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Processo n.º 243/00 Plenário Relator – Paulo Mota Pinto Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. Em 31 de Março de 2000, o Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal veio requerer, como representante do Ministério Público e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 281º da Constituição e do artigo 82º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, que fosse declarada, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, 'na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo', uma vez que tal norma, nessa interpretação, já fora julgada inconstitucional por três vezes, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 683/99, do Plenário, 73/2000, da 3ª Secção e
82/2000, da 1ª Secção. Notificado o Primeiro-Ministro para os efeitos do disposto no artigo 54º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, veio este oferecer merecimento dos autos. Concluída a discussão e firmada a orientação do Tribunal, cumpre, nos termos do artigo 65º da Lei do Tribunal Constitucional, explicitar a respectiva decisão. II. Fundamentos A) Delimitação do objecto do presente processo
2. A questão de constitucionalidade em apreço no presente processo corresponde à precedentemente decidida no Acórdão n.º 683/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Fevereiro de 2000) e nos Acórdãos n.ºs 73/2000 e
82/2000 – trata-se da apreciação da conformidade constitucional da norma do artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, mas apenas 'na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo'.
É a seguinte a redacção da norma em apreço:
'Artigo 14º Modalidades e efeitos
[…]
1. O contrato de trabalho a termo certo não confere a qualidade de agente administrativo e rege-se pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo, com as especificidades constantes do presente diploma.' O Decreto-Lei n.º 218/98, de 17 de Junho, introduziu uma dessas especificidades ao acrescentar um novo n.º 4 ao artigo 18º do Decreto-Lei 427/89, nos termos do qual
'O contrato de trabalho a que se refere o presente diploma não se converte, em caso algum, em contrato de trabalho sem termo.' Porém, antes dessa intervenção legislativa entendia alguma jurisprudência que a remissão para a 'lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo' envolvia a aplicação do disposto no artigo 47º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro. Esta última norma, sob a epígrafe 'conversão do contrato', determinava que
'o contrato converte-se em contrato de trabalho sem termo se forem excedidos os prazos de duração fixados de acordo com o disposto no artigo 44º [em regra, três anos consecutivos; no caso da alínea e) do n.º 1 do artigo 41º dois anos consecutivos], somando-se a antiguidade do trabalhador desde o início da prestação de trabalho.' Como se escreveu no Acórdão n.º 683/99, no presente processo:
'[...] está, pois, em causa a norma que contém a remissão definidora do regime jurídico do contrato de trabalho a termo certo celebrado pelo Estado, para a lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo, contida no citado artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, interpretada no sentido de se permitir a conversão do contrato de trabalho a termo certo, celebrado com o Estado, em contrato de trabalho sem termo (por tempo indeterminado) – por aplicação, por virtude dessa remissão, do artigo 47º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro –, quando ultrapassados os respectivos limites máximos de duração total.' B) Apreciação da questão de constitucionalidade
3. Como se salientou nesse Acórdão n.º 683/99:
'[...] a possibilidade de celebração de contratos de trabalho a termo, prevista na lei geral do trabalho, não é por si só violadora do direito à segurança no emprego, uma vez que se encontra vinculada a um conjunto de circunstâncias enumeradas pelo legislador (artigo 41º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro), que, conjuntamente com outros traços do regime do contrato de trabalho a termo, exprimem a ideia de excepcionalidade desta forma de contratação (v., por exemplo, J. J. Abrantes, 'Breve apontamento sobre o regime jurídico do contrato de trabalho a prazo', in idem, Direito do trabalho – ensaios, Lisboa, 1996, págs. 96 e 99, e Bernardo Lobo Xavier, Curso de direito do trabalho, Lisboa, 1992, pág. 468, que, embora referindo que 'a questão não é linear', salienta que a lei exige uma 'justificação substantiva adequada e típica para o contrato de trabalho a termo, que quase se poderia dizer que se transforma assim num contrato especial de trabalho').' Todavia, perante o regime jurídico dos contratos de trabalho a termo de direito privado – que inclui a conversão, obrigatória para o empregador, de tais contratos em contratos de trabalho sem termo, como sanção para a ultrapassagem dos limites à sua renovação fixados legalmente –, suscitou-se a questão de apurar se tal disciplina, mesmo no domínio privatístico, se afigurava como decorrência indispensável, no regime dos contratos de trabalho a termo certo, da garantia constitucional da segurança no emprego. A conclusão a que se chegou nessa decisão foi a de que
'[...] tal 'conversão' não se apresenta como o único meio, ou, sequer, como disciplina indispensável, para o cumprimento pelo Estado do seu dever de proteger a segurança no emprego. Aliás, a necessidade de tal regime tende a diminuir quanto mais se acentuar a excepcionalidade do recurso à contratação a termo certo. E, mesmo para os contratos deste tipo que se celebrem, podem prever-se soluções legislativas sucedâneas desta conversão, dirigidas à protecção da segurança no emprego. Pode, assim, entender-se que a segurança no emprego deve levar à proibição ou à restrição apertada da celebração de contratos a termo certo, com uma regulamentação mais estrita dos pressupostos para a contratação a termo de trabalhadores, bem como a fixação de prazos de duração máxima destes contratos
(que no caso de contratos a termo certo com o Estado são até menores do que os previstos na lei geral do trabalho), ou de um seu regime especial de renovação. Por outro lado, poderá o legislador, por exemplo, prever a existência de um regime de indemnização dos trabalhadores com contrato a termo certo que ultrapasse os limites temporais legalmente estabelecidos, caso sofram danos pela dificuldade em encontrar trabalho subsequentemente. Todas estas regulamentações se destinam a assegurar ao trabalhador segurança no emprego, sem passar necessariamente pela conversão do seu contrato em contrato de trabalho sem termo.' Aliás, notou-se que uma tal sanção – a conversão legal do contrato em contrato de trabalho sem termo –, no domínio do direito privado,
'[...] apenas limitará interesses privados do empregador que violou a proibição legal de recurso a contratos de trabalho a termo para além do respectivo limite legal de duração total. Se o empregador está a utilizar contratos de trabalho a termo certo para além da duração máxima legalmente permitida – e, portanto, provavelmente para satisfação de necessidades permanentes de trabalho –, a sanção de tal possível tentativa de fraude à lei com a conversão em contratos de trabalho sem termo afigura-se razoável.' Concluiu-se, pois, que
'o direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53º da Constituição, não imporá, pois, necessariamente, mesmo para os trabalhadores com contrato a termo certo regulado pelo direito privado, a previsão de uma sanção da conversão destes contratos em contratos de trabalho sem termo, como único meio de garantir tal segurança. E, portanto, não poderá reconhecer-se uma imposição constitucional de um regime de conversão dos contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado, como forma de cumprimento do dever de protecção da segurança no emprego, a cargo do Estado'.
4. Considerou-se, depois, que, ainda que se entendesse que 'na Constituição da República se funda uma imposição de conversão ope legis dos contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado, após a ultrapassagem dos respectivos limites temporais máximos, como regime indispensável para assegurar a segurança no emprego', todavia, no domínio da relação jurídica de emprego público, a conversão dos contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho sem termo não é constitucionalmente imposta. Em primeiro lugar,
'quer pelas diferenças gerais que há que reconhecer entre a relação jurídica de emprego público e a relação jurídica laboral de direito privado, quer, designadamente, pela necessidade de compatibilizar o regime da primeira com exigências constitucionais relativas especificamente ao acesso aos empregos públicos, como a resultante do artigo 47º, n.º 2, da Constituição.' Depois de apontar, a título exemplificativo, algumas diferenças de regime jurídico entre a relação jurídica de emprego público e a relação jurídica de emprego privado, o Acórdão n.º 683/99 deu conta da jurisprudência constitucional que abordou a especificidade daquela primeira e que reconheceu expressamente a possibilidade de a Administração Pública recorrer à celebração de contratos a prazo não convertíveis em contratos sem prazo, transcrevendo extractos do Acórdão n.º 340/92 (publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Novembro de 1992)
['(...) se existem funções e tarefas administrativas cujo desempenho pressupõe um carácter profissional e permanente no seu exercício outras há que se compatibilizam com um estatuto precário e de duração limitada'], do Acórdão n.º 345/93 (publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Agosto de 1993)
['Haverá assim que distinguir entre aqueles agentes que exercem a sua actividade como uma profissão certa e permanente e aqueles outros que apenas executam uma relação contratual a título precário e acidental, justificando-se plenamente que a lei estabeleça, consoante os casos, diferentes condições de segurança e da estabilidade na respectiva relação de trabalho.
(...) Com efeito, o contrato de trabalho a prazo, então regulado no Decreto-Lei n.º
781/76 (depois revogado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro) antes de se poder converter em contrato sem prazo (contrato individual de trabalho) findos que fossem três anos de sucessivas renovações, regia-se em termos paralelos aos do contrato administrativo de provimento, no respeitante à denúncia como forma de cessação do contrato. A circunstância de este último não se converter, após o decurso de um certo lapso temporal, em contrato administrativo sem prazo, resulta da especificidade e da peculiar natureza de que se revestem as relações de trabalho na Administração Pública.
(...) E não pode ser invocado em sentido contrário o princípio constitucional da segurança no emprego. Este princípio, com efeito, não pode ser entendido em termos de significar para os ‘trabalhadores da função pública’ abrangidos por contratos desta natureza, a transformação de vínculos laborais precários e transitórios (assim contratualmente definidos e assumidos), destinados à execução de tarefas e actividades não permanentes da administração, em vínculos de efectividade permanente, como se decorressem de provimentos efectivos e definitivos em lugares dos quadros.
(...) A circunstância de a norma sob exame admitir prorrogações sucessivas do prazo inicial de um ano, não detém a virtualidade de alargar a protecção concedida por aquele princípio para além dos novos períodos de execução contratual que venham a ser efectivamente acordados. Embora de modo implícito, este Tribunal adoptou entendimento similar ao que vem de ser exposto, nos acórdãos n.ºs 154/86, 285/92 e 340/92, Diário da República, respectivamente, I série, de 12 de Junho de 1986, I Série-A, de 17 de Agosto de
1992 e II série, de 17 de Novembro de 1992.'] e do Acórdão n.º 12/99 (publicado no Diário da República, II Série, de 25 de Março de 1999)
['Destes preceitos legais (dos artigos 3º, 14º, 18º a 21º do Decreto-Lei n.º
427/89, em desenvolvimento dos artigos 4º a 12º do Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de Junho) referidos resulta não só um regime de contratação restrito ao contrato de trabalho a termo certo, o qual não confere a qualidade de agente administrativo e cuja regulamentação específica é ainda mais apertada do que a prevista no regime geral do contrato de trabalho para esta modalidade, como também a proibição expressa de celebrar outro tipo de contratos com carácter subordinado, designadamente, de contratos sem prazo']. E, analisando o regime jurídico do contrato de trabalho a termo certo celebrado pelo Estado, o Acórdão n.º 683/99 concluiu pela sua compatibilidade com o princípio constitucional da segurança no emprego, mesmo sem a possibilidade da sua conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado. Como então se escreveu:
'[...] cumpre destacar que o Decreto-Lei n.º 427/89 – tal como o Decreto-Lei n.º
64-A/89 – não deixou igualmente de ligar a possibilidade de celebração de contratos de trabalho a determinados pressupostos, substanciais e formais, que deverão levar a poder qualificar-se o recurso a tal forma de contratação pela Administração Pública como excepcional (e o excesso em tal recurso como um fenómeno 'patológico', não correspondente ao modelo que o legislador pretende para a relação de emprego público). Como se viu, tais contratos apenas podem ser celebrados para acorrer a necessidades transitórias dos serviços de duração determinada que não possam ser asseguradas através de contratos de provimento, nos termos artigo 18º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, ou nos casos previstos no n.º 2 desta norma (substituição temporária de funcionário ou agente; actividades sazonais; desenvolvimento de projectos não inseridos nas actividades normais dos serviços; aumento excepcional da actividade do serviço), e a celebração de contratos de trabalho a termo certo carece de ser comunicada ao Ministério das Finanças, e, em certos casos, ainda de autorização por este Ministério (artigo 21º, n.ºs 1 e 2 do mesmo diploma). Depois, tal como no domínio do direito privado, o legislador fixou um limite máximo de duração total dos contratos de trabalho a termo, com vista a reforçar a proibição de recurso a esta forma de contratação para assegurar necessidades permanentes de serviço. Tal disposição sublinha ainda o carácter excepcional que o legislador imprime aos contratos de trabalho a termo certo, e visa, pois, proteger a segurança no emprego, para além do interesse (também o interesse financeiro) do próprio Estado. Este carácter excepcional é acentuado, ainda, pela previsão de responsabilidade para a violação das normas que regulam a celebração de contratos a termo – já na sua redacção originária o artigo 43º, n.º 2, do Decreto--Lei n.º 427/89 dispunha que:
'Os funcionários e agentes que autorizem, informem favoravelmente ou omitam informação relativamente à admissão ou permanência de pessoal em contravenção com o disposto no presente diploma são solidariamente responsáveis pela reposição das quantias pagas, para além da responsabilidade civil e disciplinar que ao caso couber.' Não deixe, aliás, de notar-se que o limite máximo de duração dos contratos de trabalho a termo não era, para os contratos celebrados por particulares e para contratos concluídos pelo Estado, o mesmo: enquanto para os primeiros o limite é em regra de três anos (e só excepcionalmente de dois anos), no segundo caso o limite máximo de duração é de um ano, e só excepcionalmente mais longo, de dois anos – cfr. os artigos 41º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, e 20º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, a partir da redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 407/91, em cuja vigência se verificou, no caso dos autos, a ultrapassagem da duração máxima legal dos contratos da termo (apenas a partir com a redacção do artigo 20º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 427/89 introduzida pelo Decreto-Lei n.º 218/98, de 17 de Julho foram estes prazos máximos de duração total do contrato de trabalho a termo celebrado com o Estado alargados para dois e três anos). Aliás, a partir da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 407/91, o legislador, prevendo a possibilidade de renovação sucessiva, com encadeamento de contratos de trabalho a termo certo, não se limitou a prever uma duração total máxima específica para os sucessivos contratos de trabalho a termo certo (com a nova redacção introduzida no artigo 20º, n.º 1), mas previu igualmente, no n.º 5 do artigo 20º, que, atingido esse limite máximo de duração, não poderia ser celebrado novo contrato da mesma natureza e objecto com o mesmo trabalhador antes de decorrido o prazo de seis meses.' Depois, não deixou de considerar-se legítimo presumir que
'[...] o empregador [Estado] não se orientará exclusivamente por objectivos económicos, e que, por conseguinte, não tenderá a incorrer tão frequentemente na tentação de lançar mão de contratos de trabalho a termo com intuito de defraudar a segurança que geralmente garante aos seus funcionários. É, na verdade, este o padrão de comportamento que se deve esperar do Estado, com respeito das leis que ele próprio aprovou – enquanto o interesse, normalmente puramente económico, que tipicamente move o empregador poderá levar mais frequentemente a situações de recurso a contratos de trabalho com termo para defraudar a proibição dos despedimentos sem justa causa. A este respeito, não se poderá deixar conduzir a determinação da solução juridicamente adequada, em lugar de por uma adequada análise e ponderação dos interesses em jogo, por considerações, mais ou menos apoiadas em elementos de facto, sobre a frequência (ou maior ou menor frequência comparativa) de situações de irregularidade (e da efectivação de responsabilidade dos titulares de cargos públicos que as promoveram) com recurso a contratos de trabalho a termo certo pelo Estado para satisfação de necessidades permanentes da Administração – ou, muito menos, por um raciocínio ad absurdum ou de presunção de intenções de fraude à lei por parte da Administração Pública.' Em terceiro lugar, sublinhou-se que
'[...] diversamente do que acontece no domínio do direito privado, quando tal violação da lei ocorrer, a sanção da conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado não atinge apenas interesses privados, do empregador – os interesses em causa são aqui igualmente interesses públicos, contendendo, designadamente, com a garantia de igualdade de acesso à função pública e com o princípio do acesso por via de concurso (artigo 47º, n.º 2, da Constituição), de acordo com um procedimento justo de recrutamento e selecção, estruturado segundo o princípio da capacidade e do mérito. Regras, estas, cujo fundamento, como se verá a seguir, ultrapassa em muito o puro interesse do particular candidato, ou, mesmo, o interesse na eficiência da Administração.' Finalmente, ponderou-se que
'[...] diversamente do que acontece na lei geral do trabalho, tal sanção de conversão em contratos de trabalho sem termo teria como consequência, no domínio da relação laboral com a Administração Pública, o aparecimento de um novo enquadramento jurídico (de uma nova forma de constituição e de um novo regime jurídico) para a relação jurídica de emprego público – o contrato de trabalho com a Administração Pública por tempo indeterminado, ao lado da nomeação para o quadro e do contrato de provimento. Isto, ao contrário do que acontece no domínio da lei geral de trabalho, em que a conversão do contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho por tempo indeterminado se resume à recondução de tais relações laborais ao seu modelo-regra (o contrato de trabalho sem termo), que o legislador pretende maioritário (pois que o contrato a termo é excepcional).'
5. Encerrada a verificação da compatibilidade com o princípio da segurança no emprego do regime aplicável aos contratos de trabalho a termo celebrados com o Estado com a conclusão de que 'a sanção da conversão do contrato em contrato sem termo com o Estado não se afigura como mais a adequada, diversamente do que acontece com o comum das relações de direito privado,' o Acórdão n.º 683/99 passou então a verificar a compatibilidade de tal regime com o princípio da igualdade. Depois de se fazer referência ao âmbito de protecção diferenciado do princípio da igualdade, e de se recordarem os limites à sua invocação no âmbito da comparação de estatutos (remetendo para os Acórdãos n.ºs 555/99 e 663/99, ainda inéditos), o Acórdão n.º 683/99 remete, neste contexto, para três dos argumentos já invocados: o da especificidade da relação jurídica de emprego público – que torna duvidosa a existência de duas situações à partida comparáveis –, o do aparecimento de uma nova forma de constituição da relação jurídica de emprego – o que inviabiliza o estabelecimento de duas situações comparáveis no seu resultado –, e o da exigência de condições específicas de acesso à função pública – que interfere com as situações que se pretende comparar e com as possibilidades de as aproximar.
6. Concluindo pela inexistência de uma imposição constitucional de conversão dos contratos de trabalho a termo certo celebrados pelo Estado em contratos de trabalho sem termo, o Acórdão n.º 683/99 tratou seguidamente da questão de saber se tal conversão será constitucionalmente vedada. Para tal efeito, analisou o sentido do disposto no n.º 2 do artigo 47º da Constituição, onde se identifica um 'direito especial de igualdade' (um
'spezielles Gleichheitsrecht') no acesso à função pública, e também 'um interesse institucional, da própria Administração Pública, na promoção da sua capacidade funcional e de prestação […] [e] um interesse de transparência e democraticidade na composição da função pública', e invocaram-se as disposições constitucionais idênticas em países que nos são próximos e os seus respectivos entendimentos, concluindo que:
'Entre nós, retira-se do artigo 47º, n.º 2, da Constituição, como concretização do direito de igualdade no acesso à função pública, um direito a um procedimento justo de recrutamento e selecção de candidatos à função pública, que se traduz, em regra, no concurso (embora não um direito subjectivo de qualquer dos candidatos à contratação – assim, v. recentemente o Acórdão n.º 556/99). Este não pode, por outro lado, ser procedimentalmente organizado, ou decidido, em condições ou segundo critérios discriminatórios, conducentes a privilégios ou preferências arbitrárias, pela sua previsão ou pela desconsideração de parâmetros ou elementos que devam ser relevantes [...].
[...] E o concurso é justamente previsto como regra por se tratar do procedimento de selecção que, em regra, com maior transparência e rigor se adequa a uma escolha dos mais capazes – onde o concurso não existe e a Administração pode escolher livremente os funcionários não se reconhece, assim, um direito de acesso (Gomes Canotilho/V. Moreira, ob. e loc. cits., anot. XI; sobre o fundamento do procedimento concursal, v. também Ana Fernanda Neves, Relação jurídica de emprego público, cit., págs. 147 e segs.)'. Assim, para respeito da igualdade no acesso à função pública, o estabelecimento de excepções à regra do concurso não pode estar na simples discricionariedade do legislador, a qual é justamente limitada com a imposição de tal princípio. Caso contrário, este princípio do concurso – fundamentado, como se viu, no próprio direito de igualdade no acesso à função pública (e no direito a um procedimento justo de selecção) – poderia ser frustrado. Antes tais excepções terão de justificar-se com base em princípios materiais, para não defraudar o requisito constitucional (assim Gomes Canotilho/Vital Moreira, loc. cit., Ana F. Neves, ob. cit., págs. 153-4). Ao apurar se 'este princípio da igualdade de acesso à função pública – e também a regra do concurso – contido no artigo 47º, n.º 2 da Constituição não seria violado pela admissão do surgimento de vínculos laborais com a Administração Pública por tempo indeterminado através da conversão automática de contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho sem termo com o Estado', concluiu-se no aresto que se vem citando que a. '[...] enquanto no domínio das relações laborais de direito privado a aplicação de tal regime de conversão, previsto no artigo 47º do Decreto-Lei n.º
64-A/89, tem como consequência a restauração, in casu, do modelo preferencial das relações laborais – ou seja, o do contrato de trabalho por tempo indeterminado –, no contexto da relação jurídica de emprego público a situação apresenta-se bem diversa. É que não existe qualquer previsão legal de contratos de trabalho com o Estado por tempo indeterminado, pelo que, desde logo, tal conversão teria como consequência necessária a contradição da taxatividade legal das vias de acesso à função pública, através de um novo modo de acesso, de forma definitiva e tendencialmente perpétua.' b. 'O regime de tal relação subsequente à conversão dos contratos a termo de pessoal irregularmente contratado – com base num processo de selecção precário e sumário (cfr. o artigo 19º do Decreto-Lei n.º 427/89) –, com consolidação da relação de emprego, afigura-se pouco claro, designadamente, por não se encontrar directamente previsto na lei. Haveria, assim, provavelmente, uma lacuna a preencher (assim, por exemplo, quanto à atribuição da qualidade de agente administrativo – cfr. o artigo 14º, n.ºs 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 427/89), podendo levantar-se, aliás, o problema de saber se tal surgimento de uma situação de coexistência de regimes jurídicos de prestação de trabalho para o Estado, à revelia de uma opção parlamentar correspondente, seria compatível com a reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, prevista hoje no artigo 165º, n.º 1, alínea t), da Constituição, em matéria de bases gerais do regime e âmbito da função pública (problema, este, suscitado pelo Ministério Público nas suas alegações, seguindo Ana Fernanda Neves, 'Contratos de trabalho a termo certo...', cit., pág. 177).' c. 'Por último, e decisivamente, com o surgimento de tal nova categoria de trabalhadores para o Estado por tempo indeterminado, os quadros de pessoal poderiam posteriormente vir a ser providos, a título definitivo, sem qualquer precedência do concurso constitucional e legalmente exigido. Isto, portanto, com possível ofensa dos interesses de transparência e de imparcialidade na composição do corpo de trabalhadores, que a regra do artigo 47º, n.º 2, da Constituição, justamente visa assegurar.'
7. Ainda se ponderou, por último, que se poderia tentar escamotear estes derradeiros obstáculos adoptando-se o entendimento de que os trabalhadores vinculados ao Estado por contrato de trabalho sem termo não se integrariam na função pública, não estando, por isso, sujeitos às exigências constitucionais quanto a esta. Mas logo se excluiu tal entendimento, com base em duas ordens de razões. Em primeiro lugar, por se concluir que:
'[...] independentemente do exacto recorte do conceito de 'função pública' constitucionalmente consagrado, não pode o regime de acesso previsto no artigo
47º, n.º 2, da Constituição (com as suas notas de igualdade e liberdade e o princípio do concurso) deixar de valer igualmente para o acesso a tal lugar de trabalhador do Estado vinculado por contrato de trabalho sem termo. Tal trabalhador desempenharia uma actividade subordinada de trabalho, ao serviço da Administração, com um carácter tendencialmente permanente ou definitivo. E não se vê por que não hão-de valer para o acesso a tal posição, pelo menos com igual razão, as mesmas regras previstas na Constituição para o acesso à função pública em geral, sendo-lhe inteiramente aplicáveis os fundamentos que determinam a consagração constitucional destas regras.' Em segundo lugar, porque:
'[...] seja como for quanto aos específicos contornos do regime jurídico resultante da pretendida 'conversão' (e mesmo independentemente da afirmação do carácter estritamente taxativo das formas de contratação de pessoal na Administração Pública, onde não se inclui o contrato de trabalho sem termo, como nota estrutural e essencial do sistema constitucional da função pública), o que importa neste contexto é, mais do que a determinação e a qualificação da relação subsequente à conversão de uma situação irregular em relação laboral permanente e duradoura, o confronto do próprio processo de admissão de um novo trabalhador sem termo na função pública, à luz das regras constitucionais que regem o acesso a esta.' Do mesmo modo, afastou-se nesse Acórdão n.º 683/99 o argumento de que a conversão dos contratos a termo em contratos sem prazo não permitiria aferir uma lesão ao princípio da igualdade no acesso à função pública, por os beneficiários de tal alteração de regime contratual não se apresentarem em condições de igualdade com quem não estivesse anteriormente em idêntica situação:
'Na verdade, o problema está justamente em saber se a circunstância de um trabalhador ter estado a desempenhar funções ao abrigo de um contrato de trabalho a termo, embora por duração superior à legalmente permitida (e independentemente do modo de selecção para este contrato, que é, como se disse, irrelevante), é, por si só, bastante para permitir que tal trabalhador possa vir a ser automatica e obrigatoriamente preferido a outros, com acesso a uma posição definitiva, de trabalhador por tempo indeterminado. Em face dos interesses que fundamentam a consagração do princípio da igualdade no acesso à função pública – que, como se viu, transcendem os interesses do particular candidato – não pode considerar-se tal circunstância, só por si, bastante para fundamentar um privilégio na contratação pelo Estado. Não pode, pois, dizer-se que tal preferência, nos termos descritos, seja compatível com a regra da igualdade no acesso à função pública. Tal como não se afigura admissível considerar as referidas lesões da igualdade no acesso à função pública (e, em particular, do respectivo direito de igualdade) justificadas por uma 'concordância prática' com o valor da segurança no emprego
– ao qual, como se disse, o legislador procurou prover por outra via.' Finalmente, ponderou-se que:
'[...] não se pode dizer que a substituição de um concurso para o acesso à função pública pela conversão de um contrato de trabalho a termo certo num contrato por tempo indeterminado seja compatível com o disposto no artigo 47º, n.º 2, da Constituição, na parte em que firma o princípio do acesso por via de concurso.'
É que:
'Como se disse, a prescrição constitucional da regra do concurso como regime-regra de acesso à função pública – e, como se disse, para acesso a um lugar fundado em contrato de trabalho por tempo indeterminado há-de valer, com as mesmas razões, idêntica regra (sendo tal posição de considerar, ou de equiparar, para o efeito, a 'função pública') – fundamenta-se na própria ideia de igualdade nesse acesso, pois o concurso é o procedimento de selecção que oferece maiores garantias de transparência e fiabilidade na avaliação dos candidatos. Justamente por isso, também o concurso se há-de estruturar procedimentalmente de forma justa, e há-de ser decidido por critérios substancialmente relevantes – em regra, as capacidades, méritos e prestações dos candidatos. Visando assim o concurso possibilitar o exercício do próprio direito de acesso em condições de igualdade, a sua dispensa não pode deixar, como se afirmou, de se basear em razões materiais – isto é, designadamente, em razões relevantes para o cargo para o qual há que efectuar uma escolha (assim, por exemplo, para a escolha de pessoal dirigente, para o qual poderá eventualmente revelar-se adequada a selecção sem concurso). Considerando esta necessidade de justificação material da postergação da regra do concurso não pode, pois, tirar-se qualquer argumento do facto de o concurso não ser previsto imperativamente pela Constituição como único meio de acesso à função pública. Ora, a forma de acesso à função pública pela conversão automática de contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho por tempo indeterminado, sem concurso, seria independente de quaisquer razões materiais, ligadas à função a exercer, para além de violar o princípio da igualdade estabelecido no artigo
47º, n.º 2, da Constituição. Não deve, pois, ter-se por admissível.' Isto, sendo certo que não se pode dizer que:
'[...] tal postergação [do concurso] se filia num comportamento da Administração, que se serviu de pessoal contratado a prazo por um lapso de tempo superior ao legalmente previsto, pelo que a violação da regra do concurso não se situaria, dessa sorte, na norma em análise, mas numa actuação da Administração. Na verdade, há que distinguir entre o comportamento ilegal, que é proibido e pode desencadear sanções disciplinares e civis para os seus autores, e a violação de preceitos, legais e constitucionais, que, em homenagem aos interesses de outros candidatos e ao interesse público na transparência na composição do corpo de trabalhadores do Estado, disciplinam a constituição da relação jurídica de emprego público.'
8. Concluiu-se, pois, no Acórdão n.º 683/99, pelo julgamento de inconstitucionalidade do artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 47º da Constituição. No presente processo, pelos fundamentos, atrás resumidos, do Acórdão n.º 683/99
– e cuja decisão foi retomada nos Acórdãos n.ºs 73/2000 e 82/2000 – cumpre, pois, declarar inconstitucional o artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 47º da Constituição. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide declarar inconstitucional, com força obrigatória geral, o artigo 14º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, na interpretação segundo a qual os contratos de trabalho a termo celebrados pelo Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos de trabalho a termo, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 47º da Constituição. Lisboa, 11 de Julho de 2000 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Bravo Serra ( vencido, conforme declaração de voto, que junto) Messias Bento (vencido pelas razões da declaração de voto que apus ao ac. nº
683/99, Declaração de voto:
Entendi que não é inconstitucional a interpretação do artigo 14º, nº 3, do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, adoptada pelo acórdão recorrido, segundo a qual os contratos a termo certo celebrados com o Estado se convertem em contratos de trabalho sem termo, uma vez ultrapassado o limite máximo de duração total fixado na lei geral sobre contratos a termo. Entendo, com o acórdão nº 345/93 (Diário da República, II série, de 11 de Agosto de 1993), que o direito à segurança no emprego, relativamente aos trabalhadores da Administração Pública contratados a prazo, apenas significa que, durante o período de duração do contrato e das respectivas prorrogações, eles não podem ser despedidos a não ser por justa causa. A garantia de segurança no emprego não significa, assim, que esses trabalhadores tenham o direito de ver os seus
'vínculos laborais precários e transitórios', 'destinados à execução de tarefas e actividades não permanentes', transformados 'em vínculos de efectividade permanente'.
Simplesmente, se a Administração deixa esgotar todos os prazos de duração do contrato sem lhe pôr termo, é porque a contratação desse pessoal se não destinou
à 'execução de tarefas e actividades não permanentes'. É, por isso, irrazoável que a Administração possa, depois, incondicionadamente, rescindir tal contrato. Uma norma legal que o consinta traduz um arbítrio legislativo, ferindo, por isso, os cânones de justiça ínsitos na ideia de Estado de Direito. Até porque, tendo o trabalhador investido as suas esperanças no vínculo laboral decorrente do contrato firmado com o Estado – vínculo que este foi deixando subsistir como se de um vínculo definitivo se tratasse –, uma rescisão abrupta do contrato num momento em que já nada indicava que tal fosse acontecer fere, obviamente, as regras da boa fé, que devem pautar o relacionamento da Administração com os seus trabalhadores. Tal significa, de algum modo, admitir que, para o Estado, não valha a proibição do venire contra factum proprium – instituto que, nos dizeres de BAPTISTA MACHADO, releva como 'concretização do princípio ético-jurídico da boa fé' e se orienta para a 'tutela da confiança engendrada na interacção comunicativa' (cf. Tutela da confiança e venire contra factum proprium, in Revista de Legislação e Jurisprudência, anos 117º e 118º, páginas 229 e seguintes e 101 e seguintes, respectivamente). Vale isto por dizer que uma tal norma legal atinge a confiança que os trabalhadores da Administração Pública devem poder depositar na ordem jurídica de um Estado de Direito.
Por último, não vejo que as especificidades da relação jurídica de emprego público, designadamente as exigências feitas pela regra da igualdade no acesso à função pública, e pelo princípio do concurso, repudiem a solução propugnada: desde logo, porque tais especificidades e exigências têm que compatibilizar-se com os imperativos de justiça a que atrás aludi. Alberto Tavares da Costa (vencido nos termos da declaração de voto do Exm. Conselheiro Bravo Serra). Luís Nunes de Almeida (vencido, nos termos da declaração de voto junta) Maria Fernanda Palma (vencida, pelo essencial das razões das declarações de voto dos Conselheiros Bravo Serra e Luís Nunes de Almeida) Maria Helena Brito (vencida, pelos fundamentos constantes da declaração de voto junta pelo Exmº Conselheiro Bravo Serra) José Manuel Cardoso da Costa
DECLARAÇÃO DE VOTO
Entendendo que a norma declarada inconstitucional no presente aresto não padece de um tal vício, votei vencido quanto à decisão agora tomada.
Cumpre, por isso, indicar, embora sinteticamente, os motivos deste meu voto dissidente.
Muito embora se não possa asseverar que, constitucionalmente, o regime da «função pública» aponte para a perpetuidade do exercício de funções na Administração por banda dos respectivos trabalhadores, isso não significa que a garantia da segurança no emprego postulada pelo artigo 53º da Lei Fundamental lhes não seja aplicável, pelo que, para se usarem algumas das palavras do Acórdão deste Tribunal nº 285/92 (in Diário da República, 1ª Série-A, de 17 de Agosto de 1992), no plano daquela garantia constitucional, eles dela beneficiam de idêntico modo do 'que usufruem os trabalhadores submetidos ao contrato individual de trabalho', não obstando a essa conclusão 'numa primeira análise, a especial relação estatutária' que os envolve.
Sendo embora certo que a contratação a termo de trabalhadores por parte da Administração Pública tem por finalidade legal unicamente a de ocorrer a necessidades pontuais e não permanentes de serviço, menos certo não é que se assiste e tem assistido a que aquela Administração se tem servido do labor desempenhado por tais trabalhadores por períodos muito dilatados, o que, ao fim e ao resto, vem conduzir a que licitamente se possa concluir que aquela finalidade não tem sido, em bom rigor, a iluminante da celebração e perduração de inúmeros contratos celebrados com variados trabalhadores em vários serviços da aludida Administração.
Por isso, uma tal prática conduz, desde logo, no limite e por um raciocínio ad absurdum, a que - em face da aceitação da tese, acolhida no acórdão a que a presente declaração se encontra apendiculada, da compatibilidade constitucional da norma em apreço - a Administração possa, fundada tão só num argumento de ocorrência daquelas necessidades (e que, porventura, poderá não corresponder à realidade), começar a desempenhar assinalável parte das sua funções pelo recurso a meios humanos meramente vinculados por contratos de trabalho a termo certo, ficando, desta arte, com o poder de, ad libitum, dispensar qualquer trabalhador. Ora, a ocorrer esta situação, possível será a satisfação de uma abundante fatia das incumbências da Administração por parte de um acentuado número de meios humanos aos quais, minimamente, não é concedida a garantia que deflui do artigo 53º da Constituição, sendo que não foi o próprio Estado que, ciente que estava das carências dos lugares dos seus quadros e da manutenção no tempo das necessidades dos serviços - que implicariam o aumento daqueles quadros -, curou de prover quanto a esse aumento.
E nem se diga que se não deve transpor para o contrato de que nos ocupamos a consideração de que no âmbito laboral privado, a «conversão» dos contratos a termo certo em contratos sem prazo, decorridos que sejam determinadas prorrogações daqueles, deve ser perspectivada como uma sanção pelo uso de artifício da entidade patronal que se «serviu» daqueles contratos e da respectiva manutenção para além do prazo legalmente estabelecido para, provavelmente, prover à satisfação de necessidades permanentes de serviço. É que, na realidade das coisas, não se vê como se possa, por um lado, inferir no sentido de haver um provimento de satisfação de necessidades permanentes de serviço quando uma entidade patronal privada excede o período máximo de renovação dos contratos de trabalho a termo e, por outro, que uma tal inferência já não seja cabida quando a Administração se vai também servir dessa renovação, múltiplas vezes muito para além daquele período máximo que se encontra estatuído para o regime privatístico do contrato de trabalho a termo.
É também certo que a «conversão» de que nos ocupamos não pode ser visualizada como o único ou, sequer, o meio indispensável para se assegurar a garantia decorrente do artigo 53º da Constituição; simplesmente, no que tange ao regime dos contratos celebrados a termo certo pela Administração, o que se torna indubitável é que nenhum outro meio dele se extrai e de onde, principalmente na vertente do trabalhador, se possa considerar como servindo, actuando ou funcionando ao jeito de um óbice à sua insegurança no emprego.
Tendo em conta a progressiva aproximação do regime dos
«trabalhadores da função pública» com o regime laboral comum privatístico, o que
é certo é que, com a declaração de inconstitucionalidade ora operada neste aresto, isso vai representar, se não uma desigualdade constitucionalmente censurável, pelo menos uma dissemelhança eivada de injustiça, quando é certo que o Estado - no exercício do seu poder legiferante e em que não pode deixar de ter em conta comandos constitucionais tão relevantes como os tocantes a direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores - vem impor que nas relações laborais privadas, passados que sejam três anos, os contratos a termo celebrados sem interrupção se «convertam» em contratos sem termo.
Não está em causa, como é evidente, questionar a compatibilidade constitucional da celebração, no âmbito da Administração Pública, de contratos a termo certo; o que está, isso sim, é saber se, à míngua de qualquer meio que, no respectivo regime, possa ser surpreendido como obstaculante da insegurança no emprego decorrente da possibilidade de, em qualquer altura, ser cessado esse contrato após terem ocorrido variadas prorrogações dele, a interpretação que veio a ser perfilhada na decisão impugnada, de um lado, é asseguradora da garantia proclamada pelo artigo 53º da Constituição e, de outro, se essa mesma interpretação vai violar a Lei Fundamental.
Por outro lado, e é isto que ora releva, não se me afigura que, contrariamente ao que é defendido maioritariamente neste acórdão, a norma em crise constitua infracção ao nº 2 do artigo 47º da Constituição.
De facto, e não se deixando de anotar os problemas (de que, por entre outros, dão conta Gomes Canotilho e Vital Moreira na Constituição da República Anotada, 3ª edição, 264) que se podem levantar acerca do conceito de função pública utilizado naquele normativo constante do Diploma Básico, não posso deixar de sublinhar que a via de concurso como meio de acesso àquela função não é algo imperativamente consagrado na Lei Fundamental, e isso pela singela razão segundo a qual o que naquela disposição se prescreve é que tal via deve, em regra, ser utilizada, não se dizendo, assim, que a regra do concurso é a única utilizável.
Depois, e seja como for, se se admitir que naquele conceito de função pública cabe o exercício de qualquer actividade ao serviço de uma pessoa colectiva pública qualquer que seja o regime jurídico da relação de emprego e independentemente do seu carácter provisório ou definitivo, permanente ou transitório (para se usarem as palavras dos autores citados), então há que reconhecer que, se se postergou o concurso como meio de recrutamento e selecção de pessoal em condições idênticas à da recorrida, isso deveu-se, afinal, a um comportamento da Administração, que desse pessoal se serviu por um lapso de tempo não diminuto (e pelo menos com mais de três prorrogações). A violação da regra do concurso não se situaria, dessa sorte, na norma em análise, mas, em rectas contas, numa actuação da Administração que, servindo-se de preceitos permissivos da contratação a termo certo com vista à satisfação de necessidades temporárias, sazonais e excepcionais, os foi utilizar para um desenvolvimento das suas normais actividades.
Ainda depois, não se pode passar em claro que, mesmo no âmbito da celebração de contratos a termo certo, a oferta de emprego não deixa de ser objecto de publicitação, a ela, portanto, os demais interessados se podendo candidatar, e que o pessoal a contratar deve ser adequadamente habilitado e qualificado para o desempenho de funções (cfr. artº 19º do Decreto-Lei nº
427/89), pelo que, neste particular, se não lobrigam, a nível substancial, quaisquer abissais diferenças no que concerne à orientação e satisfação do interesse público, à natureza e intensidade dos interesses a ponderar e o direito a um procedimento justo de recrutamento e selecção quanto aos
«trabalhadores da função pública» comparativamente com os trabalhadores do sector privado.
Mas, mesmo que fosse aceitável - e para mim não o é - a tese, aqui seguida maioritariamente, da inconstitucionalidade da norma sub specie, justamente com base na consideração de que ela viola a via do concurso, não seria porventura dispiciendo, efectuar--se uma ponderação de valores ou um raciocínio de concordância prática entre a eventual violação do desiderato constitucional de vinculação da Administração em prejuízo da discricionariedade quanto ao recrutamento e selecção do pessoal (como forma de assegurar neste e nesta igualdade e transparência) e a garantia implicada pelo artigo 53º da Constituição, em termos de preponderância desta última.
Igualmente me não parece colher uma argumentação fundada em que a
«conversão» dos contratos a termo certo, ultrapassado que fosse determinado período em que os mesmos foram objecto de prorrogação, iria consequenciar uma contradição com a «taxatividade» legal das vias de acesso à função pública.
É que não só essa «taxatividade» não decorre do Diploma Básico, como ainda, a entender-se que a norma ínsita no nº 3 do artº 14º do Decreto-Lei, no ponto em que remete para a lei geral sobre os contratos de trabalho, teve a adequada cobertura parlamentar, então uma interpretação que, fundada nessa lei geral - e porque nada se retira das palavras de qualquer dos normativos vertidos naquele diploma que aponte para se vedar a «conversão» dos contratos a termo certo - admitisse tal «conversão», ainda se moveria adequadamente dentro da opção parlamentar consistente na remissão para a mencionada lei geral.
Por último, e talqualmente foi defendido pelo Ex.mo Conselheiro Luís Nunes de Almeida na sua declaração de voto aposta ao Acórdão nº 683/99, também propendo para entender que, com decisão ora tomada quanto à norma em apreciação vai, de forma particularmente acentuada, brigar com o conteúdo essencial da garantia constitucional da segurança no emprego e com os princípios do Estado de direito democrático prescrito no artigo 2º da Lei Fundamental.
De facto, como se acentuou nessa declaração, ao se considerar - como no vertente aresto se considera, retomando o que foi dito no Acórdão nº 683/99 - que o direito à segurança no emprego, consagrado no artigo 53º da Constituição, não imporá, necessariamente, mesmo para os trabalhadores com contrato a termo certo regulado pelo direito privado, a previsão de uma sanção da conversão destes contratos em contratos de trabalho sem termo, como único meio de garantir tal segurança, sendo suficiente um regime de indemnização condicionado à existência de 'danos pela dificuldade em encontrar trabalho subsequentemente', isso significa a adopção de um entendimento que, 'para além de reduzir a segurança no emprego a uma vertente meramente económica', e de não explicar qual o meio legal em que se estribe esse regime indemnizatório, 'permite, pela largueza da sua permissividade, a futura adopção de soluções legislativas em que a referida segurança no emprego venha a ser pura e simplesmente substituída por um mero sucedâneo indemnizatório – e isto, não só no que respeita aos contratos a termo certo, como também em relação aos contratos sem termo'
E, também como se disse na aludida declaração, é de assinalar que o raciocínio segundo o qual seria constitucionalmente inadmissível converter automaticamente os contratos a termo certo em contratos de contrato por tempo indeterminado, no âmbito da Administração Pública, levaria ou, ao menos, pareceria 'inviabilizar – mesmo ao legislador – a solução de uma situação de flagrante injustiça, cujo único responsável é o próprio Estado', o que, seguramente, é algo que se posta como conflituante com os falados princípios do Estado de direito democrático. Bravo Serra