Imprimir acórdão
Processo n.º 300/96 Plenário Relator – Paulo Mota Pinto
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. Um grupo de Deputados do Partido Social Democrata à Assembleia da República pediu ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 281º, n.º 2, alínea f), da Constituição da República, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo único do Decreto-Lei n.º 24/96, de 20 de Março, que instituiu um novo enquadramento legal das participações de entes comunitários no capital de sociedades reprivatizadas, em processo de reprivatização ou a reprivatizar. A impugnação da constitucionalidade do citado diploma fundamenta-se na violação dos artigos 85º, n.º 1 (termos em que se poderá efectuar a reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção e outros bens nacionalizados depois do 25 de Abril de 1974) e 115º, n.º 2 (valor das leis e decretos-leis) da Constituição da República, na versão anterior à quarta revisão constitucional. O Primeiro-Ministro foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54º e 55º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional. Decorrido o prazo legal, não respondeu. Elaborado pelo Presidente do Tribunal memorando, nos termos do artigo 63º, n.º
1, da Lei do Tribunal Constitucional, foi o mesmo submetido a debate, para fixação da orientação do Tribunal.
É essa orientação que, decidindo, cumpre explicitar. II. Fundamentos
2. A norma sub judice – isto é, o artigo único do Decreto-Lei n.º 24/96, de 20 de Março – dispõe o seguinte:
'Para efeitos do n.º 3 do artigo 13º da Lei n.º 11/90, de 5 de Abril, não se aplica a entidades nacionais de Estados membros da União Europeia ou aí residentes qualquer limite quantitativo relativo à participação de entidades estrangeiras no capital de sociedades reprivatizadas, em processo de reprivatização ou a reprivatizar'. Segundo se pode ler no respectivo preâmbulo, o Decreto-Lei n.º 24/96, de 20 de Março, que contém a norma em causa, foi aprovado pelo Governo 'no desenvolvimento do regime jurídico previsto na Lei n.º 11/90, de 5 de Abril, e nos termos das alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 201º da Constituição'. Na pendência do presente processo, foi publicada a Resolução da Assembleia da República n.º 19/96 (Diário da República , I série-A, n.º 124, de 28 de Maio de
1996) com o seguinte teor:
'A Assembleia da República resolve, nos termos dos artigos 172º, n.ºs 1 e 4, e
169º, n.º 5, da Constituição, recusar a ratificação do Decreto-Lei n.º 24/96, de
20 de Março, que institui um novo enquadramento legal das participações de entes comunitários no capital social de sociedades reprivatizadas, em processo de reprivatização ou a reprivatizar, publicado no Diário da República, 1ª série, n.º 68, de 20 de Março de 1996'. Ora, nos termos do n.º 4 do artigo 172º da Constituição da República (versão anterior à quarta revisão constitucional), 'se a ratificação for recusada, o decreto-lei deixará de vigorar desde o dia em que a resolução for publicada no Diário da República e não poderá voltar a ser publicado no decurso da mesma sessão legislativa'. Isto significa, pois, que o Decreto-Lei n.º 24/96, de 20 de Março, que entrou em vigor em 25 de Março de 1996, deixou de vigorar no dia 28 de Maio desse ano - o dia em que foi publicada no Diário da República a Resolução da Assembleia da República n.º 19/96.
3. Na esteira de abundante jurisprudência do Tribunal, entende-se que não há interesse na apreciação, em sede de fiscalização abstracta da constitucionalidade, da norma do artigo único do Decreto-Lei n.º 24/96, de 20 de Março. Conforme se nota no Acórdão n.º 639/98 (publicado no Diário da República, II série, n.º 299, de 29 de Dezembro de 1998):
'É certo que, como este Tribunal decidiu no acórdão n.º 17/83 (publicado no Diário da República, II série, de 31 de Janeiro de 1984) e, posteriormente, repetiu em muitos outros arestos, a revogação da norma que constitui objecto do pedido não é bastante para, de per si, obstar à declaração da sua inconstitucionalidade (ou da sua ilegalidade), com força obrigatória geral, pois, operando essa declaração, em princípio, ex tunc, produz efeitos que retroagem à data da entrada em vigor da norma. Haverá, por isso, interesse na emissão de uma tal declaração, toda a vez que ela for indispensável para eliminar os efeitos produzidos pelo normativo questionado durante o tempo em que vigorou. Há-de, no entanto, ‘tratar-se de um interesse com conteúdo prático apreciável, pois, sendo razoável que se observe aqui um princípio de adequação e proporcionalidade, seria inadequado e desproporcionado accionar um mecanismo de índole genérica e abstracta, como é a declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade (ou de ilegalidade) para eliminar efeitos eventualmente produzidos que sejam constitucionalmente pouco relevantes e possam facilmente ser removidos de outro modo’ (cf., entre outros, os acórdãos n.ºs 238/88 e 465/91, publicados no Diário da República, II série, de 21 de Dezembro de 1988 e 2 de Abril de 1992, respectivamente). Reconheceu-se existir um tal interesse nos casos decididos nos acórdãos n.ºs
91/85, 177/86, 282/86, 103/87, 12/88 (publicados no Diário da República, I série, de 18 de Julho de 1985, 19 de Setembro de 1986, 11 de Novembro de 1986, e
6 de Maio de 1987, respectivamente), 400/91 (publicado no Diário da República, I série-A, de 15 de Novembro de 1991), 213/92,.806/93 (publicados no Diário da República, II série, de 18 de Setembro de 1992, e 29 de Janeiro de 1994, respectivamente). A emissão de uma tal declaração de ilegalidade (ou de inconstitucionalidade) já, porém, não se justifica, se não houver um interesse jurídico relevante - um interesse prático apreciável - na apreciação do pedido. É o que sucede, quando os meios individuais e concretos de defesa postos à disposição dos interessados são suficientes para acautelar os seus direitos ou interesses, impedindo a aplicação da norma inconstitucional (ou ilegal), como ocorreu nos casos que foram julgados nos acórdãos n.ºs 308/93, 397/93, 188/94, 580/95 e 117/97
(publicados no Diário da República, II série, de 22 de Julho de 1993, 14 de Setembro de 1993, 19 de Maio de 1994, 30 de Dezembro de 1995, e 26 de Março de
1997, respectivamente).'
4. Estas considerações, relativas à utilidade da declaração de inconstitucionalidade de normas revogadas, são aplicáveis igualmente ao caso de normas cuja vigência cessou por recusa de ratificação pela Assembleia da República (cfr., aliás, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, pág. 697, segundo os quais 'a não-ratificação traduz-se, para todos os efeitos práticos, na revogação do decreto-lei', só a tradição histórica justificando então a persistência da antiga designação).
É o que acontece com o diploma em questão no presente processo. Tratando-se de um diploma que teve um período de vigência muito curto (cerca de dois meses), não é crível que haja produzido efeitos jurídicos que pudessem conferir interesse jurídico relevante a uma eventual declaração de inconstitucionalidade. Com efeito, durante o período em que vigorou o Decreto-Lei n.º 24/96, não foi publicado qualquer decreto-lei de transformação de empresas públicas em sociedades anónimas, nos termos do artigo 4º da Lei n.º 11/90, de 5 de Abril. Por outro lado, os decretos-lei de reprivatização publicados ou aprovados durante a vigência do Decreto-Lei n.º 24/96 não estabeleceram quaisquer limites
à aquisição ou subscrição de acções por entidades estrangeiras: o Decreto-Lei n.º 33/96, de 12 de Abril (2ª e 3ª fases de reprivatização do Banco de Fomento Exterior), aprovado em 12 de Março de 1996; o Decreto-Lei n.º 34-A/96, de 24 de Abril (2ª fase da reprivatização da Portugal Telecom), aprovado em 18 de Abril de 1996; o Decreto-Lei n.º 63/96, de 28 de Maio (reprivatização da Tabaqueira), aprovado em 11 de Abril de 1996; o Decreto-Lei n.º 64/96, de 31 de Maio (2ª fase da reprivatização da Cimpor), aprovado em 2 de Maio de 1996. Poderá, pois, concluir-se que, no curto lapso de tempo em que vigorou, o Decreto-Lei n.º 24/96 não produziu quaisquer efeitos. Aliás, mesmo que, por hipótese, os houvesse produzido (lesando, porventura, interesses de particulares), importa sublinhar que sempre careceria a apreciação do pedido de interesse jurídico relevante (ou 'interesse prático apreciável', como se refere no citado Acórdão n.º 639/98), por se dever considerar que 'os meios individuais e concretos de defesa postos à disposição dos interessados são suficientes para acautelar os seus direitos ou interesses, impedindo a aplicação da norma inconstitucional'. A situação do presente diploma não tem aliás paralelo com a tratada no Acórdão n.º 497/97 (Diário da República, II série, n.º 235, de 10 de Outubro de 1997), onde, a propósito da tributação das gratificações nos casinos, o Tribunal conheceu da questão de constitucionalidade de um grupo de normas revogadas pelo seguinte motivo: 'dado o período de tempo ‘coberto’ por essa legislação, admite-se que ainda se encontrem pendentes situações litigiosas, o que se afigura bastante para se manter o interesse no conhecimento do pedido no que a essas normas respeita'. O fundamento invocado foi, pois, a dimensão do período de tempo 'coberto' pela legislação sub judice. Ora, é justamente o reduzido lapso de tempo (de 25 de Março a 28 de Maio de
1996) em que vigorou o Decreto-Lei n.º 24/96 que permite afirmar a inexistência, no caso em apreço, de interesse jurídico relevante na apreciação do presente pedido de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. III. Decisão Com os fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade, por inutilidade superveniente.
Lisboa, 3 de Novembro de 1999 Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Maria Helena Brito Artur Maurício Messias Bento Guilherme da Fonseca Vítor Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida