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Processo nº 559/97
2ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A. interpôs recurso contencioso 'de anulação do acto de indeferimento tácito, da autoria do Ministro da Justiça, referente ao recurso hierárquico necessário que junto desta entidade havia interposto do despacho do Director-Geral da Polícia Judiciária que, sob requerimento seu, de passagem à situação de disponibilidade, entendeu ser de recusar tal pretensão'. O pedido havia sido formulado ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 107º do Decreto-Lei nº 295-A/90, de 21 de Setembro (Lei Orgânica da Polícia Judiciária), em 1 de Outubro de 1990, e reformulado em 7 de Outubro de 1991, por entretanto ter sido publicada a Portaria nº 999/91, de 1 de Outubro, que veio regular 'o formalismo a observar na tramitação dos pedidos' formulados ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 107º daquele Decreto-Lei (funcionários aposentados que ainda não tiverem completado 70 anos de idade). O segundo requerimento deu entrada no Gabinete do Ministro da Justiça em 29 de Outubro de 1991, sendo certo que o requerente atingia os setenta anos de idade a
2 de Novembro seguinte, e veio a ser remetido para a Polícia Judiciária. Por despacho do respectivo Director-Geral, foi indeferido o pedido, por duas razões: ocupar o recorrente um lugar de dirigente, o que impediria que lhe fosse aplicado o regime em causa, restrito ao pessoal de investigação criminal, e ter já atingido, na altura, os 70 anos de idade. O recurso foi julgado improcedente, pelo acórdão de fls. 59. Em primeiro lugar, porque o Supremo Tribunal Administrativo considerou que o indeferimento tinha sido proferido no uso de poderes discricionários, apenas podendo, consequentemente, ser impugnado 'por vício de desvio de poder ou por erro nos pressupostos de facto', o que não fora o caso. Em segundo lugar, porque, de qualquer forma, 'o recorrente não preenchia os requisitos previstos na lei', uma vez que 'tinha a categoria de subdirector-geral adjunto', estando 'o estatuto de disponibilidade (...) reservado ao pessoal de investigação criminal'; para além disso, porque 'quando a pretensão do recorrente foi submetida a despacho do Ministro da Justiça, com a apresentação do recurso hierárquico em causa, em 28/10/92, o recorrente já tinha mais de 70 anos de idade', o que impedia o deferimento do pedido de concessão do estatuto de disponibilidade, por ser este 'o limite máximo para o exercício de funções públicas o qual determina a passagem obrigatória à situação de aposentação'. Finalmente, o Supremo Tribunal Administrativo pronunciou-se sobre a alegação de inconstitucionalidade do nº 4 da Portaria nº 999/91, 'por violação dos artºs 2º,
13º, 115º, nºs 5 e 7 e 266º nº2 da Constituição', considerando-a não verificada. Inconformado, A recorreu para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, que confirmou integralmente o acórdão recorrido, a fls. 142.
2. De novo inconformado, A recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, pedindo que o Tribunal julgue inconstitucional a norma 'constante do ponto 4º da Portaria nº 999/91, de 1 de Outubro', por violação 'das normas e princípios constitucionais (...) constantes dos artigos 2º, 13º, 115º, 5 e 7 e 266º, nº 2, todos da Constituição da República Portuguesa'. Notificado para o efeito, A apresentou as suas alegações, explicitando que, após a revisão constitucional de 1997, os artigos da Constituição correspondentes são
'os artigos 2º, 13º, 112º, 6 e 8, e 266º, 2'. Em síntese, considera o recorrente que o ponto 4º da portaria, 'simples norma de diploma regulamentar', ao estabelecer que 'a situação de disponibilidade se adquire a partir da data do despacho de deferimento do Ministro da Justiça, momento em que não hão-de ainda os mesmos ter atingido 70 anos de idade, flagrantemente contraria o preceituado na norma, ínsita em acto legislativo, do nº 3 do artigo 107º da Lei Orgânica da Polícia Judiciária (...), aprovada pelo Decreto-Lei nº 295-A/90, de 21 de Setembro, que apenas impõe a verificação dessa condicionante etária reportada ao tempo, lógica e cronologicamente anterior
àquele, do início de vigência do diploma em que se contém'. Por este motivo, seria violado o nº 6 do artigo 112ºda Constituição. Para além disso, a portaria careceria de base legal, assim sendo infringido o nº
8 do mesmo artigo 112º. Violaria ainda o princípio da igualdade a circunstância de o mesmo nº 4
'permitir que, de duas pessoas que à data da entrada em vigor da LOPJ não tivessem completado os 70 anos, a uma seja concedido o estatuto da disponibilidade e a outra não, mercê unicamente das datas aleatórias em que os respectivos processos possam ter sido objecto de despacho ministerial'. Por todas estas razões, seria ainda ofendido 'o princípio do Estado de direito democrático consignado no artigo 2º da Constituição, na vertente da protecção da confiança dos cidadãos', cujas expectativas de deferimento das suas pretensões seriam lesadas. Finalmente, a desigualdade atrás invocada, provocada pelo ponto 4º da portaria,
'colide frontalmente com o nº 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, que exige dos orgãos e agentes administrativos uma actuação pautada pelos valores e ditames da equidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé'. Contra-alegando, o Ministro da Justiça sustentou que a portaria nº 999/91, para além de constituir um regulamento de mera execução, estando portanto legitimada a sua emissão pelos termos genéricos com que o nº 3 do artigo 199º da Constituição atribui ao Governo o poder de elaborar os regulamentos necessários
à boa execução das leis, em nada contraria o disposto no Decreto-Lei nº
295-A/90, nomeadamente no seu artigo 107º. Alegou, ainda, que o direito ao estatuto de disponibilidade só se adquire após o deferimento do respectivo pedido, como demonstra o nº 4 do artigo 107º do Decreto-Lei nº 295-A/90, ao determinar que só o deferimento do requerimento de concessão do estatuto de disponibilidade é que faz cessar o abono da pensão de aposentação. Aliás, nem seria sustentável solução diferente, uma vez que o funcionário em situação de disponibilidade pode ser chamado ao desempenho de certas tarefas, adequadas às condições concretas do caso, o que não pode suceder antes da concessão do correspondente estatuto. Concluiu, portanto, no sentido da não inconstitucionalidade da norma impugnada. Corridos os vistos, cumpre decidir.
3. Constitui objecto do presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade o ponto 4º da Portaria nº 999/91, de 1 de Outubro, cujo texto é o seguinte:
4º. A situação de disponibilidade adquire-se a partir da data do despacho de deferimento do Ministro da Justiça, nos termos dos nºs 3 e 5 do artigo 107º do Decreto-Lei nº 295-A/90, de 21 de Setembro'.
Por seu lado, o artigo 107º do Decreto-Lei nº 295-A/90 tem o seguinte conteúdo:
Artigo 107º Passagem à situação de disponibilidade
1 – O pessoal de investigação criminal que não se encontre provido em comissão de serviço em cargos dirigentes passa à disponibilidade:
a) Obrigatoriamente, quando atinge 60 anos de idade;
b) Por despacho do Ministro da Justiça, ouvido o director-geral, a requerimento do funcionário, desde que tenha completado 55 anos.
2 – (...)
3 – Por despacho do Ministro da Justiça mediante proposta do director-geral da Polícia Judiciária, aos funcionários que à data da entrada em vigor do presente diploma se encontrem aposentados, mas que não tenham completado 70 anos de idade, pode ser concedido, desde que o requeiram, o estatuto de disponibilidade.
4 – (...)
5 – O deferimento do requerimento referido no nº 3 faz cessar o abono da pensão de aposentação, que será recalculada, à data em que o funcionário voltar a aposentar-se, nos termos dos nºs 2 e 3 do disposto no artigo 104º.
4. Conforme este Tribunal tem repetidamente afirmado (ver, por exemplo, os acórdãos nºs 556/98, 358/99 ou 490/99) o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas desempenha uma função instrumental, o que significa que 'só pode admitir-se quando o eventual julgamento de inconstitucionalidade possa, de algum modo, projectar-se no caso concreto, alterando ou modificando a solução jurídica – ou parte dela – que se obteve para a questão que esteve na origem do recurso' (Acórdão nº 490/99, inédito). Como se julgou no Acórdão nº 358/99, 'o recurso de constitucionalidade tem uma função meramente instrumental: isto é, o julgamento da questão de constitucionalidade tem necessariamente de produzir um efeito útil na decisão recorrida; de outro modo, o Tribunal não conhece do respectivo objecto.' E no mesmo sentido se pronunciou o Acórdão nº 556/98:'Com efeito, o recurso de constitucionalidade está também sujeito às regras gerais do Código de Processo Civil que definem os pressupostos processuais, nomeadamente em matéria de interesse e utilidade dos recursos (cfr. artigo 69º da LTC).
Assim, atenta a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, sempre que a decisão do mesmo seja insusceptível de produzir qualquer efeito útil no processo, faltará o pressuposto da existência de interesse processual, como é entendimento constante e uniforme deste Tribunal, - cfr., nomeadamente, os Acórdãos nº 332/94 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 27º vol., pág. 1005 e segs.) e nº 343/94 (Diário da República, II Série, de 6 de Setembro de 1994) e, mais recentemente, os Acórdãos nº 477/97 e 227/98 (ambos inéditos)'.
Ora sucede que, ao julgar improcedente o recurso contencioso interposto por A, o acórdão recorrido, confirmando a decisão da primeira instância, recorreu a diversos fundamentos, qualquer um deles suficiente para justificar a improcedência do pedido de concessão do estatuto de disponibilidade e, portanto, para fundamentar a improcedência do recurso contencioso de anulação. Desde logo – e mais não se torna necessário averiguar –, o acórdão recorrido, do Pleno da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo, considerou que o estatuto de disponibilidade estava reservado ao pessoal de investigação criminal, não abrangendo quem, como o recorrente, ocupava o lugar de subdirector-geral adjunto, 'e tal categoria integrava-se no quadro de pessoal dirigente e não no quadro do pessoal de investigação criminal, claramente distinto daquele, como resultava do mapa I anexo à LOPJ' (acórdão recorrido, a fls. 153)'. Ora a constitucionalidade da norma que exige este requisito não foi questionada pelo recorrente, não podendo, portanto, ser apreciada neste recurso. Tanto basta para que o Tribunal Constitucional não conheça do respectivo objecto, por inutilidade de qualquer juízo que venha que emitir sobre a questão de inconstitucionalidade suscitada, conforme se explicou no parecer de fls. 204, notificado às partes, e que não mereceu qualquer resposta. Nestes termos, decide-se não conhecer do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 ucs. Lisboa, 21 de Dezembro de 1999 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Bravo Serra Messias Bento Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida