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Proc. n.º 68/95 Plenário Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I O pedido e os seus fundamentos
1. O Provedor de Justiça requereu, em 7 de Fevereiro de 1995, ao Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 281º, nº 2, alínea d), da Constituição da República Portuguesa, que aprecie e declare a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, ou, se assim não vier a ser entendido, a ilegalidade das normas constantes dos artigos 14º, 15º, 24º e 25º do Decreto-Lei nº 409/89, de 18 de Novembro, diploma que aprova a estrutura da carreira do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário e estabelece as normas relativas ao seu estatuto remuneratório.
2. É o seguinte o teor das normas impugnadas: Artigo 14º Transição dos docentes ao nível 3 Os docentes da educação pré-escolar e do 1º ciclo do ensino básico que se encontram no nível de qualificação 3 previsto no mapa anexo ao Decreto-Lei nº
100/86, de 17 de Maio, bem como os ex-regentes escolares habilitados com o curso especial previsto no Decreto-Lei nº 111/76, de 7 de Fevereiro, que se encontram no nível de qualificação 4 previsto no mesmo mapa, transitam para o índice 88 do
1º escalão ou para os 2º, 3º, 4º, 5º ou 6º escalões, conforme se encontrem, respectivamente, nas 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª ou 6ª fases. Artigo 15º Transição dos docentes do nível 1
1 – Sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3, os docentes profissionalizados do ensino preparatório e secundário que se encontram no nível de qualificação 1 previsto no mapa anexo ao Decreto-Lei nº 100/86, de 17 de Maio, bem como o pessoal docente das escolas do magistério primário e das escolas normais dos educadores de infância, transitam para o índice 117 do 3º escalão ou para os 4º,
5º ou 6º escalões, conforme se encontrem, respectivamente, na 1ª fase, com zero ou uma diuturnidade, e nas 2ª, 3ª ou 4ª fases, e para os índices 200 ou 226 do
7º escalão, conforme se encontrem, respectivamente, na 5ª fase ou na 6ª fase.
2 – Os bacharéis actualmente integrados no nível de qualificação 1 previsto no mapa anexo ao Decreto-Lei nº 100/86, de 17 de Maio, bem como os professores de Didáctica Especial referidos no artigo 8º do mesmo diploma legal, transitam para o escalão correspondente, nos termos previstos no nº 1.
3 – São ainda abrangidos pelo disposto no número anterior os docentes abrangidos pelo Despacho nº 138/MEC/87, de 25 de Maio, pelo Despacho nº 136/ME/88, de 4 de Agosto, e pela Portaria nº 466/89, de 24 de Junho.
4 – Sem prejuízo do disposto no artigo 10º, a candidatura para acesso ao 8º escalão da carreira docente apresentada pelos docentes referidos nos nºs 2 e 3 apenas produz efeitos após o decurso de seis anos sobre o termo do módulo de tempo de serviço previsto para o 7º escalão.
5 – O disposto no número anterior não prejudica a progressão destes docentes nos níveis remuneratórios previstos no 7º escalão, nos termos gerais. Artigo 24º Processo de transição Aos docentes que em 30 de Setembro de 1989 tenham, nas respectivas fases, mais anos de serviço do que os que estão fixados para o escalão de transição ser-lhes-á contado, até ao limite de dois anos, esse tempo de serviço no escalão para o qual progridam, nos termos previstos no presente diploma. Artigo 25º Processo de transição
1 – Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, para efeitos da transição prevista nos artigos anteriores, é considerada a fase ou o escalão a que, nos termos do disposto no Decreto-Lei nº 100/86, de 17 de Maio, com as alterações introduzidas pela Lei nº 46/86, de 14 de Outubro, o docente tinha direito em 30 de Setembro de 1989, ainda que não concedida, mas já requerida à data da publicação do presente diploma.
2 – A transição dos docentes que no período compreendido entre 1 de Outubro e 31 de Dezembro de 1989 tenham direito, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº
100/86, de 17 de Maio, com as alterações introduzidas pela Lei nº 46/86, de 14 de Outubro, à concessão de nova fase processa-se para o escalão àquela correspondente, reportada ao dia em que, nos termos da legislação aplicável, se completou o necessário tempo de serviço.
3 – Até à transição prevista no número anterior os docentes são remunerados de acordo com o mapa anexo ao Decreto-Lei nº 100/86, de 17 de Maio, nos termos da tabela salarial aprovada pela Portaria nº 904-B/89, de 16 de Outubro.
3. O Provedor de Justiça impugna as normas indicadas em dois planos distintos: por um lado, questiona a sua constitucionalidade, por violação dos artigos 13º e 59º, nº 1, alínea a), da Constituição; por outro lado, coloca a questão da ilegalidade das mesmas normas, por violação do artigo 36º, nº 2, da Lei nº 46/86, de 14 de Outubro, e dos artigos 14º, nº 2, e 40º, nºs 2 e 3, do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho.
a) Da inconstitucionalidade das normas
O requerente entende que o regime de transição constante dos artigos
14º, 15º, 24º e 25º do Decreto-Lei nº 409/89, de 18 de Novembro, deu 'lugar a um conjunto de distorções no sistema, afectando a equidistância dos posicionamentos correspectivos, introduziu ablações nas situações jurídicas activas dos funcionários e agentes em causa [...] e, bem assim, infringiu o princípio constitucional da igualdade'. Considera assim que a transição operada por via das normas impugnadas 'diminuiu a distância entre as posições ocupadas, por um lado, pelos professores dos ensinos preparatório e secundário e, por outro, pelos restantes docentes, sem que tal resultasse necessariamente da unificação da carreira'; ao mesmo tempo,
'ficaram aproximados ope legis os professores com mais tempo de serviço prestado daqueles que iniciaram a sua carreira há menos tempo'.
O requerente expõe deste modo aquela primeira situação ou consequência:
'[...]
24º – Por reporte à primeira consequência enunciada supra, observa-se que os professores do antigo ensino primário viram o seu posicionamento transposto em estreita correspectividade. A paridade que mantinham dentro do seu conjunto reproduziu-se proporcionalmente, nos termos do art.º 14º.
25º – O mesmo ocorreu quanto aos docentes da educação pré-escolar e ex-regentes escolares habilitados com o curso especial previsto no Decreto-Lei nº 111/76, de
7 de Fevereiro.
26º – Das 1ª, 2ª, 3ª, 4ª, 5ª e 6ª fases transitaram, respectivamente, para o
índice 88 do 1º escalão, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º escalão da carreira reformulada.
27º – Já os docentes do nível 1 (maxime, os docentes profissionalizados do ensino preparatório e secundário) foram alinhados no índice 117 do 3º escalão, quando se encontrassem na 1ª fase, no 4º escalão, quando se encontrassem na 2ª fase, no 5º escalão, quando se encontrassem na 3ª fase, no 6º escalão, quando se encontrassem na 4ª fase, no índice 200 do 7º escalão, quando se encontrassem na
5ª fase e, por fim, no índice 226 do 7º escalão, quando se encontrassem na 6ª fase.
28º – Se é certo ter ficado mantido um equilíbrio dentro do conjunto da cada um destes grupos de docentes (os que são destinatários do disposto no art.º 14º e os que são destinatários do disposto no artigo 15º, nº 1), o mesmo não é possível reconhecer quanto à paridade entre ambos.
29º – Dito por outras palavras, observa-se que o legislador foi mais cauteloso no transporte das posições de docentes que pertenciam ao nível 3 (art.º 14º) que relativamente aos docentes do nível 1 (docentes profissionalizados do ensino preparatório e secundário – art.º 15º, nº 1).'
Relativamente ao segundo ponto, afirma o requerente:
'[...]
35º – Na verdade, concretizando a segunda consequência descrita [...], escalões e escalas indiciárias idênticas são atribuídas a docentes cuja experiência pedagógica e tempo de serviço prestado reclamam um tratamento positivamente diferenciado.
36º – [...], dir-se-á que no 3º escalão se encontram posicionados, por força do disposto no art.º 14º, tanto os professores primários a quem coube prestar, pelo menos, doze anos de serviço, como também os recém-iniciados na carreira, a quem bastaram sete anos do mesmo serviço. [...]
37º – [...] coexistem no 6º escalão os professores oriundos da 4ª fase, a quem correspondiam 18, 19, 20 ou 21 anos de serviço prestado, com docentes cujo tempo se limita entre 15 e 17 anos. [...]
38º – Só a anteriores carreiras, unificadas pelo novo regime, é aditado num prolongamento, passando de 25 a 29 anos (ou mais, como veio depois a resultar da aplicação da Portaria nº 1218/90, de 19 de Dezembro).
39º – Todavia, a que mais parece somar relevo é a circunstância de os docentes que se encontravam próximos do topo da respectiva carreira, ficaram posicionados, na melhor das hipóteses, no sétimo de dez escalões, acrescendo à sua progressão aprovação em processo de candidatura (art.º 11º, nº 1).
40º – Não será despiciendo referir, ainda, o prejuízo sofrido por força do congelamento da progressão que a norma contida no art. 23º, nº 2, fez determinar.
41º – E nem o paliativo subsequente previsto no artigo imediatamente posterior pode considerar-se como reparador integral, porquanto este meio só é eficaz em relação às diferenças menores ou iguais a dois anos entre a fase e o escalão correspondente.'
Conclui o requerente que as normas impugnadas violam o princípio da igualdade, constante do artigo 13º da Constituição, bem como o princípio consignado no artigo 59º, nº 1, alínea c), da Constituição, traduzido na exigência de 'salário igual para trabalho igual'.
b) Da ilegalidade das normas
O requerente enuncia ainda a tese da ilegalidade das normas em causa, de que resultaria a inconstitucionalidade orgânica das mesmas normas, na medida em que se entenda que o Decreto-Lei nº 409/89 desrespeitou 'outras normas legais que a Constituição quis que funcionassem como seus parâmetros de validade' – no caso, as normas constantes da Lei nº 46/86, de 14 de Outubro, e do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho.
É a esta a argumentação do requerente:
'[...]
64º – A Constituição impõe, no seu artigo 115º, nº 2, in fine, o respeito das leis que definam bases gerais pelos decretos-leis que as desenvolvam.
65º – Ora, o artigo 36º, nº 1, da Lei nº 46/86 define como princípio estruturante da remuneração dos funcionários da Educação a correspondência com o nível de habilitações e com as responsabilidades assumidas, leia-se, com a experiência adquirida e funções desempenhadas.
66º – Como se verificou acima, o disposto nas normas ora impugnadas viola frontalmente esta disposição legal, ao, fazendo tábua rasa dos critérios legais, igualar o que é desigual em termos normativamente prescritos e constitucionalmente aceitáveis.
67º – Também o Decreto-Lei 184/89, de 2 de Junho, no seu artigo 14º, nº 1, estabelece como trave mestra do sistema retributivo da função pública a manutenção da equidade interna do mesmo.
68º – No seu nº 2, o mesmo artigo define essa equidade interna como salvaguarda das proporcionalidades entre exigências e benefícios, bem como estabelecimento de um nível elevado de coerência interna do próprio sistema.
69º – Em aplicação deste princípio deve integrar-se o disposto no artigo 40º, nº
2, fazendo depender a aplicação do novo sistema retributivo da necessidade de não ferir não só direitos adquiridos como, até, das expectativas criadas, quer em termos de carreira, quer em termos de retribuição.
70º – O Decreto-Lei nº 409/89 não pode deixar de respeitar as linhas de orientação traçadas pela Lei 46/86 e pelo Decreto-Lei nº 184/89, tratando, como trata, do sistema retributivo dos principais agentes do processo educativo.
71º – Caso o Decreto-Lei nº 409/89 quisesse dispor em contrário, estaria, desde logo, viciado de inconstitucionalidade orgânica, por violação dos artigos 167º, i) e 168º, 1, v).'
O Provedor juntou ao pedido um parecer da autoria de Sérvulo Correia e Jorge Bacelar Gouveia, no sentido da inconstitucionalidade parcial do Decreto-Lei nº 409/89, de 17 de Maio, 'no respeitante ao regime de transição do seu capítulo IV'.
4. Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 54º e 55º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, o Primeiro-Ministro sublinhou, na sua resposta, o seguinte:
'[...]
30º – Uma análise feita na generalidade à lista de transição para o novo sistema retributivo que tem por objecto os docentes do 2º e 3º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, publicada em 1991, e que se remete em anexo à presente resposta, comprova que a concretização do mesmo regime de transição posiciona em
índices diferentes dentro do mesmo escalão, docentes aos quais correspondia, à luz do regime anterior, fases e letras também distintas.
31º – O facto de o referido documento ter sido publicado em Abril de 1991 não parece despiciendo no que tange à procedência dos exemplos puramente prospectivos que foram inseridos no parecer anexo ao requerimento, já que o mesmo parecer data do ano de 1990, não tendo tomado em conta a concretização das transições que ulteriormente foram operadas.
32º – Admite-se que nos poucos casos de escalões dotados de um só nível indiciário possam existir situações pontuais de uniformização formal do estatuto de docentes com antiguidades diversas, cumprindo todavia lembrar a existência legal de mecanismos correctivos relativos à contagem do tempo de serviço, previstos no artigo 24º do Decreto-Lei nº 409/89.'
O Primeiro-Ministro concluiu:
'A) Que o regime transitório previsto nos artigos 14º, 15º, 24º e 25º do Decreto-Lei nº 409/89, de 18 de Novembro, não ofende o princípio da igualdade, nem o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 59º da CRP, pois prevê, através de um sistema de escalões e respectivos níveis indiciários, uma diferenciação entre os docentes de antiguidade distinta que transitam para a nova carreira; B) Que a referida desigualdade jamais poderia derivar do facto de se conferir, por via de uma aproximação relativa de remunerações entre professores de diferentes antiguidades, uma discriminação positiva aos docentes mais novos, já que esta última não só não é realizada à custa de qualquer oneração imposta aos docentes mais antigos, como também se encontra devidamente fundada nos fins públicos essenciais de valorização e estímulo da nova carreira docente, que é equiparada às carreiras gerais da função pública; C) Que a introdução de um regime de acesso por promoção aos três últimos escalões da nova carreira não ofende o princípio da protecção da confiança, pois não onera as expectativas remuneratórias de progressão dos docentes mais antigos, no que tange à estrutura daquilo que era a carreira do regime anterior, nem comporta qualquer imprevisibilidade materialmente injustificada, passível de configurar uma situação de arbítrio legislativo; D) E que, finalmente, não existe qualquer violação do princípio da equidade interna do sistema retributivo (artigo 14º do Decreto-Lei nº 184/89 e artigo 36º da Lei nº 46/86), tendo em conta que o novo regime de transição salvaguarda, na generalidade, relações de proporcionalidade entre as diversas responsabilidades das categorias docentes e as correspondentes remunerações.'
5. Discutido em Plenário o memorando apresentado pelo Vice-Presidente do Tribunal, nos termos dos artigos 63º, nº 1, e 39º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional, e fixada a orientação do Tribunal, cumpre decidir.
II Questão prévia
6. O Decreto-Lei nº 409/89, de 18 de Novembro, de onde constam as normas impugnadas, foi expressamente revogado pelo artigo 22º do Decreto-Lei nº 312/99, de 10 de Agosto, diploma este que aprovou a estrutura da carreira de pessoal docente de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário e estabeleceu as normas relativas ao seu estatuto remuneratório.
Por força do 'princípio do pedido', expresso no artigo 51º, nº 5, da Lei do Tribunal Constitucional, e de acordo com a jurisprudência deste Tribunal, não pode operar-se a 'convolação' do objecto do processo – os mencionados artigos do Decreto-Lei nº 409/89 – nas normas do diploma revogante que tenham um eventual conteúdo preceptivo correspondente ou semelhante ao das normas que constituem o objecto do pedido, o que aliás no caso não acontece.
Todavia, o facto de as normas em causa terem sido revogadas não é suficiente para se concluir de imediato pela inutilidade do pedido.
Como dispõe o nº 1 do artigo 282º da Constituição, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral produz, em princípio, efeitos ex tunc, ou seja, retroage os seus efeitos desde a data da entrada em vigor das normas em causa, o que justificará que se conheça de pedidos relativos a normas revogadas sempre que tal se mostre indispensável para corrigir ou eliminar os efeitos entretanto produzidos por tais normas durante o período da sua vigência.
Haverá, então, e antes de mais, que apurar se se verifica tal interesse ou utilidade no conhecimento do pedido de fiscalização abstracta sucessiva de inconstitucionalidade destas normas, entretanto revogadas.
7. Ora, é jurisprudência conhecida deste Tribunal que não existe um interesse jurídico relevante no conhecimento do pedido quando a situação for tal que, no caso de uma eventual declaração de inconstitucionalidade (ou ilegalidade), os seus efeitos sempre viriam a ser limitados nos termos do nº 4 do artigo 282º da Constituição – a norma que confere ao Tribunal Constitucional a faculdade de fixar os efeitos do declarado vício de inconstitucionalidade, de modo que o alcance dos efeitos da declaração seja mais restrito do que o resultante do indicado no nº 1 do mesmo preceito, se tal se justificar por razões conexionadas com a segurança jurídica, equidade ou interesse público de excepcional relevo.
Como se afirmou, nomeadamente, no Acórdão nº 497/97 (Diário da República, II Série, nº 235, de 10 de Outubro de 1997, p. 12485 ss):
'[...] De acordo com a jurisprudência, reiterada e uniforme, deste Tribunal, face à revogação de uma norma, manter-se-á o interesse na declaração da sua eventual inconstitucionalidade «toda a vez que ela for indispensável para eliminar efeitos produzidos pelo normativo questionado, durante o tempo em que vigorou» e essa indispensabilidade seja evidente, por se tratar da eliminação de efeitos produzidos constitucionalmente relevantes (por todos, citem-se os acórdãos nºs
804/93, 806/93, 186/94 e 57/95, publicados no Diário da República, II Série, de
31 de Março, 29 de Janeiro, 14 de Maio de 1994 e 12 de Abril de 1995, respectivamente). Já, porém, não existe – neste modo de ver – interesse jurídico relevante no conhecimento de um pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de uma norma entretanto revogada, naqueles casos em que não se vislumbre nele qualquer alcance prático, atendendo à circunstância de o Tribunal, a declarar eventualmente a inconstitucionalidade, não dever deixar de, por razões de segurança jurídica, equidade ou interesse público de excepcional relevo, limitar os seus efeitos, nos termos do nº 4 do artigo 282º da CR, de modo a deixar incólumes os produzidos pela norma antes da sua revogação. Em tais situações, como vem entendendo este Tribunal (e acompanhamos de perto o citado acórdão nº 57/95), «em que é visível a priori que o Tribunal Constitucional iria, ele próprio, esvaziar de qualquer sentido útil a declaração de inconstitucionalidade que viesse eventualmente a proferir, bem se justifica que conclua, desde logo, pela inutilidade superveniente de uma decisão de mérito».'
À luz desta orientação jurisprudencial, afigura-se claro que, em razão da sua inutilidade superveniente, não deverá conhecer-se do pedido formulado no presente processo.
Com efeito, este Tribunal ainda recentemente, no Acórdão nº 254/00
(Diário da República, I Série-A, nº 119, de 23 de Maio de 2000, p. 2304 ss) – em que decidiu declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, de várias normas atinentes ao reposicionamento dos funcionários e agentes da Administração Pública nos escalões salariais das respectivas carreiras, ao abrigo do descongelamento gradual dos escalões, efectuado na sequência do Novo Sistema Retributivo –, limitou os efeitos da inconstitucionalidade 'por forma a não implicar a liquidação das diferenças remuneratórias correspondentes ao
«reposicionamento», [...] devido aos funcionários, relativamente ao período anterior à publicação' do acórdão, e sem prejuízo das situações ainda pendentes de impugnação.
Considerou-se então:
'[...] In casu, de uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral incidente sobre os normativos sub specie e a respeito da qual não houvesse limitação de efeitos, haverá de resultar o «reposicionamento» dos funcionários em causa, cujo número, embora indeterminado, é, certamente, acentuado; e, além disso, se não houver limitação de efeitos, resultará ainda a percepção da diferença remuneratória correspondente a esse «reposicionamento». Só que, essa percepção, para além de, como é claro, haver de implicar a realização de inúmeras actividades de natureza administrativa e burocrática com vista a ser alcançado o processamento «retroactivo» das diferenças remuneratórias, com óbvio reflexo perturbante nos serviços, acarretaria ainda acentuadas repercussões a nível orçamental.'
No caso dos autos, e à semelhança do que aconteceu nesse Acórdão nº
254/00, o que se questiona é também o reposicionamento dos docentes nos escalões introduzidos ao abrigo do Novo Sistema Retributivo, com uma diferença, aliás significativa: enquanto naquele se verificou que as normas em causa determinavam o efectivo 'recebimento de remuneração superior por funcionários com menor antiguidade na categoria', já neste a situação não parece revestir tal tipo de repercussão, dada a integração dos docentes em diversos índices dos mesmos escalões, consoante também as fases e letras de onde provinham, não se detectando situações como a que foi objecto daquele Acórdão nº 254/00.
Assim sendo, as mesmas – ou até reforçadas – razões de segurança jurídica que determinaram a limitação de efeitos naquele Acórdão sempre haveriam de impor a limitação de efeitos de uma eventual declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral que viesse a ser proferida no presente processo.
E, manifestamente, no caso presente, a limitação de efeitos seria justificada, não só pelas referidas razões de segurança jurídica, como ainda por razões de equidade, na medida em que se não deveria conceder aos docentes abrangidos por uma eventual declaração de inconstitucionalidade das normas ora em causa um tratamento mais favorável do que o concedido aos restantes funcionários e agentes da Administração Pública.
Configurando o caso dos autos uma daquelas situações em que é previsível que o Tribunal Constitucional iria, ele próprio, esvaziar de sentido
útil a declaração de inconstitucionalidade que porventura viesse a proferir, conclui-se pela inutilidade superveniente de uma decisão de mérito, em sede de fiscalização abstracta da constitucionalidade, tendo em conta que os recursos concretos ou impugnações contenciosas eventualmente interpostas constituirão meio suficiente e adequado para salvaguarda dos interesses dos particulares.
III Decisão
8. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do pedido de declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas constantes dos artigos 14º, 15º, 24º e 25º do Decreto-Lei nº 409/89, de 18 de Novembro, em razão da inutilidade superveniente do mesmo pedido.
Lisboa, 5 de Dezembro de 2000 Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Paulo Mota Pinto Bravo Serra Messias Bento Guilherme da Fonseca Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa