Imprimir acórdão
Proc. nº 492/2000
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Povoação, em que figura como recorrente o Ministério Público, o Juiz daquela Comarca, nos autos de recurso de contra-ordenação nº 11/00.6TAPVC, por decisão de 18 de Maio de 2000, decidiu rejeitar 'o recurso interposto por falta de conclusão', nos termos dos artigos
59º, nº 3, e 63º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Março.
O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade da decisão de 18 de Maio de 2000, ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 59º, nº 3, e 63º, nº 1, do Decreto-Lei nº
433/82, de 27 de Outubro, quando interpretado 'no sentido da falta de conclusões da motivação levar à rejeição liminar do recurso interposto pelo arguido, sem que tenha havido prévio convite para proceder a tal indicação'. O recorrente indicou os Acórdãos nºs 303/99 e 319/99 que julgaram inconstitucional a dimensão normativa impugnada.
A relatora proferiu decisão sumária, ao abrigo do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, concedendo provimento ao recurso e julgando, nessa medida, inconstitucional a interpretação normativa em causa, de acordo com a jurisprudência constitucional invocada pelo recorrente.
2. O recorrente vem agora reclamar para a Conferência da decisão sumária, ao abrigo do nº 3 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando o seguinte:
1 – O recurso tipificado na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 pressupõe uma estrita coincidência entre o juízo de inconstitucionalidade normativa, precedentemente editado pelo Tribunal Constitucional, e o juízo de inconstitucionalidade formulado no caso 'sub juditio'.
2 – Na hipótese dos autos, é duvidoso que a situação processual corresponda inteiramente à que esteve na base do decidido nos acórdãos nºs 303/99 e 319/99 – já que não está em causa a mera inexistência de conclusões (caso em que cumpre ao tribunal convidar o recorrente a suprir a omissão em falta), mas também a inexistência de uma 'alegação' concludente, da qual conste fundamentação legal, minimamente idónea e adequada para pôr em causa a decisão que se pretendia impugnar.
3 – Sendo certo que – em situações processuais absolutamente idênticas à dos autos – este Tribunal vem, através de decisão proferida no âmbito da 3ª Secção – entendendo que se não verificam os pressupostos do recurso interposto.
4 – Sustentando, não apenas a aludida diferenciação de situações processuais entre o caso dos autos e os citados arestos, mas também a inutilidade do conhecimento do recurso, já que a decisão impugnada teria assentado num duplo fundamento alternativo: a falta de conclusões e a inexistência de alegação concludente, em que se fundamentasse legalmente a impugnação deduzida.
5 – Nestes termos – e, desde logo, no interesse da unidade da jurisprudência – deduz-se a presente reclamação para a conferência.
6 – Desde já se assumindo que – a improceder a 'questão prévia' ora suscitada – se concorda subsidiariamente com o juízo de inconstitucionalidade emitido quanto
à norma extraída dos artigos 59º, nº 3 e 63º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82.
O recorrente juntou ainda cópia da Decisão Sumária nº 179/2000, de
29 de Maio de 2000, onde se decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, em virtude de não se verificarem os respectivos pressupostos processuais. Nesse processo, o juiz do Tribunal Judicial da Comarca da Maia havia rejeitado o recurso, por do requerimento não constarem as respectivas alegações e conclusões.
3. Cumpre decidir.
4. O recurso da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional cabe de decisões que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional. Para que se possa tomar conhecimento do objecto do recurso interposto é, pois, necessário, para além dos demais pressupostos processuais, que haja identidade entre a norma que fundamenta a decisão recorrida e aquela que foi julgada inconstitucional ou ilegal em decisão anterior do Tribunal Constitucional.
Ora, nos presentes autos, o juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Povoação, depois de ponderar na decisão recorrida que 'o recurso interposto não observa minimamente os requisitos de forma impostos pela lei, não contendo conclusões nem constando das ‘alegações’ qualquer fundamentação legal', decidiu expressamente, 'ao abrigo do disposto nos artigos 59º, nº 3, e 63º, nº 1 do referido Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Março, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro, rejeit(ar) o recurso interposto por falta de conclusões'.
A decisão foi, pois, de rejeição do recurso, sendo o respectivo e
único fundamento a falta de conclusões. Assim, resulta dos autos com clareza que os artigos 59º, nº 3, e 63º, nº 1, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Março
(expressamente invocados pelo tribunal a quo para fundamentar a decisão tomada), foram interpretados e aplicados na decisão recorrida no sentido de permitir a rejeição do recurso de contra-ordenação, quando faltem as respectivas conclusões.
Sendo, por outro lado, esta a dimensão normativa julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional nos arestos invocados pelo recorrente, verifica-se o pressuposto processual do recurso da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
5. O recorrente invoca, porém, na presente reclamação, 'o interesse da unidade da jurisprudência', juntando cópia da Decisão Sumária nº 179/2000.
Em primeiro lugar, cumpre sublinhar que a reclamação para a Conferência, prevista no nº 3 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional
, não consubstancia um mecanismo de uniformização jurisprudencial. Com efeito, o recurso por divergência jurisprudencial está apenas previsto no artigo 79º-D, e não tem por objecto divergências jurisprudenciais sobre questões processuais
(cf., neste sentido, Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, 1994, p. 338).
Não obstante, ainda se dirá o seguinte.
Nos autos em que a decisão sumária invocada pelo Ministério Público foi proferida, o juiz do Tribunal Judicial da Comarca da Maia rejeitou o recurso por não constarem do requerimento 'as respectivas alegações e conclusões'. A decisão então recorrida fundamentou, pois, a rejeição do recurso de contra-ordenação na falta de alegações e de conclusões.
Nos presentes autos, tal não aconteceu. Na verdade, e como já se demonstrou, o juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Povoação, na decisão recorrida, rejeitou o recurso apenas por falta de conclusões. Note-se que na própria decisão o juiz reconhece a existência de alegações, quando refere que destas não consta qualquer fundamentação legal (cabe referir que a falta de fundamentação legal das alegações não integra, na decisão recorrida, o fundamento da rejeição do recurso).
Trata-se, pois, de uma situação substancialmente diversa.
Saber se nos presentes autos o juiz recorrido poderia ou não fazer aplicação dos preceitos invocados na dimensão normativa que esteve em causa no recurso de constitucionalidade onde foi proferida a Decisão Sumária nº 179/2000, isto é, se poderia efectivamente rejeitar o recurso por falta de alegações e conclusões, é questão que ultrapassa os pressupostos processuais do presente caso.
Nos presentes autos, para que se possa apreciar o objecto do recurso, apenas importa averiguar se a norma aplicada na decisão recorrida foi julgada inconstitucional pelos Acórdãos invocados.
Como se demonstrou, tal pressuposto processual verifica-se in casu. Desse modo, a presente reclamação afigura-se improcedente.
6. Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação, confirmando-se consequentemente a Decisão Sumária reclamada. Lisboa, 28 de Novembro de 2000 Maria Fernanda Palma Bravo Serra Luís Nunes de Almeida