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Proc. nº 583/00
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
I
1. C. R., notificado da decisão sumária de 31 de Outubro de 2000 (fls.
375 e seguintes), na qual se decidiu, ao abrigo do artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, não conhecer do objecto do recurso por si interposto para este Tribunal (e também por P.,Lda), apresentou o requerimento de fls. 384 e seguintes, pedindo que a relatora revisse a anterior posição e passasse ao conhecimento do objecto do recurso. Tal requerimento deve ser configurado como uma reclamação da decisão sumária para a conferência, nos termos do n.º 3 daquele preceito legal, e como tal será tratado.
2. Na referida decisão sumária, ora impugnada, entendeu-se, pelos fundamentos aí expostos, que os recorrentes não haviam suscitado de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido a questão que pretendiam ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, e que se reportava a uma determinada interpretação da norma contida no artigo 57º, n.º 1, do Código de Processo Penal. E, não estando preenchido um dos pressupostos processuais do recurso previsto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional – o recurso que havia sido interposto pelos recorrentes –, concluiu-se que não podia conhecer-se do respectivo objecto.
3. Na reclamação que agora apresenta, C. R., invoca, em síntese, as seguintes razões para o conhecimento do objecto do recurso: a) Embora nas conclusões do recurso interposto para o tribunal recorrido se não faça a menor alusão directa ao artigo 57º do Código de Processo Penal, 'torna-se claro, da leitura da motivação, que é a referida norma aquela que causa engulhos, da perspectiva constitucional, aos recorrentes'; b) Logo no ponto A1 da motivação do recurso interposto para o tribunal recorrido, os recorrentes fizeram referência a um outro recurso por eles interposto, em que nas conclusões se mencionava a violação, por parte do despacho recorrido, do artigo 32º, n.º 1, da Constituição e dos artigos 57º, 58º e 61º do Código de Processo Penal; c) Na motivação do último dos recursos para a Relação, refere-se que a questão está expressamente suscitada nas 'conclusões' que os recorrentes apresentaram por escrito para ficarem a constar da acta do debate instrutório, o que foi reconhecido a fls. 13 de uma certa reclamação; d) Na pág. 6 do recurso, os recorrentes aludem a uma tal ou qual 'arguição ope legis', que rebatem, quando entendida num certo sentido; e) Refere [presume-se: a motivação apresentada perante o tribunal recorrido] dois acórdãos em que se debate a questão; f) A fls. 7 do recurso para o tribunal recorrido, menciona-se que '[n]a verdade, não poderia tolerar-se a existência como que de dois tipos de arguição...', o que bem denota a clareza de intenções; g) O teor da conclusão B1 é também bastante claro, pois nela se afirma que 'Já em anterior recurso os ora recorrentes invocaram o vício decorrente de não serem arguidos [...]'; h) Como a M.ma Juíza não admitiu a preconizada subida imediata do referido recurso, os ora requerentes reclamaram para o presidente da Relação de Lisboa, nela tendo discutido a problemática da denominada arguição ope legis; i) Todos entenderam a problemática 'sobre a qual se centrava o fogo crítico dos recorrentes', como bem o denota a resposta ao primeiro dos referidos recursos; j) A fls. 2 deste recurso, mencionou-se a circunstância de os recorrentes já por várias vezes terem discutido a tal problemática; l) Da leitura do acórdão da Relação de Lisboa, de 9 de Maio de 2000, conclui-se que todos tiveram clara percepção do que estava em discussão; m) O Tribunal da Relação de Lisboa, reconhecendo que o novo recurso mais não era do que uma repetição do anterior, proferiu um acórdão onde se conheceu de tudo menos do fundamental; n) Os recorrentes reconhecem assistir razão à relatora do presente recurso para o Tribunal Constitucional, no que toca 'ao escolho formal deduzido', mas tal
'escolho', relevando do meramente formal, só poderá tornar-se definitivo a uma concepção formalista, para mais tendo em conta que as inconstitucionalidades são de conhecimento oficioso pelos tribunais.
4. Na resposta à reclamação deduzida (fls. 403), o Ministério Público limitou-se a assinalar a sua manifesta improcedência, 'já que os reclamantes não suscitaram, em termos procedimentalmente adequados, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de fundar o recurso de fiscalização concreta que interpuseram'.
II
5. Na presente reclamação, o reclamante admite estar verificado o obstáculo formal ao conhecimento do objecto do recurso que interpôs perante o Tribunal Constitucional e que se encontra identificado na decisão sumária impugnada: o de não ter suscitado, nas conclusões da motivação do recurso para o tribunal recorrido, qualquer questão de inconstitucionalidade a propósito da norma contida no artigo 57º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ou que pudesse reportar-se a tal norma, já que tal preceito não foi sequer mencionado nas referidas conclusões. Como tal, não estava o tribunal recorrido obrigado a conhecer de tal questão, o que efectivamente não fez. Os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, ambos da Lei do Tribunal Constitucional, consagram como pressuposto processual de certo tipo de recursos de fiscalização concreta de constitucionalidade o de o recorrente ter suscitado de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido a questão de inconstitucionalidade que pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. Subjacente a tal pressuposto está a ideia de que, antes de o Tribunal Constitucional se pronunciar em recurso (isto é, para reexame) de uma questão de constitucionalidade, é necessário que essa questão tenha sido apresentada ao tribunal a quo para este sobre ela previamente formular um juízo que o Tribunal Constitucional possa sindicar. No presente caso, é evidente que não foi suscitada de modo processualmente adequado, perante o tribunal recorrido, a questão de inconstitucionalidade que o reclamante pretende ver apreciada. Mesmo que se admitisse que a falta de referência ao artigo 57º, n.º 1, do Código de Processo Penal, nas conclusões da motivação apresentada perante o tribunal recorrido, não fosse só por si suficiente para dar como verificada a falta do pressuposto a que se aludiu, basta uma leitura da reclamação ora deduzida para se concluir que as razões aduzidas pelo reclamante pugnariam nesse sentido. Em primeiro lugar, porque como o reclamante expressamente refere, no ponto A1 da motivação que apresentou imputou uma inconstitucionalidade a um despacho e não a qualquer norma que nele tivesse sido aplicada. Em segundo lugar, porque as razões constantes das acima referidas alíneas c) a l) do ponto 3. assinalam o modo absolutamente equívoco como a questão que o ora reclamante pretende ver apreciada foi colocada perante o tribunal recorrido, o que mais reitera o entendimento de que não foi suscitada, perante esse tribunal, qualquer questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado. Não admira, pois, que como se refere em m) (supra, 3.), o tribunal recorrido não tivesse conhecido de tal questão, alegadamente fundamental. Finalmente, porque a razão referida em n)
(supra, 3.) confunde o formalismo com a observância de regras processuais e o dever de os tribunais não aplicarem normas inconstitucionais com os pressupostos do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade para o Tribunal Constitucional. Não pode, consequentemente, conhecer-se do objecto do recurso interposto pelos recorrentes para o Tribunal Constitucional, dado que os mesmos não suscitaram de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido a questão que pretendem ver apreciada pelo Tribunal Constitucional. III
6. Nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação e confirmar a decisão sumária de fls. 375 e seguintes, que não tomou conhecimento do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 29 de Novembro de 2000 Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida