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Processo n.º 291/12
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Notificado da Decisão Sumária n.º 219/2012, proferida nos autos a fls. 1802, o recorrente reclama para a Conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:
- Sendo certo que, a Constituição pela consagração do artigo 280.°, nº 1 e a Lei (artigo 70.°, n.º 1 da LTC) estabelecem que as decisões dos tribunais são suscetíveis de recurso. O significado desta expressão tem sido de que não se pode recorrer diretamente para o Tribunal Constitucional, senão de decisões judiciais e que se torna necessário recorrer primeiro ao tribunal competente para, da decisão deste, se poder recorrer para o Tribunal Constitucional.
- Foi suscitada no recurso interposto, a constitucionalidade de normas aplicadas na decisão recorrida e não foi suscitado o contencioso dessa decisão.
- O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70.° da Lei 28/82.
- O recorrente arguiu duas inconstitucionalidades.
- O recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma do artigo 700.° Constante no Código Processo Civil, por violação do princípio de proporcionalidade resultantes dos artigos 2.° e 18.° da Constituição, quando interpretada no sentido de não admitir recurso perante decisão do regime de subida.
- A interpretação dada aos poderes conferidos no art. 700.° pela não admissão do recurso, viola o princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de direito e colide ainda com os princípios de celeridade, de economia processual e de proibição de atos inúteis, sendo razoável conclui-se pela inconstitucionalidade do artigo 700.° do CPC, por violação do princípio de proporcionalidade resultantes dos artigos 2.° e 1 8.° da Constituição, quando interpretado no sentido de não admitir recurso sobre o acórdão que decide o regime de subida.
- É acertado sustentar que os normativos que consagram os direitos das partes e a validade dos seus atos sejam sempre interpretados no sentido do alargamento desses direitos e nunca da sua restrição.
- Os atos praticados pelo Tribunal, e na reparação dos seus erros não podem prejudicar as partes.
- É também isso que se estipula no n.º 4 do art.º 20° da Constituição da República Portuguesa; o acesso dos cidadãos e demais entidades que interagem no comércio jurídico ao Direito deve ser facilitado e não dificultado.
- Ora, como já foi proferido por este Tribunal, o não conhecimento por parte de um tribunal de inconstitucionalidade de uma norma, quando podia e devia fazê-lo, equivale a aplicação implícita da mesma (Aos. 318/90).
- Cabem no âmbito deste recurso, os casos das decisões que tenham interpretado uma norma, num sentido arguido inconstitucional pelo recorrente. Assim, explica nesse sentido, o Prof. Gomes Canotilho, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, pág. 1012, o levantamento da questão constitucional pode sê-lo de forma apenas implícita, sendo inequívoca a identificação da norma arguida de inconstitucional.
- Foi invocada ainda a inconstitucionalidade do artigo 1330.° constante no Código Processo Civil.
- Nas alegações de recurso no Agravo de segunda instância a fls..., foi levantada também a inconstitucionalidade do artigo 1330.° do Código Processo Civil, pela interpretação restrita do Tribunal da Relação em não aplicar, em conjunção com a lei processual, o regime de subida imediata ao recurso, até que a questão da legitimidade fosse definitivamente resolvida, por violação do ínsito artigo 13° da Constituição da República Portuguesa.
- O recorrente tem no processo um direito próprio, inalienável e intransmissível, mas considera-se um herdeiro preterido e sem direitos no Inventário, como parte processual ilegítima, não podendo prosseguir nos autos, a par dos restantes herdeiros. Estando a posição processual de um herdeiro legitimário em causa, o recurso seria de agravo, devia subir imediatamente nos próprios autos e com efeito suspensivo (cfr. as disposições aplicáveis).
- Constituindo uma violação do princípio da igualdade das partes, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13° da Constituição da República Portuguesa, pois o artigo 1330.° do CPC deve englobar todos os casos de herdeiro preterido.
- Salvo o devido respeito, por jurisprudência estabelecida por este Tribunal, para efeitos de fiscalização concreta de constitucionalidade, uma interpretação restrita de uma norma da qual resulta a sua inaplicabilidade ao caso concreto deve considerar-se aplicada essa norma, sob pena de a mesma, nessa interpretação, nunca poder ser sindicada à luz da Constituição (Ac. 153/00).
- Sendo que, a questão de inconstitucionalidade tanto pode respeitar a norma ou a uma dimensão parcelar, considerada em si, como também e mais restritamente, a interpretação ou sentido com que ela foi tomada no caso concreto e aplicada na decisão recorrida (Acs. 151/94, 238/94, 242/95, 18/96, 644/97, 338/98, 397/98, 285/99, 363/99, 520/99, 527/99, 558/99, 680/99, 683/99, 156/00, 219/00).
- O mesmo se passa, com a aplicação da norma, que pode ser expressa com implícita (acs. 88/86, 47/90, 235/93), tanto como a questão da inconstitucionalidade pode reportar-se apenas a certa dimensão ou trecho da norma, como a uma certa interpretação da mesma (acs. 176/88, 114/89, 305/90, 51/92, 764/93, 238/94, 126/95, 178/95, 243/95, 674/99, 124/00).
- Tem sido suportada pela doutrina e jurisprudência relevante nesta matéria, que tendo um recorrente afirmado que determinada interpretação dada pela decisão recorrida, não poderia ter sido querida pelo legislador, sob pena de inconstitucionalidade, va1e por arguição de inconstitucionalidade da norma em causa.
- Acrescente-se que o resultado do processo de interpretação ou criação normativa (tanto de meras dimensões normativas como de normas autónomas), ínsito na atividade interpretativa dos tribunais, não pode deixar de ser matéria de controlo de constitucionalidade pelos tribunais comuns, assim como pelo Tribunal Constitucional, quando a própria Constituição exige limites muito precisos a tais processos de interpretação ou criação normativa, não reconhecendo qua1quer amplitude criativa ao julgador (Acs. 674/99).
Pelo que, ante o exposto, e nos melhores de direito que Vossa Excelência doutamente suprirá, requer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão.
2. Na resposta, o recorrido A. sustenta que a reclamação não merece provimento, pelo que deverá ser indeferida.
3. Sem vistos, o processo vem à Conferência para ser proferido acórdão.
4. A decisão reclamada é do seguinte teor:
«1. B. pretende recorrer do acórdão proferido no Supremo Tribunal de Justiça em 1 de março de 2012, nos seguintes termos:
[...] - O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação dada pela Lei n.º 85/89, de 7 de setembro, e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro;
- Pretende-se ver apreciada a interpretação do disposto dos arts. 700º, n.º 1, al. b) e 700º, n.º 5 ambos do Código de Processo Civil, no sentido que, por culpa do tribunal a quo, tendo um recurso subido ao tribunal da segunda instância competente para decidir o recurso, praticando-se todos os atos em conformidade, para nele se obter uma decisão, permite o tribunal inutilizar todos os atos, entretanto praticados após a sua subida, tornando-se inúteis por ordem judicial, é inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de direito, do princípio do acesso ao direito, das garantias de defesa, consagrados nos artigos 2.º, 18º, 20º-4 e 32º da Constituição Portuguesa da República.
- A interpretação dada pela não admissão do recurso colide ainda com os princípios de celeridade, de economia processual e de proibição de atos inútil. E conclui-se pela inconstitucionalidade de artigo 700º do CPC, por violação do princípio de proporcionalidade resultantes dos artigos 2.º e 18.º da Constituição, interpretado no sentido de não admitir recurso quando o Acórdão do Tribunal decide o regime de subida do recurso.
– Esta questão de inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, no pedido de reforma do acórdão do Supremo Tribunal da Justiça, a fls. 1743 e ss.
- Sendo que, o recorrente foi surpreendido pelo Acórdão de não admissão de recurso, o qual foi proferido em conferência e não pelo juiz-relator, não lhe tendo sido dada a oportunidade de pronunciar-se sobre essa questão.
- Nas alegações de recurso no Agravo de segunda instância, foi levantada ainda a inconstitucionalidade da interpretação restrita do Tribunal da Relação em não aplicar o artigo 1330.º do Código Processo Civil, que prevê em conjunção com a lei processual, o regime de subida imediata ao recurso, até que a questão da legitimidade fosse definitivamente resolvida, por violação do ínsito no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa.
- Como explica o Prof. Gomes Canotilho, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª Edição, pág. 1021, o levantamento da questão de constitucional pode sê-lo de forma apenas implícita desde que seja inequívoca a identificação da norma arguida de inconstitucionalidade.
- O não conhecimento por parte de um tribunal da inconstitucionalidade de uma norma, quando podia e devia fazê-lo, equivale a aplicação implícita da mesma (ac. 318/90).
2. O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC) tem caráter normativo, o que significa que o seu objeto deverá obrigatoriamente ser constituído por uma norma jurídica e não pela decisão do tribunal recorrido.
Todavia, o enunciado segundo o qual «por culpa do tribunal a quo, tendo um recurso subido ao tribunal da segunda instância competente para decidir o recurso, praticando-se todos os atos em conformidade, para nele se obter uma decisão, permite o tribunal inutilizar todos os atos, entretanto praticados após a sua subida, tornando-se inúteis por ordem judicial» não representa qualquer norma jurídica, antes constitui um comentário crítico da decisão do tribunal recorrido.
É certo que o recorrente invoca o disposto no artigo 700º do Código de Processo Civil como suporte do aludido enunciado; mas é evidente que o texto da norma, nos segmentos individualizados (n.º 1 alínea b), e n.º 5), nada tem a ver com o enunciado que o recorrente formula.
Pretende ainda ver discutida a questão «da interpretação restrita do Tribunal da Relação em não aplicar o artigo 1330.º do Código Processo Civil, que prevê em conjunção com a lei processual, o regime de subida imediata ao recurso, até que a questão da legitimidade fosse definitivamente resolvida». Mas uma vez mais o objeto do recurso não apresenta a natureza normativa que é exigida pelo recurso interposto. Na verdade, saber se a decisão errou ao não aplicar um determinado preceito legal constitui matéria que não preenche os requisitos exigidos pela especial natureza do objeto deste recurso. Tal questão tem a ver diretamente com o acerto da decisão recorrida, mas não se traduz numa questão normativa. [...]»
5. Conforme decorre da transcrita decisão, o motivo que levou o relator a decidir não conhecer do objeto do recurso, residiu na circunstância de o recorrente ter delineado o objeto do recurso sem atender à natureza normativa que é exigida no caso. Ou melhor: as questões colocadas ao conhecimento do Tribunal, tal como foram definidas no requerimento de interposição, não apresentam natureza normativa.
Ora, a reclamação não chega a rebater este juízo, limitando-se a insistir na afirmação de que 'a interpretação dada ao poderes conferidos no art. 700º pela não admissão do recurso, viola o princípio da proporcionalidade ínsito no princípio do Estado de direito e colide ainda com os princípios de celeridade, de economia processual e de proibição de atos inútil, sendo razoável conclui-se pela inconstitucionalidade do artigo 700º do CPC, por violação do princípio de proporcionalidade resultantes dos artigos 2º e 18º da Constituição, quando interpretado no sentido de não admitir recurso sobre o acórdão que decide o regime de subida'; e ainda que 'a inconstitucionalidade do artigo 1330º do Código Processo Civil, pela interpretação restrita do Tribunal da Relação em não aplicar, em conjunção com a lei processual, o regime de subida imediata ao recurso, até que a questão da legitimidade fosse definitivamente resolvida, por violação do ínsito artigo 13º da Constituição da República Portuguesa'.
A colocação destas questões revela que o reclamante visa, na verdade, sindicar o comportamento do tribunal recorrido por não ter feito a devida interpretação dos artigos 700º e 1330º do Código Processo Civil. Dito de outra forma: a inconstitucionalidade derivaria – na perspetiva do reclamante – da não aplicação correta dos aludidos preceitos, e não da aplicação de normas inconstitucionais. Todavia, a colocação das questões nestes termos represente uma crítica direta à decisão recorrida, sem que daí se deva inferir uma acusação de inconstitucionalidade de normas.
Improcede, por isso, a pretensão.
6. Decide-se, em consequência, indeferir a reclamação, mantendo a Decisão Sumária n.º 219/2012 de não conhecimento do objeto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 20 de junho de 2012.- Carlos Pamplona de Oliveira – Maria João Antunes – Gil Galvão.