Imprimir acórdão
Proc.n.º 101/99
1ªSecção Cons. Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
1. - A... propôs pelo Tribunal do Trabalho da Covilhã um processo declarativo com processo sumário emergente de uma relação de trabalho contra a firma 'T..., SA' peticionando o pagamento do complemento do subsídio de reforma, que entende ser-lhe devido.
Contestada a acção, realizou-se o julgamento, sendo de seguida proferida a decisão pela qual se recusou a aplicação, por inconstitucionalidade orgânica, da norma do artigo 6º, n.º1, alínea e) do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, na redacção do Decreto-lei n.º
209/92, de 2 de Outubro.
2. – Para assim concluir, a decisão invocou a jurisprudência do Tribunal Constitucional (Acórdãos 966/96 e 517/98, in 'Diário da República', 2ª Série, respectivamente, de 31 de Outubro de 1997 e de 10 de Novembro de 1998), em que se julgou organicamente inconstitucional a norma do artigo 6º, n.º1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, que tinha exactamente a mesma redacção da versão anterior do Decreto-Lei n.º
164-A/76, de 28 de Fevereiro.
Escreveu-se na decisão recorrida:
'IV . Presentes estes factos cumpre, agora, proceder ao seu enquadramento jurídico. É fora de quaisquer dúvidas, que o subsídio complementar de reforma tem de ser pago , nos termos da Cláusula 88ª do Acordo de Empresa da R.N., E.P.
(B.T.E. n.º 45 de 8.12.83) pela entidade empregadora ('in casu', a Ré por sucessão da R.N. E.P.) e não por qualquer das entidades referidas na alínea e) do n.º1 do artigo 6º do Dec.º - Lei n.º 519-C1/79, de 29.12. na redacção introduzida pelo Dec.-Lei n.º 209/92. Ora, a citada alínea e) do n.º1 do artigo 6º do Dec.-Lei n.º 519-C1/79, foi declarada já, por duas vezes, organicamente inconstitucional – Ac.ºs do T.C. n.ºs 966/96, 'in' D.R., 2ª Série, de 31.10.97 e 517/98, 'in' D.R.,2ª, n.º 260, de 10.11.97 (neste último figurando como recorrente a ora Ré). Entende-se também que a citada norma é inconstitucional, dando-se aqui por reproduzidos os fundamentos dos referidos Acórdãos do Tribunal Constitucional que concluíram padecer a citada norma de 'inconstitucionalidade orgânica, ante o disposto nos artigos 167º, alínea c), 58º, n.ºs 3 e 4 e 17º da Constituição, na sua versão originária, visto que está aqui inserida num Dec.-Lei aprovado pelo Governo ao abriga da alínea a) do n.º1 do artigo 2’1º da Constituição (versão originária), no exercício da sua competência alegadamente própria. Assim sendo, nunca as cláusulas dos AE’das R.N. que fixam os subsídios complementares dos assegurados pelas Instituições de Segurança Social podem ser nulas.
É que a norma que a Ré caracteriza como imperativa e de interesse e ordem pública é pura e simplesmente inconstitucional, se bem que apenas organicamente.'
Consequentemente, após recusa de aplicação dessa norma por inconstitucionalidade, a acção veio a ser julgada procedente, condenando-se a Ré no pagamento da quantia pedida.
É certo que a sentença, na sua parte decisória, refere a norma em causa como sendo a que resultou da redacção do Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro. Porém, face à transcrição que acabou de fazer-se da decisão, tal referência não pode deixar de dever-se a mero lapso do julgador, uma vez que as decisões referenciadas apenas julgaram organicamente inconstitucional a norma da alínea e) do n.º1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro.
3. – O Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho da Covilhã interpôs recurso obrigatório da decisão atrás transcrita, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 70º, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na medida em que, segundo entendeu, tal decisão recusou aplicação ao art.º 6º, nº1, alínea e), do DL n.º 519-C1/79, de 29/12, por violação dos artigos 167º, alínea c), 58º, n.º s 3 e 4, 17 e 18, todos da Constituição da República Portuguesa, na versão de 1976.
De facto, analisando o requerimento de interposição do recurso de fls. 41 dos autos, o recorrente identifica unicamente a norma do diploma de 1979 que considera, tal como a sentença recorrida e os acórdãos do Tribunal Constitucional, afectada de inconstitucionalidade orgânica por ter sido emitida pelo Governo em diploma emanado da sua competência própria (alínea a), do n.º1, do artigo 201º da constituição).
E é perfeitamente compreensível que o recorrente tivesse dirigido o recurso à norma do artigo 6º, n.º1, alínea e), do Decreto-Lei n.º
519-C1/79, porquanto terá entendido – e bem – que a versão dessa norma constante do Decreto-Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro não era aplicável a uma reforma ocorrida em Agosto de 1992.
È certo que, neste Tribunal, o Procurador-Geral adjunto em exercício, nas suas alegações considerou que tinha sido recusada a aplicação da norma na versão de diploma de 1992.
Porém, é manifesto que o âmbito do recurso é definido pelo respectivo requerimento de interposição, não podendo o mesmo ser depois alargado nas alegações, pelo que no caso em apreço, o objecto do presente recurso de constitucionalidade, tal como foi delimitado pelo recorrente, é a norma da alínea e), do n.º1, do artigo 6º, do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, na sua versão originária.
4. - Neste Tribunal, apenas o Procurador-Geral adjunto em exercício apresentou alegações, que concluiu pela forma seguinte:
'1º - A norma constante da versão originária da alínea e) do n.º1 do artigo 6º do Decreto - Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, ´´e organicamente inconstitucional, por violação das disposições conjugadas dos artigos 167º, alínea c), 58º, n.º3 e 17º da versão originária da Constituição da República Portuguesa.
2º - Tal norma, na versão emergente do Decreto - Lei n.º 209/92, de 2 de Outubro, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio da confiança ínsito no do Estado de direito democrático, quando interpretada como sendo retroactivamente aplicável, precludindo benefícios complementares validamente outorgados e adquiridos pelos trabalhadores, em momento anterior à vigência do citado Decreto - Lei n.º 209/92, de modo a frustrar, de forma excessivamente onerosa, a expectativa consolidada de que, no momento da reforma, se subjectivou definitivamente o direito a tais benefícios.
3º - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida, embora por fundamento perfeitamente diverso do que o nela invocado.'
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTOS:
5. – A norma que constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade – alínea e), do n.º1, do artigo 6º do Decreto-Lei n.º
519-C1/79, de 29 de Dezembro – estabelece que 'os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho não podem (...) estabelecer e regular benefícios complementares dos regulados pelas instituições de previdência'.
Esta norma, conforme, aliás, consta da decisão recorrida, já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, em dois Acórdãos – o Acórdão n.º 966/96 (in Diário da República, IIª Série, de 27 de Fevereiro de
1997) e n.º 517/98, tirado em Plenário (in Diário da República, de 16 de Novembro de 1998) – em que a norma foi julgada organicamente inconstitucional com fundamento na violação do artigo 167º, alínea c) conjugada com os artigos
58º, n.º3 e 17º da Constituição da República Portuguesa (versão originária), havendo alguns votos de vencido,.
Tendo uma das decisões (Acórdão nº 517/98) sido tirada em Plenário e não havendo razões para divergir do que ali se decidiu, embora com vozes discordantes, é a doutrina que então se expendeu que aqui se aplica.
Assim, em aplicação da jurisprudência constante do referido Acórdão nº 517/98, tem de se concluir que a norma da alínea e), do n.º1, do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro sofre de inconstitucionalidade orgânica, por violação do artigo 167º, alínea c) conjugada com o artigo 58º, n.º3 e 17º da Constituição da República (versão originária).
III – DECISÃO:
Nestes termos, o Tribunal Constitucional, fazendo aplicação da jurisprudência firmada no Acórdão nº 517/98, citado, decide julgar inconstitucional a norma constante do artigo 6º, n.º1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro, com fundamento em violação da alínea c) do artigo 167º - conjugado com os artigos 58º, n.º3 e 17º - da Constituição da República Portuguesa (versão originária) e, em consequência, negar provimento ao recurso, confirmando na parte impugnada, a decisão recorrida. Lisboa,10 de Novembro de 1999 Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa