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Proc.º n.º 717/2000.
2.ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 12 de Dezembro de 2000, o relator proferiu nestes autos decisão sumária com o seguinte teor:-
1. Pelo Tribunal do Trabalho intentou LC contra P, S.A., providência de suspensão do despedimento que alegou ter sido alvo por parte da requerida e relativamente a um contrato - que o requerente reputava como de trabalho, mas que foi firmado sob o título de «contrato de avença» - celebrado entre ele e aquela.
Por despacho de 19 de Dezembro de 1996 foi decretada a requerida suspensão de despedimento, o que motivou a ré a do assim decidido agravar para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Na alegação que produziu, o requerente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa reportadamente a norma ou normas concretas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional, limitando-se a dizer que o ponto de vista global sufragado pela requerida/recorrente - e segundo o qual a providência cautelar de suspensão de despedimento foi criada tão só com a finalidade de protecção dos trabalhadores contra abusos das entidades patronais que fazem mau uso do seu poder disciplinar conducente ao despedimento, não se devendo, assim, aplicar a casos onde se não verificou qualquer despedimento -, a aproximaria ‘perigosamente da inconstitucionalidade’.
Disse, com efeito, o requerente, e para o que ora releva, na sua alegação:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................ J) INCONSTITUCIONALIDADE?
A pretender ‘expulsar’ os casos semelhantes ao dos autos para fora da muralha protectora da suspensão, a Agravante não vê que se aproxima perigosamente da inconstitucionalidade.
Com efeito, se os mecanismos legais de tutela judicial sem protecção cautelar os despedimentos em que a subordinação do contrato foi ‘encoberta’ mediante expedientes fraudatórios -- constituindo estes casos ‘ilhotas’ desguarnecidas -- então o sistema seria apropriado e ineficaz.
Mas a ser assim, como parece pensar a Agravante, então estaríamos perante um caso flagrante de inconstitucionalidade material:
a) Por violação da proibição constitucional dos despedimentos sem justa causa prevista no artº 53º da CRP.
b) Por omissão do legislador (artº 283º CRP) na concretização do acesso ao direito previsto no artº 20º, nº 1 DA crp.
c) Por violação do princípio da igualdade previsto no artº 13º, nº 2 da CRP em matéria de acesso ao direito na modalidade de tutela cautelar.
Felizmente não será preciso chegar tão longe, pois o nosso sistema cautelar não exclui, contrariamente ao que pensa a Agravante, este tipo de despedimentos, nem o julgador cautelar está impedido de qualificar previamente certo contrato.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Após o requerente ter informado nos autos que tinha já proposto no Tribunal do Trabalho de Lisboa acção de impugnação do despedimento, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 14 de Outubro de 1999, concedeu provimento ao agravo.
Pode ler-se nesse aresto:-
'........................................................................................................................................................................................................................................................................................
A providência cautelar de suspensão do despedimento é uma medida excepcional destinada a proteger o trabalhador contra o uso abusivo do poder disciplinar exercido pela entidade patronal, devendo o tribunal decidir apenas sobre a existência ou não de justa causa para fundamentar o despedimento decretado.
Deste modo, o que está em causa apreciar é o despedimento e este só existe se houver contrato de trabalho.
O A. sustenta que o contrato celebrado com a R. é um verdadeiro contrato de trabalho, independentemente da designação de ‘contrato de avença’, porque o A. exercia a sua actividade subordinado à entidade empregadora.
Esta defende a inexistência de contrato de trabalho mas de ‘prestação de serviços’ porque o trabalhador desenvolveu a sua actividade nos termos do contrato que assinou, sem subordinação jurídica.
Ora, o que se submete à apreciação deste Tribunal é, em primeira mão, a qualificação do contrato existente entre as partes no processo e, portanto, saber se houve ou não despedimento a pôr-lhe termo.
Estas questões não podem ser apreciadas e decididas no processo de suspensão de despedimento, até porque a prova está circunscrita à questão de inexistência de justa causa.
Para se chegar a esse ponto teria o Tribunal de apreciar a prova que a lei não prevê neste tipo de processo cautelar, conforme decorre do Capítulo IV do Cód. de Proc. do Trabalho.
Só no processo de impugnação do despedimento que funciona como principal relativamente a este, tal indagação é permitida legalmente.
O entendimento que se perfilha é uniforme neste secção, sendo exemplo o acórdão de 7 de Janeiro de 1980, publicado na CJ 1/80, pág. 280.
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Do acórdão de que imediatamente acima se encontra transcrita parte recorreu o requerente para o Tribunal Constitucional, dizendo que o aresto impugnado ‘adoptou uma determinada interpretação das normas constantes do
«capítulo IV do Cod. de Proc. do Trabalho» -- as únicas genericamente invocadas’, interpretação essa que o recorrente considera ‘injustificadamente restritiva e discriminatória, e violadora da Constituição da República’, aduzindo o que na sua alegação tinha sustentado e que acima já se transcreveu.
O recurso veio a ser admitido por despacho proferido em 8 de Novembro de 2000 pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a presente decisão sumária, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da vertente impugnação.
Como é bom de ver, o acórdão intentado impugnar perfilhou uma postura de harmonia com o qual no domínio do Código Processo do Trabalho (aprovado pelo Decreto- Lei nº 272-A/81, de 30 de Setembro, que será o aplicável ao caso sub iudicio, atenta a data de entrada em juízo do pedido - 15 de Novembro de 1996 - e o disposto no artº 3º do Decreto-Lei nº 480/99, de 9 de Novembro), nos pedidos de providência cautelar de suspensão do despedimento a prova a produzir (e a mesma só poderá ser a documental - cfr. artº 39º daquele corpo de leis) unicamente deve incidir sobre as circunstâncias relevantes do caso, por forma a fazer o tribunal concluir, ou não, pela probabilidade séria de inexistência de justa causa no despedimento.
Uma tal postura, como se depara claro, repousou num dado entendimento conferido à norma ínsita no nº 1 do artº 43º do aludido Código (norma essa, aliás, que a requerida e então recorrente, na sua alegação, tinha sido considerada como uma das violadas pela decisão tomada na 1ª instância) e, obviamente, esse entendimento leva implícito que tenha de haver uma sumaria cognitio quanto à existência de um contrato de trabalho (note-se que no acórdão de 13 de Janeiro de 1999 - fls. 464 dos autos -, o Tribunal da Relação de Lisboa diz expressamente que ‘Não sendo inequívoca a existência de um contrato de trabalho, não pode ser decretada a providência cautelar de suspensão do despedimento porque não está provado ter existido despedimento)’ que cessou por um despedimento cujo fumus de inexistência de justa causa se desenha. Simplesmente, o que o Tribunal da Relação de Lisboa entendeu foi que não era desiderato da providência em causa apurar se, na realidade, o contrato que ligava requerentes e requeridos nessa providência se haveria de qualificar como contrato de trabalho, quando isso não resulta, desde logo e numa primeira aparência, como líquido.
E foi esta postura, aliás, a que foi defendida pela requerida no seu agravo para a Relação de Lisboa.
Sendo isto assim, torna-se claro que o ora recorrente, antecedentemente à prolação da decisão judicial pretendida impugnar, tendo podido fazê-lo, não suscitou de modo adequado qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Na verdade, o que se lê na sua alegação produzida aquando do recurso de agravo interposto pela requerida para o Tribunal da Relação de Lisboa não pode consubstanciar a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa, antes constituindo um discretear sobre a solução que aquela requerida preconizava como devendo ser conferida ao caso concreto, discretear esse que culminava com o expender de uma opinião de acordo com a qual essa solução poderia conduzir a uma inconstitucionalidade, sem sequer nunca se ter efectuado qualquer reporte à norma vertida no nº 1 do artº 43º do Código de Processo do Trabalho.
O que vale por dizer que o que, efectivamente, foi suscitado pelo ora recorrente foi uma questão de inconstitucionalidade da subsunção do direito ao caso tal como foi preconizada pela então requerida/recorrente, razão pela qual, como acima se disse, se não coloca uma situação de adequada suscitação de inconstitucionalidade normativa.
Neste contexto, não se toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se o recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quatro unidades de conta'.
É da transcrita decisão sumária que vem deduzida reclamação pelo recorrente.
Nesta, o mesmo, em síntese, defende:-
- que, no caso concreto, não impendia sobre o ora reclamante qualquer ónus de, previamente à decisão pretendida impugnar, suscitar qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, já que só após o acórdão tirado na Relação de Lisboa é que o mesmo reclamante, porque o teve por inconstitucional, teria de suscitar aquela questão, e isso atendendo a que a decisão da 1ª instância não enfermava do vício de inconstitucionalidade, na medida em que
'concluiu, e bem, que o contrato era efectivamente de trabalho subordinado';
- que, ao criticar, na sua alegação para a Relação, a posição defendida pela então agravante, agiu, fazendo-o por mera cautela, para além do que era exigido, não lhe sendo 'exigível que ‘adivinhasse’ -- naquela sede e momento -- qual seria o teor do futuro acordão da Relação';
- que só após o aresto proferido na Relação de Lisboa é que a
'inconstitucionalidade deixou de ser uma simples eventualidade teórica ... para se tornar uma decisão consumada e documentada, e passível de reacção';
- que o entendimento perfilhada na decisão sumária reclamada e segundo o qual o acórdão intentado recorrer levava implícito que tivesse de haver uma sumaria cognitio quanto à existência de um contrato de trabalho entra em frontal contradição com o conteúdo desse acórdão, pois que enquanto que para a 1ª instância a 'mera circunstância de ser controvertida a questão prévia da qualificação do contrato, não constituia obstáculo liminar e intransponível à admissão do pedido cautelar, nem impedia o tribunal de apreciar a questão em
‘sumaria cognitio', para a Relação de Lisboa, 'a 1ª instância nunca poderia ter tido a veleidade de apreciar a questão prévia da qualificação do contrato';
- que, mesmo que se entendesse que o ora reclamante tinha o ónus de suscitar a questão de inconstitucionalidade antes de ser notificado da decisão judicial desejada recorrer, o que é certo é que ele efectivou nos autos essa suscitação antes do proferimento do acórdão, pois que começou por invocar a proibição constitucional de despedimentos sem justa causa, proibição da qual
'não exceptuava aqueles despedimentos em que a relação laboral subjacente aparecesse formalmente ‘disfarçada’ pelo título do contrato, ou mediante cláusulas fraudulentas, pela emissão de ‘recibos verdes’, etc..', alegou que a Constituição reconhece a todos os trabalhadores ilicitamente despedidos o direito de acesso à tutela judicial que, para ser eficaz, não podia excluir as providências cautelares, salientou que a interpretação doutrinária proposta pela então agravante equivalia a expulsar para fora da muralha protectora da suspensão do despedimento os casos semelhantes aos dos autos, dizendo, por fim, que, 'se os mecanismos de tutela judicial do Estado deixassem sem protecção cautelar os despedimentos em que a subordinação do trabalhador estivesse
‘disfarçada’ pelo título ou pela côr ‘verde’ dos recibos, os trabalhadores vitimados tornar-se-iam ‘ilhotas desguarnecidas’ de tutela jurisdicional preventiva', o que consubstanciaria uma desigualdade injustificada relativamente aos regime cautelar aplicável aos restantes casos ditos normais.
Ouvida sobre a reclamação, a recorrida contra P, S.A., propugnou pelo respectivo indeferimento.
Cumpre decidir.
2. O Tribunal anui, no essencial, ao que foi referido na decisão sumária agora em apreço.
E, assim, reafirma-se que, antes do acórdão tentado colocar sobre a censura deste Tribunal - o acórdão lavrado no Tribunal da Relação de Lisboa em
14 de Outubro de 1999 -, o ora reclamante não suscitou a questão de inconstitucionalidade da norma contida nº 1 do artº 43º do Código de Processo de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei nº 272- -A/81, de 30 de Setembro na dimensão interpretativa segundo a qual, havendo dúvidas sobre a qualificação de um dado negócio jurídico quanto ao particular de saber se o mesmo deverá ou não ser qualificado como contrato de trabalho (ou, se se quiser, não resultando desde logo como líquida uma tal qualificação), essas mesmas dúvidas não podiam ser decididas na providência cautelar de suspensão do despedimento.
Na verdade, a então agravante sustentou que aquela providência destinava- -se a proteger os trabalhadores contra o uso abusivo de poder disciplinar por parte da entidade patronal, não servindo, assim, para decidir os casos em que não houve qualquer despedimento.
A esta postura da então agravante retorqui o agora reclamante tão só que a tese defendida por aquela a aproximava 'perigosamente da inconstitucionalidade', pois que se desenharia a proibição constitucional dos despedimentos sem justa causa, haveria uma omissão do legislador na concretização do acesso ao direito e violação do princípio da igualdade.
Vale isto por dizer que o ora reclamante, a ter questionado como inconstitucional qualquer solução normativa - o que se duvida, mas sempre se dizendo que, a fazê-lo, isso não ocorreu de forma adequada -, o fez tão só na medida em que dela resultava que a providência de suspensão de despedimento não era aplicável quando em causa estivessem cessações de relações laborais, relações estas fundadas em contratos de trabalho que detinham uma outra denominação, que contivessem cláusulas fraudulentas ou em que o pagamento era efectuado por meio de «recibos verdes», sem aliás, nunca ter feito referência concreta a qualquer norma.
Ora, o que estava em causa, como resulta do que acima se disse e na esteira do ponderado na decisão sumária reclamada, não era saber se ao juiz decisor da providência cautelar de suspensão do despedimento não era permitido qualificar certo contrato como contrato de trabalho ou não. Obviamente que, para se aferir de uma tal providência, seria necessária a qualificação do contrato como contrato de trabalho.
Assim sendo, o que estava em causa era, isso sim, saber o nº 1 do artº 43º do Código de Processo de Trabalho permitia uma interpretação de harmonia com a qual, não resultando desde logo como líquida aquela qualificação ou, o que é o mesmo, havendo dúvidas quanto a ela, poderia, no aludido procedimento cautelar, decidir-se uma tal questão.
E, igualmente como é óbvio, a qualificação que resultava desde logo como líquida poderia muito bem ser independente da circunstância de o contrato ser intitulado de outro modo que não como contrato de trabalho ou de a remuneração do prestador de trabalho ser efectuada por intermédio de «recibos verdes».
Outrotanto, porém, já não sucederia se houvesse divergências entre as «partes» quanto à correcta qualificação do contrato, como, in casu, sucedia.
Desenhando-se assim a situação, é evidente que o ora reclamante nunca, directa ou indirectamente, explícita ou implicitamente, arguiu de desconforme à Lei Fundamental uma interpretação do preceito vertido no mencionado nº 1 do artº 43º, interpretação de acordo com qual, havendo dúvidas quanto à qualificação de determinado negócio jurídico como contrato de trabalho, não poderia essa questão ser decidida na providência de suspensão do despedimento.
E que esta foi, inequivocamente, a interpretação normativa que foi sufragada no acórdão de 14 de Outubro de 1999, é algo que não suscita dúvidas a este Tribunal.
Conclui-se, desta arte, que o ora reclamante, relativamente à dimensão interpretativa que foi seguida no aresto pretendido impugnar perante o Tribunal Constitucional, não suscitou adequadamente a questão da sua desconformidade com o Diploma Básico.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 31 de Janeiro de 2001 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa