Imprimir acórdão
Proc. nº 430/99 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 –E..., com os sinais dos autos, reclama para a conferência do despacho de fls. 124 e segs. e da decisão sumária de fls. 134 e segs.; o primeiro de indeferimento do pedido de suspensão da instância e a segunda de não conhecimento do objecto do recurso por ele interposto ao abrigo do artigo 70º, nº. 1, alínea b) da Lei nº. 28/82.
Concluiu a sua reclamação nos seguintes termos:
'1º - O Exmo. Senhor Venerando Relator decidiu não conhecer do recurso interposto para o Tribunal Constitucional, dado ter considerado não se mostrar preenchido um dos requisitos da al. b) do nº. 1 do art. 70º da Lei nº.
28/82.
2º - Porém, de harmonia com os 1 e 2 do art. 78º-A do mesmo diploma, se o relator entender que não pode conhecer do objecto do recurso, deve proferir decisão sumária.
3º - Se depois de notificado o recorrente nos termos dos 5 ou 6 do art. 75º-A, este, para tanto, não indicar integralmente os elementos exigidos pelos seus números 1 a 4.
4º - No caso sub judice, cremos, que por lapso, o Venerando Relator não curou de ouvir o recorrente, negando-lhe, assim, a oportunidade de lhe prestar qualquer esclarecimento ou corrigir o requerimento de interposição do recurso.
5º - Em todo o caso, lançando mão do disposto no nº. 1 do art. 266º do CPC e, concorrendo para se obter com brevidade e eficácia a justa composição do litígio, pensamos ser possível aproveitar a fase e o prazo da reclamação para a conferência.
6º - Por forma a vir aos autos referir os incisos que, através de errada interpretação, foram aplicados e outros que pela mesma via, deixaram de ser.
7º - E em nosso entendimento, o STA ao bastar-se na jurisprudência daqueles arestos para deixar de conhecer a factualidade de que enferma os vícios do acto administrativo que consistiu na destruição do muro.
8º - Fez errada interpretação do nº. 1 do art. 21º do ETAF, aprovado pelo D.L. nº. 129/84, de 27 de Abril, com a redacção dada pelo D.L. nº. 229/96, de 29/9, o qual, permite ao STA sindicar matéria de facto.
9º - E como o art. 1º da LPAF, aprovada pelo D.L. nº. 267/85/16/07, estabelece que o processo administrativo se rege subsidiariamente pela lei do processo civil, logo seria de aplicar aos autos os arts. 265º, 712º e 730º, nº.
2, todos do CPC.
10º - Não o tendo feito, temos como certo que, implicitamente, o STA formulou sobre os normativos acima observados um juízo de inconformidade constitucional.
11º - Por outro lado, ao dizer-se que o acto administrativo levado a efeito pela Câmara Municipal na demolição da parede não se enquadra no conceito do acto administrativo definido no art. 120º do CPA, segundo interpretação perfilhada pelo Dr. Esteves de Oliveira.
12º - Parece-nos que, sem embargo de melhor opinião, o STA não deu o melhor sentido ao teor daquele texto normativo, sendo que desta feita, consente que a Administração possa, impunemente, comportar-se perante os particulares, ao arrepio da Constituição e da lei.
13º - Interpretação essa cuja a apreciação da sua constitucionalidade pode vir a ser aquilatada por esse Venerando Tribunal, de acordo com os termos do nº. 3 do art. 80º da Lei nº. 28/82 e Ac. Tc, nº. 55/85, publicado no D.R. de
18 de Maio de 1985.
14º - De resto, mesmo que se entenda que a inconstitucionalidade daquele preceituado no contexto interpretativo não merece acolhimento.
15º - Sempre que o Tribunal, nos termos do art. 79º-A do mesmo diploma tem poderes de cognição para avaliar da inconformidade constitucional com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais diversos daqueles cuja violação acaba de ser invocada.
Nestes termos e nos demais de direito, os despachos do Exmo. Senhor Doutor Juiz Conselheiro Relator, ofenderam o disposto no nº. 5 do art. 75º-A da Lei 28/82 (por lapso escreveu-se 18/82), pelo que, levando em conta o que doutamente haja de ser suprido, deve dar-se provimento à presente reclamação, decidindo-se a suspensão dos autos até ao cumprimento da intimação requerida e admitir-se o recurso sobre a fiscalidade concreta da constitucionalidade da interpretação das normas dos arts. 21º do ETAF, 120º, al. c) do nº. 2 do art.
133º, ambos do CPA e arts. 265º, 712º, 730º, nº. 2 do CPC, atempadamente interposto.'
Cumpre decidir.
2 – Começa por se dizer que nada obsta, por razões de economia processual e por ser a mesma a formação do tribunal competente para apreciar a reclamação (artigos 78º-A nºs. 2 e 3 e 78º-B nº. 2 da Lei nº. 28/82), ao conhecimento, numa única decisão, da reclamação (também formalmente una) do despacho de fls. 124 e segs. e da decisão sumária de fls. 134 e segs.
3.1 – Requerida 'ao abrigo do artigo 85º da LPTAF', a 'suspensão dos trâmites processuais' do recurso de constitucionalidade interposto pelo ora reclamante escreveu-se no despacho de fls. 124 e segs.:
'Não é liquido, numa primeira leitura, o sentido do requerimento que se impõe apreciar.
Na verdade, na sua literalidade, o pedido reporta-se à suspensão da tramitação processual do presente recurso, o que equivaleria à suspensão da instância regulada nos termos dos artigos 276º e segs. do Código de Processo Civil (mais especificamente, atendendo à justificação, do pedido do artigo
279º).
Porém, é no artigo 85º da LPTA que o requerente assenta, legalmente, a sua pretensão, sendo claro que aquele preceito nada tem a ver com a suspensão da instância.
Com efeito, o artigo 85º da LPTA visa tão só a suspensão dos prazos para os meios administrativos ou contenciosos que o requerente pretenda usar.
Compreende-se a razão do preceito: visando o pedido de intimação para passagem de certidões a obtenção de elementos que permitam o uso de meios administrativos ou contenciosos e estando estes sujeitos a prazos é lógico que estes não corram desde o requerimento de intimação até ao trânsito em julgado da decisão que a defira ou indefira.
Mas, sendo assim, a norma não tem qualquer atinência ao caso pois o meio contencioso (recurso) foi efectivamente exercido (em 4/12/95) e seria o prazo para tal efeito que poderia ficar suspenso entre a data do requerimento de intimação e a sentença que a deferiu com a data de 3/10/97, ou seja cerca de dois anos depois de interposto o recurso contencioso.
Se, no entanto, nos desligarmos do fundamento normativo que o requerente expressamente aduz, ponderando apenas a razão circunstancial invocada para justificar a suspensão da instância nos termos do citado artigo 279º do CPC, melhor sucesso não terá o pedido.
Na verdade, o facto de ter sido deferido judicialmente o pedido de intimação para passagem de certidão onde se certifiquem as quantias despendidas pela Câmara como 'despesas emergentes da mesma situação' (derrube de um muro e recusa da sua reconstrução) e de se manter a recusa em passar a referida decisão dando lugar à instauração de um processo crime, não tem qualquer relevância para a decisão do presente recurso.
A questão que ora se discute é a de saber se o acórdão recorrido, decidindo que o despacho contenciosamente impugnado não reveste as características de acto administrativo recorrível, violou os artigos 133º nº. 2 alínea c) do CPA e 265º, 712º e 730º nº. 2 do CPC.
Ora, isto nada tem a ver, juridicamente, com as aludidas quantias ou com a recusa, eventualmente delituosa, de o Presidente da Câmara mandar passar a certidão que foi intimado a emitir.
Não há pois qualquer fundamento para, lançando mão do artigo 85º da LPTA ou do artigo 279º do CPC, se decretar a pretendida suspensão dos trâmites processuais do presente recurso, pelo que vai indeferido o requerimento de fls..'
Ora, a reclamação agora apresentada, em nada contradiz o decidido na
1ª parte do despacho reclamado; e, no que concerne à 2ª parte do mesmo despacho, melhor clarificada a justificação do pedido, mais se reforça o acerto do decidido, pois a questão alegada como causa da suspensão não tem qualquer atinência com o objecto do recurso de constitucionalidade.
3.2 – Sobre a reclamação da decisão sumária, entende o tribunal que ela não infirma o julgado.
Escreveu-se naquela decisão, tendo em conta as normas invocadas no requerimento de interposição do recurso, supostamente aplicadas nas decisões recorridas e que infringiriam a Constituição:
'A questão que, preliminarmente, se coloca é a de saber se o Supremo Tribunal Administrativo fez aplicação, como razão de decidir, das normas cuja inconstitucionalidade (numa suposta interpretação que lhes teria sido dada por aquele Tribunal) o recorrente argui, pois se tal não ocorreu está em falta um dos pressupostos de admissibilidade do recurso previsto no artigo 70º nº. 1 alínea b) da Lei nº. 28/82.
A resposta a uma tal questão oferece-nos com toda a clareza: o STA não fez aplicação das citadas normas.
Em primeiro lugar e no que concerne à norma do artigo 133º nº. 2 alínea c) do CPA é manifesto que em nenhum dos referidos acórdãos ela foi aplicada.
Na verdade não há neles qualquer pronúncia sobre a validade do acto contenciosamente impugnado (a norma em causa fulmina com nulidade os actos cujo objecto seja impossível, ininteligível ou constitua um crime); isto pela simples razão de a decisão de rejeição do recurso contencioso, como bem se explicita no acórdão de fls. 98 e segs., se ter fundado no facto de aquele acto não encerrar uma estatuição autoritária destinada a definir 'ex novo' uma situação jurídica concreta.
Em segundo lugar e no que respeita aos artigos 265º, 712º e 730º nº.
2 do CPC também se não divisa qualquer aplicação, explícita ou implícita, das normas ínsitas naqueles preceitos.
Tais normas – aliás, apenas invocadas pelo recorrente na reclamação do acórdão de fls. 78 e segs. por omissão de pronúncia – justificariam, na tese do recorrente, que o STA sindicasse a 'imprescindibilidade para uma boa decisão de mérito' das questões relacionadas com a ordem de demolição do aludido muro de vedação.
Simplesmente, o acórdão de fls. 98 e segs. que, como se disse, indeferiu a arguição de nulidade por ter entendido que a decisão do recurso jurisdicional apenas poderia incidir sobre a natureza do acto impugnado, afasta por esta mesma razão o conhecimento da aludida violação das citadas normas processuais ou da sua inconstitucionalidade – esse conhecimento estaria prejudicado pelo entendimento de que aquele acto não era susceptível de impugnação contenciosa.
A questão de constitucionalidade que uma tal decisão poderia envolver nunca se poderia reportar às referidas normas, sobre as quais – repete-se – não há qualquer pronúncia, mas eventualmente à norma, regra ou princípio que no acórdão de fls. 98 e segs. justificou o não conhecimento, no acórdão de fls. 78 e segs., das questões suscitadas na reclamação por nulidade com fundamento em omissão de pronúncia.
A decisão recorrida não se fundou, em suma, em nenhuma interpretação das normas dos artigos 265º, 712º e 730º nº. 2 do CPC que tivesse implicado a sua não aplicação ao caso, mas na delimitação dos poderes de cognição do tribunal de recurso atendendo ao que fora julgado no tribunal então recorrido e
à própria decisão de irrecorribilidade do acto contenciosamente impugnado que prejudicava o conhecimento de questões com o fim exclusivo de apurar o desvalor jurídico daquele mesmo acto.
Não se mostra, deste modo, preenchido um dos requisitos de admissibilidade do recurso previsto no artigo 70º nº. 1 alínea b) da Lei nº.
28/82 – ter constituído fundamento da decisão recorrida a norma (ou uma sua interpretação) cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional – razão por que se não pode conhecer do objecto do recurso.'
O não conhecimento do objecto do recurso teve, assim, como fundamento o facto de as normas arguidas de inconstitucionalidade não terem sido aplicadas nas decisões impugnadas.
Nada disto tem a ver com a preterição de requisitos formais do requerimento de interposição do recurso, situação que imporia o convite previsto no artigo 75º-A nºs. 5 e 6 da Lei nº. 28/82.
Por outro lado, não logra a reclamante convencer o Tribunal de que não tendo sido expressamente aplicadas os normativos indicados o foram de forma implícita.
4 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação confirmando-se o despacho e a decisão sumária reclamados.
Custas pelo reclamante fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs. Lisboa, 10 de Novembro de 1999- Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa