requerer, nos termos do artigo 11º da Lei nº 49/90, de 24 de Agosto, a apreciação da constitucionalidade e da legalidade de um referendo a submeter aos cidadãos eleitores das freguesias desse concelho 'abrangidas pelo traçado da A11/C14'.
Decorre do ofício em que se corporiza o mencionado requerimento que tal consulta – agora, aliás 'referendo' – tem a ver com e pretende inscrever-se no procedimento da audição pública do 'Estudo do Impacte Ambiental' relativo ao dito traçado rodoviário, procedimento esse em curso até 29 do corrente.
2. Juntou cópia da acta (Acta nº 7) da sessão extraordinária da referida assembleia, realizada em 3 do mês corrente, tendo como único ponto da ordem de trabalhos a 'análise dos traçados propostos para a execução do IC catorze', e, bem assim, cópia de uma 'moção' apresentada na mesma sessão dessa assembleia, subscrita por um membro dela, eleito pela CDU, em cujo nº 3 se propõe que o mesmo órgão autárquico delibere o seguinte: Realizar uma consulta directa, ao abrigo da Lei nº 49/90, de 24 de Agosto aos cidadãos eleitores das freguesias do concelho de Barcelos abrangidas pelo traçado A11/C14, permitindo assim que as populações possam decidir: a) Sim ou Não aos traçados propostos pela AENOR. b) Sim ou Não a outras soluções.
II. Fundamentos.
3. Não se refere, na acta da sessão da assembleia em causa, qual o número legal dos respectivos membros, nem da mesma acta consta o número destes que estiveram presentes na sessão: não obstante, havendo tido lugar a reunião, há-de partir-se do princípio de que estava assegurado o necessário quorum.
Por outro lado, regista-se na mesma acta que o dito número da 'moção' mencionada foi 'aprovado por maioria, com trinta e nove abstenções do Partido Socialista'.
4. Seja como for, é manifesto que o requerimento do presidente da assembleia municipal de Barcelos não pode ser admitido, face aos também manifestos vícios de que enferma, à luz do direito aplicável, a deliberação tomada sobre a realização da consulta local em causa.
Isso se mostrará – muito resumidamente, brevitatis causa – a seguir.
5. Com efeito – e independentemente das dúvidas que, para além disso, podem suscitar-se sobre a admissibilidade da consulta (aliás, do referendo) em apreço, em razão da matéria sobre que versa e do contexto em que se insere, atento o limite do artigo 2º, nº 1, da Lei nº 49/90, mesmo numa sua interpretação corrigida, face ao disposto no artigo 240º, nº 1, da Constituição
– verifica-se o seguinte:
a) – a Lei nº 49/90 (artigo 6º, nº 2) pressupõe que a proposta de deliberação sobre a realização de uma consulta local seja apresentada antecipadamente ao respectivo órgão autárquico, e, lógica e consequentemente, que a discussão sobre ela conste da convocatória da correspondente reunião daquele órgão: ora, no caso em apreço, verifica-se, pela data da 'moção' atrás referida (a mesma da assembleia), que a proposta só foi apresentada no decurso da reunião, sendo que também nenhuma referência se lhe faz na convocatória da assembleia, cuja ordem de trabalhos abrangia tão-só, genericamente, como acima se registou, a análise dos traçados propostos para a execução do IC14;
b) – a mesma lei [artigo 8º, alínea b)] concede aos membros das assembleias autárquicas a faculdade de apresentarem propostas de realização de consultas locais, mas exige, nesse caso, que as propostas sejam subscritas por
'um terço' dos membros da assembleia em causa: ora, no caso, está-se perante uma proposta subscrita apenas por um membro da assembleia municipal de Barcelos;
c) – ainda a mesma lei (artigo 9º) exige que as propostas de consulta contenham as perguntas a submeter aos cidadãos eleitores, e, bem assim, que essas perguntas sejam formuladas em termos de permitirem 'uma resposta inequívoca pela simples afirmativa ou negativa': ora, no caso em apreço, nem constam da proposta, verdadeiramente, as 'perguntas' a submeter aos eleitores
(mas unicamente a matéria a que respeitariam), nem, a entender-se, por mera hipótese, diversamente, estaríamos perante 'perguntas' susceptíveis de permitirem uma resposta inequívoca por parte daqueles cidadãos (sobre este
último ponto, cfr., por último, o Acórdão nº 495/99, deste Tribunal, no Diário da República, II Série, 7.10.99);
d) – como obviamente resulta dos princípios, a deliberação sobre a consulta local há-de definir, com toda a precisão, o respectivo âmbito territorial: ora, é claro que, no caso, indicando-se simplesmente que a consulta se realizaria nas freguesias (que não se discriminam) afectadas por um traçado rodoviário, tal exigência não é preenchida.
III. Decisão.
6. Nos termos expostos, e ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 3 do artigo 12º da Lei nº 49/90, de 24 de Agosto, o Tribunal Constitucional decide não admitir o requerimento de apreciação da constitucionalidade e da legalidade do referendo local que a assembleia municipal de Barcelos, na sua sessão extraordinária de 3 do corrente, deliberou realizar, sobre o traçado rodoviário A11/IC14 abrangendo algumas freguesias desse concelho. José de Sousa e Brito Paulo Mota Pinto Bravo Serra Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa