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Processo n.º 858/11
Plenário
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
1. A. vem reclamar do despacho proferido pelo relator (fls. 1068/1069), que não admitiu, com fundamento na não verificação dos respetivos pressupostos processuais, o recurso para o Plenário que aquele havia interposto do Acórdão n.º 311/2012 (fls. 1043/1059), da 2.ª Secção deste Tribunal, nos seguintes termos:
«A., recorrente nos presentes autos, não se conformando com o despacho do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro — Relator de 09/07/2012, que não admitiu o recurso para o Plenário deste douto Tribunal, dele vem reclamar para a conferência a fim de por acórdão serem decididas as questões postas no requerimento de interposição de recurso.
Fá-lo no entendimento, que o despacho reclamado de 09/07/2012, faz uma interpretação restritiva do n.º 1 do Artigo 79.º-D da Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, que dispõe: “Se o Tribunal Constitucional vier julgar a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente adotado quando é mesma norma, por qualquer das suas secções, dessa decisão cabe, recurso para o plenário do tribunal, obrigatório para o Ministério Público quando, intervir no processo como recorrente ou recorrido”.
Ou seja, o despacho reclamado entende que só é admissível reclamação para o Plenário quando o Tribunal julgar inconstitucional ou ilegalidade em sentido divergente do anteriormente decidido quanto à mesma norma.
No caso sub judice no que diz respeito às normas da alínea a), n.º 1 do artigo 156.º do Estatuto da Ordem dos Advogados/84 e a alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários, que estabelecem “os que não possuam idoneidade moral para o exercido da profissão e, em especial, os que tenham sido condenados por qualquer crime gravemente desonroso”.
Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, o ora reclamante entende, que também admite recurso para o Plenário quando o Tribunal faça uma interpretação da norma da Constituição contrária ao decidido anteriormente.
Ou seja, o ora reclamante entende que o Acórdão de n.º 311/212 fez uma interpretação do artigo 30.º, n.º 4 da Constituição, contrária à doutrina firmada por este douto Tribunal, que ao longo da sua história sempre tem decidido, que, aquela norma (30.º, n.º 4) veda que uma certa condenação penal produza automaticamente, por mero efeito da lei, a perda de qualquer um daqueles direitos; já não, como se observa no acórdão n.º 143/95, que a sentença condenatória possa decretar essa perda de diretos em função de uma graduação da culpa, feita casuisticamente pelo juiz.
Dito de outra forma: o princípio constitucional do artigo 30.º, n.º 4, não proíbe que a lei possa definir como penas a privação de direitos profissionais (interdições profissionais, etc.), a serem aplicadas juridicamente de acordo com as regras competentes (principio de culpa, regra da tipificação, adequação entre a gravidade da infração e a pena, etc. O que ele proíbe é que a privação de direitos profissionais seja uma simples consequência - por via direta da lei - da condenação por infrações de qualquer tipo aplicadas administrativamente.
Valem aqui, mutatis mutantis, as considerações do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 16/84, de 15 de fevereiro de 1984 sobre o alcance do artigo 30.º, n.º 4 da Constituição, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, Volume 2, página 367 e segs. e Acórdão n.º 91/84, de 29 de agosto de 1984, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, Volume 4, página 7 e segs., (neste sentido acórdão do T.C. n.º 282/86, de 21 de outubro de 2006, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, Volume 8.º, ano 1986, página 207 e segs. - Relator. Conselheiro Vital Moreira).
Por conseguinte, admitem recurso para o Plenário não só as decisões que julguem inconstitucionais em sentido divergente do anteriormente decidido quanto à mesma norma, mas também as decisões do Tribunal que façam uma interpretação da norma da Constituição divergente ao anteriormente decidido.
Resulta do exposto, que o despacho reclamado ao decidir que só cabe recurso para o plenário do Tribunal quando a questão da inconstitucionalidade seja contrária a outra já anteriormente decida, fez uma interpretação violadora a direitos e interesses do reclamante, violando dessa forma o artigo 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da Constituição, dado que não assegura ao arguido todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
Nestes termos,
Deve a presente reclamação ser julgada procedente e, em consequência admitido o recurso, devendo o reclamante ser notificado, para, querendo, apresentar alegações.»
2. O Ministério Público, notificado da reclamação, veio dizer o seguinte:
«1º
Pelo douto Acórdão n.º 311/2012, não se conheceu em parte do recurso e negou-se provimento a outra, não se julgando materialmente inconstitucional, por violação do artigo 30.º, n.º 4 da Constituição, as normas do artigo 156.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 13 de março) e do artigo 7.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários (Regulamento n.º 29/2002, aprovado em sessão do Conselho Geral de 7 de julho de 1989, publicado no DR – II Série, de 19 de junho de 2002).
2º
Notificado do Acórdão, o recorrente interpôs recurso para o Plenário, que não foi admitido pelo douto despacho de fls. 1068 e 1069.
3º
Vem agora o recorrente reclamar desse despacho de não admissão do recurso.
4º
Ora, dada a evidente falta de razão do recorrente, pouco ou nada teremos a acrescentar aos fundamentos que constam do despacho reclamado.
5º
Efetivamente o recurso para o Plenário visa dirimir conflitos de jurisprudência o que, naturalmente, só ocorre quando, sobre a mesma norma de direito ordinário, houver decisões contraditórias quanto à questão da constitucionalidade dessa mesma norma.
6.º
Não é essa a situação dos autos.
7.º
Quanto ao segmento do acórdão que negou provimento ao recurso considerando não ter sido violado o artigo 30.º, n.º 4, da Constituição – é apenas quanto a esta parte do despacho de não admissão que o recorrente, no fundo, reclama –, sobre a constitucionalidade das normas de direito ordinário apreciadas, nunca o Tribunal, anteriormente, se havia pronunciado.
8.º
Faltando, pois, esse requisito de admissibilidade, tal bastaria para que a reclamação fosse indeferida.
9.º
Poderemos, no entanto, acrescentar que diferentemente do que afirma o recorrente, o Acórdão seguiu expressamente a jurisprudência do Tribunal Constitucional quanto à interpretação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição.
10.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Cumpre apreciar e decidir.
3. É manifesta a inadmissibilidade do recurso que o reclamante pretende interpor, para o Plenário do Tribunal, do Acórdão n.º 311/2012.
No caso dos autos, o Acórdão n.º 311/2012 decidiu: a) Não conhecer do recurso quanto à norma do artigo 498.º, n.º 1, do CPC (aplicável por força do artigo 4.º do CPP) e dos artigos 97.º, n.º 1, alínea a), 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, em ambos os casos por falta de suscitação das questões de constitucionalidade; b) Não julgar inconstitucionais as normas do artigo 156.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 84/84, de 13 de março) e do artigo 7.º, n.º 1, alínea a), do Regulamento de Inscrição de Advogados e Advogados Estagiários (Regulamento n.º 29/2002, aprovado em sessão do Conselho Geral de 7 de julho de 1989, publicado no DR - II Série, de 19 de junho de 2002).
Pelas razões que já constam do despacho reclamado, e que o próprio reclamante não contraria diretamente, não é admissível recurso para o Plenário de qualquer das decisões tomadas no citado Acórdão.
O reclamante vem agora sustentar ser admissível recurso para o Plenário de acórdão do Tribunal Constitucional que faça «uma interpretação da norma da Constituição contrária ao decidido anteriormente» o que, segundo o recorrente, ocorreria no caso em apreço, pelo facto de o Acórdão n.º 311/2012 ter alegadamente feito uma interpretação do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, «contrária à doutrina firmada por este douto Tribunal».
Sem razão.
O recurso para o Plenário só é admissível quando se verifica a existência de um conflito jurisprudencial sobre “uma mesma questão de inconstitucionalidade normativa” (artigo 79.º-D da LTC), o que implica que esteja em causa a mesma norma ou interpretação normativa. Ora, no caso dos autos, as normas de direito ordinário que o tribunal confrontou com o artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, nunca antes tinham sido objeto de apreciação por parte deste Tribunal. Mas ainda que assim não fosse, sempre se verificaria que, contrariamente ao afirmado pelo recorrente, o acórdão recorrido seguiu a linha jurisprudencial firmada neste Tribunal a respeito do artigo 30.º, n.º 4, da Constituição, como é bem patente pela jurisprudência citada no referido Acórdão.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 25 de setembro de 2012.- Joaquim de Sousa Ribeiro – Vítor Gomes – Fernando Vaz Ventura – Maria Lúcia Amaral – J. Cunha Barbosa – Maria João Antunes – Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria de Fátima Mata-Mouros – João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Catarina Sarmento e Castro – Rui Manuel Moura Ramos.