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Proc. nº 341/00
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório.
1. Por decisão da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica, de 12 de Janeiro de 2000, foram os arguidos D.&Filhos,Lda e D. P. condenados na coima de
600.000$00 e 50.000$00, respectivamente, pela prática das contra-ordenações previstas e punidas pelo nº 2 do art. 3º do Decreto-Lei nº 170/92, de 6 de Agosto, bem como pelos artigos 1º, nº 1, 5º e 8º do Decreto-Lei nº 138/90, de 26 de Abril.
2. Inconformados pretenderam recorrer para o Tribunal Judicial da Comarca de Abrantes, tendo, para o efeito, apresentado o requerimento de interposição do recurso que consta de fls. 36 e 37 dos autos.
3. O recurso não foi, porém, admitido. Escudou-se, para tanto, o Tribunal Judicial da Comarca de Abrantes na seguinte fundamentação:
'De uma simples leitura do recurso interposto resulta que o mesmo não respeita as exigências de forma impostas pela lei, uma vez que não consta de alegações e conclusões (art. 59º, nº 3 do DL 433/82, «in fine»), antes baseando-se numa exposição de motivos que legitimam, no entender dos arguidos recorrentes, a presente impugnação. Assim sendo, deverá o presente recurso ser rejeitado, ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 63º do DL 433/82, «in fine».
(...)'.
4. É desta decisão que vem interposto, pelo Exmº. Magistrado do Ministério Público junto daquele Tribunal, o presente recurso de constitucionalidade, nos termos e com os fundamentos seguintes:
'1º - Por douta decisão de 06.03.2000 proferida nos autos à margem identificados, foi rejeitado o recurso de decisão da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica, com fundamento em falta de formulação de conclusões, nos termos dos art.s 59º, nº 3 e art. 63º, nº 1, do DL 433/82,
29-10.
2º - Pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 319/99, foi julgada inconstitucional, por violação do art. 32º, nº 10 da Constituição, a norma constante dos art.s 59º, nº 3 e 63º, nº 1, do DL 433/82, de 29.10, quando interpretada no sentido de que o recurso apresentado em processo de contra-ordenação sem conclusões deve ser imediatamente rejeitado sem que o recorrente seja previamente convidado a apresentar as conclusões em falta. A decisão em causa, ao ter aplicado a citada norma nos termos em que a mesma já foi anteriormente julgada inconstitucional pelo tribunal Constitucional, torna-se recorrível por força do art. 70º, nº 1, al. g), da Lei nº 28/82, 15-11.
(...)'.
5. Já neste Tribunal foi o Ministério Público, recorrente, notificado para alegar, o que fez, tendo concluído da seguinte forma:
'1º - Na situação processual sobre que versou o acórdão nº 319/99, tinha o recorrente produzido peça processual que o tribunal «a quo» valorou como integrando produção de verdadeira alegação, por as razões invocadas traduzirem forma idónea e adequada de impugnação da decisão proferida, em matéria contra-ordenacional, pela entidade administrativa – apenas deixando o recorrente de sintetizar ou resumir as razões de dissidência, formulando conclusões.
2º - Na situação dos autos é mais grave – na óptica do Tribunal – o vício formal que inquina a impugnação deduzida, já que – para além de faltarem as ditas conclusões – a argumentação expendida pelo recorrente nem sequer é susceptível de se configurar como cumprimento adequado do ónus de alegar.
3º - Termos em que – dada a não exacta correspondência entre a situação processual dos autos e a que se verificava no processo que originou o dito acórdão nº 319/99 – não se verificam os pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na al. g) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82'.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir. II – Fundamentação.
6. O recurso previsto na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC pressupõe, além do mais, que a decisão recorrida tenha aplicado uma norma (ou interpretação normativa) já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo Tribunal Constitucional. Importa, por isso, começar por decidir se se verifica este pressuposto de admissibilidade do recurso. E, a verdade, é que não. Alega o recorrente que a decisão recorrida teria aplicado o disposto no artigo
59º, nº 3 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, com o sentido com que essa norma já havia sido julgada inconstitucional pelo Acórdão deste Tribunal nº
319/99 (Diário da República, II Série, de 22 de Outubro de 1999). Verifica-se, contudo, que não é assim. No citado acórdão nº 319/99, este Tribunal decidiu julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, nº 10 da Constituição, a norma constante dos artigos
59º, nº 3 e 63º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, quando interpretada no sentido de que o recurso apresentado em processo de contraordenação sem conclusões deve ser imediatamente rejeitado, sem que o recorrente seja previamente convidado a apresentar as conclusões em falta. Não foi, porém - como, bem, evidencia o Ministério Público - exactamente essa a dimensão normativa dos artigos 59º, nº 3 e 63º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que a decisão recorrida utilizou como ratio decidendi. No caso dos autos, o que determinou a rejeição liminar do recurso não foi apenas a falta de conclusões mas foi, na perspectiva da decisão recorrida, mais gravemente, a própria falta de alegações. Assim, enquanto que no acórdão nº 319/99 estava em causa a possibilidade de rejeição liminar do recurso no caso de não cumprimento pelo recorrente do ónus de formular conclusões, nos presentes autos está em causa, diferentemente, a possibilidade de rejeição liminar do recurso no caso de não cumprimento pelo recorrente do próprio ónus de alegar. Ora, não tendo sido interposto recurso senão nos termos da alínea g) do nº 1 do artigo 70º, e não se verificando os pressupostos de admissibilidade do recurso aí previsto, não poderá conhecer-se do objecto do recurso. III. Decisão Em face do exposto, decide-se não conhecer do objecto do recurso. Lisboa, 22 de Novembro de 2000 José de Sousa e Brito Messias Bento Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida