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Procº nº 1015/98 ACÓRDÃO Nº
569/99
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida
Acordam no Tribunal Constitucional:
1. – M. e mulher I. propuseram contra MAR. e outros uma acção declarativa para reconhecimento do seu direito de preferência na compra do prédio urbano sito na Rua ...,.., e .., do Montijo, tendo o Tribunal de Círculo do Barreiro julgado a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido.
Inconformados com o assim decidido, os autores interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 22 de Janeiro de 1998, negou provimento aos agravos e à apelação, confirmando o despacho e a sentença recorridos.
Ainda inconformados com a decisão da Relação, os Autores interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça
(STJ), tendo apresentado as seguintes conclusões com interesse para a resolução do caso:
“1) - A apresentação das contestações em férias é um acto nulo (nulidade absoluta, ou principal, de primeiro grau) sendo-lhe aplicável o artº 143º, nº1, do C.P.Civil e nunca o artº 201º do mesmo Código, exprimindo esse artº143º um princípio constitucional de administração da Justiça, sendo, portanto, insanável e de conhecimento oficioso. O artº 201º só respeita às nulidades secundárias, enquanto que o artº 143 é um preceito de interesse e ordem pública. Deve, portanto, ser declarada a nulidade da apresentação dessas contestações, com as legais consequências. Foram violados, por erro de interpretação, o artº 143º, nº1, do C.P.Civil e os artºs 205º, 206º e 207º da Constituição da República Portuguesa, que são normas jurídicas que deveriam ter sido aplicadas.
....................................................................................................
4) - Ao ser indeferido esse Articulado Superveniente foram violados os artºs
344º, nº2, do Código Civil, os artºs 506º, 456º e 457º do C.P.Civil, e os artºs
13º, n.ºs 1 e 2, 18º, nº1 e 20º, nº1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
5) - A expressão ‘adquirentes’ do imóvel (nº 68, nº68-A), envolve uma perigosa e sugestiva petição de princípio, pois já antes da audiência de discussão e julgamento considera provado que o prédio adquirido foi o nº 68, 68-A, quando o que está em causa é precisamente saber se o prédio adquirido é o 70, 72 e 74 em vez do prédio nº 68, 68-A. Além de que tal expressão pode conceituar uma hipótese de caso julgado quanto à matéria fulcral do processo, e antes da audiência de discussão e julgamento ter ocorrido.
6) - Deve assim em substituição dessa expressão ser mencionada a expressão
‘possuidores’ ou ‘detentores’.
7) - Foram assim violados os artºs 13º, nº1 e nº2, 18º, nº1 e 20º, nº1 e nº2, da Constituição da República Portuguesa, aplicados directamente”
2. - O STJ, por acórdão de 23 de Setembro de
1998, decidiu negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Na revista, o STJ enfrentou e resolveu as seguintes questões:
A) Nulidade por apresentação das contestações em férias (desatendido o agravo, por se entender que nenhuma irregularidade foi cometida, uma vez que do facto de os articulados terem sido entregues em férias não resultou para as partes nenhum prejuízo nem tal facto influiu na decisão da causa); B) Dedução de um pedido em articulado superveniente (desatendido o agravo por se entender que não se está perante um articulado superveniente e, de qualquer modo, a pretensão dos autores já consta dos autos - a certificação da demolição); C) Quanto ao 3º agravo, o STJ não tomou conhecimento do mesmo por se tratar de um recurso interposto de um despacho de mero expediente, não havendo recurso para o STJ da parte relativa à reclamação da especificação e questionário; D) Quanto ao recurso da decisão final: o STJ entendeu que, relativamente à matéria de facto, a 1ª Instância julgou e a Relação confirmou que o prédio vendido não foi o arrendado, não podendo o STJ censurar o assim decidido; quanto
à inversão do ónus da prova, o STJ entende inexistirem elementos que permitam ou imponham a alteração da decisão recorrida; E) Quanto à questão de constitucionalidade suscitada : “Ora, não se vê no caso em apreço qualquer norma cuja aplicação importe recusar por ser inconstitucional. Por outro lado, resulta claro que o princípio da igualdade das partes subjacente ao processo civil foi respeitado. Como é pacificamente entendido, não se impõe que todos sejam tratados de maneira igual, mas tão só que sejam tratados de forma igual os que estejam em iguais circunstâncias. A questão em litígio foi apreciada pelo Tribunal recorrido com perfeito respeito pelos direitos constitucionalmente consagrados”.
É desta decisão que vem interposto pelos autores o presente recurso de constitucionalidade.
O recurso foi interposto ao abrigo do preceituado na alínea b) do nº1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
O recorrente, no requerimento de interposição do recurso, refere o seguinte quanto às normas cuja constitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie:
a) quanto à apresentação das contestações em férias judiciais - os artigos 143º, n.º1 e 201ºdo Código de Processo Civil - considerando violados os artigos 205º,
206 e 207º da Constituição e ainda o princípio do Estado de Direito; b) quanto ao indeferimento do articulado superveniente - os artigos 506º, 456 e
457º do Código de Processo Civil e o artigo 344º, n.º2, do Código Civil - considerando violados os artigos 13º, n.ºs1 e 2, 18º,nº1 e 20º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República, e ainda o princípio do Estado de Direito; c) quanto ao despacho que manteve a expressão “Réus adquirentes do imóvel” - consideram-se violados directamente os artigos 13º, nºs 1 e 2, 18º, nº1 e 20º, nºs 1 e 2, da Constituição.
Acrescenta ainda o recorrente no requerimento de interposição, depois de invocar a jurisprudência do Tribunal quanto a alguns dos aspectos do recurso interposto, que deve considerar-se dispensada a suscitação durante o processo quando a interpretação judicial adoptada se configure razoavelmente imprevisível, o que o recorrente considera acontecer relativamente
às normas que refere nas três alíneas atrás mencionadas.
3. - Apresentadas as competentes alegações, os recorrentes formularam as seguintes conclusões:
1) A apresentação das contestações em férias é uma nulidade insuprível, e de conhecimento oficioso, independentemente de ter sido efectivamente arguida pelos AA.
2) O artigo 143º do C.P.Civil não é, rigorosamente, uma norma processual, mas sim uma norma substantiva, de caracter imperativo, que, por definição, se aplica com, sem, ou contra a vontade dos seus destinatários, sendo, indubitavelmente, uma norma de interesse e ordem pública.
3) Portanto, a infracção da proibição constante do artigo 143º constitui uma nulidade substantiva e não uma nulidade processual, nada tendo que ver com o artigo 201ºdo mesmo C.P.Civil.
4) Com efeito esse artigo 143º é uma norma de organização judiciária, respeitante à organização e funcionamento dos tribunais.
5) O processo e a organização judiciária tem grandes afinidades e numerosos pontos de contacto, representando o processo o momento externo ou dinâmico dos tribunais, e representando a organização judiciária o seu momento interno ou estático, na sábia formulação do Prof. Manuel de Andrade.
6) São várias as normas de organização judiciária que estão incluídas no processo, e misturadas com normas processuais, e o artigo 143º, aludido, é uma dessas normas de organização judiciária que está incluída no Código de Processo Civil por causa das supracitadas afinidades, e para permitir uma mais fácil evocação aos profissionais do fôro.
7) A proibição constante do artigo 143º radica no facto de as férias, feriados e dias santificados terem sido instituídos, precisamente, para serem período de repouso ou descanso, nomeadamente, dos funcionários judiciais ( antigamente designados empregados judiciais).
8) Daí que a infracção da proibição constante desse artigo implica, necessariamente, a nulidade, insuprível, dos actos, pois seria uma contradição nos próprios termos, que, nesses dias de repouso ou descanso - que são a finalidade dessa disposição legal - se pudessem praticar actos, que é como quem diz, realizar trabalho, exercer actividade.
9) O Insigne Prof. Alberto dos Reis foi o autor do Projecto do Código de Processo Civil, e o artigo 158º desse seu projecto, foi plenamente aceite e consagrado pela Comissão Revisora, sem qualquer discussão, dando origem, com total identidade de redacção, ao artigo 143º do Código de Processo Civil.
10) E sempre esse Professor, antes e depois do Código de Processo Civil de 1939, designadamente, na vigência do Código de Processo Civil de 1876, defendeu a tese da nulidade total, insuprível, dos actos judiciais praticados nas férias, dias santificados, domingos e feriados.
11) Essa sua interpretação, em relação a um Código de Processo Civil que é obra sua, e que não sofreu qualquer alteração, ou sequer discussão no que respeita ao artigo 143º, equivale como que a uma interpretação autêntica desse artigo.
12) Essa nulidade resulta, nomeadamente, também do artigo 294º, que exprime o princípio geral do Direito, e que se aplica aos actos jurídicos, por força do disposto no artigo 295º, ambos do Código Civil.
13) Assim, todos os actos jurídicos celebrados contra disposição legal de caracter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei, como já o eram no domínio do Código Civil de 1867, em face do artigo 10º desse Código.
14) Aliás, essa tese do Prof. Alberto dos Reis, sobre essa nulidade
é adoptada, correntemente, na Jurisprudência e na Doutrina.
15) Portanto, deve ser declarado que as Contestações, de todos os R. R., são nulas, por terem sido apresentadas em férias judiciais, devendo, consequentemente, serem mandadas desentranhar dos autos, com os legais efeitos.
16) Pelo exposto, devem ser julgadas inconstitucionais - por violação dos artigos 205º, 206º e 207º da Constituição da República, na sua primeira Revisão, que correspondem, após a quarta Revisão, aos actuais artigos
202º e 204º, e por violação do principio Constitucional do Estado de Direito Democrático, previsto, designadamente, nos actuais artigos 2º, 13º, nºs 1 e 2, e
20º, nºs 1 e 5, da Constituição da República - as normas dos artigos 143º, nº 1, e 201º, do Código de Processo Civil, ambos na interpretação que lhes deu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, recorrido.
17) Por outro lado, o M.mo Juiz da primeira Instancia, ao indeferir liminarmente o Articulado Superveniente, com o fundamento de que o facto da demolição, pelos R. R., do prédio com os nºs 68 e 68-A, não interessava, manifestamente, à boa decisão da causa, não atentou, nem respeitou, o artigo
344º, nº 2 do Código Civil, e além disso ainda violou, gravemente, o principio, Constitucional, do contraditório, e da igualdade de armas, que são decorrência dos princípios Constitucionais da igualdade dos cidadãos perante a lei, do acesso aos Tribunais, e do direito à tutela judicial efectiva.
18) É indubitável que nos 8 artigos desse Articulado Superveniente foram alegado factos de manifesta relevância para boa decisão da causa, factos esses que os AA. iriam provar.
19) Portanto, deve ser revogado o despacho que indeferiu (rejeitou) esse Articulado, e substituído por outro que o admita e mande prosseguir os seus trâmites, e consequentemente devendo ser anulado o julgamento, com os legais efeitos (isto, na mera hipótese de as contestações não serem declaradas nulas, com os legais efeitos, o que não se espera.
20) Pelo exposto, devem ser julgadas inconstitucionais por violação dos artigos 2º, 13º, nºs 1 e 2, 18º, nº 1, 20º, nºs 1 e 5 e 202º, nº 2, da Constituição da República, e, ainda, do principio Constitucional do Estado de Direito - as normas dos artigos 506º, 456º e 457º do Código do Processo Civil, e a norma do artigo 344º, nº 2, do Código Civil.
21) Por outro lado, ainda, a expressão 'réus adquirentes do imóvel' tem uma flagrante, sugestiva e perigosa conotação com o mérito de acção, pois o que está em causa é precisamente, apurar-se qual dos dois prédios foi vendido, se o nº 70, 72 e 74 (tese dos AA.), se o nº 68, 68-A (tese dos R. R.).
22) Qualificar, no despacho ,os R. R., como adquirentes do nº 68,
68-A, é dar-lhes, logo, a vitória na Acção, antes de terem sido efectuados a discussão da causa e o julgamento.
23) Portanto, o despacho que, incompreensivelmente, e perigosamente, manteve a expressão 'Réus adquirentes do imóvel', mesmo depois de ter sido reclamada a má formulação dessa expressão, cometeu infracção, capaz, psicologicamente e juridicamente, de influir no exame e, ou, discussão da causa, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que defira a alteração da palavra 'adquirentes' pela de 'possuidores' ou outra palavra equivalente, devendo o julgamento ser anulado, com os legais efeitos (isto, apenas, na mera hipótese das Contestações não serem declaradas nulas).
24) Foram, nomeadamente, violados, directamente, os artigos 2º,l3º, nºs 1 e 2,18º,nº 1, 20º, nºs 1 e 2, da Constituição da República, e o principio constitucional do Estado de Direito, consubstanciados, designadamente nos princípios do contraditório e da igualdade de armas, entendidos como decorrência dos princípios da igualdade dos cidadãos perante a lei, do acesso aos Tribunais, do direito de defesa e do direito à tutela judicial efectiva.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve conceder-se provimento, ao recurso, devendo ser mandado reformar o, aliás, douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, em consonância, com os julgamentos das supracitadas questões das inconstitucionalidades.'.
Também os recorridos alegaram, argumentando em sentido contrário aos dos recorrentes, apenas formulando um única conclusão, no sentido de o recurso ser julgado totalmente improcedente.
4. – Depois de juntas alegações, foi proferido um despacho do relator, designado de “Parecer” em que, prevendo-se a possibilidade de não conhecer do recurso pela inverificação de pressupostos, se determinava a notificação dos recorrentes para se pronunciarem.
Transcreve-se a parte essencial do referido parecer:
“O presente recurso de constitucionalidade vem interposto ao abrigo da alínea b) do n.º1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Neste tipo de recursos, para que o Tribunal possa tomar conhecimento do seu objecto é indispensável que: a) a inconstitucionalidade da norma tenha sido suscitada durante o processo pelo recorrente; b) tal norma tenha sido utilizada na decisão recorrida como seu suporte normativo.
O legislador constituinte elegeu como conceito identificador do objecto típico da actividade do Tribunal Constitucional em matéria de controlo da constitucionalidade (cf. os artigos 278º, 280º e 281º da Constituição) o conceito de norma jurídica ou uma usa interpretação normativa, pelo que apenas estas (e não já as decisões judiciais em si mesmas consideradas), podem ser objecto de sindicância em sede de fiscalização concreta de constitucionalidade.
Com efeito, os recursos de constitucionalidade, sendo embora interpostos de decisões de outros tribunais não visam impugnar a inconstitucionalidade de tais decisões, mas antes o juízo que nelas se contenha sobre a inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade de normas com interesse para o julgamento da causa.
Assim sendo, recai sobre os recorrente o ónus de suscitar, durante o processo, a questão de inconstitucionalidade das normas convocadas e aplicadas pela decisão, fazendo-o de modo directo, explícito e perceptível através da indicação das disposições legais que se consideram afectadas de inconstitucionalidade, devendo também indicar-se os fundamentos da incompatibilidade com a Lei Fundamental, pois não é exigível que os tribunais decidam questões
(designadamente, questões de constitucionalidade), sem que as partes lhes indiquem as razões porque entendem que elas devem ser decididas num determinado sentido, e não noutro. A simples referência a que determinados preceitos legais são inconstitucionais ou que “violam os artigos da Constituição” não são formas adequadas de se suscitar uma questão de constitucionalidade.
Finalmente, importa ainda salientar que a norma cuja constitucionalidade se questiona tem de ser aplicada pela decisão recorrida, isto é, tem de ser um dos seus fundamentos decisórios, tem de constituir a ratio decidendi do acórdão impugnado.
4. – No caso dos autos, das três questões de constitucionalidade que os recorrentes identificam no respectivo requerimento de interposição do recurso, uma existe (a da alínea c) do requerimento de interposição) relativamente à qual o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) se não pronunciou e, por isso, não teve sequer oportunidade de aplicar a norma (?) que os recorrentes parecem questionar.
De facto, os recorrentes questionam a constitucionalidade do “despacho que manteve a expressão «réus adquirentes do imóvel», pretendendo que ela seja substituída por «possuidores» ou equivalente, considerando violados directamente os artigo 13º, n.ºs 1 e 2, 18º, n.º1 e 20º, n.ºs 1 e 2, da Constituição e ainda o princípio do Estado de direito democrático.
Ora, basta ler o acórdão recorrido para constatar que em tal decisão(fls. 517) se não tomou conhecimento do recurso de agravo em que tal questão foi suscitada
(3º Agravo), por se entender que se tratava de despacho de mero expediente e, por isso, não recorrível, uma vez que os recorrentes não questionam o despacho que designou o dia para a diligência mas questionam “só a terminologia usada”.
É assim manifesto que o STJ não aplicou aqui qualquer norma (que, aliás, não vem identificada pelo recorrente) como também não foi adequadamente suscitada qualquer questão de constitucionalidade, uma vez que dizer que se consideram violados directamente certas normas constitucionais por um despacho é imputar a inconstitucionalidade à decisão e não a quaisquer normas.
Falta, portanto, relativamente a esta matéria (alínea c) do requerimento de interposição do recurso) um dos pressupostos de conhecimento do recurso de constitucionalidade, pelo que dele se não pode conhecer.
5. – Quanto à alínea a) do mesmo requerimento: os recorrentes referem-se aí aos artigos 143º e 201º do CPC.
Analisadas as alegações da revista para o STJ, constata-se que os recorrentes se insurgem contra a entrega das contestações dos réus em 2 de Agosto de 1994, ou seja em férias judiciais, considerando que se devia ter por inaplicável o artigo 201º do CPC, devendo considerar-se que a prática de tal «acto» em férias corresponde à prática de um acto nulo, por força do artigo 143º do CPC.
A questão de constitucionalidade que os recorrentes referem é assim equacionada, nessas alegações:
“Deve, assim, ser dado o total provimento a este agravo, pois as Instâncias cometeram erro ao considerarem aplicável o artº 201º, violando, nomeadamente, o artigo 143º, ambos do C.P. Civil, e violando, também, os artºs 205º, 206º e 207º da Constituição da República Portuguesa, que são as normas jurídicas que deveriam Ter sido aplicadas”.
Ora, colocar assim o problema é imputar a inconstitucionalidade à decisão e nunca a norma jurídicas. Com efeito, o que os recorrentes discutem é a questão se saber se, admitindo que a entrega de articulados é uma acto judicial, a entrega das contestações dos réus em férias constitui uma nulidade absoluta ou mera irregularidade, mera questão de direito ordinário e que nada tem a ver com a inconstitucionalidade de quaisquer normas.
A decisão do STJ aqui em recurso também não detectou na alegação dos recorrentes, nesta parte, qualquer questão de inconstitucionalidade que tivesse de resolver. Na verdade, escreve-se nessa decisão o seguinte:
“O artigo 143º do Código de Processo Civil determina que os actos judiciais não podem ser praticados aos domingos nem em dias feriados nem durante as férias, exceptuando-se as citações, notificações, arrematações e os actos que se destinam a evitar dano irreparável. O artigo 201º do CPC contém a regra geral sobre as nulidades do processo, considerando-se os artigos 193º a 200º os casos especiais. Não estando a hipótese prevista nestas disposições cai-se no artigo 201º que abrange os outros casos de infracção da lei processual – Prof. Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de processo Civil, II, pág. 482.
É certo que há nulidades que infringindo princípios fundamentais do nosso ordenamento jurídico, traves mestras dos valores constitucionalmente consagrados, gozam de garantia constitucional e são insupríveis. Serão, por exemplo, aquelas que violam os direitos, liberdades e garantias, como é o caso do não respeito pelo princípio do contraditório. Nada disso está aqui em causa”.
E conclui afirmando que a antecipação da defesa, não violando qualquer direito essencial e não trazendo qualquer prejuízo para os ora recorrentes (autores) é irrelevante.
Diga-se aliás que a referência aos artigos 205º, 206º e 207º da Constituição só é minimamente entendível se se considerar que o que se está verdadeiramente a questionar é a decisão, qua tale, do tribunal: o primeiro preceito reporta-se, de facto, às decisões dos tribunais, que tem de ser fundamentadas e são obrigatórias; já as outras normas (a segunda refere-se às audiências dos tribunais e a outra ao júri, á participação popular e à assessoria técnica) não se vislumbra como poderiam ser violadas, e muito menos como poderia sê-lo o princípio do Estado de direito – nesta perspectiva, a questão de constitucionalidade suscitada seria manifestamente infundada, se não tivesse sido inadequadamente suscitada.
De qualquer modo, não se verifica um dos pressupostos do conhecimento do recurso de constitucionalidade, pelo que, nesta parte, não pode também conhecer-se do recurso interposto.
6. – Quanto à alínea b) do requerimento de interposição do recurso, os recorrentes questionam os artigos 506º, 456º, 457º todos do CPC e o artigo 344º, n.º2, do Código Civil.
A razão que os recorrente invocam para este questionamento é a de que “com o indeferimento do articulado superveniente e dos respectivos trâmites, não Ter sido permitido aos Autores provarem que os Réus, com a sua inclassificável demolição do prédio três dias antes da realização da Inspecção Judicial, actuarem culposamente, tornando impossível a prova da fundamental matéria que fora alegada pelos Autores, e deixando, assim, estes, de beneficiarem da inversão do ónus da prova concedida pelo aludido artigo 344º, n.º2 do C. Civil.”
A este respeito, escreveu-se na decisão recorrida o seguinte:
“Os autores apresentaram um requerimento em que textualmente afirmam: ‘Os autores, na Inspecção Judicial hoje feita, pediram que ficasse a constar do auto a data de demolição do prédio, aliás, a confirmar pelo réu Artur, que se encontrava presente, acompanhado do seu patrono. Como, com base em razões técnicas, não foi deferido por V. Exa esse pedido, vêm os autores deduzir os factos em articulado superveniente, pois se trata de factos supervenientes, que interessam, flagrantemente, à boa decisão da causa’. O requerimento foi indeferido, tendo o Tribunal da Relação confirmado a decisão. O artigo 506º nº1 do C. Processo Civil estipula que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes, podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão. O n.º 3 do mesmo artigo precisa que se dizem supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos. Há assim a superveniência objectiva e a superveniência subjectiva. No caso concreto, estar-se-á perante factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito e que sejam supervenientes? Pensamos que não. A única coisa que os autores pretendiam é que ficasse a constar a data da demolição do prédio. E isto com vista a demonstrar que tal demolição foi feita já depois de ordenada a inspecção judicial. Em bom rigor nem se está perante articulado superveniente, já que nenhum facto novo relevante é trazido aos autos. Por outro lado, aquilo que os requerentes pretendiam ver articulado consta já dos autos. Efectivamente, através do auto respectivo está certificada a demolição, resultando daí inclusivé o período de tempo em que a mesma teve lugar. Nada havia, pois, a acrescentar.”
A simples leitura desta transcrição do acórdão recorrido é suficiente para se mostrar que a decisão recorrida não aplicou as normas questionadas com o sentido inconstitucional que o recorrente lhes atribui. E que assim sucede, na verdade, basta a afirmação de que “aquilo que os requerentes pretendiam ver articulado, consta já dos autos” e este facto foi o verdadeiro fundamento do indeferimento e não qualquer outro.
Assim sendo, falece também quanto a este recurso um dos pressupostos de conhecimento do respectivo objecto, pelo que dele se não pode conhecer.
Em face do que fica exposto, e uma vez que o processo contém já as alegações das partes, elaborou-se este parecer do relator, nos termos do artigo 3º do Código de processo Civil, no sentido de que não pode, no caso dos autos, tomar-se conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade, por falta de pressupostos.
Notifiquem-se as partes, apara, querendo tomar posição sobre tal parecer, no prazo legal.
5. – Notificado deste despacho, os recorrentes vieram reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º - B, da Lei do Tribunal Constitucional, terminando tal requerimento com as seguintes conclusões:
“1) É Jurisprudência e Doutrina consagradas que os recursos devem facilitar-se e não dificultar-se sendo certo que, em caso de dúvida, os recursos devem ser sempre admitidos.
2) Ora, o presente recurso de constitucionalidade foi sempre admitido até ao último despacho do Exmº. Juiz Conselheiro Relator, deste Tribunal Constitucional, ou seja, foi admitido pelo Exmº. Juiz Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, e também fora admitido pelo próprio Exmº.Juiz Conselheiro Relator do Tribunal Constitucional, que no seu último despacho recusa essa admissão.
3) Portanto, havendo dúvida, impõe-se a admissão do recurso, e o conhecimento do seu objecto.
4) É o corolário dos direitos constitucionais de defesa, de acesso aos Tribunais, e da tutela judicial efectiva, que são expressões do principio do Estado de Direito Democrático, em conformidade, nomeadamente com os artigos
2º,20º,,nºs.1 e 5 e 202º, n.º2,da Constituição da República Portuguesa.
5) O actual C.-P.Civil - aplicável subsidiariamente à Lei do Tribunal Constitucional (artº69º.)é inovador no sentido da preocupação permanente da realização efectiva e adequada do direito material.
6) Em face do artigo 666º.,nºs.1 e 3.do C.P.Civil, proferido um despacho fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à correspondente matéria para ele a decisão é intangível.
7)Assim, o Exmº.Juíz Conselheiro Relator do Tribunal do Constitucional que se enquadrou no nº5 do artigo 78º - A, da Lei do Tribunal Constitucional entendendo, portanto, que podia conhecer-se do objecto do recurso e mandando, por isso, notificar os recorrentes, ora reclamantes, para apresentarem alegações, não pode agora, em novo despacho sustentar o contrário, ou seja, que não pode tomar-se conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade
8) – Aliás com a actual redacção do artigo 78º-A, parecer do Relator foi eliminado e substituído por uma decisão sumária do Relator.
9) - Simplesmente, no caso dos autos, o Exmº Conselheiro Relator não teve de proferir qualquer decisão sumária, pois enquadrou no aludido nº.5 desse artigo78º-A, que tem, precisamente, como pressuposto o 'não dever aplicar-se o disposto no nº1'.
10) - Num Estado de Direito Democrático, como o nosso, todos devemos observar e cumprir as leis, devendo ficar exaltados com a nobre missão de aplicar as leis
(Cfr.,v.g.,Ferrara, in, ”Interpretação e Aplicação das Leis”,pág.79;e Ac. S.T.J. de 12/11/1996, no Bol. nº.461,,pág. 411 e segs.).
11) - Os A.A. no processo em causa, têm sido vítimas de várias ilegalidades e injustiças, objectivas.
12) - Os A.A., recorrentes e ora reclamantes, no seu requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional - aqui dado como reproduzido - explanaram os fundamentos do recurso e especificaram as normas e os princípios legais ou constitucionais que, na interpretação que lhes deu o Acórdão recorrido, devem ser julgados inconstitucionais, e tendo suscitado, durante o processo as questões das inconstitucionalidades, sendo, porém, também certo que estava dispensada essa suscitação durante o processo, sendo lícita a suscitação no próprio requerimento de interposição do recurso quando a interpretação judicial adoptada se configure razoavelmente imprevisível, como foi o caso concreto.
13) Além disso, em obediência ao artigo 79º - C da Lei do Tribunal Constitucional, o Tribunal pode fazer julgamentos de inconstitucionalidade, com fundamento na violação de normas ou princípios constitucionais ou legais diversos daqueles cuja violação foi invocada.
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTOS:
6. – Os recorrentes, no requerimento de interposição do recurso, equacionaram as seguintes questões de constitucionalidade: a) quanto à apresentação das contestações em férias judiciais - os artigos
143º, n.º1 e 201ºdo Código de Processo Civil - considerando violados os artigos
205º, 206 e 207º da Constituição e ainda o princípio do Estado de Direito; b) quanto ao indeferimento do articulado superveniente - os artigos 506º, 456 e 457º do Código de Processo Civil e o artigo 344º, n.º2, do Código Civil - considerando violados os artigos 13º, n.ºs1 e 2, 18º,nº1 e 20º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República, e ainda o princípio do Estado de Direito; c) quanto ao despacho que manteve a expressão “Réus adquirentes do imóvel” - consideram-se violados directamente os artigos 13º, nºs 1 e 2, 18º, nº1 e 20º, nºs 1 e 2, da Constituição.
Sobre estas questões se debruçou o “Parecer” do relator, após junção das alegações elaborado para ouvir as partes, dando assim realização ao princípio do contraditório constante do artigo 3º do Código de Processo Civil, com inteiro respeito pelo que se estabelece no artigo 704º, n.º1 do mesmo Código.
Insurgem-se os recorrentes contra o referido despacho arguindo-o de nulo e reclamando para a conferência nos termos dos artigos 78º-B, n.º2 e 78º-A, n.º3, da Lei do Tribunal Constitucional, devendo o recurso prosseguir.
Ora, o Tribunal não está impedido, mesmo depois de produzidas as alegações, de decidir que não toma conhecimento do objecto do recurso por não estarem verificados os requisitos de admissibilidade do recurso. Porém, a necessidade de respeitar e fazer cumprir durante todo o processo o princípio do contraditório impõe que dê conhecimento às partes de que uma tal possibilidade existe e pode vir a ser concretizada no referido processo, para que cada uma delas posa produzir os seus argumentos contrariando os fundamentos em que tal hipótese se baseia.
Assim, a reclamação que apresentam é um meio inadequado para responder ao parecer do relator. A prolação do despacho que determina a produção de alegações não garante uma pronúncia sobre o mérito do litígio, mas apenas que o Tribunal se pronunciará colegialmente resolvendo o litígio de forma definitiva.
O “parecer” que os recorrentes contestam não contém, de facto, qualquer decisão: apenas dá conhecimento a ambas as partes de que, analisados os autos, o relator entende que deve propor ao Tribunal uma decisão de não conhecimento do objecto do recurso, assim cumprindo o princípio do contraditório.
Seja como for, os recorrentes no que respeita aos fundamentos constantes do citado “parecer” nada trazem de novo, limitando-se a tecer considerações sobre as decisões proferidas nas instâncias, reafirmando apenas o que se referiu no requerimento de interposição do recurso.
Com efeito, relativamente à questão da alínea c) do requerimento de interposição do recurso, é manifesto que o recorrente não identifica qualquer norma cuja constitucionalidade tivesse sido suscitada oportunamente e que tivesse sido aplicada na decisão recorrida: o que se questiona é o teor de um dado despacho exarado no processo e que o STJ considera irrecorrível. Assim, a
única norma aqui aplicada pelo STJ só pode ter sido o artigo 679º do CPC, que estabelece que não admitem recurso os despachos de mero expediente. E esta norma não vem questionada pelos recorrentes. De qualquer modo, também a questão de constitucionalidade não teria sido - se existisse - suscitada de forma adequada, como se referiu no parecer.
Quanto às restantes questões tratadas no parecer do relator, não foram aduzidos quaisquer argumentos que levem a uma modificação de tudo quanto foi exposto nesse despacho, pelo que o conteúdo do mesmo deve ser acolhido.
III – DECISÃO:
Pelo exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 8 UC’s.
Lisboa, 20 de Outubro de 1999 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa