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Processo nº 643/97
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A. C. e C. R. intentaram no Tribunal Cível da Comarca do Porto contra S.–INVESTIMENTOS, Sociedade Gestora de Participações Sociais, SA, uma acção 'na forma de PROCESSO ESPECIAL, dos artºs 1033 e ss.' do Código de Processo Civil, na qual pediram que a ré fosse condenada '1. a abster-se de praticar qualquer acto que vise subtrair aos AA a posse das suas (...) 7.467 acções da I......., e impedir o exercício dos respectivos direitos sociais (...), ao abrigo do disposto nos nºs 3 e 4 do artº 490 do C.S.C.; 2. a indemnizar os autores no montante que vier a ser liquidado em execução de sentença para ressarcimento dos prejuízos a que já deu causa para sustar provisoriamente a ameaça e continuará a dar (...)'. Por sentença de 26 de Outubro de 1995, de fls. 226, a ré foi condenada de preceito, porque, tendo a acção sido proposta com a forma de processo especial prevista nos artigos 1033º e segs. do Código de Processo Civil, na versão então em vigor, foi considerada extemporânea a contestação apresentada para além do prazo de dez dias que correspondia a esta acção especial ('nos termos do disposto no artº 784º, nº 2 do CPC, aplicável ‘ex vi’ artº 1033º, nº 1 do CPC'). Na mesma data, por despacho de fls. 225, não foi admitido um articulado superveniente apresentado pela ré, no qual, entre o mais, invocava a existência de erro na forma de processo, já que deveria em seu entender ter sido seguida a forma de processo comum ordinário. Inconformada, a ré recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que confirmou os julgados da 1ª instância (acórdão de fls. 308, de 30 de Abril de 1996). De novo recorreu a ré, agora para o Supremo Tribunal de Justiça, sustentando: a existência de erro na forma do processo, que deveria ter seguido a forma ordinária, com a consequente anulação de tudo o que foi processado; a ilegalidade da cumulação de pedidos, que conduziria à absolvição da instância; subsidiariamente, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide ou a improcedência por não serem susceptíveis de posse acções escriturais. Por acórdão de 8 de Julho de 1997, de fls. 389, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu 'Resumindo –
– qualifica-se o processo como comum assumindo a forma ordinária;
– inaplicável o efeito cominatório pleno decretado pelas instâncias;
– considera-se tempestiva a contestação e admissível o ‘articulado superveniente’ na parte que não foi tida como ‘sugestão’;
– há que corrigir a distribuição e notificar aos autores a apresentação daqueles articulados'. Os autores requereram a respectiva aclaração, mas o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 21 de Outubro de 1997, de fls. 414, não atendeu o pedido.
2. Recorreram então os mesmos autores para o Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1997, 'ao abrigo do disposto nos artºs 280º-1-b) da Constituição da República Portuguesa e
70º-1 b) da Lei 28/82 de 15.11', sustentando a inconstitucionalidade das normas constantes dos nº 3 e 4 do artigo 490º do Código das Sociedades Comerciais
(material e orgânica), e, na dimensão em que foram interpretadas e aplicadas na decisão recorrida, dos nºs 2 e 3 do artigo 506º do Código de Processo Civil, do nº 1 do artigo 156º do Código de Processo Civil, dos artigos 1033º do Código de Processo Civil e 1276º e seguintes do Código Civil; e, recorrendo igualmente do acórdão de 21 de Outubro de 1997, do artigo 669º-a) do Código de Processo Civil; nas alegações, acrescentaram o artigo 70º 1, b) da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, se vier a ser aplicado no sentido de não se considerarem oportunamente alegadas as questões de inconstitucionalidade apenas suscitadas no pedido de aclaração do acórdão recorrido e o nº 1 do artigo 506º do Código de Processo Civil.
3. Notificadas para o efeito, as partes apresentaram as suas alegações. Quanto aos recorrentes, concluíram-nas do seguinte modo:
'1. No conceito jurídico-constitucional de propriedade compreendem-se, entre outros, os direitos sociais relativos a participações no capital social de sociedades anónimas, quer as respectivas acções sejam tituladas quer sejam inscritas em conta de valores mobiliários escriturais nos termos do disposto no artº 56º-1 do Cód. do MVM;
2. Não existe lei ordinária regulando, nos termos constitucionais, a expropriação de tais direitos, por utilidade pública;
3. Por força do disposto nos artºs 17ºe 18º da CRP, a garantia constitucional do artº 62º aplica-se directamente a tais direitos, e o respeito a eles devido vincula entidades públicas e privadas;
4. A ‘ expropriação’ prevista no artº 490º-3 e 4, do CSC, é uma ablação patrimonial por ‘utilidade’ particular, constitucionalmente proibida pelas normas dos artºs 2º, 9º d), 13º, 17º, 18º e 62º da Lei Fundamental;
5. As normas dos nºs 3 e 4 do artº 490º do CSC, são, ainda, inconstitucionais por, na sua emissão, ter sido violada a reserva relativa de competência de competência da A.R., consignada no artº 168º-1 b) e l), hoje 153º-1 b) e 1), da dita Lei;
6. Ainda que tais normas visassem expropriações por utilidade pública, sempre seriam inconstitucionais por não prescreverem a prévia e indispensável declaração dessa utilidade por autoridade administrativa competente, não garantirem o pagamento da justa indemnização – a qual pressupõe a determinação do valor real dos bens a expropriar, que a avaliação prevista no respectivo nº 4 não proporciona – e não assegurarem o direito de reversão por não efectivação da utilidade pública declarada;
7. Ainda que, em abstracto, se pudesse admitir a constitucionalidade daquelas normas, as que, em concreto, foi entendido pelo STJ se encontrarem em tais disposições, como prevalecendo sobre as normas do artº 208º-2 da CRP, e acolherem a finalidade de dissipação/ocultação de ilícitos penais públicos e semi-públicos (infidelidade e burla), sempre seriam inconstitucionais por violação da ordem pública constitucional;
8. Assim, o Supremo Tribunal de Justiça, ao julgar que os factos alegados pela R, são supervenientes nos termos do disposto no artº 506º-1 (implicitamente), 2 e 3, do CPC, e não ser manifesto que os ditos factos (celebração da escritura e respectivo registo) não interessam à boa decisão da causa, aplicou normas inconstitucionais no sentido com que interpretou e aplicou aqueles normativos;
9. A norma ao abrigo da qual o STJ ordenou às instâncias que admitam nos autos o
'articulado superveniente', extraída do artº 156º-1 do CPC, é inconstitucional por violar o princípio da independência dos tribunais e o comando constitucional do artº 207º, hoje 204º;
10. A norma que o Supremo Tribunal de Justiça teve por impeditiva da posse de acções, mediante invocação dos artºs 1276º e ss do CC, é inconstitucional, pelo menos quando aplicada no domínio da transferência da posse de bens protegidos pela garantia constitucional do artº 62º, por violação deste;
11. A norma que o STJ teve por impeditiva da tutela adjectiva da posse de acções, mediante a invocação do artº 1033º do CPC, é inconstitucional, pelo menos quando aplicada no domínio da transferência da posse de bens protegidos pela garantia constitucional do artº 62º, por violação dos princípios e das normas dos artºs 2º, 20º-1 e 21º da Lei Fundamental;
12. A norma do artº 669º, a) do CPC, que o STJ teve por impeditiva de deferimento de VISTA ao Mº Pº, é inconstitucional por constituir obstrução ao imperativo constitucional de prevenção e repressão criminal, e ao correspondente exercício da acção penal pelo Mº Pº, consignado no artº 221-1, hoje, 219º-1 da CRP;
13. A norma do artº 70º-1 b) da Lei nº 28/82, de 15.11, seria inconstitucional se fosse entendia e aplicada ao presente recurso, relativamente às inconstitucionalidae arguidas, apenas, pelas razões invocadas, nos requerimentos de aclaração e de interposição do mesmo, no sentido de não considerar verificado o respectivo pressuposto, por violação das normas dos artºs 2º, 20º-1 e 280º-1 b) da CRP.' Respondendo em contra-alegações, a recorrida veio sustentar que 'o presente recurso é inadmissível, pelo que deve esse Alto Tribunal abster-se de o conhecer, ao abrigo do art. 76º, nº 2, da referida Lei nº 28/82'.
Explicitando as razões que deveriam conduzir ao não conhecimento, para além 'do facto de não haver sido suscitada pelos Recorrentes, durante o processo, a inconstitucionalidade de nenhuma das normas supra referidas, com excepção do art. 490º do C.S.C., o que, de acordo com o disposto na segunda parte da alínea b) do nº 1 do art. 70º da lei nº 28/82, inviabiliza o recurso', não relevando a eventual arguição feita no requerimento de aclaração do acórdão recorrido, disse, em síntese: Quanto às normas contidas nos nºs 3 e 4 do artigo 490º do Código das Sociedades Comerciais, não foram aplicadas pelo acórdão recorrido. Nomeadamente, não foram aplicadas quando o Supremo Tribunal de Justiça decidiu admitir o articulado superveniente, pois que a admissão não assenta em qualquer juízo de constitucionalidade das referidas normas. Quanto ao artigo 156º, nº 1, do Código de Processo Civil, também não foi aplicado pelo Supremo Tribunal de Justiça 'quanto ao ponto agora em discussão, uma vez que o douto acórdão recorrido não se limita a ordenar às Instâncias a admissão do articulado superveniente, mas admite efectivamente esse mesmo articulado'. Todavia, para a hipótese de o Tribunal Constitucional entender verificadas as condições de admissibilidade do recurso, a recorrida, em resumo, sustentou a não inconstitucionalidade das normas impugnadas:
'7ª – As normas do art. 490º, nºs 3 e 4, do C.S.C. não padecem de qualquer inconstitucionalidade.
8ª – O art. 490º do C.S.C. confere direitos e obrigações quer à sociedade dominante quer aos sócios minoritários, não sendo um instrumento unicamente utilizável pelas sociedades dominantes. Com efeito, à sociedade dominante é conferido um direito potestativo de aquisição das participações dos restantes sócios, mas, em contrapartida do mesmo, atribui-se aos sócios minoritários um direito potestativo de alienação, na base dos mesmos pressupostos.
9ª – Pretender que o art. 490º ofende o conteúdo essencial do direito de propriedade é arrancar de uma concepção sacralizante deste direito que está longe de se harmonizar com os dados constitucionais, uma vez que o direito de propriedade garantido pela Constituição garante ‘apenas um direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade e de ser indemnizado em caso de expropriação’.
10ª – Assegurado que está pelo art. 490º do C.S.C. o direito a uma indemnização, apenas resta apurar se existe ou não algum fundamento razoável para a privação do direito de propriedade.
11ª – O mecanismo do art. 490º configura um meio excepcional tendente a facilitar ou a auxiliar a concentração de empresas, possibilitando a existência e o funcionamento entre elas de uma lógica de grupo – o que justifica a circunstância de apenas as sociedades comerciais poderem' desencadear 'o mecanismo previsto nos nºs 1 a 4 do art. 490º –, considerando a lei que tal desiderato, entendido como instrumento de desenvolvimento da economia, deve prevalecer sobre a protecção absoluta dos direitos dos sócios titulares de percentagens mínimas, mas sem descurar a salvaguarda dos direitos destes
últimos.
12ª – Após a aquisição das acções, a sociedade dominante torna-se titular de
100% do capital social da sociedade visada, passando a existir entre elas uma relação de domínio total; consequentemente, pode a sociedade dominante dar instruções vinculantes à sociedade dependente, mesmo que se trate de instruções desvantajosas para esta última, contanto que sirvam os interesses da sociedade dominante ou de outras sociedades do mesmo grupo.
13ª – O instituto previsto no art. 490º do C.S.C. desempenha, por conseguinte, função idêntica à da fusão de sociedades, cuja constitucionalidade nunca foi posta em causa, pois que em ambos os casos se trata de colocar duas empresas sob um governo único;
(...)
20ª – Uma vez assente a conformidade com a Constituição do art. 490º da C.S.C., caem pela case, também, as razões invocadas pelos Recorrentes em sustento da sua pretensão de ver declarada a inconstitucionalidade dos arts. 156º e 506º do C.P.C., dado que é manifesto que os Recorrentes impugnam tais normas por considerarem que a interpretação que delas é feita no acórdão recorrido é influenciada pela suposta inconstitucionalidade dauele preceito do C.S.C.
21ª – Também os artigos 1276º do C. Civ. e 1033º do C.P.C., na interpretação que lhes foi dada no douto acórdão recorrido, não violam qualquer preceito constitucional, por isso que as acções, maxime quando assumem forma escitural, são bens insusceptíveis de posse.
(...)
23ª – O pedido de aclaração de sentença, previsto no art. 669º, nº 1, alínea a), do C.P.C., não pode ser utilizado para finalidades que lhe são absolutamente alheias, como é o caso de um pedido de vista ao Ministério Público.' Notificados para se pronunciarem, querendo, sobre a questão da inadmissibilidade do recurso, suscitada pela recorrida, vieram os recorrentes oferecer a resposta de fls. 666. Em síntese,e para além de reafirmarem o que haviam sustentado, vieram dizer que já foi decidido,nos autos, estarem verificadas as condições necessárias ao conhecimento do objecto do recurso, quer pelo despacho de admissão proferido no Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Novembro de 1997, quer pelo despacho do então relator no Tribunal Constitucional, de 8 de Janeiro de 1998, 'ao ordenar a notificação das partes ... para que fossem produzidas alegações', que 'deu como assente que o recurso é o próprio, que deve manter-se o efeito requerido e que nenhuma circunstância obsta ao conhecimento do seu objecto'.
4. Cabe começar por fixar o objecto do presente recurso, interposto ao abrigo do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82. No requerimento de interposição, os recorrentes pretendem que sejam julgadas inconstitucionais as normas constantes dos seguintes preceitos: Do Código das Sociedades Comerciais: Artigo 490º
(...)
3. A sociedade dominante pode tornar-se titular das acções ou quotas pertencentes aos sócios livres da sociedade dependente, se assim o declarar na proposta e, nos 60 dias seguintes, fizer lavrar escritura pública em que seja declarada a aquisição por ela das participações. A aquisição está sujeita a registo e publicação.
4. A escritura só pode ser lavrada se a sociedade tiver consignado em depósito a contrapartida, em dinheiro, acções ou obrigações, das participações adquiridas, calculada de acordo com os valores mais altos constantes do relatório do revisor.
Do Código de Processo Civil, na versão relevante: Artigo 506º
(Termos em que são admitidos)
1. Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2. Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termos dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.
3. O novo articulado será oferecido nos dez dias posteriores à data em que os factos ocorreram ou em que a parte teve conhecimento deles. O juiz rejeitá-lo-á se for apresentado fora de tempo ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; se o não rejeitar, é notificada a parte contrária para apresentar resposta em cinco dias, observando-se quanto a esta o disposto no artigo anterior. As provas são oferecidas com o articulado e com a resposta.
(...) Artigo 156º
(Dever de administrar justiça. Conceito de sentença)
1. Os juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes e cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores.
(...) Artigo 1033º (Não se transcrevem os seguintes)
(Processamento das acções possessórias)
1. As acções possessórias de prevenção, de manutenção e de restituição seguem os termos do processo sumário, salvo o disposto nos artigos seguintes.
(...) Artigo 669º
(Esclarecimento ou reforma da sentença) Pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença: a) O esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela contenha;
(...) Do Código Civil: Artigo 1276º (Não se transcrevem os preceitos seguintes)
(Acção de prevenção) Se o possuidor tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, será o autor da ameaça, a requerimento do ameaçado, intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e responsabilidade pelo prejuízo que causar.
Da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro: Artigo 70º
(Decisões de que pode recorrer-se)
1 – Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais:
(...) b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;
(...)
Desde já, não se pode considerar oportunamente suscitada a questão da inconstitucionalidade da al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, na dimensão questionada pelos recorrentes, levantada apenas nas alegações apresentadas neste Tribunal. O objecto do recurso define-se no requerimento de interposição, não podendo o recorrente ampliá-lo nas alegações, como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado: cfr., por exemplo, o Acórdão nº
366/96, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Maio de 1996. Também apenas nas alegações de recurso, os recorrentes sustentam a inconstitucionalidade da interpretação com que o Supremo Tribunal de Justiça, implicitamente embora, teria aplicado o nº 1 do artigo 506º do Código de Processo Civil. De facto, o Supremo Tribunal de Justiça aplicou – expressamente, aliás – este preceito; não se pode, todavia, considerar oportunamente invocada a sua inconstitucionalidade, pelas razões já indicadas.
5. Antes de prosseguir, há que dizer que, nem o despacho de admissão, proferido no tribunal recorrido, nem o que posteriormente mandou alegar, já no Tribunal Constitucional, impedem que este Tribunal decida que faltam condições de admissibilidade do recurso. Quanto ao primeiro, a Lei nº 28/82 diz expressamente que não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76º, nº 3). Quanto à decisão de mandar alegar, ela apenas significa que o recurso não pode ser julgado segundo a forma sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da referida Lei. Não envolve, sequer implicitamente, qualquer julgamento sobre a admissibilidade do recurso; nem o poderia implicar, retirando ao recorrido o possibilidade de a contestar, já que só nas alegações é possível discutir a admissibilidade do recurso (cfr. citado nº 3 do artigo 76º). Note-se que, à data da emissão deste despacho, a redacção destes preceitos era a que resultou da Lei nº 85/89, de 7 de Setembro.
6. Por outro lado, cumpre recordar que o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade de normas interposto ao abrigo da al. b) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82 se destina à apreciação, pelo Tribunal Constitucional, de normas ou de uma sua dimensão interpretativa que hajam sido aplicadas na decisão recorrida, e cuja inconstitucionalidade tenha sido invocada durante o processo, como resulta da referida Lei nº 28/82 (artigos 70º nº 1, b) e 79º-C, em particular). Este Tribunal tem reiteradamente afirmado que o requisito da invocação da inconstitucionalidade de uma norma ou de uma sua interpretação durante o processo se traduz na necessidade de que tal questão seja colocada perante o tribunal recorrido, proporcionando-lhe desta forma a oportunidade de a apreciar. Só em casos excepcionais e anómalos, em que o recorrente não dispôs processualmente dessa possibilidade, ou em que não era de todo previsível a aplicação de uma norma (ou dessa norma, com o sentido que lhe foi dado na decisão recorrida), é que será admissível a arguição em momento subsequente
(cfr., a título de exemplo, os acórdãos deste Tribunal com os nºs 62/85, 90/85 e
160/94, publicados, respectivamente, nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 5º vol., págs. 497 e 663 e no Diário da República, II, de 28 de Maio de 1994). Para além disso, se a disposição impugnada não tiver sido aplicada pela decisão recorrida, com o sentido que o recorrente acusa de ser inconstitucional, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso (cfr., por exemplo, o acórdão nº 367/94, publicado no Diário da República, II Série, de 7 de Setembro de 1994).
7. E, na verdade, o Tribunal Constitucional não pode conhecer de parte do objecto deste recurso. Quanto aos nºs 3 e 4 do artigo 490º do Código das Sociedades Comerciais, basta ler o acórdão recorrido para verificar que estas normas não foram efectivamente aplicadas, pela simples razão de que não houve julgamento de mérito, mas, tão somente, uma absolvição da instância por erro na forma do processo. Relativamente aos nºs 2 e 3 do artigo 506º do Código de Processo Civil, diz-se no requerimento de interposição de recurso que a invocação da inconstitucionalidade 'resulta de interpretação das normas nele contidas com sentido e alcance inconstitucionais por pressuporem a aplicação das normas dos nºs 3 e 4 do artº 490º do CSC, arguidas de inconstitucionalidade' a fls. 421'. Não é, todavia, exacto. O que o Supremo Tribunal de Justiça julgou foi que 'não
é manifesto que os factos não interessem à boa decisão da causa (saber se comportam os efeitos indicados pela ré é questão relativa ao seu mérito e que não tem por ora e aqui de ser conhecida)'. Na verdade, a admissibilidade de um articulado superveniente não importa nenhum juízo, nem sobre a verificação dos factos nele alegados, que vão ser objecto da prova como todos os outros, nem sobre a sua efectiva relevância no processo. O critério a seguir para o admitir, no que respeita à relevância dos factos, é o mesmo que preside à selecção feita na fase de saneamento e condensação, de entre a matéria de facto alegada: a consideração das soluções de direito plausíveis, sem qualquer pré-julgamento. O Supremo Tribunal de Justiça não aplicou, assim, estas normas com o sentido considerado inconstitucional, nem teve presente qualquer juízo relativo à constitucionalidade das normas do artigo 490º do Código das Sociedades Comerciais que os recorrentes impugnam por inconstitucionalidade, razão pela qual este Tribunal não pode igualmente conhecer do recurso na parte que lhes diz respeito. Para além disso, poder-se-ia ainda colocar a questão de saber se, quanto a estas normas, os recorrentes cumpriram o ónus de invocar a sua inconstitucionalidade
'durante o processo', tendo em conta, por um lado, a circunstância de apenas a terem suscitado no pedido de aclaração do acórdão recorrido mas, por outro, o de não terem sido notificados da apresentação do articulado superveniente. Pela razão já analisada, não se torna necessário conhecer deste pressuposto. No que toca ao nº 1 do artigo 156º do Código de Processo Civil, admitindo que a sua inconstitucionalidade foi oportunamente alegada, a verdade é que o Supremo Tribunal de Justiça também o não aplicou com o sentido acusado de inconstitucional, desde logo porque admitiu – não mandou admitir – o articulado superveniente. Quanto à pretensa inconstitucionalidade das normas dos artigos 1033º e seguintes do Código de Processo Civil e 1276º e seguintes do Código Civil, os recorrentes sustentam que era imprevisível que o Supremo Tribunal de Justiça as viesse a aplicar com o sentido lhes atribuiu, 'violador das já invocadas normas da Constituição (artºs 18º e 62º), designadamente', razão pela qual só foi suscitada no requerimento de aclaração do acórdão recorrido. Em primeiro lugar, das várias normas incluídas no âmbito assim definido, apenas se pode entender que o Supremo Tribunal de Justiça as aplicou enquanto definem o
âmbito das acções possessórias. Em segundo lugar, não é exacto afirmar que a inconstitucionalidade não podia ter sido anteriormente invocada. Com efeito, tendo a recorrida colocado a questão da existência de erro na forma de processo nas alegações do recurso de revista, os recorrentes tinham o ónus de a suscitar nas contra-alegações, de modo a que o Supremo Tribunal de Justiça dispusesse da oportunidade de a julgar. Não pode, portanto, o Tribunal Constitucional conhecer do recurso também nesta parte, por não ter sido suscitada 'durante o processo' a inconstitucionalidade. Também se não justifica, portanto, a averiguação sobre a questão de saber se o Supremo Tribunal de Justiça aplicou estas normas com o sentido que os recorrentes consideram violador da Constituição.
8. Finalmente, no requerimento de interposição de recurso os recorrentes invocam a inconstitucionalidade da norma contida na al. a) do artigo 669º do Código de Processo Civil sustentando ser imprevisível a interpretação no sentido de que este artigo impedia que se utilizasse 'um requerimento de aclaração para pedir o cumprimento do disposto no artº 242º do CPP', o que significaria aplicar aquela norma com um sentido inconstitucional por violação do artigo 221º, nº 1 (actual
219º) da Constituição. Não se vê, de forma nenhuma, fundamento para esta impugnação. Com efeito, interpretar aquela norma com o sentido de que o requerimento de aclaração de uma decisão não é o instrumento adequado ao efeito pretendido pelos recorrentes em nada põe em causa o exercício da acção penal pelo Ministério Público, assim como em nada vem obstruir 'o imperativo constitucional de prevenção e repressão criminal', como os recorrentes sustentam nas conclusões das alegações. Poder-se-á eventualmente entender que o Supremo Tribunal de Justiça poderia ter autonomizado materialmente o requerimento; não o fazer não significa, porém, interpretar a al. a) do artigo 669º do Código de Processo Civil de forma a obstruir ou impedir o exercício da acção penal. Assim, decide-se : a) Não tomar conhecimento do recurso no que toca às normas dos nºs 3 e 4 do artigo 490º do Código das Sociedades Comerciais, dos nºs 1, 2 e 3 do artigo 506º do Código de Processo Civil, do nº 1 do artigo 156º do mesmo Código de Processo Civil, dos artigos 1033º e seguintes do Código de Processo Civil e dos artigos
1276º e seguintes do Código Civil e da al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro; b) Não julgar inconstitucional a al. a) do artigo 669º do Código de Processo Civil, na interpretação impugnada e, consequentemente, negar provimento ao recurso nesta parte. Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. por cada um. Lisboa, 12 de Janeiro de 2000 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Messias Bento José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida