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Processo n.º 132/00
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. Em decisão de 19 de Fevereiro de 1999, o M.º Juiz do 1º Juízo Cível da Comarca de Lisboa considerou inconstitucional a norma do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 274/97, de 8 de Outubro, 'quando manda aplicar as regras estabelecidas nas acções executivas para pagamento e quantia certa com processo sumário (exclusivas dos processos em que o título executivo é uma sentença judicial) às execuções para pagamento de quantia certa quando o título executivo não é uma sentença judicial', recusando a sua aplicação, e, consequentemente, indeferindo o pedido formulado em 8 de Janeiro de 1999 pela parte exequente, o C..., S.A.. Pode ler-se na respectiva fundamentação:
'[...]
2. Nem nos já longínquos idos de 1974 e 1975, o direito à propriedade privada deixou de ter consagração constitucional. Releia-se o então disposto no artº 62° n° 1 da Constituição da República (versão original do diploma – 1976): 'A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição'. Nenhuma diferença, portanto, face ao que hoje se encontra escrito no mesmo artº
62° n° 1 da mesma Constituição (após a revisão estabelecida através da Lei Constitucional n° 1/97 de 20 de Setembro). Aparentemente - porque a ninguém passou então pela cabeça imprimir em letra de Lei o agora estabelecido neste diploma.
(...) E não será certamente por acaso que actualmente no n° 2 do artº 62° da Constituição se escreveu que não apenas a «expropriação por utilidade pública» mas também a 'requisição' dos bens apenas podem ser efectuadas 'com base na lei'. Ou seja, entende o ora julgador que deriva desse normativo que os cidadãos e as demais pessoas jurídicas que detêm a propriedade de bens só deles podem ser privados contra a sua vontade na sequência de uma decisão judicial, subsistindo uma contrapartida de natureza patrimonial e em obediência a um interesse ou utilidade públicas.
É certo que contra isto pode ser argumentado que todos esses pressupostos estão verificados no comando legal cuja inconstitucionalidade se está a declarar
(existe um despacho judicial liminar a ordenar a penhora e a subsequente citação do executado, existe uma contrapartida patrimonial que é a que decorre da existência do invocado crédito do exequente sobre o executado e existe o interesse público de garantir a todos a segurança do comércio jurídico - ou seja que os contratos são para cumprir e que os intervenientes nesse comércio jurídico podem estar seguros que os incumpridores não ficarão impunes se violarem as obrigações por si assumidas). Só que não é igualmente por acaso que actualmente consta do artº 18° da Constituição um n° 2 que tem o seguinte texto: 'A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos'.
[...] Ou seja e para o que aqui importa, faltará (pode entender-se justificadamente que falta), neste caso, um interesse ou utilidade públicas que justifique uma tal medida.
[....] Destas longas citações decorre com meridiana clareza crê-se [...], que o princípio do contraditório tem consagração constitucional em Portugal, gozando esse direito da força jurídica que a Constituição atribui a todos os demais
'direitos liberdades e garantias', qual seja: que '...(os) preceitos constitucionais respeitantes aos direitos liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas' (artº 18° n° 1 da Constituição da República Portuguesa). Como é evidente, essa protecção constitucional esgota-se na concessão ao demandado de um conhecimento efectivo da pretensão contra si instaurada e de um prazo suficientemente amplo (de um prazo razoável) para se defender das imputações que contra si são feitas. Mas existe até que essas condições estejam verificadas e cumpridas. O que não acontece com o disposto no artº 1° do DL n° 274/97 de 8 de Outubro, quando manda aplicar as regras estabelecidas nas acções executivas para pagamento de quantia certa com processo sumário (exclusivas dos processos em que o título executivo é uma sentença judicial) às execuções para pagamento de quantia certa quando o título executivo não é uma sentença judicial. Na verdade, é admissível – claramente admissível e inquestionável – que nas acções executivas para pagamento de quantia certa com processo sumário os autos se iniciem com a penhora dos bens nomeados pelo aí exequente, porquanto o demandado teve oportunidade de se defender das pretensões contra si deduzidas pelo demandante na acção declarativa que terminou com a sentença condenatória que constitui o título executivo. Mas já o não é quando o executado não teve a possibilidade de, através do 'due process of law', apresentar as suas razões contra os factos que motivam o pedido do executado (o caso das injunções – em que, não existindo sentença judicial, existe a possibilidade do contraditório – pode merecer alguma discussão que não vem aqui ao caso, porque não é para esses casos que estipula a Lei cuja constitucionalidade aqui se aprecia).
[...] Efectivamente, lendo o preâmbulo (exposição de motivos) do DL n° 274/97 de 8 de Outubro, constata-se que o objectivo inequívoco do diploma é combater a lentidão da marcha dos processos executivos ('Não pode aceitar-se que a duração média das acções executivas continue a oscilar entre 18 meses em 1990 e 17 meses em
1996.') – e, enfim, com alguma boa vontade, pode entender-se que o bem que aqui se visa proteger é o direito a obter uma decisão em prazo razoável [...]. Ora, sem fazer agora apelo à possibilidade de estarem em conflito um direito com dignidade constitucional (o que decorre do princípio do contraditório) e um outro 'tutelado apenas a nível infra-constitucional' - J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira in 'CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA', Coimbra Editora
– 3ª edição revista (1993), pgs. 151 – como seria o dever do Estado em combater a morosidade do funcionamento do sistema judiciário – é manifesto o «excesso de meios» relativamente aos fins que através do diploma se visa salvaguardar, e a desnecessidade de meios tão extremos – e a desproporcionalidade dos mesmos – para alcançar uma execução 'em tempo razoável' do direito de um credor.
[...] Por outro lado, que não se diga que a Lei permite a violação do princípio do contraditório em outros casos igualmente graves, como seja nos procedimentos cautelares de entrega de bens, de arresto ou de arrolamento.
É que a decisão nesses casos tem uma natureza meramente transitória e não é tendencialmente definitiva como a penhora, estando sempre dependente da instauração de uma acção de que é dependência (artºs 383° e 389° do CPC). Nada que possa ser comparado, portanto. Ou seja, por estes motivos, o comando legal ínsito no artº 1º do DL n.º 274/97 de 8 de Outubro é inconstitucional e não será, por isso, aplicado. Mas, de facto, o ora julgador até entende que o direito que se visa salvaguardar com o DL n° 274/97 de 8 de Outubro não tem a mesma dignidade que o direito ao contraditório. Aliás, não tem sequer dignidade constitucional. Isto sem fazer sequer apelo à circunstância de a esmagadora maioria dos títulos executivos a que se aplica resultarem de relações negociais nascidas de po1íticas comerciais ultra-agressivas que exaltam um espírito hiper-consumista e exploram, muita vezes de forma que roça a indignidade, as fraquezas e a ignorância dos 'consumidores' – categoria 1ógica que não é a mesma que é coberta pelo conceito 'cidadão'. E, por esse facto, também se aplica ao mesmo normativo o que é referido por J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira ainda a propósito da proibição de restrições aos direitos, liberdades e garantias, a saber: 'As leis restritivas estão teleologicamente vinculadas à salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos, ficando vedado ao legislador justificar restrições de direitos, liberdades e garantias por eventual colisão com outros direitos ou bens tutelados apenas a nível infra-constitucional. Torna-se necessário que o interesse cuja salvaguarda se invoca para restringir um dos direitos, liberdades e garantias tenha no texto constitucional suficiente e adequada expressão.' – in 'CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA', Coimbra Editora - 3ª edição revista (1993), pgs. 151. E este interesse não tem no texto constitucional suficiente e adequada expressão'.
2. Interposto pelo Magistrado do Ministério Público em funções no tribunal a quo recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º
1, alínea a), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional), rematou o recorrente as alegações que apresentou com as seguintes conclusões:
'1º – O regime constante do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 274/97, de 8 de Outubro, ao mandar aplicar à execução para pagamento de quantia certa, de valor não superior à alçada dos tribunais de 1ª instância, mesmo que fundada em título extra-judicial, e em que não sejam penhorados imóveis ou estabelecimento comercial, o regime estabelecido no Código de Processo Civil para a execução de sentença condenatória, não viola, em termos desproporcionados e constitucionalmente ilegítimos, o princípio do contraditório, ínsito no direito de acesso aos tribunais, afirmado pelo artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
2º – O diferimento do contraditório do executado para momento ulterior à realização da penhora – permanecendo esta como provisória até julgamento da oposição eventualmente deduzida na sequência da notificação pessoal do executado, nos termos do artigo 926º do Código de Processo Civil – ditado por prementes razões de celeridade e eficácia na efectivação prática e em tempo útil do direito do credor, não viola o referido princípio constitucional, atento o regime globalmente traçado para a tramitação de tal acção executiva.
3º – Na verdade – e para além de o próprio título executivo ser um documento que certifica ou indicia necessariamente, em termos julgados bastantes, a existência do débito – cumpre ao juiz, antes de ordenar a penhora, proferir despacho liminar, nos termos dos artigos 925º e 811º-A do Código de Processo Civil, devendo indeferir o requerimento executivo nos casos previstos nesta disposição legal, e sendo subsequentemente facultada ao executado, na sequência de notificação pessoal, nos termos do artigo 926º, o pleno contraditório, quanto à própria execução, ao despacho determinativo da penhora e à realização desta
(artigos 926º, n.º 3, 863º-A e 815º do Código de Processo Civil)
4º – E podendo o credor, que haja instaurado de forma temerária ou negligente execução com base em crédito inexistente ou já extinto, ser responsabilizado por todos os danos que tenha causado ao executado em consequência do desapossamento dos bens penhorados, através da possível condenação como litigante de má fé, nos termos dos artigos 456º e 457º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
5º – Termos em que deverá proceder o presente recurso, em conformidade com um juízo de constitucionalidade da norma desaplicada na decisão recorrida.' Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
3. Sobre a mesma questão de constitucionalidade que se discute nos presentes autos já foram proferidos neste Tribunal os Acórdãos n.ºs 162/2000, 177/2000,
195/2000 e 196/2000 (ainda inéditos), encontrando-se pendentes outros processos, todos provenientes do 1º Juízo Cível da Comarca de Lisboa. Quer nos Acórdãos proferidos pela 3ª Secção do Tribunal Constitucional (os n.ºs 162/2000, 195/2000 e 196/2000), quer no proferido pela sua 2ª Secção (o n.º 177/2000), se decidiu pela não inconstitucionalidade (embora com votos de vencido no primeiro caso) da norma constante do artigo 1º do Decreto-Lei n.º 274/97, de 8 de outubro, cuja redacção é a seguinte:
'Artigo 1º Execução para pagamento de quantia certa A execução para pagamento de quantia certa, baseada em título que não seja decisão judicial condenatória, segue, com as necessárias adaptações, os termos do processo sumário, desde que se verifiquem os seguintes requisitos: a. Ser a execução de valor não superior ao fixado para a alçada do tribunal de 1ª instância; b. Recair a penhora sobre móveis ou direitos que não tenham sido dados de penhor, com excepção do estabelecimento comercial.' Da transcrição da fundamentação do despacho recorrido resulta que o juízo de inconstitucionalidade formulado se funda na invocada ofensa ao direito de propriedade dos executados, na violação do princípio do contraditório e no desrespeito do princípio da proporcionalidade, avultando as duas primeiras razões. Vejamos, então, cada um dos princípios fundamentadores da inconstitucionalidade diagnosticada pela decisão recorrida à norma transcrita supra.
4. Quanto à eventual violação do direito de propriedade dos executados, escreveu-se no Acórdão da 2ª Secção já referido que:
'[...] não se pode, sequer, falar numa violação do direito de propriedade do executado levada a efeito de forma intolerável e desproporcionada confrontadamente com o direito do credor, já que a norma sobre que recaiu o juízo de desaplicação não comanda, ela mesma, a exequibilidade de determinado título ou a satisfação coerciva do crédito.
[…] o que se veio a consagrar na norma em apreciação foi que […] se seguirá a forma do processo sumário. Vale isto por dizer que tal norma, nos referidos casos, o que veio a prescrever foi uma alteração na forma do processo. Só que essa alteração implicou que, com base no título executivo venha, desde logo, a ocorrer a preempção dos bens que servirão para satisfazer o crédito em dívida.' Tendo em conta que o sentido da alteração da forma de processo tem por consequência fazer anteceder a penhora à realização do contraditório, concluiu-se – na sequência, aliás, da argumentação desenvolvida pelo tribunal a quo – que a lesão da Lei Fundamental resultaria essencialmente da violação do princípio do contraditório 'que este Tribunal tem vindo a considerar […] como algo integrado no direito de acesso aos tribunais, consagrado no seu artigo
20º.' Ainda assim, não deixou de se invocar que o direito do credor também se insere no âmbito do direito à propriedade privada, citando-se o Acórdão n.º
451/95, publicado no Diário da República, I Série-A, de 3 de Agosto de 1995, que reproduziu a seguinte passagem do Acórdão n.º 494/94, publicado no Diário da república, II Série, de 17 de Dezembro de 1994:
'Da garantia constitucional do direito de propriedade privada, há-de, seguramente, extrair-se a garantia (constitucional também) do direito do credor
à satisfação do seu crédito. E este direito há-de, naturalmente, conglobar a possibilidade da sua realização coactiva, à custa do património do devedor, como, de resto, se prescreve no artigo 601º do Código Civil, que preceitua que
«pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especiais estabelecidos em consequência da separação de patrimónios» (cfr., neste sentido, Acórdão n.º 349/91, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Dezembro de 1991).'
É dizer que, ainda que do artigo 1º do Decreto-lei n.º 274/97 se pudesse extrair uma restrição ao direito do propriedade dos executados (e no Acórdão n.º
162/2000 também se ponderou que 'a penhora não implica privação do direito de propriedade sobre o bem penhorado'), tal restrição não resultaria de um 'dever do Estado em combater a morosidade do funcionamento do sistema judiciário' – interesse supostamente sem tutela constitucional na argumentação do despacho recorrido, mas de facto incluído no âmbito do artigo 20º da constituição ('o direito de acesso aos tribunais concretiza-se também através do direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas', escreviam Gomes Canotilho/Vital Moreira na Constituição da república anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, anotação V ao artigo 20º, pág. 163), mesmo antes de a revisão constitucional de 1997 o deixar expresso no seu novo n.º 4. Tal restrição ao direito de propriedade dos executados, a existir, seria, em todo o caso, expressão da tutela conferida a um direito de idêntico valor: o direito de propriedade dos exequentes.
5. Quanto à eventual violação do princípio do contraditório, consagrado na Constituição em relação ao processo criminal (n.º 5 do artigo 32º) mas em relação ao qual é 'pacificamente entendido que a mesma dignidade constitucional assiste no processo civil' – para retomar uma fórmula do Acórdão n.º 162/2000
(que remete para anterior jurisprudência, designadamente para o Acórdão n.º
249/97, publicado no Diário da República, II Série, de 17 de maio de 1997, igualmente citado nos Acórdãos n.ºs 177/2000, 195/2000 e 196/2000) –, escreveu-se nos citados arestos:
'[...]
4.1. Entende-se que o princípio do contraditório, na óptica delineada, não se deve considerar como beliscado de forma intolerável e desproporcionada pelo simples facto de o processamento da execução se iniciar com a nomeação de bens à penhora e só depois se seguir a citação do executado. Na verdade, o executado continua a ter ao seu alcance todos os meios de defesa que lhe permitam pôr em causa o despacho que ordenou a penhora, opor-se à execução ou colocar em crise as próprias existência ou exequibilidade do título, as incerteza, exigibilidade, liquidez, extinção ou não modificação [da] obrigação, e a existência de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva (cfr. artigo 926º do Código de Processo Civil) e, de uma outra banda, quer se trate de um processo que siga os termos do processo sumário, quer se trate de um processo que siga os do processo ordinário, impedirá a efectivação da penhora o despacho de indeferimento liminar, que tem lugar em qualquer dessas formas de processo (cfr. artigo 811º-A desse diploma). Para além disso, e decisivamente, o que se não pode passar em claro é que a oposição à penhora ou à execução, esta por meio de embargos, continuam ao alcance do executado, numa e noutra forma de processo, pelo que, se ele utilizar esse meio, sempre desfrutará de meios bastantes para expor as suas razões, contraditar as do exequente e discretear, assim, sobre a questão (cfr. para o que ora releva, e relativamente à dedução de embargos à execução não fundada em sentença, o n.º 1 do artigo 815º do aludido Código, que possibilita a adução de fundamentos de oposição sobremaneira mais amplos dos que os permitidos quando o título é uma decisão judicial). E, de todo o modo, a própria dedução de embargos, levados a cabo logo após a citação tal como se prescreve no processo executivo que siga a forma ordinária, não basta, só por si, para suspender a execução (cfr. artigo 818º). Pode, desta arte, concluir-se que o conteúdo do direito de defesa do executado se mantém, não sendo, por isso, afectado em termos constitucionalmente inadmissíveis pela circunstância de a norma em análise ter vindo apenas, em direitas contas, a diferir o momento em que ela se exercita, devendo realçar-se, por um lado, que, não obstante haver desde logo penhora dos bens, a oposição à execução ou dedução de embargos tem por efeito não se passar à fase da venda que, essa sim, se viesse a ser realizada, poderia, como assinala o ora recorrente na sua alegação, 'configurar-se como irremediável para a frustração dos legítimos direitos do executado', e, por outro, que o artigo 1º do Decreto-Lei n.º 274/97 tem por âmbito, afinal, execuções de baixo valor, devendo a penhora recair apenas sobre bens móveis ou direitos não dados em penhor, excepcionando-se ainda o estabelecimento comercial. Conclui-se, desta sorte, não padecer de vício de inconstitucionalidade a norma sub specie, designadamente por ofensa do princípio do contraditório que deflui do direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20º do Diploma Básico.'
6. Quanto ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, também aflorado na argumentação do despacho recorrido, já resulta das anteriores considerações que se não pode ter a intervenção legislativa traduzida no artigo
1º do Decreto-Lei n.º 274/97 como manifestação da sua ofensa. De resto, como se recorda na doutrina (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, págs. 259 e segs.), na sua origem, o princípio da proporcionalidade dizia respeito às restrições administrativas da liberdade individual, aos limites do poder executivo, só posteriormente se estendendo 'a todas as espécies de actos dos poderes públicos.' Porém, aquele Autor não deixa de sublinhar que
'[…] o controlo judicial baseado no princípio da proporcionalidade não tem extensão e intensidade semelhantes consoante se trate de actos legislativos, de actos da administração ou de actos de jurisdição. Ao legislador (…) é reconhecido um considerável espaço de conformação (liberdade de conformação) na ponderação dos bens quando edita uma nova regulação. Esta liberdade de conformação tem especial relevância ao discutir-se os requisitos da adequação dos meios e da proporcionalidade em sentido restrito. Isto justifica que perante o espaço de conformação do legislador os tribunais se limitem a examinar se a regulação legislativa é manifestamente inadequada.' (ob. cit., pág. 264). Ora, como se escreveu no Acórdão n.º 162/2000:
'Não se entende, na verdade – para já não falar na observância do instituto da litigância de má fé – como se pode surpreender excesso, constitucionalmente censurável, no mecanismo acolhido pelo Decreto-Lei n.º 274/97, no artigo 1º – exercendo-se o contraditório, se bem que diferidamente, obstando a oposição à execução ou a dedução de embargos, na sequência desse contraditório, a passagem
à fase da venda, que, a ocorrer, configuraria, essa sim, a frustração dos direitos legítimos do executado.' III. Decisão Pelos fundamentos expostos decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, determinar a reforma da decisão recorrida no que concerne ao juízo de constitucionalidade formulado. Lisboa, 25 de Outubro de 2000 Paulo Mota Pinto Bravo Serra Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa