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Procº nº 323/2000.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 29 de Maio de 2000 (fls. 142 a 144 dos presentes autos) lavrou o relator decisão sumária com o seguinte teor:-
'1. L... intentou pelo Tribunal de Trabalho de Lisboa e contra M..., S.A., acção visando a condenação da ré a pagar-lhe a importância de Esc.
1.531.973$00 e juros - sendo os vencidos computados em Esc. 51.066$00 -, a título de complementos de reforma e de subsídios de doença e partes proporcionais de férias e subsídio de férias.
Por sentença proferida em 16 de Setembro de 1999 pelo Juiz do 4º Juízo daquele Tribunal, foi a acção julgada parcialmente procedente, tendo sido a ré condenada a pagar à autora o montante de Esc. 126.000$00, a título de complementos do subsídio de doença.
Do assim decidido apelou a autora para o Tribunal da Relação de Lisboa, sendo que na alegação que, então, produziu, a mesma não suscitou qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental reportadamente a norma ou normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional.
Tendo, por acórdão de 1 de Março de 2000, o Tribunal da Relação de Lisboa negado a apelação, fez a autora juntar aos autos requerimento por intermédio do qual veio requerer a reforma daquele aresto, pois que, na sua
óptica, o mesmo infringiu ‘princípios fundamentais do direito do trabalho, alguns até com consagração constitucional’, referindo, a dada altura:-
‘...........................................................................................................................................................................................................................................12. Verifica-se deste modo manifesto erro na qualificação jurídica dos factos, na medida em que se qualificou como mera expectativa, o que constituiria já direito adquirido, como cremos ter demonstrado. O que não só conflitua a com a jurisprudência existente sobre a matéria (cf. Ac. RL. de 27.5.92 e de 20.10.93 citados na alegação de recurso in fine. Como conduz a graves desvios dos princípios da justiça e da proporcionalidade
ínsitos na ideia de Estado de direito, que decorre dos artigos 2 e 18 nº. 2 da CR. Nessa medida e por violação destas normas, o acórdão objecto da presente reclamação, sofre de manifesta inconstitucionalidade.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Tendo a Relação de Lisboa, por acórdão de 12 de Abril de 2000, indeferido o pedido de reforma, a autora apresentou requerimento através do qual manifestou a sua intenção de, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de 1 de Março de 2000, complementado pelo de 12 de Abril seguinte, dizendo que ‘suscitou durante o processo verificar-se uma interpretação que tem por inconstitucional dos artºs. 2º., 13º e 18º. nº. 2 da CR’, inconstitucionalidade que arguira ‘no pedido de reforma do acórdão proferido sobre a apelação, sendo que deste modo os acórdãos, reformando e o proferido sobre o pedido de reforma violam aqueles artigos’.
Por despacho proferido em 3 de Maio de 2000 pelo Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa foi o recurso admitido.
2. Não obstante um tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da aludida Lei, a vertente decisão sumária, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Na verdade, em primeiro lugar, objecto dos recursos visando a fiscalização concreta da constitucionalidade são normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional e não as próprias normas constitucionais ou outros actos do poder público como, verbi gratia, as decisões judiciais qua tale consideradas.
Ora, do relato supra efectuado verifica-se desde logo que o que a ora impugnante intenta é a apreciação de uma interpretação a que dá o epíteto de inconstitucional de três preceitos justamente vertidos no Diploma Básico, para além de acrescentar que foram os arestos tirados na Relação de Lisboa os violadores desse Diploma.
Não assacou assim a recorrente qualquer vício de desconformidade com Constituição por parte de uma norma jurídica ínsita no ordenamento infra-constitucional.
2.1. Em segundo lugar, e mesmo que porventura fosse desiderato da impugnante a apreciação de uma enfermidade constitucional por banda de uma norma jurídica infra-constitucional (o que agora somente se concebe para efeitos meramente argumentativos), estribando-se este recurso na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, mister seria que a mesma, antecedentemente à prolação do acórdão de 12 de Abril de 2000, tivesse equacionado a questão dessa enfermidade.
De facto, suscitar uma questão de inconstitucionalidade «durante o processo» significa - como tem sido jurisprudência seguida sem excepções por este órgão de administração de justiça (por isso se dispensando agora a indicação de qualquer acórdão nesse sentido, ainda que a título meramente exemplificativo) - que essa suscitação deve ser feita a tempo de o tribunal recorrido poder decidir sobre ela, pois que subjacente a uma tal ideia está a consideração de que, antes de o Tribunal Constitucional se pronunciar em recurso
(ou sejam em reexame) sobre a referenciada questão, necessário é que a mesma tenha sido apresentada ao tribunal a quo em termos de o mesmo sobre ela ponderar aquando da decisão da causa, ou seja, e mais concretamente, em termos de aquilatar da solvência ou insolvência constitucional da norma ou das normas que constituem o suporte jurídico daquela decisão.
Por isso tem este Tribunal sustentado sem discrepância que já não é momento adequado para se suscitar uma questão de inconstitucionalidade para os efeitos da alínea b) do nº 1 do citado artº 70º fazê-lo em requerimento de arguição de nulidades, pedido de esclarecimento ou reforma da sentença.
Porque, in casu, a invocada inconstitucionalidade (e aliás, sem relevância, atento o exposto em 2.) só ocorreu no requerimento em que se solicitava a reforma do acórdão que decidiu a apelação, haverá de concluir-se que a suscitação da questão de inconstitucionalidade foi feita a destempo.
Em face do exposto, não se toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta.'.
É desta decisão que, pela autora L..., vem deduzida a vertente reclamação, argumentando da seguinte forma:-
'1. Concordamos que o requerimento de interposição de recurso sofre do vício que lhe é apontado, no douto despacho, uma vez que não se invocou ‘desconformidade com a Constituição por parte de uma norma jurídica ínsita no ordenamento infra-
-constitucional’, como bem se diz no mesmo despacho ;
2. Porém, tal vício poderia ser sanado, para o que deveria o Exm° Senhor Juiz Conselheiro Relator convidar o recorrente, nos termos do nº 5 do art° 75°-A, a indicar o elemento ou elementos em falta, no caso a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie;
3. Portanto, perante tal omissão, deveria ordenar-se a notificação do recorrente para a suprir, e não indeferir automaticamente o requerimento.
4. Por outro lado, de acordo com o disposto no nº 2 do art° 75°-A da LTC, o requerimento de interposição do recurso deve conter a indicação da peça processual em que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade.
5. Ora, diz-se naquele requerimento que a inconstitucionalidade foi suscitada no pedido de reforma do acórdão proferido sobre a apelação, requerimento este feito ao abrigo do nº 2 do art° 669° do C. P. Civil.
6. E dúvidas se não oferecem que o requerimento de reforma do acórdão é uma peça processual.
7. Porém, diz-se no douto despacho objecto desta reclamação ‘que já não é momento adequado para se suscitar uma questão de inconstitucionalidade para os efeitos da alínea h) do nº l do citado art° 75°, fazê-lo em requerimento de arguição de nulidades, pedido de esclarecimento ou reforma da sentença como o Tribunal Constitucional tem ‘sustentado sem discrepância’ diz-se.
8. Mas, parece-nos não ser lícito equiparar para tal efeito todos os pedidos de arguição de nulidades, pedido de esclarecimento ou reforma da sentença, pois há pedidos e pedidos.
9. Cremos que se deverá atender ao que consta do requerimento de reforma.
10. E deste modo verificamos que nele se sustenta existir manifesto erro na qualificação jurídica dos factos na medida em que se qualifica como mera expectativa, o que já era um direito adquirido, numa interpretação que temos por inconstitucional, acrescentamos agora, do art° 7° da LCT aprovada pelo Dec.-Lei
49408.
11. E quanto ao acórdão proferido sobre o pedido de reforma, deve salientar-se que ele se pronunciou expressamente sobre a alegada inconstitucionalidade, afastando-a.
12. Portanto, as razões que subjazem a que não se considere o requerimento de reforma da sentença modo processual correcto, por não ser 'feito a tempo de o tribunal recorrido poder decidir sobre ela’ não ocorrem neste caso.
13. Com efeito, aqui o Tribunal da Relação, tribunal recorrido, apreciou e decidiu a questão de inconstitucionalidade suscitada no requerimento de reforma pelo que é sobre a decisão do tribunal a quo que negou expressamente o vício da inconstitucionalidade, que o Tribunal Constitucional é chamado a pronunciar-se.
14. O Tribunal Constitucional neste caso já não será o 1º órgão judiciário a apreciar a questão de inconstitucionalidade, diversamente do que se pressupõe na jurisprudência a que o douto despacho alude.
15. Logo a questão da inconstitucionalidade foi suscitada de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida o qual apreciou e negou tal vício. Termos em que deve deferir-se a presente reclamação proferindo-se acórdão que, ao abrigo do no 5 do art° 75°A da LCT, convide o recorrente a indicar os elementos em falta, no seu requerimento de interposição do recurso, deste modo se fazendo uma melhor e mais equilibrada
JUSTIÇA !'
Cumpre decidir.
2. A reclamação ora em apreço não belisca minimamente o que é referido na decisão dela objecto, quer no tocante ao objecto do recurso, quer na parte relativa à não suscitação de questão de constitucionalidade.
Assim, e em primeiro lugar, o convite a que se reporta o artº 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, destina-se a que o recorrente supra a falta de algum dos elementos de interposição de recurso previstos em tal artigo, o que pressupõe que tal suprimento seja suficiente para que o recurso seja recebido.
Isso significa, em direitas contas, que, para que haja lugar ao convite previsto naquela norma [quanto ao caso, o convite a que se reporta o nº
6 do dito artº 75º-A], mister é, de um lado, que o requerimento de interposição de recurso não contenha a indicação de todos os requisitos que se encontram elencados nos números 1 e 2 do mesmo artº 75º-A e, de outro, que esses requisitos, não obstante aquela falta de indicação, se contenham, eles mesmos, nos autos.
É que, se estes não existirem, não poderá essa inexistência ser suprida pela mera indicação posterior.
No vertente caso, tal como consta da decisão sob reclamação, o não conhecimento do recurso baseou-se, sobretudo, no facto de o objecto do recurso de constitucionalidade visar a fiscalização da constitucionalidade de normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional e não as próprias normas constitucionais ou sequer as decisões judiciais, como pretende a ora reclamante.
2.1. Por outro lado, deve sublinhar-se que a razão de ser da não consideração como momento oportuno para suscitação da questão de inconstitucionalidade a efectivação desse desiderato no requerimento de reforma da decisão elaborado pela ora reclamante deve-se, desde logo, ao facto a reforma solicitada nos termos da alínea a) do nº 2 do artº 669º do Código de Processo Civil e que, in casu, foi pedida, se ter destinado à correcção daquilo que, na
óptica da mesma reclamante, teria sido um manifesto lapso na qualificação jurídica dos factos, desta sorte não tendo formulado solicitação de reforma com base num eventual e manifesto lapso na determinação da norma jurídica aplicável
[e isto, como é claro, independentemente da questão de saber se, sendo pedida a reforma de uma decisão com fundamento num manifesto lapso de determinação da norma jurídica aplicável, em face de uma sua, ao menos patente, inconstitucionalidade, tendo-se, no requerimento consubstanciador da reforma, suscitado então o problema de inconstitucionalidade normativa, tal requerimento ainda poderia considerar-se como modo processualmente - e atempadamente - adequado para efeitos de abertura do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82].
Em face do exposto, indefere-se a reclamação, condenando-se a reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 27 de Setembro de 2000 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa