Imprimir acórdão
Proc. nº 561/2000
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
I Relatório
1. L. B. instaurou, junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, acção declarativa sob a forma ordinária, contra M. C., pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia de 2.100.000$00, a título de indemnização por danos morais
(por alegadas ofensas ao bom nome e à reputação do autor). O réu deduziu a execepção peremptória de prescrição do direito invocado, tendo tal excepção sido julgada procedente no despacho saneador, pelo que o réu foi absolvido do pedido.
O autor interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, que, por acórdão de 1 de Julho de 1999, negou provimento ao recurso, confirmando a decisão que julgou prescrito o direito indemnizatório que na acção se pretendia fazer valer.
2. L. B. reclamou do acórdão de 1 de Julho de 1999, invocando a inexistência do acórdão de 1 de Julho de 1999, em virtude de ter sido subscrito por magistrados que, alegadamente, não se submeteram ao concurso curricular de recrutamento dos juízes dos tribunais judiciais de 2ª instância. O reclamante sustentou, então, o seguinte:
25. Por tudo exposto, é inconstitucional a norma do artigo 44°, enquanto remete , para o artigo 21°, n° 2, da Lei n° 38/87, de 23 de Dezembro (LOTJ) correspondente ao actual artigo 500, nºs 1 e 2, da Lei n° 3/99, de 13 de Janeiro
(LOFTJ), interpretada no sentido de poderem fazer parte do 'quadro dos juízes» dos tribunais judiciais de segunda instância' elementos que não foram submetidos a 'recrutamento' mediante 'concurso curricular', por violação das disposições conjugadas dos artigos 113°, n° 2, e 220º, n° 4, da versão de 1982 da Constituição, correspondentes aos actuais artigos 110º, n° 2, e 215°, nº ???
26. Sendo, naturalmente, também inconstitucional a norma do artigo 41°, n° 1, alíneas a) e e), da Lei n° 38/87, de 23 de Dezembro (LOTJ), interpretada no sentido de poderem fazer parte 'das secções cíveis das relações' elementos que não foram submetidos a 'recrutamento' mediante 'concurso curricular', por violação das disposições conjugadas dos artigos 113°, n° 2, e 220º, n° 4, da versão de 1982 da Constituição, correspondentes aos actuais artigos 110º, nº 2, e 215°, n° 3.
27.
É ainda inconstitucional a norma do artigo 71°, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de poderem fazer parte 'das secções cíveis das relações' elementos que não foram submetidos a 'recrutamento' mediante 'concurso curricular', por violação das disposições conjugadas dos artigos 113°, n° 2, e
220º, n° 4, da versão de 1982 da Constituição, correspondentes aos actuais artigos 110º, n° 2, e 215°, n° 3.
28. Finalmente, são inconstitucionais as normas dos artigos 46°, 4 e 48° da Lei n°
21/85, de. 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais [EMJ]), interpretadas no sentido de 'o provimento de vagas de Juiz das relações' se poder fazer sem o
'concurso curricular' previsto na Lei Fundamental, por violação das disposições conjugadas dos artigos 113°, n° 2, e 220º, n° 4, da versão de 1982 da Constituição, correspondentes aos actuais artigos 110º, n° 2, e 215°, nº 3.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 13 de Abril de 2000, afirmou que 'nem no acórdão em causa, nem em qualquer decisão tomada neste processo foi aplicada qualquer das normas que na óptica do reclamante estarão feridas de inconstitucionalidade', pelo que 'a questão da hipotética inconstitucionalidade não pode ser aqui sindicada'.
O Tribunal, depois de considerar que também não podia proceder à apreciação da invocada 'nulidade por violação da lei ordinária', referiu não poder 'concluir pela apontada inexistência jurídica do acórdão em análise'.
Todavia, o Tribunal procedeu ainda à demonstração da improcedência da posição defendida pelo reclamante. Para esse efeito, realçou o seguinte:
Por deliberação do plenário do Conselho Superior da Magistratura de
9/07/96, publicada no DR-II série nº 214, de 14/09/96, no uso de competência própria, os referidos Magistrados, então juízes de direito, foram destacados como juízes auxiliares no Tribunal da Relação de Lisboa e, posteriormente promovidos por mérito à 2ª instância. Como o reclamante sabe, os juízes dos tribunais judiciais regem-se por um Estatuto próprio e o CSM, anuncia, com regular antecedência, através de circulares e da publicação no Diário da República, os movimentos para nomeação, transferência e promoção de juízes para que aqueles que pretendam ser providos o requeiram e o reclamante não diz que tal formalismo não foi observado na preparação do movimento de 9/07/96. Por outro lado, o acesso dos juizes de direito à 2ª instância faz-se com base no respectivo currículo, sendo a classificação de serviço o único elemento pelo qual se afere o mérito profissional dos concorrentes ( o requerimento serva apenas para manifestar a preferência pelo tribunal onde se pretende colocação). Ora esses elementos estão na posse do CSM, não tendo o concorrente o ónus de juntá-los e o 'júri' será, naturalmente, constituído pelos elementos que compõem o órgão CSM. O concurso curricular existe, portanto.
Consequentemente, a reclamação foi indeferida.
3. L. B. interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão de 13 de Abril de 2000 (por lapso mencionou 26 de Abril), ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das seguintes normas (que entendeu terem sido aplicadas no acórdão recorrido):
- a norma do artigo 44°, enquanto remete para o artigo 21°, nº 2, da Lei n°
38/87, de 23 de Dezembro (LOTJ) [correspondente ao actual artigo 50º, nºs 1 e 2, da Lei n° 3/99, de 13 de Janeiro (LOFTJ)], interpretado no sentido de poderem fazer parte do 'quadro dos juízes' dos 'tribunais judiciais de segunda instância' elementos que não foram submetidos a 'recrutamento' mediante
'concurso curricular';
- a norma do artigo 41°, n° 1, alíneas b), c), d) e e), da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro (LOTJ), interpretado .no sentido de poderem fazer parte 'das secções criminais das relações' elementos que não foram submetidos a 'recrutamento' mediante 'concurso curricular';
- a norma do artigo 71°, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, interpretado no sentido de poderem fazer parte 'das secções cíveis das relações' elementos que não foram submetidos a 'recrutamento' mediante 'concurso curricular'; e
- as normas dos artigos 46°, 47º e 48º da Lei n° 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais [EMJ]), interpretados no sentido de 'o provimento de vagas de Juiz das relações' se poder fazer sem o 'concurso curricular' previsto na Lei Fundamental, que violam as disposições conjugadas dos artigos 113º, nº 2, e 220º, n° 4, da versão de 1982 da Constituição, correspondentes aos actuais artigos 110º, nº 2, e 215°, n° 3.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por despacho de
19 de Maio de 2000, em virtude de o recorrente não ter esgotado os recursos ordinários que no caso eram admissíveis.
4. L. B. reclamou do despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade, ao abrigo dos artigos 76º, nº 4 e 77º, da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando que o recurso de constitucionalidade interposto é admissível, em face do disposto no artigo 70º, nºs 2 e 4, da mesma Lei.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação, em virtude de a decisão recorrida não ter feito aplicação das normas impugnadas.
5. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação
6. Sendo o recurso que o reclamante pretende ver admitido interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para que o mesmo possa ser admitido (e para além da verificação dos demais pressupostos processuais), que as normas impugnadas tenham sido aplicadas pela decisão recorrida, consubstanciando a sua ratio decidendi. Caso assim não aconteça, qualquer juízo que o Tribunal Constitucional venha a formular não terá a virtualidade de alterar a decisão recorrida, sendo desse modo inútil.
Ora, nos presentes autos, o reclamante pretende que seja admitido um recurso de constitucionalidade que tem por objecto diversos preceitos legais interpretados no sentido de permitirem que os juízes dos tribunais judiciais ascendam à 2ª instância sem se submeterem ao respectivo concurso curricular de recrutamento.
Contudo, em nenhuma decisão proferida no processo foram aplicadas ou pressupostas as normas interpretadas no sentido apontado. Com efeito, tal como se demonstrou no acórdão de 13 de Abril de 2000 (onde o Tribunal da Relação de Lisboa expressamente concluiu que as normas impugnadas não foram aplicadas nos autos), o acesso dos juízes de direito à 2ª instância faz- se, inevitavelmente, por via de concurso curricular, consistente na apreciação dos curricula dos candidatos, sendo a classificação de serviço o elemento pelo qual se afere o mérito profissional dos concorrentes. Não pode, pois, concluir- se que o sentido normativo impugnado pudesse ter sustentado as normas de competência pressupostas pelo Tribunal da Relação.
Verifica-se, pois, que as normas cuja conformidade à Constituição o reclamante pretende que o Tribunal Constitucional aprecie não foram aplicadas pela decisão recorrida.
A não aplicação pela decisão recorrida das normas cuja conformidade
à Constituição o reclamante questionou durante o processo consubstancia, por si só, fundamento suficiente para que o recurso de constitucionalidade interposto não possa ser admitido [cf. artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional]. Por outro lado, compete ao Tribunal Constitucional decidir sobre a admissibilidade dos recursos de constitucionalidade (e, portanto, averiguar se se verificam os respectivos pressupostos processuais – cf. artigo
76º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional), sendo certo que já no acórdão de
13 de Abril de 2000 se considerou que as normas questionadas não foram aplicadas no processo, como de resto se demonstrou supra.
Nessa medida, afigura-se inútil a averiguação dos demais pressupostos processuais do recurso de constitucionalidade em questão.
Em consequência, conclui-se pela improcedência da presente reclamação.
III Decisão
7. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional, decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs. Lisboa, 28 de Novembro de 2000 Maria Fernanda Palma Bravo Serra Luís Nunes de Almeida