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Proc. nº 549/99
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que figuram como recorrente MGP, S.A., e como recorrido o Ministro da Justiça, o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão nº 357/2000, no qual decidiu não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 62º, nº 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na interpretação impugnada pela reclamante durante o processo, ou seja na interpretação que o tribunal a quo aplicou para resolver a situação sub judice, e segundo a qual, do ‘acto tributário’ que é a ‘liquidação de emolumentos’ cabe única e exclusivamente recurso imediato para o Tribunal Constitucional de 1ª Instância, ficando, em consequência, absolutamente precludida a hipótese de serem sindicados actos administrativos dos superiores hierárquicos, Director-Geral e Ministro, que indeferiram recursos hierárquicos
(de tais actos tributários) tempestivamente deduzidos pelo particular (cf. requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade de fls. 324 e ss. e conclusões 10ª e 22ª das respectivas alegações).
A recorrente vem agora arguir a nulidade do Acórdão nº 357/2000, nos termos do artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, em virtude de o Tribunal Constitucional não ter apreciado a conformidade à Constituição da norma do artigo 62º, nº 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, quando interpretada no sentido de o recurso ou a impugnação judicial aí consagrados impossibilitar hoje automaticamente e de modo absoluto qualquer recurso de actos confirmativos, nomeadamente dos actos confirmativos das anteriores liquidações de receita emolumentar, cuja situação de impugnabilidade contenciosa não era clara na lei (nem na doutrina nem na jurisprudência) ao tempo da sua prática (...) devendo entender-se que tais ‘actos confirmativos’ especiais, pela especial constelação de circunstâncias em que apareceram, devem ser considerados verdadeiros actos lesivos.
A entidade recorrida, notificada para o efeito, não se pronunciou sobre a presente arguição de nulidade.
Cumpre decidir.
2. A alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil consagra a nulidade da sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
Nos presentes autos, o Tribunal Constitucional procedeu à apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 62º, nº 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, na dimensão normativa identificada pela ora reclamante no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade e nas respectivas alegações, dimensão essa que havia sido efectivamente aplicada pela decisão recorrida.
A reclamante, na presente arguição de nulidade, vem identificar uma nova dimensão normativa do preceito mencionado, sustentando, concomitantemente, que o acto impugnado nos autos, dada a especial constelação de circunstâncias em que apareceu, deve ser considerado acto lesivo.
Ora, o objecto do presente recurso de constitucionalidade foi fixado pela reclamante no momento da respectiva interposição (cf. artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional). Não pode, portanto, agora, já depois da prolação do Acórdão que decidiu o recurso, proceder-se à redefinição do seu objecto, identificando-se, a pretexto de uma arguição da nulidade da decisão, uma nova dimensão normativa do preceito impugnado nos autos.
Por outro lado, não compete ao Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a mera interpretação do direito ordinário vigente ao tempo da prática do acto quanto à sua impugnabilidade. A eventual dificuldade que, durante o processo, a parte tenha tido na interpretação do direito infraconstitucional
(ainda que por circunstâncias várias, tais como por considerar que a lei não é clara) não se pode repercutir no juízo de constitucionalidade a formular. Com efeito, a reclamante nunca colocou no presente processo a falta de clareza da lei como questão autónoma de constitucionalidade normativa (o que seria pertinente se, por exemplo, se tratasse de uma norma penal incriminadora), limitando-se apenas a invocar a falta de clareza que identificou para justificar uma específica estratégia processual, que, porém, se mostrou improcedente (sendo certo que outra estratégia processual podia ter sido adoptada, como se demonstrou no Acórdão impugnado).
As dificuldades sentidas pela reclamante na interpretação da lei, assim como as circunstâncias que ditaram, na perspectiva da reclamante, a estratégia processual escolhida, porque apenas atinentes a uma específica e subjectiva leitura do circunstancialismo existente no momento em que o acto impugnado foi praticado, não tinham a virtualidade de moldar a questão de constitucionalidade normativa apreciada no presente processo. Não consubstanciavam, portanto, questões que o Tribunal Constitucional tivesse de apreciar.
Nessa medida, o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 357/2000, ao apreciar a conformidade à Constituição da norma aplicada e impugnada nos autos, tomou conhecimento de todas as questões que lhe competia conhecer, não enfermando, consequentemente, tal aresto de qualquer nulidade.
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente arguição de nulidade, confirmando, consequentemente, o Acórdão nº
357/2000.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 10 UCs. Lisboa, 13 de Dezembro de 2000 Maria Fernanda Palma Bravo Serra Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa