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Processo nº 364/99
3ª Secção/Plenário Rel. Cons. Tavares da Costa
(Cons. Messias Bento)
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I
1. - J..., na qualidade de dono e legítimo possuidor de três prédios urbanos, identificados nos autos, sitos na freguesia e concelho da Póvoa do Varzim, submeteu a apreciação e aprovação da respectiva Câmara Municipal um projecto de construção de um edifício com rés do chão e três andares, destinado a habitação, escritórios e comércio, a emergir na área de implantação daqueles imóveis, após demolição destes, sendo-lhe, em consequência, concedido alvará de licença de construção, condicionada ao prévio pagamento de uma taxa especial, referente à área total dos pisos, no valor de 671.210$00, de uma taxa especial, respeitante à demolição a efectuar, no valor de 44.640$00, e da taxa municipal de urbanização, no montante de 9.277.000$00, tudo ascendendo a 9.992.850$00.
O interessado recorreu contenciosamente do respectivo acto administrativo para o Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, defendendo que o mesmo padece de nulidade absoluta, por vícios de ilegalidade e de inconstitucionalidade.
Pormenorizando, o acto em causa seria absolutamente nulo por violação do disposto no nº 1 do artigo 68º do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, na redacção do Decreto-Lei nº 250/94, de 15 de Outubro, na alínea b) da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro, na alínea c) do nº 1 do artigo 88º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, e no artigo 133º, nºs. 1 e 2, alínea b), do Código de Procedimento Administrativo (CPA); seria ainda, absolutamente nulo por ser praticado a coberto de uma norma, a da alínea a) do artigo 3º do Regulamento Municipal da Taxa de Urbanização, norma ilegal, por violar o disposto nas alíneas a) e b) do artigo 11º daquela Lei nº 1/87 e no artigo 32º do Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de Novembro, na redacção do Decreto-Lei nº
302/94, de 11 de Dezembro – que seria alterado, por ratificação, pelo artigo 1º da Lei nº 26/96, de 1 de Agosto -, e as normas respeitantes ao lançamento de impostos, designadamente o artigo 1º, nº 1, da citada Lei nº 1/87, como decorre do preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 88º do Decreto-Lei nº 100/84 e o artigo 133º, alínea b), do CPA; e, finalmente, seria inconstitucional, por violar o disposto no nº 2 do artigo 106º e na alínea i) do nº 1 do artigo 168º da Constituição da República (CR).
O Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, por sentença de 25 de Janeiro de 1999 (1º Juízo), julgou a impugnação procedente porque provada e, em consequência, anulou a liquidação das taxas acima identificadas.
No que ora releva, a decisão proferida não aplicou o Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Póvoa do Varzim por o entender inconstitucional, formal e organicamente, considerando, respectivamente, o disposto nos artigos 115º, nº 7, e 168º, nº 1, alínea i), da CR – no texto oriundo da revisão constitucional levada a efeito pela Lei Constitucional nº
1/89, de 8 de Julho.
2.1. - O magistrado do Ministério Público competente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do assim decidido, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com fundamento (como posteriormente se explicitou) em inconstitucionalidade formal e orgânica, decorrente da violação dos artigos 115º, nº 7, 106º, nºs. 2 e 3, e
168º, alínea i) – aliás, 168º, nº 1, alínea i) - da Lei Fundamental, pelas normas constantes dos artigos 1º, 2º e 3º do indicado Regulamento, uma vez que se considerou que, para além de tal regulamento não indicar a respectiva lei habilitante, a «taxa de urbanização aí estabelecida a favor do município reveste a natureza de imposto, estando consequentemente subordinada aos imperativos da
'Constituição fiscal'.
2.2. - Neste Tribunal, apenas alegou a entidade recorrente, que formulou as seguintes conclusões:
'1º - Constando expressamente do preâmbulo ou introdução do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Póvoa do Varzim referência à lei habilitante, surgindo a edição de tal regulamento fundada na alínea a) do nº 2 do artigo 39º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, e na alínea a) do artigo 11º da Lei nº
1/87, de 6 de Janeiro, não ocorre a inconstitucionalidade formal de tal regulamento, por falta de menção ou indicação da respectiva lei habilitante.
2º - Como se decidiu no acórdão nº 639/95 do Plenário deste Tribunal Constitucional, é lícito às autarquias locais o estabelecimento e cobrança de taxas de urbanização, como contrapartida da efectiva realização de infra-estruturas urbanísticas que visem facultar aos munícipes a normal utilização das obras por eles realizadas, na sequência de anterior licenciamento.
3º - Tais receitas – independentemente do modo ‘presumido’ como são calculadas, com base em indícios estabelecidos em regulamento – têm natureza e estrutura sinalagmática, não se configurando como ‘impostos’, cujo estabelecimento está obviamente vedado às autarquias locais.
4º - A eventual não realização efectiva e pontual pela autarquia da contrapartida ou contraprestação que decorre do pagamento da referida taxa de urbanização, não a transmuta em imposto, apenas facultando ao particular a via da acção de incumprimento ou de restituição das quantias pagas.
5º - Termos em que deverá proceder o presente recurso.'
Juntou-se certidão do texto integral do Regulamento em causa, tal como foi publicitado no respectivo edital.
Apresentou-se projecto de acórdão que, submetido à intervenção do Plenário, nos termos do artigo 79º-A da Lei nº 28/82, não obteve vencimento, pelo que ocorreu mudança de relator.
Decidindo.
II
1. - O objecto do presente recurso de fiscalização concreta consiste na apreciação da constitucionalidade das normas dos artigos 1º, 2º e 3º do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Póvoa do Varzim, na versão em vigor na data da liquidação impugnada, do seguinte teor:
'Artigo 1º
(Conceito) Constitui Taxa Municipal de Urbanização, a seguir designada por Taxa de Urbanização, a compensação devida ao Município pela realização de infraestruturas urbanísticas na área do Concelho da Póvoa de Varzim. Artigo 2º
(Infraestruturas Urbanísticas) Consideram-se infraestruturas urbanísticas para efeito deste Regulamento: a) A execução de trabalhos de construção, ampliação ou de reparação da rede viária, nele se compreendendo, em especial, a abertura, alargamento, pavimentação e reparação de vias municipais, caminhos vicinais e arruamentos urbanos; b) A execução de trabalhos de urbanização inerentes a equipamentos urbanos, tais como parques de estacionamento, passeios, parques, espaços livres e arborizados e jardins; c) A construção e reparação de redes de drenagem de esgotos domésticos e de colectores pluviais, bem como de elementos depuradores; d) A construção, ampliação e reparação de redes de abastecimento domiciliário de
águas; e) A execução de trabalhos de construção e ampliação da rede eléctrica, quando os mesmos não sejam da responsabilidade da EN, bem como respeitantes à iluminação pública; f) A recolha e tratamento de lixo; g) Aquisição de terrenos para equipamentos. Artigo 3º
(Âmbito de Aplicação)
1. Estão sujeitos à Taxa de Urbanização, nos termos do presente Regulamento: a) As obras de construção ou ampliação de edifícios; b) As obras de reconstrução, quando determinem qualquer alteração estrutural do edifício primitivo e que não consista no simples cumprimento do RGEU e demais legislação aplicável.
2. A Taxa de Urbanização não substitui a cobrança de outros encargos de âmbito municipal, sujeitos a regime próprio, designadamente os referentes a taxas ou tarifas relacionadas com ligação à rede de esgotos e a sua conservação bem como de outros relativos a reembolsos com a execução de ramais de água e de saneamento.'
De acordo com estas normas, estão sujeitas à taxa de urbanização as obras de construção e ampliação de edifícios, bem como as de reconstrução, quando determinam qualquer alteração estrutural do edifício primitivo e que não consistam no simples incumprimento do RGEU e demais legislação aplicável. Essa taxa, de montante calculado nos termos do artigo 5º do Regulamento, é cobrada no momento da emissão do alvará de licença de construção, de acordo com o artigo 7º deste diploma.
Prevê-se a possibilidade do pagamento em prestações do montante da taxa, se este for superior a 2.500 contos (artigo 8º), havendo apenas lugar a cobrança adicional, se a construção exceder a área sobre a qual foi calculada a taxa, no caso de a construção se fazer em lote titulado por alvará de loteamento passado há pelo menos 5 anos, tendo-se cobrado, então, taxa de urbanização (artigo 4º).
2. - A questão de inconstitucionalidade formal
2.1. - Nos termos do nº 7 do artigo 115º da Constituição – na versão resultante da Revisão Constitucional de 1989, à qual corresponde hoje o nº 8 do artigo 112º - 'os regulamentos devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão'.
A norma constitucional exprime, assim, o princípio da precedência ou da primariedade da lei, que Gomes Canotilho considera um dos instrumentos utilizados pela Constituição 'para restringir o amplo grau de liberdade de conformação normativa da administração, pouco compatível com um Estado de direito democrático' (cfr. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 1ª edição, Coimbra, 1998, pág. 734).
A exigência de indicação da lei habilitante visa não só disciplinar o uso do poder regulamentar, obrigando o Governo e a Administração a controlarem, em cada caso, se podem ou não emitir determinado regulamento, mas também, como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira, a garantir 'a segurança e a transparência jurídicas, sobretudo relevantes à luz da principiologia do Estado de direito democrático' (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, Coimbra, 1993, pág. 516).
Este dever de citação deve ser observado por todos os regulamentos, sejam eles emanados do Governo, dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas ou – como é o caso – dos órgãos próprios das autarquias locais, pois de um ou de outro modo todos estão ligados à lei que necessariamente precede cada um deles, uma vez que inexiste poder regulamentar sem fundamento em lei anterior (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional nºs.
184/89 e 110/95, publicados, respectivamente, no Diário da República, I Série, de 9 de Março de 1989, e II Série, de 21 de Abril de 1995). O papel da lei precedente é que não é sempre o mesmo, como se observou, por seu lado, no acórdão nº 76/88, publicado na II Série daquele jornal oficial, de 21 de Abril de 1988: umas vezes a lei a referir é aquela que o diploma visa regulamentar – é o caso dos regulamentos de execução stricto sensu ou dos regulamentos complementares -, outras vezes a lei a indicar é a que define a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão (como é o caso dos chamados regulamentos independentes, onde o poder regulamentar se reveste de mais dilatada margem de conformação).
Colhe-se do exposto que a violação do dever de citação da lei habilitante gera o vício de inconstitucionalidade formal.
A menção do suporte habilitante, convocando a lei definidora da competência subjectiva e objectiva do regulamento, há-de ocorrer, para que não se frustre o seu próprio objectivo, no próprio texto do diploma ou, pelo menos, no entendimento de certa jurisprudência, no edital destinado a dar publicidade ao regulamento, como se ponderou no acórdão nº 1140/96, publicado no citado Diário, II Série, de 10 de Fevereiro de 1997.
2.2. - À luz das considerações expostas pode concluir-se inexistir o invocado vício de inconstitucionalidade.
Na verdade, o Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização editado pela Câmara Municipal da Póvoa do Varzim, na sua redacção originária, de 2 de Maio de 1990, contém, no respectivo preâmbulo, a menção da lei habilitante: a respectiva Assembleia Municipal editou-o 'nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 39º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, e da alínea a) do artigo 11º da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro' – sendo certo que o padrão de constitucionalidade a ter em conta, neste âmbito formal (como no orgânico) há-de ser o da versão da Constituição em vigor à data do diploma.
Entretanto, resulta do disposto na alínea a) do nº 11 da Lei nº 1/87 ser permitido aos municípios cobrar taxas pela realização de infra-estruturas urbanísticas e, bem assim, do artigo 39º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 100/84, competir às assembleias municipais aprovar posturas e regulamentos [e, de acordo com a alínea l) do mesmo preceito, estabelecer, nos termos da lei, taxas municipais e fixar os respectivos quantitativos].
Foi dada, assim, satisfação à exigência constitucional.
Com efeito, não só a menção da legislação habilitante consta do preâmbulo do Regulamento como a este texto foi dada publicidade mediante a afixação de editais, em 13 de Junho de 1990, 'nos lugares públicos do costume'. E se bem que tenham ocorrido alterações pontuais ao seu conteúdo, em
30 de Junho de 1993 e 3 de Maio de 1995, igualmente objecto de publicação edital, sem aquela menção, o certo é que as referidas alterações integraram-se no texto do Regulamento, mantendo-se o teor preambular, onde reside a indicação da normação habilitante.
3. - A questão de inconstitucionalidade orgânica
3.1. - As autarquias locais gozam de autonomia financeira, o que lhes permite, de acordo com o regime que a lei ordinária fixar, obter receitas próprias, como as provenientes da gestão do seu património e as cobradas pela utilização dos seus serviços (cfr. os nºs. 1, 2 e 3 do artigo 240º do texto constitucional então em vigor, a que correspondem hoje os nºs. 1, 2 e 3 do artigo 238º).
Assim, compete à assembleia municipal, 'sob proposta
[...] da câmara', estabelecer, 'nos termos da lei, taxas municipais e fixar os respectivos quantitativos', inserindo-se na competência dos municípios a cobrança de taxas pela realização de infra-estruturas urbanísticas, como dispunham a alínea l) do nº 2 do artigo 39º do citado Decreto-Lei nº 100/84, respeitante às atribuições das autarquias locais e competência dos respectivos
órgãos – diploma hoje substituído pela Lei nº 169/99, de 18 de Setembro, mas em vigor à data da emissão do Regulamento em apreço – e, bem assim, a alínea a) do artigo 11º da Lei nº 1/87, posteriormente revogada pela Lei nº 42/98, de 6 de Agosto.
A essa data, como, aliás, actualmente, não podiam as autarquias criar impostos, dado constituir reserva parlamentar a criação destes e a definição dos seus elementos essenciais [cfr. os artigos 106º, nº 2, e 168º, nº 1, alínea i), da CR, na versão então vigente].
Deste modo, determinar a natureza da taxa de urbanização em causa prende-se com a subjacente questão de constitucionalidade orgânica, não constituindo tarefa fácil a delimitação, no plano conceptual, de taxa, distinguindo-a de realidade tributária diferente, como seja um imposto – dando-se aqui, por assente que as chamadas categorias de 'contribuições' ou tributos especiais, podem, para os concretos efeitos de qualificação jurídico-tributária, equivaler-se a impostos (assim, António Braz Teixeira, Princípios de Direito Fiscal, vol. I, 3ª edição, Coimbra, 1985, pág. 47).
Essa tarefa, de resto, revela-se tão menos fácil quanto mais se assiste a uma crescente complexificação das prestações económicas e das subjacentes relações sociais, diluentes de contornos conceptuais seguros.
Não obstante, no âmbito do artigo 168º da CR e face à alínea i) do seu nº 1, torna-se indispensável essa delimitação – sem prejuízo de o regime geral das taxas integrar a reserva relativa da Assembleia da República, após a última revisão constitucional, assim se reforçando a interacção parlamentar nessa área, com natural implicação no respectivo protagonismo político (de qualquer modo, a nova medida da reserva de lei, mesmo que confinada ao nível menos exigente do regime geral, não afecta as situações já anteriormente criadas, apenas valendo para futuro).
Ora, o Tribunal Constitucional, face aos parâmetros da reserva de lei anteriores à Quarta Revisão Constitucional, sempre sustentou o entendimento de nela só terem lugar a criação de impostos e a determinação da sua incidência, taxas, benefícios fiscais e garantias dos contribuintes. Citem-se a este propósito e a título meramente exemplificativo, os acórdãos nºs.
205/87, 461/87, 497/89, 268/97 e 504/98, publicados no Diário da República, I Série, de 3 de Julho de 1987 e 15 de Janeiro de 1988, e II Série, de 1 de Fevereiro de 1990, 22 de Maio de 1997 e 10 de Dezembro de 1998, respectivamente.
3.2. - O Tribunal Constitucional, ao distinguir o imposto da taxa, tem surpreendido unilateralidade naquele e, nesta, carácter bilateral ou sinalagmático (assim, v.g., nos acórdãos nºs. 348/86, 76/88, 1140/96 ou 558/98, publicados no Diário citado, I Série, de 9 de Janeiro de 1987 e de 21 de Abril de 1988, e II Série, de 10 de Fevereiro de 1997 e 11 de Novembro de 1998, respectivamente).
No entanto, e recorrendo às características doutrinariamente assinaladas na figura da taxa, como sejam a sinalagmaticidade e a correspectividade das prestações, também já se observou, no acórdão nº 1108/96
– publicado no citado jornal oficial, II Série, de 20 de Dezembro de 1996 – não serem estas invocáveis como critérios com o mero objectivo de subsunção conceptual quando está em causa um juízo de constitucionalidade.
De acordo com o então ponderado – que aqui se segue de perto – independentemente da resposta da doutrina fiscal, o arquétipo do raciocínio jurídico naquele plano de constitucionalidade deverá ser, no essencial, uma distinção funcional, determinada pelos fundamentos e objectivos constitucionais da reserva de lei.
A subordinação do imposto à reserva de lei exprime
(sempre nesse plano) a exigência de um controlo democrático que tem a ver com o respeito da igualdade e da justiça tributárias, aferidas em função da capacidade contributiva de cada cidadão. Já a taxa se insere numa outra lógica, não necessariamente justificada pelo exacto custo da prestação ou do benefício, se bem que 'juridicamente estruturada através da sinalagmaticidade e correspectividade da prestação, tendo como causa uma prestação de que é beneficiário o cidadão vinculado ao seu pagamento'.
Assim, para a função da taxa pode ser menos relevante o custo e, por exemplo, mais relevante a contenção da utilização de um serviço – o que significa (e a jurisprudência constitucional tem-se comprometido nesse sentido) que o carácter sinalagmático da taxa não exige a correspondência do seu montante ao custo do bem ou serviço prestado: a bilateralidade que a caracteriza mantém-se, mesmo na parte excedente ao custo (cfr., v. g., o acórdão nº 205/87, publicado no Diário da República, I Série, de 3 de Julho de 1987); não é, por si só, de qualificar a taxa como imposto, ou de lhe conceder tratamento constitucional de imposto, se o respectivo montante exceder o custo dos bens e serviços prestados ao utente (cfr., v.g., o acórdão nº 640/95, publicado naquele jornal oficial, II Série, de 20 de Janeiro de 1996).
Já se o valor da taxa for manifestamente desproporcionado, 'completamente alheio ao custo do serviço prestado', então pode duvidar-se se a taxa não há-de ser encarada de um ponto de vista jurídico-constitucional, como verdadeiro imposto (citado acórdão nº 640/95), porque desse modo, e nessa medida, se afectaria a correspectividade. Assim, a desproporcionalidade, desvirtuante da correspectividade, lesaria o critério legitimante da taxa, enquanto a adequação à capacidade contributiva é característica do imposto (cfr. acórdão nº 1108/96).
Ou seja – e para acompanhar mais uma vez este último aresto – '[a] base funcional da distinção entre taxa e imposto não impõe [...] uma sinalagmaticidade pré-jurídica, mas sim uma sinalagmaticidade construída juridicamente e um sentido de correspectividade susceptível de ser entendido e aceite como tal pelos cidadãos atingidos'.
4.1. - Segundo consta da introdução ao Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização do concelho da Póvoa do Varzim, a criação desse tributo tornou possível que a construção individual concorresse, também, para os custos da urbanização. De outro modo a Câmara, sem recursos que lhe permitissem custear as obras de urbanização, não as poderia levar a termo, nomeadamente tendo em conta uma 'intensa pressão de construção, sobretudo em zonas situadas fora dos principais aglomerados'.
A melhoria da rede viária e dos transportes, do saneamento, dos equipamentos e arranjos dos espaços públicos exige 'que cada nova construção ou cada aumento de área construída em prédios existentes comparticipe de forma significativa nos encargos gerais de urbanização do concelho'.
Nesta linha, diz-nos o artigo 2º do Regulamento o que se deve entender, para os seus efeitos, por infraestruturas urbanísticas: a) a execução de trabalhos de construção, ampliação ou de reparação da rede viária, nela se compreendendo, em especial, a abertura, alargamento, pavimentação e reparação de vias municipais, caminhos vicinais e arruamentos urbanos; b) a execução de trabalhos de urbanização inerentes a equipamentos urbanos, tais como parques de estacionamento, passeios, parques, espaços livres e arborizados e jardins; c) a construção e reparação de redes de drenagem de esgotos domésticos e de colectores pluviais, bem como de elementos depuradores; d) a construção, ampliação e reparação de redes de abastecimento domiciliário de águas; e) a execução de trabalhos de construção e ampliação da rede eléctrica, quando os mesmos não sejam da responsabilidade da EDP, bem como respeitantes à iluminação pública; f) a recolha e tratamento de lixo; g) aquisição de terrenos para equipamentos.
Colhe-se deste enunciado que o serviço prestado pela autarquia está conexionado com o pagamento do tributo e encerra a ideia de contraprestação específica. Que assim é, corrobora o artigo 4º do diploma –
'regime especial dos loteamentos' – que não sujeita a essa taxa as obras de construção a realizar nos loteamentos urbanos com infraestruturas a cargo do loteador, quando a licença tenha sido titulada por alvará de loteamento passado há menos de cinco anos e tramitado de acordo com o § único do artigo 5º do mesmo texto (nº1 do preceito), ao passo que no caso de construção sita em lote onde tenha sido cobrada essa taxa e não se encontre esgotado aquele prazo, apenas haverá lugar a cobrança adicional se a construção exceder a área sobre a qual foi a taxa calculada (nº 2).
Encontram-se, assim, por um lado, especificadas as situações susceptíveis de originarem a cobrança da taxa, individualizando-se, inclusivamente, as operações em que são percebidas pelos particulares as utilidades inerentes às infraestruturas urbanísticas. São as mesmas expressão da iniciativa autárquica na realização daquelas infraestruturas e na execução dos equipamentos públicos necessários à utilização colectiva dos munícipes.
4.2. - O objectivo da taxa municipal de urbanização em análise não traduz, por conseguinte, uma mera afectação financeira das receitas provenientes da sua cobrança, mas a compensação das despesas efectuadas, ou a efectuar, pela autarquia, directa ou indirectamente causadas pelas obras sobre que incide esse tributo. Se essas obras determinam a necessidade, actual ou futura, da realização de infraestruturas urbanísticas, estas constituem a contraprestação da autarquia, 'o serviço prestado pela autarquia conexionado com o pagamento da taxa', como refere o acórdão nº 357/99, publicado no Diário da República, II Série, de 2 de Março de 2000.
Assim sucede quando os particulares retiram benefícios da utilização dos equipamentos públicos disponibilizados pelas autarquias, inseridos na actividade pública de prestação de serviços destas últimas, sem que, no entanto, seja indispensável correspondência económica absoluta entre as prestações do ente público e do utente, nem contemporaneidade entre a cobrança do tributo e a fruição da vantagem ou benefício – que, de resto, pode até nem ocorrer.
4.3. - Na verdade, o carácter sinalagmático do nexo entre o pagamento desse tributo e a prestação da actividade pelo ente público não é descaracterizado se não existir equivalência económica, bastando, essencialmente, a correspondência jurídica. Até porque, como observa Alberto Xavier, do ponto de vista económico só casualmente se verifica equivalência precisa entre prestação e contraprestação, entre o quantitativo da taxa e o custo da actividade pública ou o benefício auferido pelo particular (cfr. Manual de Direito Fiscal, Lisboa, 1974, I, págs. 43/44).
Não é que a função perequativa dos benefícios e encargos possa ser descurada na taxa, de modo a estabelecer-se a garantia de uma relação proporcionada entre o seu montante, o fim proposto e os meios utilizados na realização da contraprestação [assim se dirá que, contrariamente aos impostos, a que não correspondem quaisquer contraprestações específicas, as taxas suportam os testes da proporcionalidade relativamente a estas: cfr. José Casalta Nabais, Contratos Fiscais (Reflexões acerca da sua admissibilidade), Coimbra, 1994, pág.
238]. Por outro lado, a natureza fundamentalmente colectiva inerente à utilização dos equipamentos urbanísticos não prejudica a existência de uma contraprestação directa e específica à prestação do particular, apesar de não ser forçoso que a utilidade proporcionada pelo serviço utilizado reverta, exclusivamente, em benefício de quem pagar a taxa. O que se exige – e lhe retira a unilateralidade típica do imposto – é que ocorram vantagens ou utilidades correspectivas, de modo que os munícipes tenham a possibilidade jurídica de exigir a realização, em prazo razoável, das infra-estruturas urbanísticas, para além de poderem utilizar os equipamentos públicos que a autarquia disponibiliza. Ou seja, como se afirma no acórdão nº 357/99, já citado, a circunstância das obras de infra-estruturas urbanísticas 'poderem gerar utilidade para a generalidade da população não contende com o facto de elas serem efectuadas no interesse do onerado (cfr. Parecer da Procuradoria-Geral da República nº 59/86, publicado no Diário da República, II Série, de 15 de Abril de 1987) que delas retira, ou pode retirar, uma utilidade própria (o serviço prestado é, nesta dimensão, específico e divisível)'.
De resto, como escreveu Teixeira Ribeiro, a exigência das taxas está exclusivamente relacionada com a utilização dos bens, mas as conveniências da cobrança fazem com que elas sejam devidas pela simples possibilidade dessa utilização (cfr. 'Noção Jurídica de Taxa', in – Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 117, pág. 243).
4.4. - A realização de infra-estruturas urbanísticas ocorre, por via de regra, na fase das operações de loteamento, nomeadamente quando os municípios assumem uma função de estímulo à iniciativa de urbanização e de construção (proporcionando a abertura de arruamentos, construindo infra-estruturas de abastecimento de água e de saneamento, por exemplo). O que se compreende: o loteamento urbano constitui um instrumento típico de transformação urbanística do solo, fazendo-se acompanhar, como tal, e normalmente, das operações materiais necessárias e implícitas à iniciativa.
No entanto, o apontado nexo de conexão justificativo da taxa não tem de funcionar sincronicamente – designadamente quando, como é o concreto caso, se está perante uma operação de reconstrução ou ampliação de edifícios, e, como parece suceder no concelho em causa, a ajuizar pelo pequeno exórdio do Regulamento, quando a pressão da iniciativa privada da construção se depara com as dificuldades financeiras municipais para custear as respectivas obras de urbanização.
Digamos que ainda aqui funciona a lógica de interacção em que a taxa se insere (e a que o acórdão nº 1108/96 alude), bastando-se com a sinalagmaticidade construída juridicamente, já anteriormente mencionada.
Não se surpreende, assim, vício de inconstitucionalidade orgânica no Regulamento em apreço.
III
Em face do exposto, decide-se:
a) não julgar inconstitucional, por violação do disposto no nº 7 do artigo 115º da Constituição da República – na versão resultante da Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho -, o Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Câmara Municipal da Póvoa do Varzim, aprovado em 2 de Maio de
1990 e alterado em 30 de Junho de 1993 e em 3 de Maio de 1995;
b) não julgar inconstitucional, por violação do disposto nos nºs. 2 e 3 do artigo 106º e alínea i) do nº 1 do artigo 168º da Constituição da República – na mesma versão -, as normas constantes dos artigos 1º, 2º e 3º do mesmo Regulamento;
c) consequentemente, conceder provimento ao recurso, devendo a sentença recorrida ser reformulada em consonância com o presente juízo de constitucionalidade. Lisboa, 3 de Outubro de 2000 Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma José de Sousa e Brito Maria Helena Brito Artur Maurício Bravo Serra Messias Bento (vencido quanto à alínea b) da decisão , pelos fundamentos da declaração de voto que junto) DECLARAÇÃO DE VOTO:
Votei no sentido de que as normas constantes dos artigos 1º, 2º e 3º do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Póvoa de Varzim padecem de inconstitucionalidade orgânica. As razões deste meu entendimento são as que se seguem:
1. As autarquias locais gozam de autonomia financeira, nos termos da lei (cf. artigo 240º, nºs 1 e 2, da Constituição na versão de 1989, correspondente, hoje, ao artigo 238º, nºs 1 e 2). Dispõem, por isso, de receitas próprias, que compreendem o produto das taxas cobradas pela utilização dos seus serviços (cf. o nº 3 do mesmo artigo 240º). Essas taxas (e os respectivos montantes), no que concerne aos municípios, são estabelecidos, nos termos da lei, pela respectiva assembleia municipal [cf. o artigo 39º, nº 2, alínea l), do Decreto-Lei nº
100/84, de 29 de Março (Atribuições das autarquias locais e competência dos respectivos órgãos), que era o diploma legal em vigor à data da emissão do Regulamento aqui em apreciação, mas que foi, entretanto, substituído pela Lei nº
169/99, de 18 de Setembro], sob proposta da câmara municipal [cf. o artigo 51º, nº 3, alínea a), do mesmo decreto-lei]. Nas taxas municipais inclui-se a taxa por realização de infra-estruturas urbanísticas [cf. o artigo 11º, alínea a), da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro (Lei das Finanças Locais), entretanto substituída pela Lei nº 42/98, de 29 de Março] e as taxas pela concessão de licenças de loteamento, de execução de obras particulares, de ocupação da via pública por motivo de obras e de utilização de edifícios [cf. a alínea b) do mesmo artigo
11º]. As autarquias locais não podem, porém, criar impostos, uma vez que a criação destes e a definição dos seus elementos essenciais constitui reserva de lei parlamentar [cf. os artigos 106º, nº 2, e 168º, nº 1, alínea i), da Constituição, na versão de 1989].
Interessa, então, saber se o tributo criado pelas normas sub iudicio constitui uma taxa ou um imposto – ou, pelo menos, se a sua criação constitui reserva de lei parlamentar.
Ora, o que distingue a taxa do imposto é o carácter bilateral daquela e a natureza unilateral deste: o imposto é, com efeito, toda a 'prestação pecuniária, coactiva e unilateral, sem o carácter de sanção, exigida pelo Estado ou por outros entes públicos' [cf. JOSÉ MANUEL CARDOSO DA COSTA (Curso de Direito Fiscal, Coimbra, 1979, página 4); a taxa, essa tem carácter sinalagmático, sendo a prestação, a pagar pelo particular, como contrapartida de uma 'actividade do Estado, especialmente dirigida ao respectivo obrigado' (cf. ob. cit., página 11). A taxa – diz TEIXEIRA RIBEIRO (Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 117º, página 289 e seguintes) – 'pode ser alternativamente definida ou como a quantia coactivamente paga pela utilização individualizada de bens semi-públicos, ou como o preço autoritariamente fixado de tal utilização'. Quando, como sucede com a licença de construção, a actividade do Estado (ou de outro ente público) pela qual se exige ao particular o pagamento de certa quantia se traduz na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares, só se está perante uma taxa, se essa remoção possibilitar 'a utilização de um bem semi-público'; se a remoção do limite jurídico à actividade dos particulares se não traduzir na utilização individualizada ou efectiva de um bem semi-público, estar-se-á perante um imposto (cf. TEIXEIRA RIBEIRO, Revista citada, página 292); ou, noutro entendimento, perante a figura das contribuições especiais, as quais, quer sejam contribuições de melhoria, quer sejam contribuições para maiores despesas, devem ser tratadas como os impostos, para o efeito de valer para a sua criação a exigência constitucional da reserva de lei parlamentar [cf., neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos nºs 227/86,
313/92, 558/98 e 1140/96 (publicados no Diário da República, II série, de 17 de Dezembro de 1986, 18 de Fevereiro de 1993, 11 de Novembro de 1998 e 10 de Fevereiro de 1997, respectivamente)]. Nos dizeres de JOSÉ CASALTA NABAIS ('O Quadro Jurídico das Finanças Locais em Portugal', in Fisco, nº 82/83, Setembro/Outubro 97, ano IX, página 15), as taxas devidas por licenças 'são naturalmente apenas as devidas por verdadeiras licenças – actos administrativos que removem um limite ou obstáculo jurídico à actividade dos particulares -, e não as devidas pelas chamadas 'licenças fiscais'. É que estas, tendo por base a colocação dum obstáculo à actividade dos particulares sem qualquer suporte no interesse público geral e com o único objectivo de possibilitar à administração, ao removê-lo, cobrar uma receita, configuram-se como verdadeiros impostos'.
2. Pois bem: as normas sub iudicio respeitam à criação de um tributo que não constitui uma taxa. Designadamente, não constitui a taxa pela realização de infraestruturas urbanísticas, que os municípios estavam autorizados, nalguns casos, a cobrar simultaneamente com a concessão do alvará de licença de construção, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 11º, alínea a), da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro, e 39º, nº 2, alínea l), do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março.
Na verdade, a taxa pela realização de infra-estruturas urbanísticas, a que se refere o mencionado artigo 11º, alínea a), da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro, só a podem os municípios cobrar no momento em que licenciam obras particulares, se, nessa fase, tiverem, efectivamente, realizado infra-estruturas urbanísticas.
É que, as infra-estruturas urbanísticas realizam-se, normalmente, na fase das operações de loteamento. Por isso, o artigo 32º, nºs 1 e 3, do Decreto-Lei nº
448/91, de 29 de Novembro (Licenciamento de operações de loteamento e das obras de urbanização) sujeita 'a realização de infra-estruturas urbanísticas e a concessão do licenciamento da operação de loteamento' ao pagamento das taxas a que se referem as alíneas a) e b) do citado artigo 11º; e o artigo 68º, nº 1, do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Dezembro (Licenciamento municipal de obras particulares) preceitua que a emissão de alvará de licença de construção (e de utilização) está sujeita ao pagamento das taxas da alínea b) do mesmo artigo 11º
(taxa pelo licenciamento de obras, pela ocupação da via pública por motivo de obras e pela utilização de edifícios). Pode, no entanto, acontecer que as operações de construção, reconstrução ou ampliação de edifícios acompanhem a realização de infra-estruturas. Se tal suceder, o município, ao licenciar as obras, pode cobrar também a taxa prevista na alínea a) do referido artigo 11º (ou seja: a taxa pela realização de infra-estruturas urbanísticas). Isto mesmo sublinhou este Tribunal no acórdão nº 639/95 (tirado em Plenário e publicado no Diário da República, II série, de 19 de Março de 1996): depois de dizer que 'não está vedada aos municípios, sendo caso disso, a cobrança de taxas pela realização de infra-estruturas urbanísticas no processo de licenciamento de obras particulares', acrescentou que 'se é certo serem tais infra-estruturas mais correntes e mesmo necessárias nas operações de loteamento', 'a verdade é que podem também acompanhar as operações de construção, reconstrução ou ampliação de edifícios, o que se prende com o licenciamento de obras particulares'. E, a seguir, insistiu:
É o que, no fundo, sustenta o Primeiro-Ministro na sua resposta, quando diz:
- É que do artigo 68º do Decreto-Lei nº 448/91, de 20 de Novembro, não resulta qualquer impossibilidade de os municípios cobrarem taxas referidas na alínea a) do artigo 11º da Lei nº 1/87.
- Na verdade, estamos perante duas situações diferentes, que podem gerar a cobrança de dois tipos de receitas também diferentes: a emissão da alvará de licença de construção e de utilização [alínea b) do artigo 11º da Lei nº 1/87] e a realização de infra-estruturas urbanísticas [alínea a) do artigo 11º da Lei nº
1/87].
- Em certas situações, não há lugar a infra-estruturas urbanísticas – logo, não há lugar ao pagamento da taxa prevista na alínea a) do artigo 11º da Lei nº
1/87. Mas se, simultaneamente com a concessão de alvará de licença de construção, tiver havido realização de infra-estruturas urbanísticas, há lugar à taxa prevista na alínea a) do artigo 11º da Lei nº 1/87.
- Por outras palavras: o que o artigo 68º do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, proíbe é que pela emissão de alvará de licença de construção possa haver lugar à cobrança de outra taxa, que não a prevista na alínea b) do artigo
11º da Lei nº 1/87.
- Mas do artigo 68º do Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de Novembro, não resulta nenhuma proibição à cobrança de outra taxa, resultante de outro facto que não a licença de construção.
Mais adiante, o aresto em causa, depois de acentuar que o questionado artigo 68º
'não briga com um primeiro momento de exigência de taxas – as previstas na alínea a) do artigo 11º da Lei nº 1/87 e devidas quando há lugar a elas, face à tal realização de infra-estruturas', acrescentou: Sendo isto assim, é compatível o regime do artigo 68º do Decreto-Lei nº 445/91, relativamente à emissão de alvarás de licença de construção e de utilização, abrigando-se na alínea b) do artigo 11º da Lei nº 1/87, com a faculdade prevista na alínea a) do mesmo artigo 11º, no que toca à exigência de taxas pela realização de infra-estruturas urbanísticas, se for caso disso [...].
A denominada taxa de urbanização, cobrada ao abrigo dos artigos 1º, 2º e 3º do Regulamento aqui sub iudicio, também não tem qualquer similitude com a taxa que a EPAL está autorizada a cobrar, ao abrigo de várias portarias, cuja constitucionalidade foi apreciada por este Tribunal no acórdão nº 1108/96, publicado no Diário da República, II série, de 20 de Dezembro, e referido no texto do aresto a que esta declaração vai anexa. Aí, com efeito, estava em causa um adicional que, sendo cobrado, no concelho de Lisboa, dos consumidores de água, em função do número de metros cúbicos consumidos por cada um deles, ainda é correspectivo dos encargos originados pelo tratamento e distribuição de água: é que, quem mais água consome, mais encargos ocasiona em matéria do seu tratamento e distribuição. Por isso, cobrar um adicional sobre o preço de cada metro cúbico de água consumida é, no fundo, o mesmo que aumentar o preço desse metro cúbico, em percentagem igual ao adicional. Significa isto que as normas apreciadas nesse acórdão nº 1108/96, se alguma similitude têm, não é com as que aqui estão sub iudicio, mas sim com a norma do artigo 13º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/91, de 30 de Outubro, que prevê que, à taxa de justiça aplicada a cada condenado em processo crime, acresça 1%. Também neste último caso, o Tribunal entendeu estar-se em presença de uma taxa, justamente por se tratar de uma receita fiscal sem qualquer autonomia em relação
à taxa de justiça da condenação, sendo, por isso, um puro adicional ou agravamento dessa mesma taxa de justiça [cf., entre outros, o acórdão nº 382/94
(publicado no Diário da República, II série, de 8 de Setembro de 1994)].
Repete-se: a taxa de urbanização, cobrada pela concessão do alvará da licença de construção, não constitui uma taxa, pois que lhe falta o carácter sinalagmático. O município, de facto, cobra a 'taxa, mas não assume a obrigação de qualquer contraprestação específica. O dever de realizar infra-estruturas urbanísticas é um dever geral decorrente da lei [cf., designadamente, o artigo 64º, nº 2, alínea f), da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro]. O Regulamento aqui em causa não o impõe como contrapartida da quantia cobrada. De resto, no caso, nenhuma infraestrutura urbanística foi realizada na sequência da construção do prédio licenciado. Tal 'taxa' assemelha-se, isso sim, ao tributo que o artigo 12º do Regulamento do Plano Geral de Urbanização da Cidade de Lisboa (aprovado pela Portaria nº 247/77, de 19 de Maio), previa, para ser pago pelos construtores que a câmara dispensasse de reservar uma área útil de 12,5 m2 por fogo para estacionamento – norma que este Tribunal declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo acórdão nº 236/94 (publicado no Diário da República, I-A série, de 7 de Maio de 1994). E assemelha-se, bem assim, à 'taxa de publicidade' prevista pelo artigo 62º do Regulamento e Tabela de Taxas Municipais da Câmara Municipal de Guimarães (conjugado com o artigo 13º das Observações aos artigos
57º a 64º do mesmo Regulamento), que este Tribunal julgou inconstitucional no acórdão nº 558/98, atrás citado.
A construção de um novo prédio vai, decerto, conduzir a uma maior utilização das infra-estruturas urbanísticas existentes, mas o pagamento da taxa de urbanização não constitui o município na obrigação de as renovar ou ampliar.
Conclui-se, assim, que as normas constantes dos artigos 1º, 2º e 3º do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Póvoa de Varzim, na versão aqui sub iudicio, são inconstitucionais, por violação dos artigos 106º, nº 2, e 168º, nº 1, alínea i), da Constituição, na versão de 1989: elas criam, de facto, um tributo que só uma lei parlamentar ou um decreto-lei parlamentarmente autorizado podiam ter criado.
3. O Ministério Público, depois de dar como assente o carácter sinalagmático da taxa de urbanização em causa, acrescenta que 'a eventual não realização efectiva e pontual pela autarquia da contrapartida ou contraprestação que decorre do pagamento da referida taxa de urbanização, não a transmuta em imposto, apenas facultando ao particular a via da acção de incumprimento ou restituição das quantias pagas'.
O Ministério Público não tem, porém, razão.
De facto, já se viu que a referida taxa de urbanização não tem natureza, nem estrutura sinalagmática, pois o respectivo montante não é contraprestação ou contrapartida de nada. Acresce que, na referida tese, se, acaso, não houver necessidade de realizar infra-estruturas urbanísticas, a cobrança da taxa é um absurdo, pois o município vai cobrar um tributo, cujo montante tem, a seguir, que restituir. E, se houver necessidade de realizar essas infra-estruturas, há-de convir-se que é irrazoável e excessivo obrigar o particular a pagar a taxa e impor-lhe o ónus de propor acção de cumprimento para forçar o município a cumprir.
4. O acórdão nº 357/99 (publicado no Diário da República, II série, de 2 de Março de 2000), concluiu igualmente que a taxa municipal de urbanização cobrada com o alvará de licença de construção é uma verdadeira taxa. Para tanto, sublinhou que, determinando as obras de construção, reconstrução ou ampliação de edificações 'a necessidade, actual ou futura, de realização de infra-estruturas urbanísticas', 'elas constituem, afinal, a contraprestação da autarquia, o serviço prestado pela autarquia conexionado com o pagamento da taxa'. Acrescentou que esse nexo é mais nítido, quando se tenham em conta certas disposições do Regulamento (no caso, do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização de Amarante), que procedem a uma 'delimitação negativa da incidência da taxa' – delimitação que – diz – 'revela, claramente, que o tributo visa corresponder a serviços prestados, ou a prestar, pela autarquia, numa conexão directa com as obras realizadas'.
O 'traço essencial do conceito de taxa', para este aresto, não é já – tal como o leio - a natureza ou estrutura sinalagmática da relação que intercede entre o serviço prestado pela autarquia e o utente, mas antes (nas palavras de ANÍBAL ALMEIDA, que o acórdão transcreve) a necessidade de 'existência de uma conexão concreta entre os serviços ou bens materiais (ou o conjunto e uns e outros) em que se venha a traduzir, concretamente, cada serviço público pensado em abstracto e os utentes a quem ele é prestado, em todo o caso, a cuja produção tenham dado causa [...]'.
É esta uma concepção de taxa que, em meu entender, é diferente daquela que este Tribunal tem adoptado e que não vejo razão para abandonar.
Vale isto por dizer que a argumentação do acórdão nº 357/99 também não é de molde a abalar a conclusão a que cheguei atrás: a da inconstitucionalidade orgânica das normas aqui sub iudicio. Messias Bento Guilherme da Fonseca (vencido, conforme declaração de voto do Exmº Consº Messias Bento) Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (vencida quanto à alínea b), nos termos da declaração junta) Voto de vencida Votei vencida quanto à questão da inconstitucionalidade orgânica, no essencial, pelas seguintes razões: Não creio que seja possível proceder à apreciação da conformidade constitucional das normas que integram o objecto do presente recurso em bloco, ou seja, sem distinguir – e refiro-me agora, apenas, ao artigo 2º, que é o que aqui releva –, de entre a lista das 'infraestruturas', aquelas que podem ser 'pagas' através do tributo exigido pela Câmara, porque correspondem a contraprestações susceptíveis de gerarem a obrigação de pagar a taxa correspondente, daquelas que, não revestindo essa característica, são insusceptíveis de a criarem. Ou seja: em meu entender, é impossível qualificar como taxa ou como imposto (ou como tributo que, não sendo verdadeiramente imposto, deva seguir o seu regime constitucional) um pagamento exigido a um destinatário sem averiguar o que está esse destinatário obrigado a pagar; e se o pagamento se justifica como
'contrapartida' de diferentes 'contraprestações', há que averiguar se todas elas revestem efectivamente a natureza de contraprestações dotadas das características que em geral se exigem para que seja admissível o seu pagamento através de uma taxa. Ora a verdade é que nem todas as infraestruturas apresentadas no Regulamento como contrapartida da 'taxa' exigida se apresentam como a contrapartida de um serviço desenvolvido pela autarquia que tenha em especial como destinatário o obrigado. Com efeito, se pode encontrar-se o sinalagma característico da taxa nas alíneas c), d), 1ª parte da alínea e) e f), já o mesmo se não pode dizer das restantes alíneas do artigo 2º do Regulamento; nessa parte, ocorre o vício da inconstitucionalidade orgânica. Não é questionado, neste recurso, o critério de cálculo da taxa a pagar, definido no artigo 5º do Regulamento, razão pela qual me abstenho de o apreciar
– o que até poderia ser relevante para a qualificação do tributo aqui em análise. Votaria, pois, pela inconstitucionalidade orgânica parcial da norma que se extrai do artigo 2º do Regulamento, acolhendo o critério adoptado em caso semelhante a este pelo acórdão nº 76/88 (Acórdãos do Tribunal Constitucional,
11º vol., pág. 331 e segs.), mas divergindo, todavia, quanto à impossibilidade de segmentar a norma – impossibilidade, aliás, que, no referido acórdão, conduziu a um juízo de inconstitucionalidade em toda a sua extensão. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Vítor Nunes de Almeida (vencido, quanto à alínea b) , conforme declaração de voto que junto)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não pude subscrever o acórdão que, no caso, decidiu pela conformidade constitucional da taxa de urbanização a que os autos respeitam.
Com efeito, embora tenha subscrito o Acórdão nº 357/99
(Procº nº 1005/98), considero que as circunstâncias do caso impõem uma solução diferente da alcançada naquele aresto, tal como se concluía no projecto apresentado nestes autos pelo relator inicial.
De acordo com os artigos 1º, 2º e 3º do regulamento da taxa municipal de urbanização da Câmara da Póvoa de Varzim, tal taxa constitui a compensação devida ao referido Município pela realização de infraestruturas urbanísticas na área do respectivo concelho, especificando o artigo 2º o que, nos termos do referido regulamento, se considera «infraestrutura urbanística». Nos termos do mencionado regulamento, a taxa é devida pelas obras de construção ou ampliação de edifícios, pelas obras de reconstrução quando determinem qualquer alteração estrutural do edifício primitivo, a menos que seja para cumprimento do R.G.E.U..
Nos autos, estava em questão a qualificação da referida compensação como 'taxa' ou como 'imposto', para o efeito de saber se a sua criação constitui reserva de lei parlamentar.
Renovando aqui a tradicional distinção entre os dois conceitos, o que os separa é o facto de o imposto ter carácter unilateral e a taxa ter um carácter bilateral. De facto, o imposto é toda a prestação pecuniária, coactiva e unilateral, exigida pelo Estado ou por outros entes públicos enquanto que a taxa tem carácter sinalagmático, no sentido de que se trata de uma prestação a pagar pelo particular como contrapartida pela utilização individualizada de bens semi-públicos ou como preço autoritariamente fixado para tal utilização.
Assim, se a remoção do limite jurídico à actividade dos particulares se não traduzir na utilização individualizada ou efectiva de um bem semi-público, tem de se concluir que se está perante um imposto ou uma
‘contribuição especial’ que deve ser tratada como se fosse imposto.
No caso em apreço, a câmara municipal cobrou a taxa de urbanização juntamente com a taxa pela execução da obra, pelo concessão do alvará de licença de construção, sem que tenham sido realizadas quaisquer obras de infra-estruturas urbanísticas na sequência da construção do prédio licenciado
(como se escrevia no projecto inicial), pelo que a referida compensação não constitui uma taxa mas sim um verdadeiro imposto, razão pela qual se violou o princípio da reserva de lei parlamentar exigida para a criação de impostos.
O ter votado o Acórdão nº 357/99 assentou na convicção – porventura menos correcta – de que, no caso, a Câmara Municipal de Amarante tinha, de facto, efectuado obras de infra-estruturas urbanísticas de que beneficiaria especificamente o obrigado ao pagamento da «taxa».
De qualquer modo, repensando agora toda a problemática deste tipo de 'compensação', mais me convenço de que no caso das 'taxas de infra-estruturas urbanísticas, mais conhecidas por taxas de urbanização não se trata de verdadeiras e próprias taxas, mas antes de «contribuições especiais», relativamente às quais o Tribunal tem exigido o respeito do princípio da legalidade na sua criação, o que torna inconstitucional a sua qualificação como taxa, pois entendo que a exigência do pagamento da compensação pela realização de infraestruturas urbanísticas deve ser tratada como se fosse um imposto.
De facto, o que está em causa na estatuição da referida
'taxa de urbanização' é uma utilidade obtida da actividade pública de interesse geral ou uma maior despesa causada ao Município pela necessidade de fazer face aos maiores encargos com tal actividade pública. Não existe, assim, em boa verdade, qualquer prestação individual de serviços aos particulares assente em qualquer dever específico do mesmo Município que possa substanciar o facto gerador da 'taxa', nada podendo o particular exigir à entidade credora da
'taxa'.
As «contribuições especiais» são tributos que se podem traduzir na obtenção de um benefício (‘contribuições de melhoria’) ou em encargos por maiores despesas públicas (ou municipais) provocadas pelas construções privadas, isto é, decorrentes do urbanismo e sem que o contribuinte possa exigir algo em troca.
De facto, as ‘contribuições de melhoria’ pressupõem uma prévia acção de investimento público em determinada urbanização, não sendo razoável que apenas alguns beneficiem de tal investimento.
Por outro lado, os ‘encargos por maiores despesas’ radicam no facto de as iniciativas privadas de urbanização, provocando largos réditos para os promotores, dão origem a maiores despesas públicas que acabam por ser suportadas por todos os membros da comunidade, justificando-se assim a criação de encargos para satisfazer tais despesas.
Assim, não ignorando que existem diferentes entendimentos doutrinais, parece-me que Nuno Sá Gomes (cf.'Alguns aspectos Jurídicos e Económicos Controversos da Sobretributação Imobiliária, no Sistema Fiscal Português' – Ciência e Técnica Fiscal, nº 386 – Abril-Junho de 1997, pág.103 e segs.), está mais próximo da realidade quando considera que '(...) a fiscalidade do urbanismo, em sentido amplo, abranja estas duas modalidades de impostos: as contribuições por aumento de valor decorrente das obras públicas de urbanização (encargos de mais valias) e contribuições por maiores despesas, decorrentes de iniciativas privadas de urbanização (taxas para a realização de infra-estruturas urbanísticas).
Neste entendimento é óbvio que a criação e regulamentação de tal tipo de «taxas» pelas Assembleias Municipais ao arrepio do estabelecido no artigo 103º da Constituição, viola a reserva de lei formal bem como o princípio da legalidade e tipicidade da criação de impostos.
Assim, votaria a improcedência do recurso por inconstitucionalidade do Regulamento da Taxa Municipal de Urbanização da Póvoa do Varzim. Vítor Nunes de Almeida Paulo Mota Pinto (vencido, pelas razões constantes da declaração de voto do Exmº Consº Messias Bento quanto à alínea b) da decisão) José Manuel Cardoso da Costa (tenho bastantes dúvidas quanto à verdadeira natureza e consistência da 'possibilidade jurídica' - reconhecida pelo precedente acórdão ao sujeito passivo ou obrigado ao pagamento da 'Taxa de Urbanização' ora em causa de exigir da correspondente autarquia, especificamente, a realização das 'respectivas' obras. Eis por que - sem deixar de reconhecer (por essa razão, mas não só por ela) a dificuldade do problema de qualificação jurídica sub judicio , e admitindo mesmo que possa classificar-se a situação como verdadeiramente de 'fronteira' entre a 'taxa' e o 'imposto' - propendi para solução diferente daquela a que o acórdão chegou). José Manuel Cardoso da Costa