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Procº nº 1059-A/98.
2ª Secção.
1. Nos presentes autos vindos do Supremo Tribunal de Justiça e em que figuram, como recorrente, o Licº C... e, como recorridos, o Licº J..., C..., Ldª, e P..., foi, por intermédio do Acórdão nº 534/99 (fls. 150), decidido já não se verificar qualquer impedimento por parte do relator, em virtude ter sido arquivado, por inexistência de ilícito criminal, o inquérito que, contra o mesmo e outros Juízes deste Tribunal, aí se incluindo o seu Presidente, tinha sido instaurado com base em participação crime contra eles deduzida pelo recorrente, aos quais imputava factos que, na sua óptica, consubstanciariam os crimes de denegação de justiça e prevaricação.
Após a prolação daquele acórdão, o relator, em 5 de Novembro de
1999, proferiu decisão sumária, por intermédio da qual negou provimento ao recurso interposto pelo Licº C....
Dessa decisão reclamou o recorrente para conferência e, na resposta
à reclamação, o recorrido Licº J..., ao jeito de «questão prévia», que, estando suspensa a inscrição do recorrente na Ordem dos Advogados, e sendo que os autos obrigam à constituição de mandatário, haveria que dar seguimento ao disposto no artº 33º do Código de Processo Civil.
Por meio do Acórdão nº 57/2000 (fls. 216 a 221), determinou o Tribunal a notificação do recorrente para, em dez dias, vir constituir mandatário, sob pena de não ter seguimento a reclamação deduzida.
Desse aresto arguiu o recorrente a respectiva nulidade, solicitou a sua revogação e pediu ainda o «reenvio» ao Tribunal de Justiça das Comunidades, para dilucidação, a título prejudicial, da interpretação dos artigos 12º, 43º e
49º do Tratado das Comunidades Europeias, e das Directivas números 84/48/CE, de
21 de Dezembro de 1988, e 98/5/CE, de 16 de Fevereiro de 1989, tendo todas essas pretensões sido indeferidas pelo Acórdão nº 243/2000 (fls. 236 e 237).
Vem agora o recorrente deduzir incidente de suspeição, para tanto invocando que o Acórdão nº 243/2000 constitui violação do 'art. 243.º, 3.º período, do Tratado instituinte da Comunidade Económica Europeia -- ... --, em detrimento óbvio dos legítimos interesses e direitos do Recorrente', pelo que essa violação consuma os crimes de denegação de justiça e de prevaricação, razão pela qual apresentou na Procuradoria-Geral da República 'a competente denúncia'.
Para prova do incidente deduzido, o ora oponente requereu que fosse solicitado por este Tribunal ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias a
'decisão pré- --judicial' 'atinente à correcta interpretação do normativo jus-comunitário controvertido no caso, em ordem inclusivamente a saber-se que há, efectivamente, violação pelo colectivo sob suspeição da obrigação de reenvio
àquele tribunal supremo europeu das ‘quaestiones juris’ pertinentemente antessuscitadas'.
Porque o relator entendeu que era plausível que o Tribunal viesse a indeferir o ora deduzido incidente, o qual, a seu ver, tinha por mera finalidade a obtenção da impossibilidade de os Juízes deste órgão de administração de justiça poderem intervir nos processos em que o Licº C... figurava como «parte», proferiu o mesmo (fls. 11 e 12 dos autos) o despacho que a seguir se transcreve:-
Vem o recorrente Licº C... deduzir incidente de suspeição, invocando que o Acórdão nº 243/2000, tirado nestes autos, constitui violação do ‘art.
243.º, 3.º período, do Tratado instituinte da Comunidade Económica Europeia -
... -, em detrimento óbvio dos legítimos interesses e direitos do Recorrente’, pelo que essa violação, na sua óptica, consumará os crimes de denegação de justiça e de prevaricação, razão pela qual apresentou na Procuradoria-Geral da República ‘a competente denúncia’.
Releva aduzir aqui que, para além da deduzida suspeição, operada nos presentes autos, o impugnante veio opor idêntico incidente, e com semelhante fundamentação, em vários processos que correm termos neste Tribunal e nos quais intervieram outros Juízes para além dos que, neste processo, tiveram intervenção.
Nos termos do nº 3 do artº 29º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, compete ao Tribunal Constitucional a apreciação da suspeição dos respectivos Juízes.
Por outro lado, comanda-se no nº 3 do artº 127º do Código de Processo Civil que, nos casos das alíneas c) e d) do n.º 1 é julgada improcedente a suspeição quando as circunstâncias de facto convençam de que a acção foi proposta [sendo que nesta se haverão de abranger as causas criminais quando o juiz nelas seja arguido - cfr. mencionado nº 2 desse artigo] ... para se obter o motivo de recusa do juiz.
Não podendo o deduzido incidente, como é óbvio, ser decidido pelo relator, o que é certo é que se afigura como plausível que o Tribunal venha a decidir, ex vi do citado nº 3 do artº 127º, pela improcedência do presente incidente com base num raciocínio segundo o qual a respectiva dedução teve por
única finalidade a obtenção da impossibilidade de os Juízes do Tribunal Constitucional (ou, ao menos, da sua maioria, o que redundaria na impossibilidade de se obter o quorum legal de funcionamento) poderem intervir nos processos em que o oponente figura como «parte», e isso tendo em conta, por um lado, a circunstância, já acima referida, de o ora oponente ter desencadeado incidente semelhante ao ora em apreço em outros processos e, por outro, a circunstância de se afigurar que a suspeição ora oposta não assentar em qualquer substracto fáctico com um mínimo de consistência.
Neste contexto de plausibilidade, é igualmente plausível que o Tribunal, considerando o disposto na parte final do nº 3 do artº 130º do Código de Processo Civil, venha a considerar que o ora oponente agiu movido no único propósito de prosseguir um uso manifestamente reprovável do processo, com vista a obter um objectivo ilegal, qual seja o de entorpecer ou protelar a acção decisória por parte deste órgão de administração de justiça, o que redundará na sua condenação como litigante de má fé.
É, pois, em face desta figuração que, ponderando a plausibilidade de condenação do oponente como litigante de má fé, desde já e para os efeitos do disposto no nº 7 do artº 84º da dita Lei nº 28/82, se determina a sua audição por dois dias'.
Ao transcrito despacho respondeu o oponente, dizendo, em síntese, que a imputação de litigância de má fé quanto ao incidente deduzido 'consuma, antes de tudo, um insulto grosseiro', já que:-
no caso dos autos há prova inequívoca da violação do que se dispõe no 3º período do artº 243º do Tratado instituinte da Comunidade Económica Europeia;
a isenção judicial apenas justificaria, a haver boa fé, que, na situação - deduzido que foi o incidente e especificada a respectiva motivação - viesse a ser efectuada denúncia crime contra o oponente por denúncia caluniosa;
que não deveria ter sido indeferida a produção de prova e consistente na solicitação da decisão pré-judicial do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, sendo que o Tribunal não tem o direito de concluir o que
é referido no despacho do relator e segundo o qual a deduzida suspeição não assenta em quaisquer factos com um mínimo de consistência, o que, até, é contraditório com um outro despacho, proferido por outro Relator, em processo por aqui pendente;
que o oponente já requereu à 'Presidente do Parlamento Europeu a constituição de uma comissão de inquérito temporária (...) em ordem à investigação de muitos dos ‘outros processos’ ..., em que o signatário
‘desencade(ou) incidente semelhante ao ora em apreço’';
que também já efectuou queixa contra o Estado Português no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativamente à intervenção do Tribunal Constitucional nos processos números 235/97 e 897/98;
que, perante todo este circunstancionalismo, não será possível sustentar-se que o oponente foi movido com o único propósito de prosseguir um uso manifestamente reprovável do processo.
Cumpre decidir da arguida suspeição (nº 3 do artº 29º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro).
2. De harmonia com o que se prescreve nas disposições combinadas dos artigos 127º, números 1, alínea c), e 2, e 122º, nº 1, alínea g), ambos do Código de Processo Civil, resulta que pendência de causa criminal na qual seja arguido o juiz por factos praticados no exercício das suas funções, e em processo no qual ainda não tenha sido deduzida acusação, pode levar as «partes» a opor-lhe suspeição.
De outra banda, o nº 3 do aludido artº 127º estatui que nos casos das alíneas c) e d) do n.º 1 é julgada improcedente a suspeição quando as circunstâncias de facto convençam de que a acção foi proposta [sendo que nesta se haverão de abranger as causas criminais quando o juiz nelas seja arguido - cfr. mencionado nº 2 desse artigo] ... para se obter o motivo de recusa do juiz.
Independentemente da questão de saber se, em face da estatuição literal do nº 2 do artº 127º, a mera apresentação de denúncia crime, antes da constituição do juiz como arguido, poderá permitir às «partes» oporem suspeição
àquele, o que é certo é que a situação que resulta do relato que acima se efectuou - onde avulta a circunstância de o ora oponente ter desencadeado incidente semelhante ao ora em apreço em pelo menos outros dois processos, por forma a obter a suspeição de outros Juízes que não os ora intervenientes nas decisões tomadas nestes autos - aponta inequivocamente para que, como se discorreu no despacho de fls. 11 e 12 e acima transcrito, é desiderato do oponente, ao lançar mão do incidente de suspeição, a impossibilidade de os Juízes do Tribunal Constitucional (ou, ao menos, da sua maioria, o que redundaria na impossibilidade de se obter o quorum legal de funcionamento) poderem intervir nos processos em que o mesmo oponente figura como «parte».
Não deixará, entretanto, de se por em relevo que, tendo em conta o modo como constitucional e legalmente é estabelecido o modo de escolha dos juízes deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, julgada que fosse procedente a suspeição, isso implicaria, na prática, que, enquanto perdurasse o actual mandato dos Juízes em exercício, fosse impossível obter uma decisão nas causas em que o oponente assumisse posição de «parte».
Releva ainda, por outro lado, a circunstância de se entender que a actividade dos Juízes levada a efeito nos presentes autos ter sido pautada exclusivamente, como, aliás, não poderia deixar de ser, por critérios de imparcialidade e de estrita obediência aos ditames legais e constitucionais, pelo que, de todo em todo, na perspectiva que agora assume este Tribunal, não se poderia desenhar a prática de actos que pudessem ser indiciariamente subsumidos ao cometimento dos crimes de denegação de justiça e de prevaricação.
Deverá, desta arte, concluir-se que o incidente de suspeição ora oposto não assenta em qualquer substracto fáctico com um mínimo de consistência com vista a se atingirem as garantias de imparcialidade que devem ser apanágio dos juízes, antes tendo por única finalidade obter a mera recusa dos Juízes intervenientes nestes autos, por forma a que as causas onde o oponente seja
«parte» não venham a obter decisão por banda do Tribunal Constitucional.
3. Em face do exposto, ponderado o prescrito no nº 3 do artº 127º do Código de Processo Civil, julga-se - sem necessidade de proceder a qualquer diligência de prova, o que, consequentemente, acarreta o indeferimento do solicitado na parte final do requerimento corporizador do vertente pedido - improcedente a oposição ora deduzida, condenando-se o oponente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em dez unidades de conta.
Ponderando o que se veio de dizer e o que se consagra na parte final do nº 3 do artº 130º daquele diploma adjectivo, porque se afigura ao Tribunal inquestionável que a actuação do oponente, consistente na dedução do incidente ora decidido teve por único móbil a prossecução de um uso manifestamente reprovável do processo, com vista a obter um objectivo ilegal, qual seja o de entorpecer ou protelar a acção decisória por parte deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade, condena-se o mesmo, como litigante de má fé, em 10 unidades de conta.
Lisboa, 27 de Setembro de 2000 Bravo Serra Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa