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Proc. n.º 559/99
1ª Secção Cons.º Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
I – RELATÓRIO
1. – J... veio deduzir oposição à execução que a FAZENDA NACIONAL moveu, por dívida de contribuições à Segurança Social, relativas aos anos de 1987 e 1988, em que o devedor originário era a sociedade por quotas
'FAEL – FÁBRICA DE APARELHOS E ACESSÓRIOS ELÉCTTRICOS, LDA', sendo o requerente seu sócio gerente.
O Tribunal Tributário de 1ª Instância, por decisão de 27 de Julho de 1998, julgou o oponente parte ilegítima, assim procedendo a oposição, quanto às contribuições referentes aos meses de Fevereiro a Dezembro de 1987, inclusive e quanto aos meses de Janeiro e Maio de 1988, e julgou-o parte legítima, com improcedência da oposição, quanto às contribuições relativas ao mês de Janeiro de 1987, no valor de 223.205$00.
Esta decisão não foi aceite nem pelo oponente nem pela Fazenda Nacional, tendo ambas as partes recorrido para o Tribunal Central Administrativo.
2. - O Tribunal Central Administrativo (TCA), por acórdão de 1 de Junho de 1999, decidiu negar provimento a ambos os recursos, confirmando a decisão recorrida.
Notificado desta decisão, J... veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional, pretendendo que se aprecie a conformidade à Lei Fundamental da norma do artigo 13º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, enquanto implica uma presunção funcional de culpa inilidível no que concerne às dívidas tributárias, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 68/87, de 9 de Fevereiro.
Neste Tribunal, o recorrente apresentou alegações, nas quais formulou as seguintes conclusões:
'1. A decisão de que se recorre aplicou uma norma patentemente inconstitucional no sentido e alcance retirado dela pelas duas instâncias judiciais, a saber: o artigo 13º do DL 103/80, de 9 de Maio implica uma presunção funcional de culpa inilidível em que repousa a responsabilização subsidiária no que concerne às dívidas tributárias antes da entrada em vigor do DL 68/87.
2. Tal acordo infringiu, na interpretação que fez do aludido preceito o disposto nos artigos 2º e 266º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa através da violação do princípio de justiça subjacente ao Estado de Direito em sentido material, e dos princípios da necessidade e da proporcionalidade - o princípio da proibição do excesso vigente no direito tributário.
3. E, por outro lado, tal interpretação e os seus resultados - impedir a ilusão de presunção - juris et de jure - da culpa do ora recte. - violam patentemente o princípio da capacidade contributiva previsto no artigo 107º da Constituição da República Portuguesa.
4. Transformando o 'responsável' subsidiário num verdadeiro sujeito passivo subsidiário, o preceito legal interpretado a aplicado pelas instâncias é inconstitucional por violação do citado princípio da capacidade contributiva.'
A Fazenda Nacional não contra-alegou.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II – FUNDAMENTOS
3. – A questão que vem suscitada nos presentes autos é a da inconstitucionalidade da norma do artigo 13º do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio, que estabelece a responsabilidade pessoal e solidária dos gerentes e administradores das sociedades de responsabilidade limitada, no caso de a própria sociedade não ter bens penhoráveis, pelo pagamento das dívidas do sociedade por contribuições à segurança social, juros de mora e multas.
Esta questão, que vem suscitada nos autos, já foi enfrentada e resolvida pelo Tribunal no Acórdão n.º 328/94, de 13 de Abril de
1994 (in 'Acórdãos do Tribunal Constitucional', 27 Vol., pág. 963 e 'Diário da República', IIª Série, de 9 de Novembro de 1994), não havendo nem tendo sido carreados novos elementos que permitam justificar uma mudança da orientação jurisprudencial.
Nesse aresto, o Tribunal, ainda que com votos de vencido, entendeu essencialmente que 'o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição exige a dação de tratamento igual àquilo que, for igual, reclamando, por outro lado, a dação de tratamento desigual para o que for dissemelhante, não proibindo, por isso, a efectivação de distinções. Ponto é que estas sejam estabelecidas com fundamento material bastante e, assim, se não apresentem como irrazoáveis ou arbitrárias' e que 'uma norma que consagre a responsabilidade pessoal e solidária dos gerentes e administradores de sociedades de responsabilidade limitada, no caso de a própria sociedade não ter bens penhoráveis, pelo pagamento das dívidas destas por contribuições à segurança social, juros de mora e multas, responsabilidade essa que se afere unicamente pelo efectivo desempenho de funções de gerência ou administração – assim se presumindo a culpa dos gerentes ou administradores, geradora de ilicitude, salvo se existir causa de justificação -, e da qual estão apenas excluídos os administradores meramente nominais, não é conflituante com o referido princípio da igualdade, por duas razões: (1) porque o gerente meramente nominal não exerce de facto as funções de gerência ou administração, não se podendo dizer que a concreta condução do negócios da sociedade, designadamente quando dela resulte a inobservância de deveres ou obrigações legais impostos à sociedade, se deve a qualquer actuação da sua parte, e sendo, pois, perfeitamente razoável e justificado que ele reclame um tratamento diferenciado daquele que contempla o gerente efectivo; (2)porque, mesmo no caso das sociedades em situação económica difícil, os administradores para ela designados sabiam que, ao aceitarem a gerência ou a administração, de iure et de facto, lhes incumbia a prossecução de uma gerência ou administração cuidada, esforçada e diligente, designadamente quanto ao cumprimento dos deveres e obrigações inerentes à vida societária, já que da recuperação dessas empresas tirariam benefícios'.
Também no aludido acórdão se veio a entender que as considerações que ficam referidas 'são transportáveis quando se enfoque a questão sob o prisma de um outro princípio constitucional, o do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2º da Constituição, já que não se divisa qualquer arbítrio na aludida norma'.
Não foi, assim, violado o princípio de justiça que decorre do princípio do Estado de Direito democrático, como invoca o recorrente.
Não existe também violação do princípio da proporcionalidade. Com efeito, a responsabilização decorrente da norma questionada só afecta os gestores que 'violando ilicitamente e com culpa os seus deveres, não promovam ou impeçam o acatamento das obrigações das empresas respectivas para com a Previdência'. Mas sendo o pagamento das contribuições para a segurança social uma exigência imposta pelo interesse público, a inobservância dos ditames legais de gestão que devem assegurar tal pagamento não pode deixar de se considerar culposa, salvo a ocorrência de uma causa justificativa (neste sentido, Ruy de Albuquerque e Menezes Cordeiro, 'A imputação aos Gestores dos débitos das empresas à Previdência e o artigo 16º do Código de Processo das Contribuições e Impostos'; Rui Barreira, 'A responsabilidade dos Gestores de Sociedades por dívidas fiscais', in Revista FISCO, 2º Ano, p. 6).
Não se verifica, também, qualquer ofensa do artigo 106º da Constituição (versão de 1989; hoje, artigo 103º). Na verdade, como se escreveu no Acórdão n.º 576/99 (in 'Diário da República', IIª Série, de 21 de Fevereiro de 2000): 'Simplesmente, quer no caso de se Ter provado a culpa do gerente ou administrador, quer no caso de, a ser estatuída uma presunção ilidível, o gerente ou administrador não ter logrado provar a sua falta de culpa
- o que redundaria na exigência do cumprimento das assinaladas obrigações fundadas na consagração da sua responsabilidade solidária - , então nem por isso se pode concluir que essa exigência, na altura em que é formulada, terá em linha de conta a capacidade contributiva daqueles sujeitos passivos que, na realidade das coisas, a podem não ter.
No mesmo sentido do Acórdão n.º 328/94, decidiram os Acórdãos n.ºs 681/99, ainda inédito 576/99, acima citado.
Também não ocorre qualquer violação do princípio da capacidade contributiva uma vez que se trata de mera responsabilidade subsidiária, decorrente do exercício de funções de gerente ou administrador e exercitável no caso de se demonstrar a sua responsabilidade no não pagamento dos impostos ou contribuições em falta.
Por todos estes fundamentos constantes dos acórdãos que ficam referidos (n.º 328/94 e 576/99), para que se remete, e que nenhuma razão decisiva impõe que se desconsiderem, reafirma-se aqui o entendimento do Tribunal a que se chegou naqueles acórdãos, designadamente, o de que o artigo 13º do Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio, não é inconstitucional. III – DECISÃO:
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a decisão recorrida na parte impugnada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
15 Ucs.
Lisboa, 13 DE Julho de 2000 Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida (vencido, nos termos da declaração junta ao Acórdão nº
328/94) José Manuel Cardoso da Costa