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Processo nº 809/99
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. AC..., com os sinais identificadores dos autos, veio, 'ao abrigo da al. b) do nº 1 do artº 280º da Constituição, e da al. b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro', interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Évora (2ª Secção - Cível/Social), de 8 de Outubro de 1998, que negou provimento ao recurso de agravo por ele interposto,
'confirmando, portanto, a decisão recorrida', ou seja o despacho saneador da primeira instância que o considerou parte ilegítima num processo de pedido de rectificação judicial de determinado registo relativo a inscrição de aquisição lavrada na Conservatória do Registo Predial de Loulé. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade identifica como 'norma cuja inconstitucionalidade' se pretende seja apreciada 'a que foi aplicada no supra referido Douto Acórdão de 98.10.08, aí dita extraída do nº 1 do artº 127º do Código do Registo Predial mas segundo o sentido que a palavra interessado nele utiliza, tem no artº 26º do Código de Processo Civil, ou seja, aquele que tem um interesse directo, como no próprio artº 26º, nº 1 se diz
(sic)', considerando 'violadas pela norma dita aplicada, as normas dos artºs
20º-1, 205º-2 e 266º-1 da Constituição da República, então vigente' e acrescentando que a 'questão da inconstitucionalidade sindicada foi suscitada antes da decisão ora recorrida'.
2. Nas suas alegações concluiu assim o recorrente:
'1ª- O disposto no nº 1 do artº 26º do CPC, conjugado com o disposto no nº 1 do artº 127º do CRegP foi interpretado e aplicado nos mesmos autos e com relação ao mesmo interessado, com sentido conforme e com sentido desconforme à Constituição;
2ª - A norma que, a partir de fls 171 dos autos, foi extraída do disposto no invocado nº 1 do artº 26º do CPC, e aplicada na decisão de fls 173 e nos Acórdãos da Relação, é inconstitucional por impedir o acesso ao direito e aos tribunais para obtenção de uma decisão de mérito sobre o litígio instaurado e desenvolvido na Conservatória;
3ª - A qualidade de interessado reconhecida ao requerente pela autoridade administrativa competente, decorre do imperativo constitucional que a norma do nº 1 do artº 127º do CRegP concretiza - a do nº 1 do artº 266º da Lei Fundamental;
4ª A lei, ao condicionar o acesso aos tribunais, para efeito de rectificação de registo predial inexacto, à prévia instauração de processo administrativo na instância competente, condicionou também a interpretação e aplicação da norma do nº 1 do artº 26º do CPC ao respeito pela norma do nº 1 do artº 127º do CRegP em articulação com as dos artºs 120º-1, e 126º do mesmo Código;
5ª- A norma extraída pelas instâncias, a partir de fls 171 dos autos, do disposto no nº 1 do artº 26º do CPC, é também inconstitucional por implicar afronta ao imperativo constitucional consignado no nº 1 do artº 266º da Lei Fundamental, concretizado no nº 1 do artº 127º do CRegP, e já actuado pela autoridade administrativa competente ao reconhecer ao requerente, a qualidade de interessado na rectificação do facto levado às tábuas; Pelo que,
6ª - Deve declarar-se inconstitucional a norma extraída do nº 1 do artº 26º do CPC, com a dimensão aplicada nas decisões impugnadas e com o efeito de denegar ao interessado reconhecido como tal pela autoridade administrativa competente para efeito do disposto no nº 1 do artº 120º e no artº 126º do RegP, a legitimidade para a acção especial facultada pelo nº 1 do artº 127º, e regulada nos termos do disposto nos artºs 128º e 131º do mesmo Código. E, consequentemente,
7ª- Ordenar ao Tribunal a quo, a reformulação da decisão impugnada em conformidade com o julgamento proferido no presente incidente'.
3. Também apresentou alegações a ora recorrida Orbitur - Intercâmbio e Turismo, SA, sociedade comercial com sede em Lisboa, sustentando, em primeiro lugar, que
'não deverá conhecer-se do recurso' (porque o recorrente, o que, 'ao cabo e ao resto, pretende questionar e ver declarada inconstitucional é a própria decisão recorrida e não os normativos legais em que esta se escora') ou então que
'deverá negar-se provimento ao recurso, com as legais consequências'.
4. Ouvido o recorrente sobre aquela questão prévia suscitada nas contra-alegações da sociedade recorrida, veio opor-se-lhe, afirmando estar ela a violar o princípio da cooperação e o dever de boa fé processual cominados nos artigos 266º, 266~-A, do Código de Processo Civil.
5. Tudo visto cumpre decidir. Começando naturalmente pela questão prévia suscitada pela sociedade recorrida, há que registar, prima facie, que o recorrente, ao impugnar a 'decisão do Mmº Juiz de fls 169 a 173 que o julga parte ilegítima e absolveu as requeridas da instância', com fundamento em não ter interesse directo em demandar e com invocação do artigo 26º, nº 1, e 680º, do Código de Processo Civil, veio sustentar nas alegações exibidas perante o tribunal de relação, que, atenta a relação material controvertida, 'a norma aplicada no despacho recorrido (art
26º, nº 1 do C.P.C.),na interpretação e aplicação que dela foi feita nos autos,
é inconstitucional, por violação das normas dos artºs 20º-1 e 266º-1 da Lei Fundamental' (e nas conclusões repete que tendo o despacho recorrido 'feito interpretação e aplicação da norma do artº 26º-1 do C.P.C. com um sentido e alcance que: a) implicariam violação, pelo Digmo Conservador, do normativo do artº 266º-1 da Constituição da República, b) retira legitimidade ao ora agravante para defesa de um direito e interesse legítimo consignada no artº 20º-1 da Constituição da República, fez aplicação de norma ferida de inconstitucionalidade material'). Ora, tal alegação, ainda que se pudesse sustentar que preenchia minimamente uma arguição de inconstitucionalidade normativa, reportando-se ao sentido interpretativo dado à norma ou às normas questionadas perante o tribunal de relação, não pode aproveitar-se relevantemente para o presente recurso de constitucionalidade como suscitação de inconstitucionalidade durante o processo.
É que, nela o recorrente reduz a arguição de inconstitucionalidade à
'interpretação e aplicação da norma do artº 26º nº 1 do C.P.P. com um sentido e alcance (....)', sem qualquer ligação à norma do artigo 127º, nº 1, do Código de Registo Predial. Só no requerimento de interposição de constitucionalidade é que o recorrente utiliza a norma 'extraída do nº 1 do artº 127º do Código do Registo Predial mas segundo o sentido que a palavra interessado nele utiliza, tem no artº 26º do Código de Processo Civil, ou seja, aquele que tem um interesse directo, como no próprio artº 26º, nº 1 se diz (sic)', em correspondência com a equação normativa colhida do acórdão recorrido, no seguinte passo da sua fundamentação: 'Ora, pois, interessado, no sentido que deve ter a palavra no nº
1 do art. 127º do Crp, é o interessado no mesmo sentido que a palavra tem no art. 26 do Cpc. ou seja, aquele que tem um interesse directo, como no próprio art. 26º nº 1 se diz'. Isto significa que, contrariamente ao que pretende fazer crer o recorrente 'a questão da inconstitucionalidade sindicada' – aquela que acaba de se enunciar – não foi suscitada, de modo processualmente adequado, ou seja, fazendo a conjugação das normas do C.P.C. e do C.R.P., antes da decisão do tribunal de relação. Este apenas foi confrontado com a dita 'interpretação e aplicação da norma do artº 26º nº 1 do C.P.C.', tout court, e partindo da consideração essencial de que 'não sendo o A. membro dos corpos gerentes de qualquer das sociedades envolvidas no negócio - pois apenas alegou que é sócio de uma delas - não tem interesse directo na rectificação do registo', respondeu da forma que já se registou. Por consequência, o recorrente não deu exacto cumprimento ao pressuposto processual especifico da suscitação da questão de inconstitucionalidade durante o processo, o que é obstáculo a que se conheça do mérito do presente recurso.
6. Termos em que, DECIDINDO, não se toma conhecimento do recurso e condena-se o recorrente nas custas, com a taxa de justiça fixada em quinze unidades de conta. Lisboa, 25 de Outubro de 2000 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa