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Proc. nº 413/00
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferencia, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional, notificado da decisão sumária de fls. 208 e seguintes – que, na sequência de jurisprudência anterior deste Tribunal, julgou inconstitucional o Regulamento de Taxas Municipais de Urbanização, aprovado por deliberação da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, em 3 de Dezembro de 1990, e homologado pela Assembleia Municipal respectiva, em 10 de Janeiro de 1991, por falta de indicação da norma legal habilitante –, veio reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, nº 3, da LTC.
São os seguintes os fundamentos invocados:
1º Está em causa – na situação dos autos – a exacta interpretação do princípio constitucional da precedência da lei habilitante dos regulamentos, consubstanciada na exigência formulada pelo actual artigo 112º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa.
2ºNa verdade – e se é inquestionável que todos os regulamentos devem, sob pena de inconstitucionalidade formal, fazer menção da respectiva lei habilitante – já se poderá controverter fundadamente o nível de exigência com que deverá valorar-se, em concreto, o cumprimento de tal requisito formal.
3º Oscilando a jurisprudência constitucional entre um nível de maior exigência – que se traduz na imposição de que a dita menção da lei-habilitante deva constar do próprio texto do regulamento – expresso designadamente, entre outros, no Acórdão nº 509/99, para cuja orientação se remete,
4º E um nível menos exigente, que se basta com tal menção da lei habilitante em quaisquer documentos ou instrumentos geneticamente ligados ao dito regulamento – e a que os respectivos destinatários possam ter acesso – cfr. v.g. o Acórdão nº
110/95.
5º Sucede que, no caso dos autos, constava da proposta que culminou na aprovação das normas regulamentares questionadas a menção – como lei habilitante – da alínea a) do artigo 11º da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro (Lei das Finanças Locais).
6º Circunstância que – na nossa óptica (e como se sustentou na alegação produzida no processo que originou a prolacção do dito Acórdão 509/99) – deveria bastar para se considerar preenchido o requisito formal exigido pelo artigo
112º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa.
7º Sendo certo que – como se admite no acórdão nº 110/95 – não se vislumbram quaisquer razões para duvidar da livre e plena acessibilidade às actas dos particulares, afectados pela disciplina instituída pelo regulamento em causa.
8º Neste concreto circunstancialismo – alguma indefinição da jurisprudência constitucional sobre as precisas exigências formais que decorrem do preceituado no artigo 112º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa e existência de um
único acórdão, proferido por outra Secção deste Tribunal sobre a concreta questão de inconstitucionalidade suscitada – entendemos, salvo melhor opinião, que não deverá perspectivar-se como «simples» a decisão a proferir, o que determinaria a tramitação «normal» do presente recurso, com produção de alegações pelas partes.'
Notificado para se pronunciar sobre a reclamação apresentada, a recorrida não respondeu.
2. Os argumentos invocados pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto haviam já sido considerados e refutados no acórdão nº 509/99 (ainda inédito), proferido pela 3ª Secção deste Tribunal, que julgou inconstitucional o mencionado Regulamento de Taxas Municipais de Urbanização da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, e que a decisão sumária agora impugnada reiterou.
A exigência de indicação da lei habilitante formulada pelo actual artigo 112º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa (a que correspondia o artigo 115º, nº 7, na versão de 1989, vigente ao tempo em que foi aprovado o Regulamento questionado nos autos) tem em vista, por um lado, disciplinar o uso do poder regulamentar, obrigando o Governo e a Administração a controlarem, em cada caso, se podem ou não emitir determinado regulamento, e, por outro lado, garantir a segurança e a transparência jurídicas, dando a conhecer aos destinatários o fundamento do poder regulamentar.
Ora, no caso dos autos, não se encontra no texto do Regulamento, nem no texto do aviso que lhe deu publicidade, qualquer referência, ainda que incompleta, à norma que justifica a competência da Câmara Municipal para o aprovar, ou da Assembleia Municipal para o homologar.
Sustenta-se na reclamação que, se o Tribunal seguisse uma jurisprudência menos exigente, poderia considerar suficiente a menção, como lei habilitante, na proposta que culminou na aprovação das normas regulamentares questionadas, da alínea a) do artigo 11º da Lei nº 1/87, de 6 de Janeiro (Lei das Finanças Locais), já que 'não se vislumbram quaisquer razões para duvidar da livre e plena acessibilidade às actas pelos particulares, afectados pela disciplina instituída pelo regulamento em causa'. Decidiu-se no citado acórdão nº 509/99, da 3ª Secção, e reafirma-se agora que:
'[...] O próprio recorrente indicia, todavia, que esse preceito [a alínea a) do artigo 11º da Lei das Finanças Locais de 1987] não seria suficiente para fundamentar a competência dos órgãos municipais em concreto, ao acrescentar que deve ser conjugado com o nº 2 do artigo 39º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, de onde resulta a competência da assembleia municipal para «estabelecer as taxas municipais legalmente previstas e fixar os respectivos quantitativos». Ou seja: reconhece que nem das actas consta a norma que define a competência subjectiva para o aprovar [...].' e que:
'[...] não pode considerar-se suficiente a referência à Lei das Finanças Locais
(não acompanhada, sequer, da indicação da lei que atribui à Câmara e à Assembleia Municipal as competências que exerceram) na proposta de deliberação, que não é objecto da publicidade dada ao regulamento. E muito menos se pode haver como suficiente a referência que um voto de vencido constante da acta da sessão da Câmara que aprovou o regulamento faz à Lei das Finanças Locais e ao Decreto-Lei nº 400/84[...].'
Conclui-se, assim, pelos fundamentos constantes do mencionado acórdão nº 509/99, para o qual se remete, que o Regulamento de Taxas Municipais de Urbanização, aprovado por deliberação da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, em 3 de Dezembro de 1990, e homologado pela Assembleia Municipal respectiva, em 10 de Janeiro de 1991, não obedece à exigência formulada pelo artigo 115º, nº 7, da Constituição, na versão vigente ao tempo em que tal Regulamento foi aprovado.
3. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide confirmar a decisão sumária reclamada, julgando inconstitucional o Regulamento de Taxas Municipais de Urbanização, aprovado por deliberação da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, em 3 de Dezembro de 1990, e homologado pela Assembleia Municipal respectiva, em 10 de Janeiro de 1991, por falta de indicação da norma legal habilitante.
Lisboa, 10 de Outubro de 2000 Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida