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Processo nº 338/95 Plenário Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, no Plenário do Tribunal Constitucional:
11. O Provedor de Justiça veio requerer ao Tribunal Constitucional, a título principal, 'a fiscalização da norma contida no art. 4º, nº 3, alínea c), do Estatuto dos Governadores Civis, aprovado pelo Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro' e, consequencialmente, de todas as normas dos seguintes Regulamentos policiais distritais, ao seu abrigo aprovados:
11. Regulamento Policial do Distrito de Faro, homologado por despacho do Ministro da Administração Interna de 5 de Fevereiro de 1993, e publicado no Diário da República, II Série, nº 42, de 19 de Fevereiro de 1993;
11. Regulamento Policial do Distrito do Porto, aprovado por despacho do Ministro da Administração Interna de 1 de Março de 1993, e publicado no Diário da República, II Série, nº 86, de 13 de Abril de 1993;
11. Regulamento Policial do Distrito de Bragança, aprovado por despacho do Ministro da Administração Interna de 23 de Março de 1993, e publicado no Diário da República, II Série, nº 103, de 4 de Maio de 1993;
11. Regulamento Policial do Distrito de Beja, aprovado por despacho do Ministro da Administração Interna de 23 de Abril de 1993, e publicado no Diário da República, II Série, nº 127, de 1 de Junho de 1993;
11. Regulamento Policial do Distrito de Guarda, aprovado por despacho do Ministro da Administração Interna de 16 de Julho de 1993, e publicado no Diário da República, II Série, nº 204, de 31 de Agosto de 1993;
11. Regulamento Policial do Distrito de Évora, aprovado pelo Governo em data não publicitada, e publicado no Diário da República, II Série, nº 256, de 2 de Novembro de 1993;
11. Regulamento Policial do Distrito de Santarém, aprovado por despacho do Ministro da Administração Interna de 20 de Dezembro de 1993, e publicado no Diário da República, II Série, nº 304, de 31 de Dezembro de 1993;
11. As alterações ao Regulamento Policial do Distrito de Coimbra de 30 de Abril de 1966, aprovadas por despacho do Ministro da Administração Interna de 15 de Dezembro de 1993, e publicadas no Diário da República, II Série, nº 304, de 31 de Dezembro de 1993. Fundamentando o pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, o Provedor de Justiça formulou as seguintes conclusões:
'1ª - A norma ora impugnada viola o disposto no art. 115º, nº 6, da Constituição da República Portuguesa, ao admitir a forma de despacho do Ministro da Administração Interna para um acto normativo que constitui verdadeiro regulamento independente do Governo;
2ª - A mesma norma viola o princípio da reserva de lei fixado constitucionalmente no art. 272º, nº 2 (1ª parte), dado que habilita o Governo a dispor inovadoramente por via regulamentar em matéria das competências policiais dos governadores civis (‘... que não sejam objecto de lei ou regulamento geral...’);
3ª - Por fim, sem prejuízo de outras normas e princípios que o Tribunal Constitucional tenha por atingidos no parâmetro da cognição que lhe cabe, a norma do art. 4º, nº 3, alínea c) do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, viola o princípio da tipicidade das medidas de polícia (art. 272º, nº 2, 1ª parte, da Constituição da República Portuguesa), visto que esta tipicidade há-de dar-se por conformada pelo legislador (princípio da tipicidade legal e não tipicidade tout court), o que impede o recurso a simples acto regulamentar, na falta de lei;
4ª - São ainda inconstitucionais por consequência todas as normas contidas em regulamentos distritais de polícia aprovados no uso da faculdade conferida no art. 4º, nº 3, alínea c), do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, com recurso à forma ali prevista, a saber:
(...) Pelos motivos expostos, o Provedor de Justiça requer ao Tribunal Constitucional que aprecie e declare inconstitucional com força obrigatória geral a norma contida no art. 4º, nº 3, alínea c), do Decreto-Lei nº 252/92, de 19 de Novembro, bem como a consequente inconstitucionalidade das normas regulamentares citadas, enquanto habilitadas pela primeira, a qual viola a norma constitucional do art. 115º, nº 6 e os princípios constitucionais da reserva de lei e da tipicidade em matéria de medidas de polícia (art. 272º, nº 2, 1ª parte).'
2. Notificado nos termos do disposto nos artigos 54º e 55º da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, o Primeiro Ministro não apresentou qualquer resposta. Igualmente notificados foram os Governadores Civis de Faro, Porto, Bragança, Beja, Guarda, Évora, Santarém e Coimbra. Apenas responderam os de Faro e de
Évora, sustentando a não inconstitucionalidade, quer da norma contida na alínea c) do nº 3 do artigo 4º citado, quer do regulamento policial do distrito respectivo. Em síntese, vieram argumentar que é tradicional, no Direito Português, a atribuição aos Governadores Civis de poder regulamentar. A norma impugnada apenas se teria inscrito numa linha de continuidade, vinda do Código Administrativo, seguindo-se ao Decreto-Lei nº 103/84, de 30 de Março, emitido ao abrigo da autorização legislativa conferida pelo artigo 1º da Lei nº 77/83, de 8 de Setembro; ora ambos estes diplomas foram aprovados já no quadro da Constituição de 1976 e após a inserção no texto constitucional do (então) nº 6 do artigo 115º pela revisão de 1982; e os regulamentos policiais distritais têm mantido, ao longo de décadas, um conteúdo normativo uniforme, pelo que não podem considerar-se regulamentos 'independentes'; além disso, do nº 2 do artigo 272º da Constituição não decorre a imposição de uma definição legal 'taxativa' de todas as medidas policiais, dada a pluralidade ilimitada das circunstâncias susceptíveis de exigirem a respectiva aplicação. E a concluir a sua argumentação, o Governador Civil de Faro frisou que importa inserir a matéria em apreço 'numa perspectiva histórica' e abandonar a 'visão estritamente formal' adoptada pelo Provedor de Justiça.
3. Nos termos previstos no nº 1 do artigo 63º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, foi distribuído e debatido em plenário o memorando elaborado pelo Presidente do Tribunal Constitucional, tendo sido fixada a orientação a seguir.
4. É o seguinte o texto do artigo 4º, nº 3, c), do Decreto-Lei nº 252/92: Artigo 4º Competências do Governador Civil
(...)
3. Compete ao Governador Civil, no exercício de funções de polícia:
(...) c) Elaborar regulamentos obrigatórios em todo o distrito sobre matérias da sua competência policial que não sejam objecto de lei ou regulamento geral, a publicar no Diário da República, após aprovação do Governo, que pode ser efectuada por despacho do Ministro da Administração Interna.
(...) Sucede, porém, que pouco depois de Ter entrado no Tribunal Constitucional este pedido de fiscalização da constitucionalidade, entrou em vigor o Decreto-Lei nº
316/95, de 28 de Novembro, que veio estabelecer o regime jurídico aplicável ao licenciamento de diversas actividades e, concomitantemente, alterar algumas disposições do Decreto-Lei nº 252/92; entre essas disposições figura o artigo
4º, que passou a Ter a seguinte redacção: Artigo 4º
(...)
(...)
3. (...)
1. Tomar as providências necessárias para manter ou repor a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, requisitando, quando necessária, a intervenção das forças de segurança, aos comandantes da PSP e da GNR, instaladas no distrito; b) Conceder as autorizações ou licenças previstas na lei para o exercício de actividades, tendo sempre em conta a segurança dos cidadãos, a prevenção de riscos ou de perigos vários que àquelas sejam inerentes; c) Assegurar a observância das leis e regulamentos e garantir a execução dos actos administrativos e das decisões judiciais; d) Propor ao Ministro da Administração Interna a elaboração dos regulamentos necessários à execução das leis que estabelecem o modo de exercício das suas competências.
4. (...)
5. (...)
(...) f) Aplicar as medidas de polícia e as sanções contra-ordenacionais previstas na lei.
(...) Como se explica no preâmbulo deste diploma, cujo artigo 5º estabelece que 'entra em vigor a 1 de Outubro de 1995', o legislador pretendeu que os governadores civis ficassem 'com o exercício das suas competências sujeito a um diploma com força de lei, como acontece com todos os órgãos administrativos, retirando-se-lhes competências regulamentares em matérias não suficientemente densificadas por lei, obstando com o ensejo à subsistência de regulamentos independentes.' Igualmente teve em vista, 'no que concerne às denominadas
‘medidas de polícia’, a que subjazem razões de ordem pública', cumprir 'não só a mera precedência legislativa mas ainda o princípio da sua tipicidade, em estrita obediência à lei fundamental'. O Decreto-Lei nº 316/95 retirou, pois, aos governadores civis a competência regulamentar que lhes era atribuída pela norma da alínea c) do nº 3 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 252/92.
5. Torna-se necessário averiguar que consequências teve esta alteração legislativa na vigência dos regulamentos policiais elaborados ao abrigo da norma revogada e que integram, a título consequencial, o objecto do presente pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Para o efeito, há que começar por determinar o exacto alcance de tal alteração, no que respeita à questão de saber se ocorreu uma transferência para outra entidade da competência regulamentar que a norma revogada atribuía aos governadores civis ou se, pura e simplesmente, tal competência se extinguiu. Pronunciou-se no primeiro sentido a Procuradoria Geral da República, nomeadamente no seu parecer de 19 de Agosto de 1996, homologado pelo Ministro da Administração Interna e publicado no Diário da República, II Série, de 29 de Novembro de 1996, referido no acórdão nº 381/97 deste Tribunal (Diário da República, II Série, de 25 de Junho de 1997). Com efeito, afirmou-se no referido parecer (cuja orientação foi perfilhada por outros que se lhe seguiram e pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de
2 de Fevereiro de 2000, Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, ano XXXIX, nº 461, pág. 683 e segs.), que o Decreto-Lei nº 361/96 transferiu para o Ministro da Administração Interna a competência regulamentar que a al. C) do nº 3 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 252/92 atribuía aos governadores civis
(cfr. A respectiva conclusão 1ª); e, no que toca à vigência dos regulamentos entretanto aprovados, o parecer concluiu que 'Os regulamentos emanados pelos governadores civis no exercício dessas competências regulamentares não cessaram a sua vigência pelo simples facto da aludida transferência da competência, operada em 1 de Outubro de 1995, apenas ficando revogados se e na medida em que o novo titular a exerça no mesmo domínio normativo, ou este domínio seja disciplinado mediante actos de adequado nível e valor formal' (conclusão 2ª). Note-se, porém, que se não pode tomar esta afirmação como incontestada. Assim, MARCELLO CAETANO (Manual de Direito Administrativo, 10ª ed., I, Lisboa,
1973, pág. 111), ao enunciar as causas de cessação de vigência dos regulamentos, indica a perda de competência da entidade que os emitiu, quer nas hipóteses de transferência, quer nas de extinção. Já AFONSO QUEIRÓ (Lições de Direito Administrativo, I, Coimbra, 1976, pág. 487 e segs. E Teoria dos Regulamentos, Revista de Direito e Estudos Sociais, I, Janeiro-Março, nº 1, 2ª parte, págs.
29-30), dando notícia de que 'A doutrina corrente é no sentido de que [‘se, na vigência de um regulamento, o órgão que o elaborou perder a competência regulamentar em causa, cessando esta em absoluto ou sendo transferida para outro
órgão] esse regulamento deixa de vigorar', entende que tal afirmação 'deve ser atenuada no seu rigorismo.' E, para exemplificar situações em que se deve entender que o regulamento se mantém em vigor, AFONSO QUEIRÓ refere a hipótese de 'a transferência da competência regulamentar se operar de um órgão para outro da mesma entidade (como ultimamente sucedeu, por exemplo, com a transferência da competência regulamentar da câmara municipal para a assembleia municipal e da junta de freguesia para a assembleia de freguesia), continuarão vigentes os regulamentos anteriores. Do mesmo modo, se a transferência da competência regulamentar se operar por motivo da sucessão de uma pessoa colectiva pública a outra, em consequência da extinção da Segunda, os regulamentos editados por esta continuarão em vigor'. Estes dois exemplos são considerados por FREITAS DO AMARAL (Direito Administrativo, III, Lisboa, 1989, pág. 55 e segs.) como excepções à regra da caducidade que opera 'se cessar a competência regulamentar do órgão que faz o regulamento'; e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA (Direito Administrativo, I, Lisboa,
1980, pág. 149) adere à solução proposta por AFONSO QUEIRÓ, salientando que as consequências da solução da caducidade para todos os casos seriam 'graves e absurdas – vácuo jurídico em matérias e relações sociais de enorme importância'.
6. A verdade, todavia, é que se não encontra razão para fazer caducar regulamentos independentes [e nenhuma dúvida se pode aqui levantar quanto a estarmos perante regulamentos independentes: 'a habilitação contida (então) no §
1º do artigo 408º (do Código Administrativo) apenas delimita o campo material das normas regulamentares e condiciona a possibilidade da sua emissão à inexistência de preceitos de grau hierárquico mais elevado vigorando sobre a mesma matéria' (Sérvulo Correia, Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, Coimbra, 1987, pág 258)], aprovados ao abrigo de uma norma habilitante vigente à data da respectiva emissão, se for transferida para outra entidade a competência regulamentar do autor do regulamento; também não caducam os decretos-leis aprovados pelo Governo relativamente a matérias que passem, em virtude de uma alteração constitucional, da área de competência legislativa concorrencial para a área de competência legislativa reservada da Assembleia da República. Ora o Tribunal Constitucional tem entendido que, para efeitos de apreciação de eventual inconstitucionalidade orgânica, a competência legislativa do Governo deve ser aferida à luz do texto constitucional vigente à data da aprovação do Decreto-Lei em causa (cfr., a título de exemplo, o acórdão nº 517/98, Diário da República, II Série, de 10 de Novembro de 1998).
7. Não é suficiente, porém, explicar a não caducidade dos regulamentos nos termos apresentados pelo citado Parecer da Procuradoria Geral da República, fundamentalmente baseado na comparação com a caducidade dos regulamentos de execução na hipótese de ser revogada a lei que executam ['(...) nem os regulamentos passaram a carecer de objecto, nem surgiu nenhuma concreta incompatibilidade normativa entre os regulamentos existentes e a nova lei de competência' ] e na inexistência de razões materiais para que 'deixem de vigorar pelo simples facto da transferência de competências regulamentares. De contrário criar-se-ia subitamente um vazio normativo de consequências imprevisíveis nas relações da vida social'. A razão decisiva para afastar a doutrina tradicional no sentido da caducidade de regulamentos independentes (só destes nos ocupamos neste momento, embora seja exacto que, quanto ao ponto particular que agora interessa, não exista razão para os distinguir dos regulamentos de execução), em caso de transferência de competência, há-de encontrar-se na circunstância de os regulamentos, uma vez emitidos, se integrarem no ordenamento jurídico como quaisquer outras normas, desligadas da vontade histórica do seu criador. Com efeito, o entendimento de que opera a caducidade se for transferida a competência regulamentar da entidade que os emitiu só encontra fundamento na concepção de que os regulamentos administrativos estão indissociavelmente ligados àquela entidade, apenas valendo porque e enquanto a sua vontade assim o pretende. Tudo se passa como se, mais do que verdadeiras normas de aplicação genérica e continuada, os regulamentos se decompusessem num conjunto de ordens administrativas individualizadas, como que renovadas em cada aplicação.
8. Independentemente de outras considerações, a verdade, porém, é que o parecer citado parte de um pressuposto que não é exacto – o de que o Decreto-Lei nº
316/95 operou a transferência para o Ministro da Administração Interna da competência regulamentar atribuída pela lei anterior aos governadores civis. Ora a verdade é que daquele texto legal resulta tão somente a atribuição aos governadores civis de uma nova competência, a de propor ao Ministro da Administração Interna a elaboração de regulamentos de 'execução das leis que estabelecem o modo de exercício das suas competências'. A competência anteriormente definida para a elaboração de regulamentos independentes foi, pura e simplesmente, extinta, circunstância que afasta a possibilidade de analogia com a transferência de poder legislativo. Coloca-se então a questão de saber qual foi a intenção da lei, ao eliminar o poder regulamentar independente dos governadores civis em matéria policial, no que toca à vigência dos regulamentos policiais por eles anteriormente editados; e é na interpretação da lei nova que se há-de encontrar a resposta. Ora resulta com clareza da alteração legislativa verificada que ficou excluída a possibilidade de os governadores civis aprovarem novos regulamentos independentes em matéria policial, ou de alterarem os já existentes. Decorrerá igualmente a revogação dos regulamentos anteriores? Deve entender-se que não, concluindo-se que se admite a sua subsistência até que a matéria neles versada seja regulada. Na falta de indicação expressa em contrário, não deve o intérprete presumir que o legislador quis criar uma lacuna de regulamentação nas matérias disciplinadas pelos regulamentos em causa que não foram tratadas no mesmo Decreto-Lei nº 316/95 (lotaria, jogo lícito, associações recreativas, utilização de foguetes e fogos de artifício, etc.), com eventuais consequências sociais graves.
9. Acontece, porém, que a maior parte das matérias versadas nos Regulamentos policiais em apreço foram entretanto reguladas por outros diplomas legais. Assim, o próprio Decreto-Lei nº 316/95 aprovou o regime de licenciamento
(publicado em anexo) das seguintes actividades, indicadas no seu artigo 1º: guarda-nocturno; vendedor ambulante de lotarias; arrumador de automóveis; realização de acampamentos ocasionais; exploração de máquinas automáticas, mecânicas, eléctricas e electrónicas de diversão; realização de espectáculos desportivos e de divertimentos públicos nas vias, jardins e demais lugares públicos ao ar livre; venda de bilhetes para espectáculos ou divertimentos em agências ou postos de venda; realização de fogueiras e queimadas; realização de leilões. Outros diplomas vieram regular outras matérias: instalação e funcionamento de recintos de espectáculos e espectáculos de natureza artística (Decreto-Lei nº
315/95, de 28 de Novembro e Decreto Regulamentar nº 34/95, de 16 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 65/97, de 31 de Março); empreendimentos turísticos
(Decreto-Lei nº 167/97, de 4 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei nº 305/99, de 6 de Agosto), estabelecimentos hoteleiros (Decreto regulamentar nº 36/97, de 25 de Setembro, alterado pelo Decreto regulamentar nº 16/99, de 18 de Agosto), estabelecimentos de restauração e bebidas (Decreto-Lei nº 168/97, de 4 de Julho, alterado pelo Decreto-Lei nº 139/99, de 24 de Abril, e Decreto regulamentar nº
38/97, de 25 de Setembro, alterado pelo Decreto regulamentar nº 4/99, de 1 de Abril). E já mesmo anteriormente à alteração legislativa haviam entrado em vigor diplomas legais regulando matérias constantes de regulamentos policiais anteriores. Assim, por exemplo, o Decreto-Lei nº 275/93, de 5 de Agosto de 1993, alterado pelo Decreto-Lei nº 180/99, de 22 de Maio, relativo ao direito real de habitação periódica, regulou a matéria da publicidade e promoção, contemplada no regulamento do Governador Civil de Faro. Encontra-se, pois, revogada a maior parte das disposições dos regulamentos policiais cuja declaração de inconstitucionalidade é requerida a título consequencial.
10. Suscita-se, portanto, a questão prévia da utilidade do conhecimento do presente pedido de declaração inconstitucionalidade com força obrigatória geral.
É certo que, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, a circunstância de Ter sido revogada a norma que constitui o seu objecto principal não implica necessariamente, por si só, a inutilidade do respectivo conhecimento
(cf. acórdão nº 17/83, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1º vol., pág. 93 e segs.). No entanto, não basta que a norma revogada tenha produzido um qualquer efeito para que se haja por justificada a apreciação do pedido (cf. por exemplo, o acórdão nº 116/97, Diário da República, II Série, de 21 de Março de 1997); é imprescindível que essa apreciação se revista de um interesse jurídico relevante.
'Há-de (...) tratar-se', escreveu-se no acórdão nº 238/88 (Diário da República, II Série, de 21 de Dezembro de 1988) 'de um interesse com ‘conteúdo prático apreciável’, pois, sendo razoável que se observe aqui um princípio de adequação e proporcionalidade, ‘seria inadequado e desproporcionado accionar um mecanismo de índole genérica e abstracta, como é a declaração de inconstitucionalidade’
(...) para eliminar efeitos eventualmente produzidos que sejam constitucionalmente pouco relevantes ou que possam facilmente ser removidos por outro modo'. 'Por conseguinte, estando em causa normas revogadas, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, só deverá Ter lugar – ao menos em princípio – quando for evidente a sua indispensabilidade'. No mesmo sentido, cf. nomeadamente o acórdão nº 465/91, Diário da República, II Série, de
2 de Abril de 1992. Ora não existe um interesse jurídico relevante – um interesse prático apreciável
– no conhecimento do pedido, por exemplo, quando os meios concretos de defesa postos à disposição dos interessados são suficientes para acautelar os seus direitos ou interesses, impedindo a aplicação da norma inconstitucional (assim, cf. os casos versados nos acórdãos nºs 308/93, 397/93, 188/94, 580/95, 117/97,
592/99 e 140/00 in Diário da República, II Série, de 22 de Julho de 1993, 14 de Setembro de 1993, 19 de Maio de 1994, 30 de Dezembro de 1995, 26 de Março de
1997, 22 de Novembro de 1999, respectivamente; o último não está publicado).
11. No caso presente, estando revogada a norma que integra o objecto do pedido a título principal, a eventual declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral só teria utilidade para destruir os efeitos entretanto produzidos, ou seja, para fazer cessar a vigência dos regulamentos policiais cuja aprovação veio habilitar (os quais, por sua vez, integram o objecto do pedido, a título consequencial). Ora a verdade é que esses regulamentos se encontram, eles próprios, revogados na sua maior extensão, como se viu. Assim sendo, há que concluir que não subsiste um interesse suficientemente relevante no conhecimento do pedido, nem sequer no que toca a tais efeitos. É que, quanto à pequena parte em que subsistam em vigor normas regulamentares, são suficientes outras vias ou iniciativas processuais, designadamente voltadas para normas específicas dos diplomas que as contêm, e cingidas à apreciação delas. Utilizar o presente pedido de fiscalização abstracta para tão-só apreciar consequencialmente e em globo a conformidade constitucional das normas subsistentes traduzir-se-ia na utilização de um meio excessivo e desproporcionado. Assim, considera-se não existir interesse relevante no conhecimento do pedido, por inutilidade superveniente.
Nestes termos, o Tribunal decide não tomar conhecimento dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade, por inutilidade superveniente. Lisboa, 4 de Outubro de 2000 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Paulo Mota Pinto Bravo Serra Messias Bento Guilherme da Fonseca Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma (com declaração de voto) José Manuel Cardoso da Costa Declaração de voto
No presente Acórdão, espelha-se uma doutrina sobre os regulamentos com a qual não concordo em tese geral. Discordo que se diga que os regulamentos são normas que vivem independentemente da vontade dos seus autores, em casos de transferência de competências e sobretudo no caso da extinção destas. Os regulamentos independentes são normas que dependem da vontade legislativa de atribuir uma certa competência a uma entidade para emitir regras que não estão reservadas à lei. A sua persistência na ordem jurídica está associada à relativa discricionariedade de decisão normativa atribuída a uma entidade em função da sua competência. A extinção da competência pode revelar uma vontade de não continuar a tratar a matéria por regulamento e a mera transferência de competências pode igualmente significar uma alteração do critério com que o poder regulamentar é exercido.
No caso concreto, parecem-me suficientes as considerações contidas no parecer do Ministério Público, diferentemente do que considera a crítica feita pelo Tribunal ou, numa outra alternativa de solução, entendo que são bastantes as razões que o Acórdão assinala no ponto 8. Por esta última razão, não votei vencida a decisão. Todavia, não acompanho a 'ontologia' do regulamento que o Tribunal parece acatar, nem as tomadas de posição doutrinárias que assumiu. Não parece igualmente curial aplicar automaticamente a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre as mudanças de competência legislativa a esta matéria, pois aí trata-se de alterações de um quadro constitucional quanto ao poder normativo originário que, em regra, contemplam implicitamente uma vontade de persistência dos conteúdos substanciais das normas em causa. Isto é, nestes casos, tal como tem entendido o Tribunal Constitucional - e sustenta a doutrina
- , não se pode identificar uma inconstitucionalidade (orgânica) superveniente.
Maria Fernanda Palma