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Proc. nº 531/00
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A S..., S.A. reclamou para a conferência da decisão sumária de 2 de Outubro de 2000 (fls. 299 a 308), em que, por não estarem verificados os pressupostos processuais exigidos no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº
28/82, se decidiu não tomar conhecimento do recurso por ela interposto para o Tribunal Constitucional.
Na reclamação invocou o seguinte:
'[...]
2. O S.T.J. aplicou conjuntamente a norma do nº 3 do art. 3º do C.P.C. e o nº 2 do art. 490º do C.P.C. com sentido e alcance inconstitucional.
3. O S.T.J. deu como admitido por acordo aquilo que estava impugnado, isto é, era como se o art. 490º, nº 2 dissesse que é por acordo o que o Mmo. Juiz aditou
à matéria de facto oficiosamente.
4. Se o S.T.J. decidiu que foi admitido por acordo não pode ser por confissão.
5. Ora, ao admitir-se que na 1ª Instância, na Relação e no S.T.J. tinha sido admitido por acordo a entrega do Lote 9 do A. à R. viola-se o princípio do contraditório.
6. Em todo o caso, é possível aclarar o que está arguido a fls. 248 dos autos – a inconstitucionalidade do art. 490º, nº 2 conjugado com o art. 3º, nº 3
(conclusão 8ª das conclusões) no Recurso para o S.T.J., na interpretação – que de tais disposições foi feita pelo S.T.J.
7. Essa interpretação é de que a R. admitiu por acordo o seguinte facto: «a entrega do Lote 9 pelo A. à R.».
8. No entanto, nunca houve nos autos admissão por acordo desse facto.
9. Ao invés, houve impugnação desse facto designadamente no requerimento de fls.
133 dos autos, quando se refere «renúncia que o A. expressou e confessou mas não acatou (fls. 134). Impugnação que também consta a fls. 160 dos autos (última e penúltima linha), nas Alegações de Direito de fls. 159 a fls. 163, e transparece nas respostas aos quesitos 18, 19, 23, 28 de não provado a fls. 155.
10. Sendo inequívoco que houve impugnação, nunca o S.T.J. poderia dar o facto como provado com base em admissão por acordo, o que mostra que o S.T.J. fez uma interpretação inconstitucional das normas conjugadas do art. 3º, nº 3 e 490º, nº
2 do C.P.C., segundo a qual o facto contraditado pode ser admitido por acordo, porque assim o entendeu o Mmº. Juiz Presidente de Círculo na 1ª Instância, na decisão da matéria de facto, já depois das respostas quanto à matéria de facto, dadas pelo Colectivo, ao inserir matéria que não estava especificada, nem foi provada através da quesitação.
11. Segundo a interpretação do S.T.J., o facto aditado pelo Tribunal da 1ª Instância neutraliza o contraditório, de forma a que se possa dar como admitido aquilo que foi contraditado.
12. Isso significa que o contraditório não foi considerado, ou seja, o Tribunal não conheceu da impugnação produzida.
13. E tal interpretação das normas feita pelo S.T.J. foi aplicada nos autos com a consequência de se ter dado como provado, por meio específico de prova – admissão por acordo – o facto impugnado.
14. Tal interpretação normativa viola frontalmente as garantias constitucionais do art. 2º, nº 3 e art. 20º, nºs. 1 e 4 da C.R.P. (direito ao contraditório, que
é um corolário da garantia do Estado de Direito).
[...]
17. Não é possível dizer-se que o que foi impugnado foi admitido por acordo. Se aconteceu nos autos é porque foi feita interpretação inconstitucional dessas normas conjugadas (art. 490º, nº 2, art. 3º, nº 3 do C.P.C., art. 20º, nºs. 1 e
4 da C.R.P.).
18. Ora nestes autos, considera-se admitido por acordo o facto admitido pelo Senhor Juiz Presidente da 1ª Instância, após a resposta aos Quesitos e Especificação.
19. O Senhor Juiz Presidente de Círculo fê-lo à revelia do Tribunal Colectivo, da Especificação e dos documentos juntos aos autos, onde se encontra impugnado esse acordo, designadamente através dos documentos juntos aos autos pelo próprio A. a fls. anteriores do requerimento de fls. 133 em que refere trabalhos de gradagem por si e para si levados a efeito no citado Lote 9.
20. É verdade, que o Tribunal pode alterar a Especificação, mas deve fazê-lo com respeito e garantia do contraditório.
21. Nos autos constam diversas violações com base em erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais de causa e consequentes violações lei a que se acresceram como fundamentos acessórios a verificação de diversas nulidades do Acórdão recorrido [...].
22. Essas nulidades reportam-se e acrescem às referidas violações de lei, pelo que o Acórdão recorrido do S.T.J. ao conhecer das mesmas não pode deixar de considerar as referidas violações, em relação às quais não foi levado a efeito o princípio do contraditório, como se impunha, face ao disposto no art. 3º, nº 3 do C.P.C. e art. 20º, nº 2 da C.R.P.
[...]'
2. Notificado para se pronunciar sobre a reclamação apresentada, o recorrido Albino António respondeu, em síntese, que 'a reclamação do recorrente não pode deixar de ser entendida como uma mera desculpa de mau pagador, matéria esta que, no nosso entender, não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar'.
3. Reafirma-se que na decisão recorrida – o acórdão de 29 de Junho de
2000, através do qual o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a nulidade imputada ao acórdão anterior pela S..., S.A. – não foi aplicada, como ratio decidendi, a norma que a ora reclamante pretendia submeter à apreciação do Tribunal Constitucional (a norma do artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil).
Com efeito, o mencionado acórdão limitou-se a aplicar as normas do Código de Processo Civil sobre as nulidades – no caso, a norma do artigo 668º, nº 1, alínea d), primeira parte – e as normas dos artigos 729º, nº 2, e 722º, nº
2, do mesmo Código, invocadas pela ora reclamante para fundamentar a alegada nulidade do anterior acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (nulidade por omissão de pronúncia, por, em sua opinião, o Supremo não ter alterado a matéria de facto).
No acórdão de 29 de Junho de 2000, o Supremo Tribunal de Justiça, invocando os artigos 729º, nº 2, e 722º, nº 2, do Código de Processo Civil, afirmou que 'a decisão da Relação sobre matéria de facto é censurável pelo STJ apenas se tiver havido ofensa de disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova' e que, no caso dos autos, se entendeu 'não se verificar hipótese que justificasse tal censura'. Por essa razão desatendeu a alegada arguição de nulidade por omissão de pronúncia – no caso, a pretendida alteração da matéria de facto. O Supremo – repete-se – fundamentou a decisão constante do acórdão recorrido nas normas dos artigos 668º, nº 1, alínea d), primeira parte, e 729º, nº 2, e 722º, nº 2, do Código de Processo Civil.
Logo, ainda que a ora reclamante tivesse indicado no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade qual a interpretação da norma impugnada que considerava contrária à Constituição, o recurso não poderia ser admitido, por falta de um pressuposto processual típico do recurso interposto – a aplicação, na decisão recorrida, da norma que se submete à apreciação do Tribunal Constitucional. Por isso se considerou na decisão sumária reclamada que seria inútil ordenar a notificação da ora reclamante, nos termos do artigo 75º-A, nº 6, da Lei do Tribunal Constitucional, para completar o requerimento de interposição do recurso. À reclamante seria porventura possível indicar elementos em falta no requerimento, mas não seria certamente possível suprir a falta dos pressupostos processuais típicos do recurso interposto: isto é, a aplicação, na decisão recorrida, da norma submetida ao julgamento do Tribunal Constitucional.
4. Do teor da reclamação agora apresentada conclui-se, aliás, que, através do recurso de constitucionalidade, a ora reclamante tem em vista afinal impugnar a própria decisão recorrida e pretende que este Tribunal aprecie a prova produzida no processo.
Tal pretensão excede o âmbito de competência do Tribunal Constitucional, sendo certo que o poder de fiscalização de constitucionalidade atribuído a este Tribunal apenas incide sobre normas e não sobre outros actos, nomeadamente sobre as próprias decisões judiciais.
5. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide confirmar a decisão sumária reclamada, de 2 de Outubro de
2000, que não tomou conhecimento do recurso. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 9 de Novembro de 2000 Maria helena brito Vítor Nunes DE Almeida Luís Nunes DE Almeida