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Processo nº 600/99
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. 1. - G. G., identificado nos autos, requereu ao Director-Geral do Ensino Superior, certidões do reconhecimento académico dos doutoramentos de dois membros do Conselho Científico do Instituto Superior de Engenharia de Lisboa, o que lhe foi recusado com a alegação de a Direcção-Geral apenas exercer os poderes de tutela a que se refere o artigo 70º da Lei nº 54/90, de 5 de Setembro, não dispondo de elementos que a habilitem a satisfazer a pretensão do requerente. Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 18º deste diploma legal e após a entrada em vigor dos Estatutos do Instituto Politécnico de Lisboa, homologados pelo Despacho Normativo nº 181/91, de 22 de Agosto, é ao Presidente desse Instituto que compete dirigir, orientar e coordenar as actividades e serviços do Instituto, competindo à Direcção-Geral os mencionados poderes de tutela.
O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa indeferiu o pedido de intimação deduzido pelo requerente para passagem de certidão por verificar que os elementos que este pretende ver certificados não se encontram em poder da autoridade requerida, pelo que a intimação se traduziria na imposição da prática de um acto materialmente ou com objecto impossível (decisão de 26 de Maio de 1999).
Inconformado, recorreu o interessado para o Tribunal Central Administrativo onde, em síntese, alega que a recusa pelo órgão recorrido na emissão dos documentos pedidos viola o dever que lhe é atribuído pelo nº 1 do artigo 82º do Decreto-Lei nº 267/83, de 16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos – LPTA).
Este Tribunal, por acórdão de 28 de Julho de 1999, negou provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.
Aí se escreveu, nomeadamente:
'[...] segundo o artº 63º do CPA (Código do Procedimento Administrativo), a competência para passar certidões não é, em geral, e como pretende fazer ver o recorrente, dos Directores-Gerais dos Serviços, mas antes dos funcionários competentes Ora, os funcionários competentes para emitir as certidões que o requerente pretende obter são de acordo, com o artº 12º-1, alínea h), do DL nº 369/98, de
23-11, o director da Divisão de Ensino Superior Público e o director de Divisão de Reconhecimento e Intercâmbio, nos termos do artº 14º, alínea c), do mesmo Dec-Lei. Assim, e contrariamente ao sustentado e, antes, de acordo com a decisão recorrida, as disposições legais que dão competência para a emissão de certidões
àqueles directores de Divisão não a atribuem ao Director-Geral do Ensino Superior (Cfr. neste sentido os Acs. do TCA, de 22-7-1999, nos recurso nºs.
3270/99 e 3256/99). E não sendo atribuída essa competência ao Director-Geral do Ensino Superior, não
é a circunstância de aquela identidade dirigir os respectivos serviços que, nos termos do artº 82º, da LPTA, lhe dá legitimidade e competência para emitir as certidões requeridas, pelo ora recorrente. Desta forma, não tendo o recorrente feito prova, nem alegado que existe qualquer disposição legal que afaste a regra estabelecida no artº 63º, do CPA, dos artºs.
12º-1, al. h) e 14º al. c), do DL nº 369/98, de 23-11, resulta que o seu pedido de intimação foi dirigido contra entidade sem competência específica para emitir as certidões requeridas. O que junto ao alegado pela entidade requerida, no sentido de que não tem esses elementos na sua disponibilidade, só permite concluir, no sentido de considerar fundamentada a decisão recorrida, quando considerou inexistir a possibilidade de intimar a entidade requerida a emitir as certidões relativas a actos administrativos, para os quais não tem competência , e em relação a documento que não está na sua disponibilidade, mas nas Divisões, atrás referidas, ainda que dependentes daquele Director-Geral.'
1.2. - Mantendo-se inconformado, o recorrente pediu a reforma do acórdão, ao abrigo do disposto no nº 2 do artigo 669º do Código de Processo Civil (CPC).
Aí se ponderou que a interpretação feita nesse aresto à norma do artigo 63º do CPA, no sentido de constituir regra geral serem as certidões passadas por «funcionários competentes» independentemente de despacho, aplicando-se o preceito ao caso dos autos, sem atender ao disposto nos artigos
34º, nº 1, e 76º, nºs. 1 e 2, ambos do CPA, importou para o requerente prejuízos
'por virtude de «simples irregularidade ou de mera imperfeição na formulação dos seus pedidos», com violação do dever a que está adstrito o órgão recorrido (nº 2 do artigo 76º)' e integra violação do disposto nos artigos 18º, nºs. 1 e 3, e
268º, nºs. 2 e 4, da Constituição da República (CR).
O Tribunal Central Administrativo, agora por acórdão de
23 de Setembro de 1999, indeferiu o suscitado pedido de reforma – quer por o não considerar abrangido na previsão do artigo 669º, nº 2, alínea a), do CPC, quer porque a alegada inconstitucionalidade se encontrar, nesta fase, fora dos poderes de cognição do Tribunal, sem prejuízo de reconhecer que, ao aplicar a norma do artigo 63º citado, implicitamente se admitiu a constitucionalidade dessa norma.
2.1. - Interpôs, então, o requerente recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da norma do nº 1 do artigo 63º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 442/91, de 15 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 6/96, de 31 de Janeiro, no uso de autorização legislativa concedida pela Lei nº 34/95, de 18 de Agosto.
Defende o recorrente, após convite feito para aperfeiçoar a delimitação da dimensão normativa do preceito que impugna, violar o disposto no artigo 18º, nºs. 1 e 3, e 268º, nºs. 2 e 4, da CR, a interpretação que à norma se deu, no sentido de deverem ser rejeitados os pedidos de passagem de certidões e de certificados quando não sejam dirigidos aos funcionários incumbidos de as passar, independentemente do despacho – assim se transformando
'aquilo que o legislador quis que fosse uma garantia acrescida de os particulares terem assegurado o direito à informação, consagrado na Constituição e na lei de autorização legislativa, numa restrição desse mesmo direito, inadmissível por haver conduzido o Tribunal a uma decisão em que se vêm violados
[aqueles] preceitos constitucionais'.
2.2. - O recurso, após o aludido despacho emitido à luz do artigo
75º-A da Lei nº 28/82, seguiu para alegações, só o recorrente as tendo apresentado.
Sintetizou-as este nas seguintes conclusões:
'8. A interpretação do Artº 63º do CPA feita pelo Tribunal Central Administrativo no acórdão proferido em recurso jurisdicional no Processo nº
3290/99 da 1ª Secção, torna o preceito violador das seguintes normas constitucionais ou para-constitucionais:
8.1. Norma do nº 2 do Artº 268º da Constituição da República Portuguesa, por negar o direito do Recorrente à informação, direito que na mesma se acha consagrado;
8.2. Norma do nº 4 do Artº 268º da Constituição da República Portuguesa, por ter levado ao indeferimento da intimação a que o Recorrente tem jus, o qual lhe é conferido pelo mesmo preceito;
8.3. Norma do nº 3 do Artº 18º da Constituição da República Portuguesa, por restringir o exercício de direitos havidos como dispondo da máxima tutela: a dos direitos, liberdades e garantias;
8.4. Norma do nº 1 do Artº 18º da Constituição da República Portuguesa, por isentar o Órgão Requerido do cumprimento do dever de atribuir eficácia aos direitos, liberdades e garantias;
8.5. Norma da alínea c) do Artº 2º da Lei nº 32/91, de 20 de Julho, por desvio clamoroso ao sentido na mesma expresso de assegurar o direito de informação dos particulares, em abstracto, e o do recorrente, em concreto.
9. O Artº 63º do CPA nunca deveria, no entender do Recorrente ter sido aplicado pelo Tribunal Central Administrativo na decisão do recurso jurisdicional que ali correu no Processo nº 3290/99 da 1ª Secção, por os instrumentos que constituem o objecto do processo não serem subsumíveis em nenhuma das quatro alíneas do respectivo nº 1.
10. A ter-se verificado o facto de o pedido de intimação haver sido «dirigido contra entidade sem competência específica, para emitir as certidões requeridas»
(Cf. fls. 93), entendimento que não concede, o recorrente entende que deveria ter havido lugar, tanto pelo O.R. como pelo Tribunal «a quo», à aplicação do que dispõem as normas do nº 1 do Artº 76º e do nº 1 do Artº 34º do CPA, de forma alguma levando à preclusão, por esse facto, da pretensão do recorrente.'
Pretende-se, assim, o julgamento da inconstitucionalização da interpretação dada à norma do artigo 63º, nº 1, do CPA.
2.3. - Posteriormente, no entanto, foi lavrado novo despacho, do seguinte teor:
'Compulsados os autos, verifica-se que, não obstante os despachos de fls. 123 e
130, e a produção de alegações por parte do recorrente, apresenta-se como provável a hipótese de não se conhecer do objecto do recurso, por não se verificarem os pressupostos da sua admissibilidade. Justificando esquemática e sinteticamente: a)- a questão de constitucionalidade equacionada pelo recorrente só foi suscitada nas alegações do pedido de reforma do acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 28 de Julho de 1999, ou seja, intempestivamente, considerando o entendimento unânime jurisprudencialmente dado à locução durante o processo contida na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro; b)- não se recorta, in casu, uma situação de aplicação ou interpretação normativa de todo imprevista ou inesperada que releve a tardia impostação do problema; c)- acresce que o Tribunal Central Administrativo, no acórdão recorrido, de 23 de Setembro de 1999, ao pronunciar-se sobre o pedido de reforma do anterior acórdão, de 28 de Julho do mesmo ano, se limitou a considerar que a pretendida reforma não está abrangida na previsão do artigo 669º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil. Ouça-se o recorrente para se pronunciar, querendo, sobre o exposto – nos termos do artigo 3º, nº 3, do Código citado, no prazo de 10 dias.'
O recorrente, notificado, não respondeu (cota de fls.
139).
Cumpre decidir.
II
1.1. - Constitui jurisprudência reiterada e uniforme do Tribunal Constitucional entender que, nos recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade com fundamento na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, a suscitação da questão de constitucionalidade reportada a normas, na sua integralidade, em dada dimensão ou na interpretação que delas se faz, há-de ocorrer durante o processo, e, bem assim – entre outros pressupostos de admissibilidade do recurso que, no caso, não interessa considerar – que a decisão recorrida haja aplicado essa norma, que como tal se assuma como seu suporte fundamentante.
A suscitação atempada, ou seja, durante o processo, significa que a questão deve ser levantada, em princípio, em momento anterior ao de o tribunal recorrido proferir a decisão final, de modo a ser-lhe ainda possível pronunciar-se a seu respeito. A inconstitucionalidade há-de suscitar-se antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a questão de constitucionalidade versa, entendendo-se, por conseguinte, a locução durante o processo não em sentido formal que permita equacionar o problema até à extinção da instância, mas sim em sentido funcional, determinante de a invocação ocorrer em momento em que o tribunal recorrido ainda possa conhecer da questão.
Nesta linha de orientação – que está apoiada abundantemente na jurisprudência como, a título exemplificativo, o ilustram os acórdãos nºs. 479/89 e 232/94, publicados no Diário da República, II Série, de
24 de Abril de 1992 e 22 de Agosto de 1994, respectivamente – igualmente se vem entendendo que o pedido de aclaração da decisão ou a arguição de nulidades desta não constituem já, em princípio, momento atempado e via idónea para equacionar os problemas de constitucionalidade articulados com a decisão, o mesmo se dizendo da suscitação ocorrida apenas no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade.
Também neste sentido o Tribunal Constitucional tem-se pronunciado repetidamente, como nos casos dos acórdãos citados ou nos nºs.
635/93 e 102/95, publicados no mesmo Diário, II Série, de 31 de Março de 1994 e
17 de Junho de 1995, respectivamente.
Por outro lado, os apontados critérios jurisprudenciais não hão-se ser tomados rigidamente, de jeito a não permitir o recurso quando ao interessado se depare uma decisão relativamente à qual não seria razoável exigir uma prognose de um conteúdo e de um despacho inesperados, anómalos ou excepcionais. Como igualmente, quando não houve oportunidade processual de suscitar a questão anteriormente, tem lugar a flexibilização dos descritos critérios em benefício do direito de recurso (vejam-se, neste domínios específicos, os acórdãos nºs. 188/93 e 60/95, publicados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vols. 24, págs. 495 e segs., e 30, págs. 445 e segs., respectivamente).
1.2. - As considerações precedentes têm integral cabimento no caso vertente, em que a questão de constitucionalidade foi suscitada pela primeira vez nas alegações do pedido de reforma do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo.
O recurso para o Tribunal Constitucional pressupõe, obviamente, uma anterior decisão do tribunal recorrido sobre a questão de constitucionalidade objecto do recurso.
O que implica que, em princípio, ressalvados os casos de inviabilidade de suscitação anterior ou da irrazoabilidade dessa exigência, seja necessário equacionar a questão antes de ser proferida a decisão, após o que imediatamente se esgota o poder jurisdicional do tribunal quanto à matéria em causa.
É este, de resto, o sentido da exigência da suscitação durante o processo, tomada esta expressão no sentido já assinalado: evitar que esgotado aquele poder se depare ao Tribunal a necessidade de apreciar uma questão nova.
O que tem lugar não só no caso de aclaração ou de arguição de nulidades, mas também no de reforma da decisão por um dos fundamentos enunciados no nº 2 do artigo 669º do Código de Processo Civil.
De resto pressupõe a reforma da decisão que tenha havido manifesto lapso do juiz na julgamento de questões de direito, seja na determinação de norma aplicável, seja na qualificação jurídica dos factos
[alínea a)]; ou, então, que ocorra erro manifesto na apreciação das provas
[alínea b)].
Ora, no caso sub judice, em que se invoca a alínea a) para fundamento da pretendida reforma, tão pouco a argumentação desenvolvida assenta no eventual erro de aplicação da norma observável, mas, como salienta o acórdão de 23 de Setembro de 1999, que se debruçou sobre o pedido de reforma, repousa na alegada inconstitucionalidade da interpretação dada a essa mesma norma, interpretação esta sustentada já desde a 1ª Instância, sem se lhe ter atribuído vício de inconstitucionalidade.
1.3. - Não pode, assim, conhecer-se do objecto do recurso por inexistência do pressuposto de admissibilidade do recurso relativo à oportuna suscitação da questão de constitucionalidade.
III
Em face do exposto, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 unidades de conta.
Lisboa, 5 de Julho de 2000 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida