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Processo n° 780/99
2a Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
A. Nos presentes autos, vindos do Tribunal do Trabalho de Loures. em que é recorrente o Ministério Público. proferiu o Relator a seguinte Decisão Sumária:
'1. O Ministério Público veio interpor 'recurso obrigatório' para este Tribunal Constitucional da sentença do Mmo Juiz do Tribunal do Trabalho de Loures, de 8 de Abril de 1997, 'nos termos dos artºs 280º n° 1, al. a) e 3°da CRP e 70º n° 1, al. a) e 72º nº 3 da Lei n° 28/82, de 15/11, na parte em que julgou inconstitucional, por violação do artº 168°, n° 1, al. d) da CRP:
- o artº 27° do DL 30/89, de 24.1, quando fixa em valor superior ao do regime geral fixado na versão originária do DL 433/82, de 27/10, os limites mínimo e máximo da coima aplicável à contra-ordenação dolosa cometida por pessoa singular consistente na abertura ou funcionamento de estabelecimento de apoio social com fins lucrativos. não licenciado nem dispondo de autorização de funcionamento provisório '.
2. Acontece que no acórdão deste Tribunal n° 175/97, tirado em Plenário e publicado no Diário da República. I Série-A, n° 96, de 24 de Abril de 1997, foi decidido 'declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação do preceituado na alínea d) do n° 1 do artigo 168° da Constituição, da norma constante do artigo 27° do Decreto-Lei n° 30/89. de 24 de Janeiro, enquanto aplicável a pessoas singulares, mas tão-só na parte em que ela. ao cominar a coima da contra-ordenação que define, fixa o seu limite máximo em montante superior ao limite máximo estabelecido na respectiva lei-quadro, na versão vigente à data da prática da correspondente infracção, e fixa o seu limite mínimo em montante igual ou superior a este último limite máximo '. Nesse acórdão ponderou-se o seguinte:
- no tocante ao limite máximo da coima cominada no questionado artigo 27°,
'verifica-se que o mesmo - 1 500000$00 - é sempre superior ao limite máximo previsto na lei-quadro, em qualquer das suas versões. Com efeito, este era de
200 000$00 à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n° 30/89, tendo passado para 500 000$00 em 1989, e, finalmente, para 750000$00 em 1995'.
- no tocante ao limite mínimo da coima, 'com a última versão da lei-quadro- isto
é, desde 1995 -, o limite mínimo previsto pelo artigo 27° do Decreto-Lei n°
30/89 passou a estar abaixo do valor do limite máximo, sendo sempre de montante superior ao limite mínimo da lei-quadro. pelo que deixou de se verificar qualquer inconstitucionalidade da norma nesta fase, posterior à vigência desta
última versão da lei-quadro' (versão constante do Decreto-Lei n° 244/95, de 14 de Setembro. que veio introduzir nova redacção ao artigo 17°do Decreto-Lei nº
433/82. de 27 de Outubro). Ora, à data da prática da infracção - 12 de Abril de 1995 -, aquele regime da lei-quadro era o regime anterior ao citado Decreto-Lei n° 244/95 e daí que a norma desaplicada na sentença recorrida se deva considerar inconstitucional, nos termos que o foi na declaração de inconstitucionalidade. com força obrigatória geral, constante do citado acórdão n° 175/97, e talqualmente se julgou naquela sentença (independentemente de saber se nela foi ou não considerada a versão do Decreto-Lei n° 356/89, de 17 de Outubro, aspecto que não cabe ao Tribunal sindicar).
3. Termos em que, DECIDINDO, e no uso dos poderes conferidos pelo artigo 78°-A. n° 1, da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro, aditado pelo artigo 1°, da Lei n°
85/89, de 7 de Setembro, na redacção do artigo 2º, da Lei n° 13-A/98. de 26 de Fevereiro, e em aplicação dessa declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, nego provimento ao recurso'. B. Por acórdão n° 169/2000. a fls 36 dos autos. foi decidido, com voto de vencido do Relator, 'revogar as Decisão Sumária e ordenar o prosseguimento do processo', sob reclamação para a conferência apresentada pelo recorrente Ministério Público. C. Nas suas alegações concluiu assim o Ministério Público:
'1 - Face à doutrina firmada pelo Plenário deste Tribunal no acórdão n° 175/97, o parâmetro de aferição da constitucionalidade da norma constante do artigo 27° do Decreto-Lei n° 30/89 é o da versão do Decreto-Lei n° 433/82 vigente à data da prática da contra-ordenação aí sancionada, apenas padecendo de inconstitucionalidade tal norma na medida em que o limite máximo da coima, aí prevista, exceda tal versão do Decreto-Lei n° 433/82.
2 - Tendo a decisão recorrida aplicado doutrina diversa, julgando inconstitucional a norma que integra o objecto do presente recurso na parte em que fixa em valor superior ao do regime geral do ilícito de mera ordenação social, constante da versão originária do Decreto-Lei n° 433/82, deverá proceder parcialmente o presente recurso, confirmando-se o juízo de inconstitucionalidade orgânica, mas aplicando-se como padrão de aferição da constitucionalidade a versão do citado Decreto-Lei n° 433/82, em vigor à data do cometimento da infracção'. D. Também apresentou alegações a ora recorrida M..., com os sinais identificadores dos autos, concluindo deste modo:
'I- As disposições do Artº 27° do Dec. Lei 30/89 de 24 de Janeiro encontram-se feridas de inconstitucionalidade orgânica. II- Os limites mínimos e máximos. das coimas aplicáveis à data da entrada em vigor do Dec. Lei 30/89 de 24 de Janeiro, eram de 200$00 a 200 000$00, sendo inconstitucionais neste âmbito, por violação do disposto no Art 168º, n° 1, alínea d) da C.R.P., os valores superiores fixados, pois era dentro destes limites o Governo se deveria ter contido na fixação de coimas. III - Não é admissível a aplicação directa ao caso vertente de contra ordenação incorrida, no âmbito das disposições do Dec. Lei 30/89 de 24 de Janeiro, das disposições que alteram os valores do Artº 17° do Dec. Lei 433/82 constantes do Dec. Lei n° 356/89 de 17 de Outubro e do Dec. Lei 255/95 de 14 de Setembro, por se ter necessariamente de atender à data da edição do Dec. Lei 30/89, sob pena de. em caso contrário, tal resultar numa convalidação, ou suprimento parcial e indirecto da inconstitucionalidade orgânica originária. IV - Não existe no Direito Português, e na jurisprudência do Tribunal Constitucional. a figura de Constitucionalidade superveniente, nem directa, nem indirecta. V- As disposições do Dec. Lei 433/82 não são susceptíveis de aplicação directa a qualquer caso em concreto, pelo respeito do princípio da tipificação das contra ordenações e pela impossibilidade, em sede de direito penal, de se recorrer à analogia. VI - Só nos diplomas específicos, que devem tipificar as infracções que constituirão contra ordenações, se podem prever os montantes das coimas a aplicar. VII - A aplicação ao vertente caso e ao Arguido da norma constante do Artº 17° do Dec. Lei 433/82, na versão dada pelo Dec. Lei 356/89, conduziria ao absurdo de nos confrontarmos com uma coima em que o mínimo seria igual ao máximo, e portanto não graduável, o que contraria frontalmente toda a filosofia que claramente informa a legislação do ilícito de mera ordenação social. VIII - Pelo que, nos termos do Artº 1° do Código Penal não há lugar à aplicação de qualquer coima ao Arguido por inexistência de norma punitiva válida e pela impossibilidade de recurso à analogia e ainda pela impossibilidade de aplicação a qualquer caso concreto de normas que constituem simples parâmetro'. E. Tudo visto cumpre decidir: O Relator tomou já posição. através do seu voto de vencido. no citado acórdão n°
169/2000. entendendo que se deveria manter a Decisão Sumária, tout court, no sentido de se negar provimento ao presente recurso. aplicando-se a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral. constante do acórdão aí referenciado, com o n° 175/97. E também tomou posição quanto à sentença recorrida. que deveria manter-se, quanto ao julgamento de inconstitucionalidade, 'independentemente de saber se nela foi ou não considerada a versão do Decreto-Lei n° 356/89, de 17 de Outubro, aspecto que não cabe ao Tribunal sindicar', significando isto que não cabe ao Tribunal Constitucional cassar, sob tal aspecto. essa sentença e mandar reformar o julgado condenatório, para ser tomada em consideração tal versão do Decreto-Lei n° 356/89. de 17 de Outubro.
Seja como for, e independentemente daquela posição, o certo é que a consideração da lei quadro, na versão vigente à data da prática da correspondente infracção, ou seja, a introduzida pelo Decreto-Lei nº 356/89, conduzia a que o limite mínimo fosse igual ao limite máximo (500 000$00), o que acaba por estar coberto pela declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do acórdão nº 175/97. Com o que sempre tem de negar-se provimento ao presente recurso de constitucionalidade. F. Termos em que, DECIDINDO, nega-se provimento ao recurso. Lisboa, 25 de Outubro de 2000 Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Bravo Serra Paulo Mota Pinto (com declaração de voto) José Manuel Cardoso da Costa Declaração de voto Votei no sentido de se negar provimento ao recurso por entender, pelas razões constantes da declaração de voto aposta ao acórdão n.º 175/97 pelo Exm.º Cons. Monteiro Diniz, que a norma do artigo 27º do Decreto-Lei n.º 30/89, de 24 de Janeiro, na parte em que fixa os limites mínimo e máximo da coima aplicável à contra-ordenação dolosa cometida por pessoa singular consistente na abertura ou funcionamento de estabelecimento de apoio social, com fins lucrativos, não licenciado nem dispondo de autorização de funcionamento provisório, em valor superior aos do regime geral fixado na versão originária do Decreto-Lei n.º
433/82, de 27 de Janeiro, é inconstitucional, por violação do disposto no artigo
168º, n.º 1, alínea d) da Constituição (na redacção em vigor à data da aprovação do citado diploma). Entendendo, pois, que não deve considerar-se, para obter uma constitucionalização superveniente, a redacção do regime geral das contra-ordenações em vigor à data da prática da infracção sancionada pela norma em causa, acrescento apenas que se me afigura claro que tal consideração, reiterada no presente aresto, conduz inevitavelmente, além do mais, a soluções contrárias à vontade do legislador – isto é, durante a vigência da redacção introduzida nesse regime geral pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro, a uma coima fixa (que no acórdão n.º 175/97 se entendeu ainda abranger pela declaração de inconstitucionalidade), e, após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Janeiro, a uma moldura sancionatória reduzida a um quarto
(250 000$, com limite mínimo de 500 000$, previsto no Decreto-Lei n.º 30/89, de
24 de Janeiro, e máximo de 750 000$, resultante do regime geral) daquela (de 1
000 000$, ou seja, de 500 000$ a 1 500 000$) que o legislador do diploma em apreço previu (solução, esta, que no aresto citado se entendeu, todavia, colocar a salvo da declaração de inconstitucionalidade). Paulo Mota Pinto