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Processo n.º 164/12
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Juízo de Execução do Tribunal Judicial da Maia, em que é recorrente o Ministério Público e recorrida A., Lda., foi interposto recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho saneador daquele Tribunal que recusou a aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, da norma do artigo 814.º do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de «à execução baseada em requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória só ser lícito o executado/oponente lançar mão dos fundamentos de oposição à execução restritos, nos termos desse mesmo artigo».
2. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional apresentou alegações onde suscitou a questão prévia de não conhecimento do objeto do recurso, por inutilidade superveniente, nos seguintes termos:
«1. O presente recurso de inconstitucionalidade foi interposto pelo Ministério Público, como recurso obrigatório (fls. 82, CRP, art.º 280.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, LOFPTC, art.ºs 6.º, 72.º, n.º 1, al. a), e n.º 3, 75.º e 75.ºA, n.º 1, e 78.º).
2. Vem impugnado o despacho saneador do Tribunal Judicial da Maia – Juízo de Execução, de 7 de fevereiro de 2011, proferido nos autos de “Oposição à execução comum (Art.º 813.º CPC)”, Proc. n.º 4661/10.4TBMAI-A, em que é Exequente “B., SA”, e Executado A., Lda. (fls. 62 a 77).
3. Os motivos do recurso procedem daquele despacho ter “recus[ado] a aplicação do artigo 814.º do Código de Processo Civil, quando interpretado no sentido de à execução baseada em requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória só ser lícito ao executado/oponente lançar mão dos fundamentos de oposição à execução restritos nos termos desse mesmo artigo, concluindo-se em tal decisão que em ação executiva na qual foi dada á execução uma injunção à qual foi aposta a fórmula executória é sempre admissível ao executado lançar mão dos fundamentos do âmbito alargado de oposição constantes do artigo 816.º do CPC” (fls. 82).
II. Questão prévia
a) A “Oposição à execução”
4. O requerimento de injunção foi apresentado em 17 de dezembro de 2007, sendo que a fórmula executória nele foi aposta em 28 de abril de 2008, por falta de oposição, diz a executada (fls. 23 e 24).
5. A executada deduziu oposição à execução (fls. 23 a 30).
6. Invocou, em suma, a quitação da dívida, “que, nos termos da alínea g), do n.º 1 do artigo 814.º do CPC, constitui facto extintivo da obrigação posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração, que se encontra provado por documento e que, consequentemente, constitui facto extintivo da execução” (art. 6.º).
7. A decisão recorrida recusou a aplicação ao caso das normas constantes do referido preceito, o artigo 814.º do Código de Processo Civil, na redação do DL n.º 226/2008, de 30 de novembro, o qual entrou em vigor em 31 de março de 2009 (art.º 23.º).
E, mais, julgou ser “sempre admissível ao executado lançar mão dos fundamentos do âmbito alargado de oposição constantes do art. 816.º do C.P.Civil” (fls. 75 e 76).
8. Em suma, tal decisão recusou a aplicação das normas constantes do artigo 814.º (dos seus n.ºs 1 e 2) e, em vez deste, aplicou ao caso a norma constante do artigo 816.º do CPC.
9. Interposto recurso obrigatório de inconstitucionalidade desta decisão, o despacho de 16 de fevereiro de 2011, que sobre o requerimento recaiu, determinou: “o presente recurso sobe em separado, tem efeito meramente devolutivo e subirá após proferimento da decisão final” (fls. 83).
10. Em conformidade, prosseguiram os trâmites da instância. E, ulteriormente, em 17 de novembro de 2011, foi proferida sentença que apreciou e julgou improcedente a oposição à execução, decisão que, ao que tudo indica, terá, entretanto, transitado em julgado, uma vez que, segundo informação colhida junto do tribunal a quo, a mesma não foi objeto de recurso.
b) “Inutilidade” superveniente
11. Ora, como é sua jurisprudência constante, “(…) o Tribunal Constitucional apenas julga, em sede de fiscalização concreta, no uso da competência que lhe é atribuída pela alínea a), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, recursos de decisões que tenham recusado, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação de uma norma, quando esse julgamento tenha, em face da natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, a virtualidade de produzir efeitos úteis no processo. Na verdade, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade dispõe de uma peculiar natureza incidental e desempenha uma função instrumental em termos de o conhecimento das questões de constitucionalidade só ser devido nos casos em que a decisão a tomar possa interferir utilmente no julgamento da questão concreta, pois, de contrário, estar-se-ia a decidir uma pura questão teórica ou académica” (Acórdão n.º 489/09, http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090489.html, versando sobre espécie idêntica).
12. Tal doutrina é, de plano, válida para o caso dos autos. Na medida em que, qualquer que seja o sentido da decisão, a mesma não produzirá “efeitos úteis” no processo principal.
13. Na verdade, em caso positivo, que julgue inconstitucional a norma constante do artigo 814.º do CPC, o julgado é confirmado. Pois o mesmo julgado desaplicou tal norma e aplicou, antes, a norma do artigo 816.º do CPC (prevê fundamentos de oposição que acrescem aos enumerados naquela primeira), tendo concluído pela improcedência da oposição. Assim, a injunção produzirá efeito executivo.
14. Em caso negativo, porém, que não julgue inconstitucional a norma controvertida, paralisada a exceção perentória que a embargava, a injunção produzirá também efeito executivo.
15. Portanto, independentemente do sentido da decisão sobre a “questão de inconstitucionalidade”, a mesma já não terá a virtualidade de determinar a alteração do efeito jurídico e prático do julgado recorrido, sempre se produzirá o efeito executivo da injunção, pelo que se afigura haver “inutilidade superveniente”.
Assim, em virtude da decisão sobre a questão de inconstitucionalidade ser insuscetível de produzir efeitos úteis no processo principal, por inutilidade superveniente, crê-se não ser de conhecer do objeto deste recurso (LOFPTC, arts.º 78.º-A, n.º 1 e 78.º-B, n.º 1).»
3. O recorrido não apresentou contra-alegações.
4. Após diligências nesse sentido, foi junta aos autos a sentença a que aludem as alegações do Ministério Público, entretanto proferida pelo tribunal recorrido, que julgou totalmente improcedente a oposição à execução.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
5. Importa começar por decidir a questão prévia quanto à utilidade do conhecimento do objeto do recurso.
Está em causa a recusa de aplicação, em sede de despacho saneador, da norma do artigo 814.º do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido de «à execução baseada em requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória só ser lícito o executado/oponente lançar mão dos fundamentos de oposição à execução restritos, nos termos desse mesmo artigo». Em consequência da recusa de aplicação desta norma, o tribunal recorrido considerou, no mesmo despacho, que «em ação executiva na qual foi dada à execução uma injunção à qual foi aposta a fórmula executória é sempre admissível ao executado lançar mão dos fundamentos do âmbito alargado de oposição constantes do artigo 816.º do CPC» (cfr. fls. 76 dos autos).
Posteriormente, o tribunal recorrido proferiu sentença que julgou totalmente improcedente a oposição à execução (cfr. fls. 98/102 dos autos).
Assim sendo, tem razão o recorrente Ministério Público quando suscita a inutilidade superveniente do recurso de constitucionalidade por si interposto. Na verdade, a decisão sobre a constitucionalidade da norma do artigo 814.º do Código de Processo Civil, qualquer que fosse o seu sentido, revelar-se-ia insuscetível de influir no sentido da decisão tomada, que julgou totalmente improcedente a oposição à execução, por se ter considerado que a executada não logrou provar a factualidade sobre a qual lhe incumbia o ónus da prova.
Perante esta decisão, sempre a injunção produziria efeito executivo, quer o Tribunal Constitucional viesse a confirmar o juízo de inconstitucionalidade do tribunal recorrido, quer o viesse a contrariar.
Assim, atenta a natureza instrumental da fiscalização concreta da constitucionalidade, afigura-se inútil o prosseguimento do presente recurso de constitucionalidade.
III - Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acordam em não conhecer do objeto do recurso, por inutilidade superveniente.
Lisboa, 26 de setembro de 2012.- Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – João Cura Mariano – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.