Imprimir acórdão
Processo n.º 209/98
2ª Secção Relator – Cons. Paulo Mota Pinto (Cons. Guilherme da Fonseca)
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Por sentença de 12 de Janeiro de 1998, do M.mº Juiz do Tribunal da Comarca de Guimarães, foi concedido provimento, em autos de expropriação, ao recurso interposto pelo expropriados A. O. e esposa E. P., fixando-se
'o valor da indemnização relativa à expropriação pela 'Brisa–Auto-Estradas de Portugal, S.A.', das parcelas de terreno com as áreas de, respectivamente, 7412 m2 e 1200m2, a destacar do prédio sito no lugar de Carreira, freguesia de Silvares, Guimarães, inscrito na matriz sob o art. ..., aos primeiros devida pela segunda, no montante de 77 521 600, a actualizar, a partir da data de declaração da utilidade pública e até à data do trânsito em julgado da presente decisão, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística relativamente ao local da situação da parcela de terreno expropriada.' Esta decisão assentou, na parte que ora interessa, na seguinte fundamentação :
'In casu, de acordo com o Plano Director Municipal de Guimarães, as parcelas de terreno expropriadas fazem parte da Reserva Agrícola Nacional. Tal bastaria para que, nos termos do artigo 24°, n.° 5, do Código das Expropriações, o solo em causa fosse de classificar como apto para outros fins, como, aliás, o fizeram os peritos. Não nos parece, contudo, que assim seja. Neste plano, assume particular importância a 'ratio' subjacente à criação da Reserva Agrícola Nacional. Por aqui, pois, se começará para demonstrar que o citado art. 24° n.° 5, é inconstitucional, enquanto interpretado por forma a excluir da classificação de solo apto para construção os solos integrados na RAN expropriados com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola. A Reserva Agrícola Nacional, abreviadamente designada por 'RAN ', é o conjunto das áreas que, em virtude das suas características morfológicas, climatéricas e sociais, maiores potencialidades apresentam para a produção de bens agrícolas – cfr. art. 3°, do Decreto-Lei n° 196/89, de l4 de Junho. O objectivo do legislador foi o de defender as áreas constituídas por solos de maiores potencialidades agrícolas, ou por terem sido objecto de importantes investimentos destinados a aumentar a capacidade produtiva dos mesmos, com a consequente melhoria das condições sócio-económicas das populações. O direito sobre o solo ao ser afectado, por motivo de interesse público, à RAN, sofre restrições: além de nele não poderem construir, os proprietários, se o venderem, apenas poderão contar, como elemento valorativo do terreno, com a sua capacidade e fim agrícolas. Assim, parece não haver dúvida que as disposições que integram um terreno na RAN, ainda que possam não ser consideradas expropriativas e, não sendo, por isso, acompanhadas de indemnização, restringem ou limitam o uso do solo, designadamente quando proíbem a construção. A obrigação imposta aos proprietários de terrenos afectos à RAN de renunciarem a uma determinada utilização constitui como que um ónus que incide sobre o terreno. E, se, por este ónus ou sacrifício não têm direito a uma indemnização, não se pode deixar de o ter em conta quando acrescido ao sacrifício que adveio da expropriação. A questão deverá ainda ser analisada numa outra perspectiva. A restrição à utilização do terreno, decorrente das suas características intrínsecas, da sua qualidade, impõe-se, por força do princípio da igualdade, a que a administração está vinculada, ao próprio Estado e não apenas aos proprietários. Porém, embora essa seja a regra, a mesma comporta desvios, na medida em que, nomeadamente, a lei prevê que os solos integrados na RAN possam ser utilizados para vias de comunicação, seus acessos e outros empreendimentos de interesse público – cfr. art. 9° n.° 2, al. d), do Dec.lei n.°196/89, de 14.06. Mas a vinculação da Administração Pública ao princípio da igualdade – cfr. arts.
13° e 18° n.° 1, da CRP – e o dever de, nas suas funções, agir com respeito não só por esse princípio mas também pelo da proporcionalidade e da justiça, exige que ela deva compensar o cidadão que em razão desses desvios, impostos pelo interesse público, é alvo de novos sacrifícios, que ao acrescerem ao anterior – a afectação do terreno à RAN – violam o princípio da igualdade perante os encargos públicos – cfr. art. 266°, n.° 2, da CRP. Na verdade, a onerosidade sofrida pelos proprietários é desajustada e injusta quando comparada com os benefícios que a comunidade retira da expropriação e da afectação prévia. Eis, pois, as razões pelas quais entendemos 'ser inconstitucional, por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, o art. 24°, n° 5, do Código das Expropriações, enquanto interpretado por forma a excluir da classificação de solo apto para construção os solos integrados na RAN expropriados com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola'. Isso mesmo foi decidido pelo Tribunal Constitucional, no Acórdão n.° 267/97, publicado no Diário da República, 2ª série, de 21.05.97. Ao tribunal é proibida a aplicação de normas inconstitucionais – cfr. art. 207° da C.R.P.. Deste modo, decide-se não aplicar ao caso em apreço a norma do n° 5, do art.
24°, do Código das Expropriações.' O Ministério Público interpôs recurso obrigatório desta decisão, 'em conformidade com o disposto nos artigos 69º, 70º, n.º 1, al. a), e 2, 75º,
75º-A, e 78º, da L. n.º 28/82, de 15/11'.
2. No Tribunal Constitucional, o relator proferiu decisão sumária salientando ser
'certo que no citado Acórdão n.º 267/97 teve já o Tribunal Constitucional oportunidade de, também num processo expropriativo, julgar 'inconstitucional por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, a norma do n° 5 do artigo 4° do Código das Expropriações vigente, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de «solo apto para a construção» os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola', na base da consideração essencial de que os 'critérios definidos por lei têm de respeitar os princípios materiais da Constituição', não podendo tais critérios 'conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem', pelo que o preceito do n.°
5 do artigo 24° do Código das Expropriações, enquanto interpretado do modo atrás referido, está a violar o princípio da proporcionalidade e da justiça, pois que a repartição de benefícios entre a comunidade e os expropriados não é proporcional aos encargos também repartidos pelas duas partes.' Não vendo motivos para divergir desse entendimento e remetendo, pois, para os fundamentos daquele Acórdão n.º 267/97, foi pelo relator negado provimento ao recurso, repetindo o mesmo julgamento de inconstitucionalidade.
3. Não se conformando com tal decisão sumária, veio o Ministério Público dela
'reclamar para a conferência nos termos do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei n.º
28/82', por entender que 'o presente recurso deveria seguir normal tramitação, com produção de alegações', para o que alinhou os seguintes fundamentos:
'1º No acórdão n.º 267/97, decidiu-se efectivamente que padece de inconstitucionalidade a norma constante do n.º 5 do artigo 4º do Código das Expropriações, quando interpretada por forma a excluir da classificação de ‘solo apto para construção’ – para fins de cômputo da indemnização devida ao expropriado – os solos integrados na RAN, objecto de expropriação, justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes da utilidade pública agrícola.
2º Na realidade, na situação versada no processo que originou a prolação daquele aresto, a parcela em questão fora anteriormente desanexada da RAN, destinando-se a expropriação por utilidade pública à construção de um quartel de bombeiros.
3º
É completamente diversa a situação dos presentes autos, já que a expropriação levada a efeito pela Brisa se destina exclusivamente à construção de um sublanço da auto-estrada Famalicão–Guimarães.
4º Não se destinando, pois, à edificação de construções urbanas, ainda que de interesse público, em terrenos com presumida e essencial vocação agrícola.
5º Ora, como é evidente e resulta das regras da experiência, nada impede que terrenos dotados daquela especial vocação agrícola – que se mantém intocada – sejam atravessados por vias de comunicação, sem que por isso seja legítimo concluir que passaram, sem mais, a ter aptidão edificativa.
6º Ou seja: o mero atravessamento de um terreno rústico por uma auto-estrada não significa que tal terreno, reservado legalmente ao uso agrícola, haja sido desviado de tal finalidade e tenha passado a ter qualquer aptidão para a construção pelo particular que dele era proprietário.
7º Em suma: não tendo o proprietário dos terrenos especialmente afectados à actividade agrícola, no âmbito da RAN, e atravessados por via de comunicação
(cuja construção ditou a expropriação) qualquer expectativa razoável de os ver desafectados e destinados à construção ou edificação, não pode invocar-se o princípio da justa indemnização, com vista a reflectir no montante indemnizatório arbitrado uma ‘potencialidade edificativa’ manifestamente inexistente'. Os recorridos vieram responder, sustentando a confirmação da citada decisão sumária, pela consideração essencial de que:
'o sentido útil da decisão (a do citado acórdão n.º 267/97) é de evidenciar que se violarão os princípios constitucionais da justiça e de proporcionalidade, contrariando-se portanto o direito à justa indemnização quando, ignorando-se o fim real a que se destina o bem expropriado, se pretenda indemnizar o respectivo proprietário com base na viabilidade de utilização que o mesmo tinha até ao momento da expropriação face aos condicionamentos que a autoridade pública
(neste caso a própria autoridade expropriante – o Estado – ou uma sua concessionária) para o efeito impunham.' Sendo que, em seu entender:
'o caso em discussão nestes autos se enquadra perfeitamente no âmbito desse princípio geral nenhuma dúvida merecerá já que a expropriação teve em vista a construção de uma auto-estrada, coisa que, pela sua imponência, meios e quantidades de materiais empregues, área envolvida e impacto ambiental emergente destrói a utilização agrícola do solo afectado e altera radicalmente a afectação de grande quantidades de áreas envolventes, acrescendo que a exploração da mesma auto-estrada está entregue a uma entidade de fins lucrativos cuja alta rentabilidade é notória e publicamente conhecida'. Por Acórdão em conferência proferido nos autos com o n.° 738/98 foi decidido, com o voto de vencido do relator, revogar 'a decisão reclamada determinando-se o prosseguimento do vertente processo'.
4. Em alegações apresentadas em Fevereiro de 1999 (a que, aliás, logo foi dada publicidade na Revista do Ministério Público, ano 20, Abril/Junho 1999, n.º 78, págs. 115), concluiu assim o Ministério Público neste Tribunal:
'1.°– O princípio constitucional da justa indemnização visa obviar a que aos expropriados possam ser arbitradas indemnizações manifestamente insuficientes para compensar o dano sofrido com a privação do bem, claramente desajustadas do montante que derivaria da aplicação da 'teoria da diferença', prevista na lei civil, e do valor venal ou de mercado do bem expropriado.
2°– Estando o valor venal do prédio expropriado limitado em consequência da existência de uma legítima restrição legal ao 'jus aedificandi' – resultante da inserção de terrenos especialmente adequados à actividade agrícola na RAN –- e não tendo o proprietário qualquer expectativa razoável de os ver desafectados e destinados à construção por particulares, não pode invocar-se o principio da
'justa indemnização' de modo a ver reflectido no montante indemnizatório arbitrado ao expropriado uma potencialidade edificativa dos terrenos, que se configura como legalmente inexistente.
3°– Na verdade, destinando-se a desanexação da reserva agrícola exclusivamente à construção de uma via de comunicação – e não à transformação de prédio até então legalmente 'rústico' em 'urbano' – verifica-se que a parcela de terreno expropriada não passou a deter. supervenientemente ao acto expropriativo, qualquer aptidão edificativa, sendo a especial afectação de parcela à construção de tal via pública de comunicação absolutamente incompatível com qualquer vocação edificativa do terreno expropriado.
4°– Não se vislumbra, no caso dos autos, qualquer actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em manipulação das regras urbanísticas, com vista a desvalorizar artificiosamente o terreno, reservado ao uso agrícola, para mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações urbanas de interesse público'. Apresentaram os recorridos contra-alegações, concluindo deste modo:
'4.1. O artigo 62°-2 da Constituição da República garante que a expropriação por utilidade pública só poderá ser efectuada mediante justa indemnização;
4.2. Justa indemnização não é naturalmente uma indemnização mitigada mas sim aquela de que resulta o mais aproximadamente possível a reconstituição natural já que esta nunca poderá realizar-se em absoluto (artigo 562°do Cód. Civil);
4.3. Construir e edificar são para efeitos económicos e sociais uma e a mesma coisa quando se trata de significar um destino diferente do simplesmente determinado pela afectação agrícola da coisa;
4.4. Assim, a utilização para construção de uma auto-estrada é tanto ou mais afastada do destino agrícola do que aquela que resulta da construção de um edifício, sabendo-se, como se sabe do impacto que decorre, quer da construção em si, quer da sua utilização, efeitos que se reflectem em vastas áreas envolventes;
4.5. Acresce que a exploração de uma infra-estrutura viária desse tipo é altamente rentável pelo que também é justo que ao expropriante seja imposto o
'sacrifício' de compensar devidamente o expropriado;
4.6. Por outro lado, a aptidão do solo integrado na RAN para nela ser construída uma auto-estrada decorre da própria Lei (artigo 90-2, al. d) do Dec. Lei n.º
196/89, 14 Jan.) e não de qualquer valorização resultante do acto expropriativo;
4. 7. Assim, o valor indemnizatório do solo integrado na RAN e expropriado para fim de construção de uma auto-estrada é dado pelo próprio valor deste tipo de utilização.
4.8. Será portanto inconstitucional o artigo 24°-5 do Cód. das Expropriações quando pela sua aplicação se exclua da classificação de solo apto para construção aquela que, integrado na RAN, seja expropriado para fim de se construir uma auto-estrada, por violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade e da justa indemnização. Termos em que improcedem as conclusões do recorrente, devendo manter-se a desaplicação do artigo 24°-5 do Cód. das Expropriações, conforme o fez o acórdão recorrido.' Corridos os vistos, e após mudança de relator por vencimento, cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
5. A decisão recorrida considerou inconstitucional e recusou a aplicação da norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações, por violação dos princípios constitucionais da justiça e da proporcionalidade, se interpretada por forma a excluir da classificação como 'solo apto para construção' os solos integrados na Reserva Agrícola Nacional (RAN) expropriados com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola. Este artigo 24ºdo Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei n.º
438/91, de 9 de Novembro; e entretanto já revogado pelo artigo 3º da Lei n.º
168/99, de 18 de Setembro, que aprovou um novo Código das Expropriações), depois de, no seu n.º 1, estabelecer que, para efeito do cálculo da indemnização por expropriação, o solo se classifica em 'solo apto para a construção' e 'solo para outros fins', indica, no seu n.º 2, o que considera 'solo apto para construção'. Preceitua este n.º 2:
'2. Considera-se solo apto para construção: a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as edificações nele existentes ou a construir; b) O que pertença a núcleo urbano não equipado com todas as infra-estruturas referidas na alínea anterior, mas que se encontre consolidado por as edificações desocuparem dois terços da área apta para o efeito; c) O que esteja destinado, de acordo com plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, a adquirir as características descritas na alínea a); d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possua, todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública'. O n.º 3 do referido artigo estabelece o que se considera equiparado a 'solo apto para a construção' para efeitos de aplicação do dito Código: a área de implantação e o logradouro das construções isoladas até ao limite do lote padrão, entendendo-se este como a soma da área de implantação da construção e da
área de logradouro até ao dobro da primeira. No n.º 4 considera-se 'solo para outros fins' o que não é abrangido pelo estatuído nos dois números anteriores. Segundo o n.º 5 do referido artigo 24º, em causa no presente processo, 'para efeitos de aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção' (esta
última norma desapareceu no artigo 25º Código das Expropriações de 1999, existindo agora apenas um n.º 3 que, a seguir à descrição, no n.º 2, das situações que determinam a qualificação como 'solo apto para construção', considera 'solo para outros fins o que não se encontra em qualquer das situações previstas no número anterior'). No presente caso está, mais precisamente, em questão a conformidade constitucional da norma contida naquele n.º 5, se interpretada por forma a impor a exclusão da classificação como 'solo apto para construção' dos solos integrados na RAN expropriados com a finalidade, não de se lhes dar uma utilização agrícola, mas de neles se construir uma auto-estrada.
6. A introdução, como critério de cálculo do valor da indemnização a pagar aos proprietários de prédios expropriados, da distinção entre 'solo apto para construção' e 'solo para outros fins', ocorreu já na sequência de jurisprudência do Tribunal Constitucional relativa ao Código das Expropriações de 1976
(aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro), e, em particular, à norma do seu artigo 30º, n.º 1 – vejam-se os Acórdãos n.ºs 341/86, 442/87, 3/88 e 5/88 (publicados no DR, II série, respectivamente de 19 de Março de 1987, 17 de Fevereiro e 14 de Março de 1988), bem como o Acórdão n.º 131/88 (DR, I série, de 29 de Junho de 1988), que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, por violação dos artigos 62º, n.º 2, e 13º, n.º 1, da Constituição da República. Essa norma do Código das Expropriações de 1976 impunha que o valor dos terrenos situados fora de aglomerados urbanos fosse calculado em função dos rendimentos efectivo e possível dos mesmos, atendendo exclusivamente ao seu destino como prédio rústico. Impedia, assim, que factores de outra natureza, que não os rústicos, embora susceptíveis de alterar o valor do prédio (entre eles o da
'potencial aptidão de edificabilidade'), fossem considerados no cálculo da indemnização por expropriação. Logo então teve este Tribunal ocasião de realçar que o jus aedificandi deveria ser
'considerado como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa.' Tal jurisprudência relativa à consideração da potencialidade edificativa na avaliação da justa indemnização por expropriação conduziu, depois, igualmente ao julgamento de inconstitucionalidade de normas do Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro, enquanto estabeleciam limites à fixação da indemnização por expropriação – assim, no Acórdão n.º 184/92 (DR, II série, de 18 de Setembro de
1992) e no Acórdão n.º 259/94 (DR, II série, de 30 de Julho de 1994), bem como nos Acórdãos n.ºs 359/94 (DR, II série, de 3 de Setembro de 1994), 111/97,
286/97 (inéditos) –, repetindo-se, então, que, como se observara nos citados Acórdãos n.º 341/86 e 131/88, apesar da imposição, pela Administração, de vínculos aos particulares que lhes diminuam a utilitas rei sobre certos bens, deverá o direito a edificar, em princípio, constituir factor de fixação valorativa, 'ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa'. Em relação ao Código das Expropriações de 1991, concluiu-se, no Acórdão n.º
194/97 (DR, II série, de 27 de Janeiro de 1999), que as normas das várias alíneas do n.º 2 do artigo 24º não são inconstitucionais, não violando, designadamente, nem o direito à justa indemnização (consagrado no artigo 62º, n.º 2, da Constituição), nem o princípio da igualdade (consagrado no artigo 13º da Constituição) – no mesmo sentido, o Acórdão n.º 671/98. Salientou-se nesse Acórdão n.º 194/97, fazendo a história da evolução legislativa e jurisprudencial a este respeito:
'5.1. No domínio do Código das Expropriações de 1976 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro), a questão da justa indemnização a pagar aos particulares pela expropriação dos seus terrenos para fins de utilidade pública foi objecto de inúmeras decisões deste Tribunal, que acabou por declarar inconstitucionais, com força obrigatória geral, os n.ºs 1 e 2 do artigo 30º daquele Código. Ponderou então o Tribunal que, sendo o direito à justa indemnização um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, as restrições que lhe forem impostas devem limitar-se ao necessário para a salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Ora
– frisou –, nos n.ºs 1 e 2 daquele artigo 30º, para o cálculo do montante da indemnização a pagar aos expropriados, não se levava em linha de conta a potencial aptidão edificativa dos terrenos que se situassem fora dos aglomerados urbanos ou em zonas diferenciadas desses mesmos aglomerados – com o que se violavam os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante a lei (cf. acórdãos n.ºs 131/88 e 52/90, publicados no Diário da República, I série, de 29 de Junho de 1988 e de 30 de Março de 1990, respectivamente). Claro é que – como nessa jurisprudência se acentuou – a Constituição não tutela expressamente o direito a edificar como um direito que se inclua, necessária e naturalmente, no direito de propriedade. Apesar disso, porém – sublinhou-se no acórdão n.º 341/86 (publicado no Diário da República, II série, de 19 de Março de 1987) e repetiu-se no citado acórdão n.º 131/88 – parece que, 'mesmo naqueles casos em que a Administração impõe aos particulares certos vínculos que, sem subtraírem o bem objecto do vínculo, lhe diminuem, contudo, a utilitas rei, se deverá configurar o direito a uma indemnização, ao menos quando verificados certos pressupostos'. E mais: o ius aedificandi 'deverá ser considerado como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva capacidade edificativa'. A indemnização, com efeito, só é justa se conseguir ressarcir o expropriado do prejuízo que efectivamente ele sofreu. Não pode, por isso, ser de montante tão reduzido que a torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada à perda do bem expropriado. Não deve, assim, atender a factores especulativos ou outros que distorçam, para mais ou para menos, a proporção que deve existir entre o prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela (cf., sobre isto, Fernando Alves Correia, O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, Coimbra, 1990, p. 533). Há, pois – como se sublinhou no acórdão n.º 184/92 (publicado no Diário da República, II série, de 18 de Setembro de 1992) –, que observar aqui um princípio de igualdade e de proporcionalidade – um princípio de justiça, em suma. A Constituição, impondo que a indemnização a pagar ao expropriado seja justa, exige, na verdade, que o legislador ordinário defina um critério do quantum indemnizatório capaz de realizar o princípio da igualdade dos expropriados entre si e destes com os não expropriados.
É que, a expropriação por utilidade pública – que é imposta aos particulares em vista da satisfação de um determinado interesse público – coloca aqueles que a sofrem numa situação de desigualdade em confronto com os demais cidadãos. Ora, num Estado de Direito, tem que haver igualdade de tratamento, designadamente perante os encargos públicos. Por isso, a desigualdade imposta pela expropriação tem que compensar-se com o pagamento de uma indemnização que assegure 'uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado' (cf. o citado acórdão n.º 52/90 e o acórdão 381/89, publicado no Diário da República, II série, de 8 de Setembro de 1989). Só desse modo, com efeito, se restabelecerá o equilíbrio que a igualdade postula. O princípio da igualdade, por outro lado, proíbe se dê tratamento jurídico desigual aos expropriados colocados em idêntica situação, só podendo estabelecer-se distinções de tratamento ali onde exista um fundamento material para tanto. Por isso, não é constitucionalmente admissível que a alguns expropriados se imponha uma 'onerosidade forçada e acrescida' sem que exista justificação material para a diferença de tratamento (cf. o citado acórdão n.º
131/88); – recte, do ponto de vista constitucional, é inadmissível, por exemplo, que, 'em regra, se atenda ao valor real e corrente dos prédios expropriados e que nas situações particulares dos n.ºs 1 e 2 do artigo 30º do Código das Expropriações (de 1986) se considere, em muitos casos, um valor abaixo do real e corrente' (cf. o acórdão n.º 109/88, publicado no Diário da República, II série, de 1 de Setembro de 1988). O desiderato de justiça, postulado pelo reconhecimento de um direito fundamental dos expropriados ao recebimento de uma justa indemnização pela perda do bem de que são privados por razões de utilidade pública, alcança-se, seguramente, quando o legislador opta pelo critério do valor do mercado do bem expropriado. Outros critérios são, porém, possíveis. Questão é que eles realizem os princípios de justiça, de igualdade e de proporcionalidade que a indemnização tem que cumprir – acentuou-se no já citado acórdão n.º 184/92.
5.2. No novo Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de
9 de Novembro), o legislador teve em conta a jurisprudência do Tribunal Constitucional, cujos traços essenciais se indicaram e que aqui se adopta na
íntegra. Depois de citar expressamente os acórdãos n.ºs 131/88 e 52/90, acima referidos, escreveu-se no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 438/91:
«à jurisprudência do Tribunal Constitucional, e partindo da ideia básica desta jurisprudência de que a não consagração na lei da potencial aptidão de edificabilidade dos terrenos expropriados e localizados fora dos aglomerados urbanos ou em zona diferenciada de aglomerado urbano violaria os princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade dos cidadãos perante a lei
(artigos 62º, n.º 2, e 13º, n.º 1, da Constituição), entendeu-se, para efeitos do valor a atribuir aos particulares pela expropriação dos seus terrenos, classificar o solo em apto para a construção e para outros fins.» O legislador começou por acentuar que a indemnização «não visa compensar o benefício alcançado, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação», e, logo a seguir, definiu como critério ou medida geral dessa indemnização o valor do bem expropriado, «tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública» (cf. artigo 22º, n.º 2). Para o efeito do cálculo dessa indemnização, o legislador deixou de classificar os terrenos em terrenos situados fora dos aglomerados urbanos, em zona diferenciada do aglomerado urbano ou em aglomerado urbano. Passou, antes, a classificá-los em solo apto para construção e solo para outros fins (cf. artigo
24º, n.º 1), à semelhança do que fazia o Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro, que falava em terrenos para construção e terrenos para outros fins
(cf. artigo 6º e 7º). No artigo 24º, n.º 2, – que é a norma que aqui está sub iudicio –, passou o legislador a definir o que é um solo apto para construção.
(...) O legislador, ao definir solo apto para construção, não adoptou 'um critério abstracto de aptidão edificatória já que, abstracta ou teoricamente, todo o solo, incluído o integrado em prédios rústicos, é passível de edificação –, mas antes um critério concreto de potencialidade edificativa' sublinha Fernando Alves Correia, na Introdução ao Código das Expropriações e outra Legislação Sobre Expropriações por Utilidade Pública, Aequitas, Editorial Notícias, 1992. O legislador, ao proceder à identificação dos solos aptos para a construção, teve, na verdade, em conta como refere o mesmo Autor (loc. cit.) – 'elementos certos e objectivos, espelhados na dotação do solo com infraestruturas urbanísticas [artigo 24º, n.º 2, alínea a)], na sua inserção em núcleo urbano
[artigo 24º, n.º 2, alínea b)], na qualificação do solo como área de edificação por um plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz [artigo
24º, n.º 2, alínea c)] ou na cobertura do mesmo por alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública
[artigo 24º, n.º 2, alínea d)]'.
5.3. Esta definição de solo apto para a construção, assente nos elementos certos e objectivos apontados, será capaz de responder satisfatoriamente ao desiderato de justiça de que antes se falou como achando-se implicado no direito fundamental do expropriado a uma justa indemnização? Perguntando de outro modo: será que uma tal definição conduz a que, no cálculo do valor dos bens expropriados, o ius aedificandi seja, efectivamente, considerado 'como um dos factores de fixação valorativa, ao menos naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa'? A resposta tem que ser afirmativa. Na verdade, só pode dizer-se que os bens expropriados envolvem 'uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa', quando, no mínimo, estejam destinados a ser dotados de infraestruturas urbanísticas, 'de acordo com plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz' [alínea c) do n.º 2 do artigo 24º] ou, pelo menos, quando possuam 'alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública' [alínea d) do n.º 2 do artigo 24º]. Se, como pretendem os recorrentes, não devesse exigir-se, para o reconhecimento da aptidão edificativa de um terreno, a sua prévia qualificação como solo para construção por um 'plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz' ou a existência de um 'alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da declaração de utilidade pública', o resultado seria, muito decerto, ter que reconhecer-se essa capacidade a quase todos os terrenos, senão mesmo a todos eles. A tanto conduziria, com efeito, o critério que propõem de se reconhecer aptidão construtiva 'por parâmetros objectivos e naturais' como, aliás, parece inculcar a sua afirmação 'havendo sempre lugar à indemnização, no caso de expropriação, tendo em conta a valorização natural quanto à aptidão construtiva de um terreno expropriado'.
É que, em teoria, seria, de facto, possível construir em todos os solos, mesmo que incluídos na Reserva Agrícola Nacional (disciplinada pelo Decreto-Lei n.º
196/89, de 14 de Junho) ou na Reserva Ecológica Nacional (regulada pelo Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março) e, mesmo, sem observar os respectivos planos municipais de ordenamento do território (planos directores municipais, planos de urbanização ou planos de pormenor. Cf. o Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março), senão, inclusive, sem loteamento (cujo regime jurídico consta do Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de Novembro, alterado pelos Decretos-Lei n.º
302/94, de 18 de Dezembro e 334/95, de 28 de Dezembro, tendo este último sido alterado pela Lei n.º 26/94, de 1 de Agosto) ou sem licença de construção (sobre o licenciamento das obras dos particulares, cf. o Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de Outubro, que o republicou, e pela Lei n.º 22/96, de 26 de Julho). Mais ainda: se não se exigisse que a capacidade edificativa do terreno expropriado existisse já no momento da declaração de utilidade pública, poderiam criar-se artificialmente factores de valorização que, depois, iriam distorcer a avaliação. E, então, a indemnização podia deixar de traduzir apenas 'uma adequada restauração da lesão patrimonial sofrida pelo expropriado' (cf. citado acórdão n.º 381/89) e ser 'desproporcionada à perda do bem expropriado' (cf. acórdão n.º 184/92, citado). Ora, só quando os terrenos expropriados 'envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa' (cf. o citado acórdão n.º 131/88) é que se impõe constitucionalmente que, na determinação do valor do terreno expropriado, se considere o ius aedificandi entre os factores de valorização. Tal, porém, só acontece, quando essa potencialidade edificativa seja uma realidade, e não também quando seja uma simples possibilidade abstracta sem qualquer concretização nos planos municipais de ordenamento, num alvará de loteamento ou numa licença de construção. A definição de solo apto para a construção, constante das várias alíneas do n.º
2 do artigo 24º, responde, pois, às exigências feitas pelo princípio constitucional da justa indemnização, consagrado no artigo 62º, n.º 2, da Lei Fundamental. Como tais normas se adequam à finalidade de assegurar o pagamento de indemnizações justas aos expropriados, não desfavorecem elas o expropriado no confronto com os proprietários não abrangidos pela expropriação –, e, por isso, não violam o princípio da igualdade, no âmbito externo. E, como não estabelecem distinções de tratamento entre terrenos que se encontrem em situação idêntica, não violam a igualdade entre os expropriados.
6. Concluindo, pois: as normas constantes das várias alíneas do n.º 2 do artigo
24º do actual Código das Expropriações não são inconstitucionais, pois que não violam o direito à justa indemnização (consagrado no artigo 62º, n.º 2, da Constituição), nem o princípio da igualdade (consagrado no artigo 13º da Constituição).'
7. No presente processo, como vimos, está, porém, em causa a constitucionalidade, não do n.º 2 do artigo 24º do Código das Expropriações, mas do seu n.º 5, enquanto interpretado por forma a excluir da classificação de solo apto para construção os solos integrados na RAN expropriados com a finalidade de neles se construir uma via de comunicação (no caso, uma auto-estrada). Segundo o entendimento da expropriante, o terreno expropriado não pode ser considerado terreno 'apto para construção', por se encontrar integrado na RAN, enquanto os expropriados, contrariamente, defendem que, sendo o terreno expropriado para construção de uma via de comunicação – ou, de todo o modo, para fins diferentes da utilidade pública agrícola –, a fixação de uma justa indemnização implica a sua consideração como 'solo apto para construção', salientando que a utilização do terreno para construção de uma auto-estrada 'é tanto ou mais afastada do destino agrícola do que aquela que resulta da construção de um edifício, sabendo-se, como se sabe do impacto que decorre, quer da construção em si, quer da sua utilização, efeitos que se reflectem em vastas
áreas envolventes', e que a 'exploração de uma infra-estrutura viária desse tipo
é altamente rentável pelo que também é justo que ao expropriante seja imposto o
'sacrifício' de compensar devidamente o expropriado'. A consideração da referida parcela como solo apto para construção ou para outros fins implica, naturalmente, que o seu valor seja calculado de forma diferente – artigos 25º (para o 'solo apto para construção') e 26º (para 'solo para outros fins') do Código das Expropriações. E enquanto para a expropriante, fazendo a dita parcela parte da RAN, deve ser avaliada como 'solo para outros fins'
(porque, enquanto integrada na RAN, jamais os expropriados podiam nela construir), para os expropriados, deve ser tal parcela avaliada como 'solo apto para construção'.
8. A norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações foi já julgada inconstitucional por este Tribunal no Acórdão n.º 267/97 (publicado no DR, II série, n.º 117, de 21 de Maio de 1997), 'enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de 'solo apto para a construção' os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola'. Aliás, quer a decisão recorrida, quer a decisão sumária lavrada neste Tribunal pelo relator – em que se negava provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público – concluíam que havia apenas, no presente caso, que repetir o julgamento de inconstitucionalidade constante desse Acórdão n.º 267/97. E fazia-o esta decisão sumária com a seguinte ordem de considerações:
'No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade invoca o Ministério Público recorrente que nessa sentença ‘a norma constante do n.º 5, do artigo 24º, do Código das Expropriações, aprovado pelo D.L. 438/91, de 09/11, foi considerada inconstitucional e, por via disso, recusada a sua aplicação’ (e assim é, porque o Mmº Juiz a quo, partindo da consideração de que, in casu, ‘de acordo com o Plano Director Municipal de Guimarães, as parcelas de terreno expropriadas fazem parte da Reserva Agrícola Nacional’, e citando o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/97, publicado no Diário da República, II Série, n.º 117, de 21 de Maio de 1997, entendeu ‘ser inconstitucional, por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, o artº 24º, n.º 5, do Código das Expropriações, enquanto interpretado por forma a excluir da classificação de solo apto para construção os solos integrados na RAN expropriados com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola’, afastando a sua aplicabilidade ao caso).
É, pois, certo que no citado acórdão n.º 267/97 teve já o Tribunal Constitucional oportunidade de, também num processo expropriativo, julgar
‘inconstitucional por violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade, a norma do n.º 5 do artigo 4º do Código das Expropriações vigente, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de ‘solo apto para a construção’ os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola’, na base da consideração essencial de que os ‘critérios definidos por lei têm de respeitar os princípios materiais da Constituição’, não podendo tais critérios
‘conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem’, pelo que o preceito do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações, enquanto interpretado do modo atrás referido, está a violar o princípio da proporcionalidade e da justiça, pois que a repartição de benefícios entre a comunidade e os expropriados não é proporcional aos encargos também repartidos pelas duas partes'. Considerava-se, pois, relendo aquele citado Acórdão n.º 267/97, que avultava neste como ratio decidendi, independentemente da 'história' de cada caso, o que ficou nesse Acórdão expresso nos seguintes termos:
'Ora, enquanto livres de qualquer afectação, os proprietários de terrenos podem, em princípio, fazer deles o que quiserem muito bem, inclusivamente neles construírem, ou fazerem loteamentos, ou vendê-los para outros o fazerem (claro que estão sujeitos às normas jurídico-urbanísticas para o efeito e às respectivas licenças). Naturalmente que, se se tiver em conta a capacidade edificativa do terreno, o preço de venda será diferente do que terá se se tiver em conta a sua natureza e produtividade agrícola (é o caso concreto dos autos).
É certo que quando o terreno é integrado na RAN não ocorre um esvaziamento total do conteúdo essencial do direito de propriedade do solo. O particular continua titular de um direito de propriedade sobre o terreno. Contudo, ao ser afectado, por motivo de interesse público, à RAN, o direito sobre o solo sofre restrições: além de os proprietários nele não poderem construir, se o venderem, apenas poderão contar, como elemento valorativo do terreno, com a sua capacidade e fim agrícola. Como diz ainda Alves Correia, a propósito dos planos municipais (O Plano Urbanístico e o Princípio da Igualdade, 1989, pág. 517):
«Um outro aspecto que influencia o problema da individualização dos
'expropriados dos planos' é o princípio da vinculação situacional da propriedade do solo, já por nós também abordado. De acordo com este princípio, são possíveis limitações, restrições e até proibições de utilização do solo, que não configuram uma expropriação carecida de indemnização, se elas forem uma resultante da situação concreta do terreno e das suas características intrínsecas. Assim, todas as disposições do plano que se limitem a concretizar ou a explicitar restrições ou proibições de uso, designadamente proibições de construção, que sejam inerentes à situação concreta do terreno, ou que derivem das suas qualidades naturais, não são consideradas 'expropriativas' e não dão direito a qualquer indemnização. É o que sucede, por exemplo, com as proibições absolutas do 'jus aedificandi' em terrenos especialmente declivosos, de terrenos situados em linhas de água, em zonas pantanosas, em zonas desmoronáveis e inacessíveis, em zonas de paisagem natural, em terrenos de grande aptidão agrícola (Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho) – (sublinhado nosso) e, em geral, em terrenos que são, pela sua própria natureza, inedificáveis em razão das suas dimensões, da sua configuração ou da sua exposição a um risco natural de inundação, avalanche, etc. Tendo em conta este enquadramento, entendemos que devem ser consideradas, no nosso direito, como 'expropriativas' e, consequentemente sujeitas a indemnização, as disposições dos planos urbanísticos que causem danos na esfera jurídica dos particulares, desde que eles sejam 'especiais e anormais'». Ora, ainda que possam não ser consideradas expropriativas as disposições que integram um terreno na RAN e, logo, não sendo acompanhadas de indemnização, parece, no entanto, não haver dúvidas de que tais disposições restringem ou limitam o uso do solo, designadamente quando proíbem a construção. Ainda que se reconheça a grande potencialidade agrícola do terreno e porventura, a grande vantagem daí tirada para os proprietários, existe uma diminuição das diversas possibilidades de utilização da coisa por imposição de certo vínculo. Mesmo que se entenda (Cfr. de novo Alves Correia, O Plano Urbanístico... cit. pág. 462) que a atribuição, pelo plano, «de possibilidades mais intensivas ao menos intensivas de utilização do solo, designadamente de direitos de edificação de conteúdo diverso, entra no domínio das meras 'chances', que não relevam para o princípio da igualdade», não deixa de ser verdade que os proprietários que são afectados por prescrições restritivas do uso do solo pela sua vinculação social sofrem, ou podem sofrer, desde logo um sacrifício. Também J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Anotada,
2ª ed. revista e actualizada, vol. 1º), em anotação ao artigo 62º da C.R.P., afirmam: «A Constituição não menciona expressamente, entre os componentes do direito de propriedade, a liberdade de uso e fruição. Todavia, mesmo que se entenda que ele integra naturalmente o direito de propriedade, fácil é verificar que são grandes os limites constitucionais, especialmente em matéria de meios de produção – que vão desde o dever de uso (art. 87) até ao seu condicionamento
(cfr. especialmente o art. 103, 1ª parte) –, podendo a lei estabelecer restrições maiores ou menores, credenciada nos princípios gerais da Constituição, particularmente nos da constituição económica».
É o princípio da vinculação social da propriedade a fundamentar a limitação do uso ou utilização da propriedade. A limitação à liberdade de utilização do terreno em causa tem a sua credencial na necessidade de adopção de medidas de ordenamento e reconversão agrária decorrente dos objectivos da política agrícola que visam o aumento de produtividade da agricultura e a gestão racional dos solos (cfr. artigo 103º, CRP), inserindo-se nos objectivos da política agrícola enunciados no artigo 96º da Constituição da República Portuguesa. Ora, não restam dúvidas de que, tendo em conta a situação do terreno em causa e as condições que o rodeavam, ao não poderem nele construir os proprietários sofreram desde logo um primeiro sacrifício. A obrigação imposta de renunciarem a uma determinada utilização constitui como que um ónus que incide sobre o terreno. E se, por este ónus ou sacrifício, não ‘merecem’ a ‘graça’ de uma indemnização, não se pode deixar de o ter em conta quando acrescido ao sacrifício que adveio da expropriação.' (itálico aditado) A ideia nuclear da ratio decidendi do Acórdão n.º 267/97 seria, pois, já para a decisão recorrida, a de que o ónus ou o sacrifício que sofrem os proprietários, de não poderem construir no terreno sujeito à integração na RAN (e não merecendo, por isso, 'a ‘graça’ de uma indemnização'), não pode ser acrescido ou agravado com o sacrifício que advem da expropriação com indemnização como 'solo para outros fins'. Estaria, pois, em causa uma proibição de impor aos particulares cujo prédio já foi integrado na RAN um sacrifício acrescido (isto é, o sacrifício da expropriação sem indemnização com base na qualificação do terreno como 'solo apto para construção'), e qualquer que fosse o fim subjacente à expropriação por utilidade pública, desde que diverso da aptidão agrícola. Tal ratio decidendi seria, na verdade, igualmente aplicável ao caso dos autos – em que a interpretação normativa em causa se refere à expropriação para construção de uma via de comunicação –, e conduziria ao mesmo tipo de solução, no plano da constitucionalidade da norma em causa. Pois sempre a Administração deveria respeitar, ela própria, o fim da afectação do terreno, e não deveria expropriar o terreno afectado à RAN para construir, seja 'um quartel de bombeiros', seja 'um sublanço da auto-estrada' – a não ser que indemnizasse como
'solo apto para construção'. E não seria a circunstância de se tratar de expropriação de solos integrados na RAN para efeito de neles se edificar para construção de um prédio urbano, ou de expropriação desse mesmo tipo de solos para construção de um troço de auto-estrada, que in casu poderia ser decisiva para mudar de entendimento, pois sempre relevaria que 'aptidão agrícola é que o terreno deixou de ter'.
9. Cumpre, todavia, salientar, antes do mais, que esta argumentação tem, evidentemente, como pressuposto uma concordância com a decisão e com a fundamentação do citado Acórdão n.º 267/97. Assim, é claro que quem, mesmo num caso como o decidido nesse aresto (de desafectação do prédio da RAN e expropriação para construção de um quartel de bombeiros), não considerar que a Constituição da República, pela determinação do pagamento de uma 'justa indemnização', impõe a qualificação como 'solo apto para construção' de terrenos integrados na RAN, mesmo que expropriados para neles se edificar construções urbanas – isto é, quem não concorde com o juízo de inconstitucionalidade a que se chegou nesse aresto –, sempre chegaria, no presente processo (por identidade ou mesmo maioria de razão, uma vez que o prédio integrado na RAN foi expropriado para nele se implantar uma via de comunicação), igualmente a uma conclusão de inexistência de inconstitucionalidade. Esta posição poderia, designadamente, basear-se na circunstância de o expropriado, cujo prédio estava integrado na RAN, não ser titular, anteriormente
à expropriação, de expectativas legítimas relativas à potencialidade edificativa do terreno, já que, tendo o prédio integrado naquela Reserva, bem sabia (ou devia saber) que já nele não podia construir. Não tendo o proprietário, pela integração do terreno na RAN, expectativa razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, não poderia invocar o princípio da 'justa indemnização', de modo a ver calculado o montante indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar. Com base neste raciocínio, não se chegaria, pois, a uma decisão de inconstitucionalidade, nem no presente caso, nem no caso subjacente ao Acórdão n.º 267/97. Acontece, porém, e de forma decisiva, que, como se passa a demonstrar, o presente caso nem sequer se afigura igual ao subjacente ao dito aresto, no que interessa para a relevância jurídico-constitucional (designadamente, à luz dos critérios da 'justa indemnização' e da igualdade) da norma em apreço, cujo julgamento de inconstitucionalidade serviu de ratio decidendi à decisão recorrida.
10. Na verdade, no presente caso, está em causa a expropriação de uma parcela de terreno integrado na RAN, que dela não foi concomitantemente desafectado, e que a expropriante destina à implantação, nele, de uma auto-estrada, e não à edificação ou construção de qualquer prédio urbano. Ora, mesmo quem entenda que a interpretação do artigo 24º, n.º 5, do Código das Expropriações segundo a qual não é indemnizável como 'solo apto para construção' o terreno integrado na RAN expropriado com a finalidade de nele edificar justamente construções urbanas (ou seja, para tais finalidades, diferentes da utilidade pública agrícola) é inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e da justa indemnização, não é por isso forçado a concluir pela inconstitucionalidade quando a expropriação, com indemnização como 'solo para outros fins' (que não o de construção), não visa a construção de prédios urbanos
(ou seja, efectivar desta forma pela expropriante a sua potencialidade edificativa), mas sim a construção de uma auto-estrada.
É certo que, em ambos os casos, o prédio expropriado deixa de ter uma utilização agrícola. Todavia, no caso de expropriação para edificação de prédio urbano, a expropriação visa justamente a concretização da aptidão edificativa cujo afastamento estava subjacente à exclusão da classificação como 'solo apto para construção'. Isto, enquanto no caso de implantação de uma auto-estrada não se vem a verificar, pelo destino dado ao prédio expropriado, que este tivesse qualquer muito próxima ou efectiva aptidão edificativa de prédios urbanos, ou que fosse assim 'solo apto para construção', sequer para o expropriante. Apenas no primeiro caso pode dizer-se que a exclusão de uma indemnização como
'solo apto para construção' se apresenta ofensiva dos princípios constitucionais da justa indemnização e da igualdade – apenas nesse caso a não consideração do valor do terreno como 'solo apto para construção' é injusta e conduz a uma desigualdade (em relação a outros expropriados), por ser desmentida desde logo pela utilização visada com a expropriação. Deve, pois, entender-se que a ratio decidendi do Acórdão n.º 267/97 se baseou
(não na desvinculação de uma utilização agrícola pela expropriação, ou na ilegitimidade de expropriação de prédios impostos na RAN, mas) na circunstância de, nesse caso, a interpretação normativa em apreço conduzir à não consideração como 'solo apto para construção' de prédios expropriados justamente com a finalidade de neles construir prédios urbanos, em que, portanto, a 'muito próxima ou efectiva' potencialidade edificativa fica demonstrada pelo facto de a expropriação – aliás, acompanhada de desafectação da RAN – ser efectuada para edificação de construções urbanas. Em lugar da eliminação da utilização agrícola, é, pois, relevante, para tal juízo de inconstitucionalidade da não qualificação do terreno como 'solo apto para construção', a potencialidade edificativa efectiva que se vai actualizar na construção visada pela própria entidade expropriante. O que interessa, para efeitos de 'justa indemnização', não é o facto de o terreno deixar de ter aptidão agrícola – como acontece quer na construção de um prédio urbano, quer com os terrenos nos quais se constrói uma auto-estrada –, pois isso não afecta a necessidade de sua qualificação como 'solo apto para construção'. Relevante para esse efeito é, sim, o facto de terem ou não uma muito próxima ou efectiva aptidão edificativa, que resulta do facto de o expropriante lhe dar uma utilização para construção.
11. Não pode, pois, acompanhar-se a ideia de que a ratio decidendi do Acórdão n.º 267/97 esteve simplesmente na ideia de ilegitimidade de imposição de um novo sacrifício pela não indemnização como 'solo apto para construção', em acréscimo
à integração do terreno na RAN (aliás, tal proibição de imposição de um sacrifício excessivo deveria, antes, em rigor, conduzir à proibição da própria expropriação, não se compreendendo por que razão o sacrifício apenas seria excessivo se a expropriação não fosse acompanhada de indemnização em que se reflectisse o valor como 'solo apto para construção').
É certo que no Acórdão n.º 267/97 não deixa de fazer-se referência à ilegitimidade da imposição de uma nova desvantagem a quem já viu o seu prédio onerado com a sua integração na RAN. Todavia, tal referência tem de compreender-se em ligação com a impossibilidade de a Administração desvalorizar o terreno, impondo-lhe limitações, para mais tarde o adquirir por expropriação, pagando por ele um valor correspondente ao de solo não apto para a construção, embora o destine a construção. O princípio da igualdade foi, na verdade, tido por violado no acórdão n.º
267/97, mas enquanto impunha à Administração Pública o tratamento igual do titular do prédio que estava integrado na RAN (portanto, sendo proibido nele construir) e de outras pessoas titulares de prédios não integrados na RAN, pois que sendo ambos expropriados para edificação de construções urbanas por aqui mesmo se confirma a 'muito próxima ou efectiva' aptidão edificativa dos terrenos. Diz-se, assim, mais à frente nesse Acórdão n.º 267/97:
'Ora, a partir do momento em que o solo é afectado à RAN, há como que uma repartição do poder sobre o solo entre a comunidade política e os proprietários, sendo certo que 'as vantagens e desvantagens, os benefícios e os encargos decorrentes da acção dos poderes públicos devem ser distribuídos de igual modo
(ou de modo justo) pelos membros da comunidade' (Alves Correia, O Plano Urbanístico..., cit. Pág. 434). A restrição à utilização do terreno, decorrente das suas características intrínsecas, da sua qualidade, impõe-se ao próprio Estado e não apenas aos proprietários.
É, antes de mais, a vinculação da Administração Pública ao princípio da igualdade (artigos 13º e 18º, n.º 1 da CRP) e o dever de, nas suas funções, agir com respeito não só por aquele princípio, mas também pelo da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade que assim o impõem (artigo 266º, n.º 2, CRP). A vinculação da Administração pelo princípio da igualdade exige que ela deve compensar o cidadão ou os cidadãos que por razões de interesse público são alvo de sacrifícios especiais, violadores do princípio da igualdade perante os encargos públicos (cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição..., cit., vol. 1, pág. 152). Já se viu que a afectação do solo à RAN, apesar de constituir uma limitação ao uso do solo, não é uma expropriação e, por isso, não dá direito a qualquer compensação. Também é certo que o respeito pelo princípio da igualdade, que se traduz em a Administração, no caso, dever respeitar, ela própria, o fim da afectação e não dever construir, pode, todavia, comportar ‘desvios’. Questão é que esses ‘desvios’ ocorram com fundamento razoável e em obediência aos referidos princípios'. Abra-se aqui um parêntesis para colocar a seguinte questão: imagine-se, por hipótese, que os proprietários da parcela, num acto de altruísmo ou benemerência, pediam a desafectação do solo da RAN com vista a oferecê-lo aos bombeiros para a construção do quartel. Ou, por outras palavras, que a desafectação constituía uma condição prévia para o referido fim. Poderiam fazê-lo? Não se vê que preceito legal pudesse dar cobertura a tal acto. No entanto, o fim que se tinha em vista com tal desanexação era exactamente o mesmo nas duas situações, não havendo qualquer razão para que só a Câmara, e não os proprietários, pudesse fazer uso não agrícola do terreno. Claro que, a levantar-se aqui uma questão de inconstitucionalidade, ela diria respeito à norma da al. d) do n.º 2 do artigo 9º do Decreto-Lei 196/89 e não é essa a norma cuja inconstitucionalidade, como se viu, está posta em causa. Contudo, tal questão não deixa de evidenciar a arbitrariedade que, como se sabe, constitui uma das dimensões abrangidas pelo âmbito de protecção do princípio da igualdade, se revela numa situação destas. Fechado aqui este parêntesis, continuemos então. O princípio da justiça e o da proporcionalidade constituem duas das vertentes do princípio da igualdade. Como já se referiu, a vinculação da Administração por estes princípios exige que o proprietário do terreno seja compensado quando, por razões de interesse público, seja alvo de sacrifícios violadores de tais princípios. Ora, não deixa margem para dúvidas que, no caso dos autos, os expropriados foram alvo de sacrifícios especiais violadores dos referidos princípios. O acréscimo de contribuição dos expropriados para a prossecução do interesse público coloca-os numa situação de desigualdade perante os demais cidadãos, numa desigualdade perante os encargos públicos (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 184/92 (publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Setembro de 1992). Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 341/86 (publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Março de 1987), não pode nem deve conceber-se uma indemnização por sacrifício como um instituto complementar dos impostos, sob pena de vir a ser violado o princípio da igualdade. Significa isto que, perante tal sacrifício, tendo em conta a situação do prédio e a sua capacidade edificatória, não pode o terreno ser expropriado por uma quantia irrisória, sob pena de se desrespeitar o princípio da justiça e da proporcionalidade. Segundo o artigo 62º, n.º 2, da CRP a 'requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento da justa indemnização'. Ora, a norma do n.º 5 do artigo 24º do CE, que determina ser 'equiparado para outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção', é inconstitucional, enquanto interpretada por forma a excluir da classificação de 'solo apto para a construção' os solos integrados na RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola, na medida em que impõe um sacrifício desproporcionado (acrescido) aos particulares. Os encargos que recaem sobre os proprietários e a comunidade jurídica não têm correspondência, em termos de proporcionalidade, ao poder repartido sobre o solo entre uns e outra. A onerosidade sofrida pelos proprietários é desajustada e injusta quando comparada com os benefícios que a comunidade retira da expropriação e da afectação prévia. A Administração Pública está obrigada a indemnizar os particulares de uma forma justa, sobretudo se àqueles foram impostos encargos especiais ou causado prejuízos anormais. A situação dos autos não diverge muito daquela que se vinha registando, até à publicação do actual CE, quanto às chamadas zonas verdes ou de lazer. A propósito destas escreve Alves Correia (Código das Expropriações e outra legislação Sobre Expropriações por Utilidade Pública, Introdução, pág. 23):
«Disposição inovadora é igualmente o n.º 2 do artigo 26º. Nele se refere que, no caso de expropriação de solos classificados como zona verde ou de lazer por um plano municipal de ordenamento do território plenamente eficaz (plano director municipal, plano de urbanização ou plano de pormenor – cfr. o artigo 2º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março), o valor de tais solos é calculado em função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a
300 metros do limite da parcela expropriada. A lei manda, assim, atender no cálculo do valor dos solos destinados por um plano urbanístico a zonas verdes ou de lazer que venham a ser adquiridos pela Administração, pela via da expropriação, a factores próximos dos estabelecidos para os terrenos aptos para a construção. Aplaude-se o aparecimento desta disposição, já que, ao prescrever um tal método de determinação do valor dos solos classificados como zona verde ou de lazer por um plano urbanístico, corta cerce quaisquer tentativas de 'manipulação' das regras urbanísticas por parte da Administração, que poderiam traduzir-se na classificação dolosa por parte de um município, num plano urbanístico por si aprovado, de um terreno como zona verde, desvalorizando-o, para mais tarde o adquirir, por expropriação, pagando por ele um valor correspondente ao de solo não apto para a construção» (sublinhado nosso). O que Alves Correia diz, a propósito dos planos no que respeita às zonas verdes ou de lazer vale igualmente para a situação dos autos. A Administração classificou-o, bem ou mal, não interessa aqui, como terreno de utilidade pública agrícola e, por isso, integrou-o na RAN. Desvalorizado, a Câmara de Chaves adquire-o, pagando por ele um valor correspondente ao de solo não apto para construção (e note-se que a sua apropriação ocorreu apenas a uma semana da publicação da Portaria n.º 380/93, que veio libertar da RAN todo o terreno em que se situava a referida parcela). Os critérios definidos por lei têm de respeitar os princípios materiais da Constituição.' (itálicos aditados)
12. Deve, pois, concluir-se que o acréscimo de contribuição dos expropriados para a prossecução do interesse público, que, segundo se decidiu no Acórdão citado, os coloca em situação de desigualdade perante os demais cidadãos, resulta do concurso da expropriação para a finalidade de construção de um prédio urbano, sem indemnização como 'solo apto para construção' com a anterior imposição da proibição de construção, pela integração do terreno na RAN. Mas tal desigualdade já não se verifica se a expropriação visa prosseguir, não a finalidade cujo afastamento estava subjacente à exclusão da qualificação como
'solo apto para construção', mas sim uma outra, como a implantação de uma via de comunicação. Recorde-se, na verdade, que o proprietário de prédio integrado na RAN não tinha qualquer expectativa de poder vir a valorizar o solo para finalidades edificativas, pois ele próprio não podia construir, nem desafectar o solo da RAN, e a aptidão edificativa não é sequer confirmada pela utilização visada com a expropriação. Se a expropriação é justamente para edificação de prédio urbano, então mostra-se que a integração na RAN não poderia excluir a qualificação como 'solo apto para construção' para efeitos de indemnização, pois a potencialidade edificativa do prédio é justamente confirmada pela utilização dada pelo expropriante – para mais, se o prédio foi anteriormente desanexado da RAN, como acontecia na situação do Acórdão n.º 267/97. Já não será assim, porém, numa situação como a dos presentes autos, em que a expropriação levada a efeito pela Brisa se destina exclusivamente a um sublanço da auto-estrada Famalicão Guimarães, não se destinando, pois, à edificação de construções urbanas, ainda que de interesse público, em terrenos com presumida e essencial vocação agrícola. Verifica-se, como bem notou o Ministério Público, que a parcela de terreno expropriada não passou a deter, supervenientemente ao acto expropriativo. qualquer aptidão edificativa, sendo mesmo que a especial afectação de parcela à construção de tal via pública de comunicação se revela também (como a utilização agrícola) incompatível com qualquer vocação edificativa de construções urbanas no terreno expropriado.
13. Já se vê, pois, que não pode considerar-se relevante para conduzir a um juízo de inconstitucionalidade o argumento de que a construção de uma auto-estrada, pela sua imponência, meios e quantidade de materiais empregues,
área envolvida e impacto ambiental emergente, destrói a utilização agrícola do terreno e altera radicalmente a afectação das áreas envolventes. Repete-se que a alteração da destinação agrícola, só por si, não impõe uma indemnização como 'solo apto para construção', pois não baseia a existência de uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa. Da construção da auto-estrada não resulta, na verdade, a potencialidade edificativa de construções urbanas, relevante para a qualificação como 'solo apto para construção', como resultaria se a expropriação, com desafectação da RAN, fosse para construção de um prédio urbano. Aliás, cumpre notar que a construção de vias de comunicação é justamente uma das finalidades não agrícolas para que podem ser utilizados solos integrados na RAN
– veja-se o artigo 9º, n.º 2, alínea d), do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de Junho, onde se prevê que tal utilização não agrícola pode fundar o parecer favorável das comissões regionais da reserva agrícola. E, portanto, no presente caso poderá, mesmo, não existir – ao contrário do que acontecia no caso do Acórdão n.º 267/97 – desafectação do terreno da RAN, mas antes um uso não agrícola de solo nesta integrado. Como se nota nas alegações do Ministério Público neste Tribunal, nada impede que terrenos dotados de especial vocação agrícola – que se mantém intocada – sejam atravessados por vias de comunicação. Mas isso não legitima a conclusão de que passaram, sem mais, a ter aptidão edificativa – o atravessamento de um terreno rústico por uma auto-estrada não significa que tal terreno tenha passado a ter qualquer aptidão para a construção pelo particular que dele era proprietário. Assim, estando o valor do prédio expropriado limitado em consequência da existência de uma legítima restrição legal ao jus aedificandi, e não tendo o proprietário qualquer expectativa razoável de o ver desafectado e destinado à construção por particulares, não pode invocar-se também o princípio da justa indemnização para pretender ver reflectido no montante indemnizatório arbitrado ao expropriado uma potencialidade edificativa dos terrenos, legalmente inexistente e que não foi confirmada pela finalidade dada aos solos depois da expropriação (que não foi a edificação de construções urbanas, mas sim a construção de uma auto-estrada).
14. Nem se diga que a indemnização a arbitrar ao expropriado não pode em qualquer caso, para ser justa, basear-se em critérios de edificabilidade resultantes de condicionamentos impostos pelo Estado, como é o caso da integração na RAN – ou seja, que não é suficiente indemnizar o proprietário com base na viabilidade de utilização que o terreno tinha até ao momento da expropriação, face aos condicionamentos que o Estado impunha. Na verdade, a aptidão para construção é, em variados aspectos, decisivamente moldada (por exemplo, logo na elaboração dos planos de ordenamento do território) por actuações da Administração, o mesmo acontecendo com a integração na RAN. E a consideração da limitação edificativa resultante desta integração ocorre, por exemplo, sempre que um prédio integrado na RAN é expropriado, mesmo sendo mantido dentro desta Reserva, não podendo tal consideração omitir-se para, como é exigido, se dar conta do valor real do imóvel, ligado à sua aptidão edificativa, que não é apenas natural, mas resulta igualmente de condicionamentos jurídicos. O argumento provaria, pois, demais, e logo por isso deve ser rejeitado. Da mesma forma, aliás, não pode acolher-se, como fundamento para a imposição de uma indemnização com base na qualificação do terreno como 'solo apto para construção', o argumento de que a exploração da mesma auto-estrada é entregue a uma entidade de fins lucrativos cuja alta rentabilidade é notória e publicamente conhecida. A avaliação da potencialidade edificativa do terreno e correspondente qualificação como 'solo apto para construção' ou 'solo apto para outros fins', são relevantes para efeitos de determinação dos critérios de avaliação do dano sofrido pelo expropriado, e, consequentemente, da justa indemnização, que é constitucionalmente exigida, e não para uma compensação do benefício sofrido pelo expropriante. Como se pode ler agora no artigo 23º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1999 (mas já valia anteriormente, para a exigência constitucional de justa indemnização), 'a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação (...)'.
15. Não se vislumbra, aliás, no caso dos autos, qualquer indício de actuação pré-ordenada da Administração, traduzida em manipulação das regras urbanísticas, para desvalorizar artificiosamente um terreno reservado ao uso agrícola e mais tarde o adquirir por um valor degradado, destinando-o então à construção de edificações urbanas de interesse público. Sendo, pois, que também neste aspecto o presente caso se afigura distinto do decidido pelo Acórdão n.º 267/97, onde se notou que a Administração classificou o terreno, 'bem ou mal (...) como terreno de utilidade pública agrícola e, por isso, integrou-o na RAN' e que
'desvalorizado, a Câmara de Chaves adquire-o, pagando por ele um valor correspondente ao de solo não apto para construção (e note-se que a sua apropriação ocorreu apenas a uma semana da publicação da Portaria n.º 380/93, que veio libertar da RAN todo o terreno em que se situava a referida parcela). ' Antes – repete-se –, destinando-se a expropriação de terreno integrado na RAN exclusivamente à implantação de uma via de comunicação – e não à transformação de prédio até então legalmente 'rústico' em 'urbano' com edificação de construções urbanas –, a parcela de terreno expropriada não passou a deter supervenientemente ao acto expropriativo aptidão edificativa.
16. Concluindo: não tendo o proprietário dos terrenos integrados na RAN expectativa razoável de os ver desafectados e destinados à construção ou edificação, e não tendo a finalidade da expropriação (construção de uma auto-estrada) confirmado a existência de uma potencialidade edificativa excluída pela qualificação como 'solo para outros fins', que não a construção, não são invocáveis os princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização para obrigar à avaliação do montante indemnizatório com base nessa potencialidade edificativa. E, por conseguinte, a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações vigente, interpretada com o sentido de excluir da classificação de 'solo apto para a construção' solos integrados na RAN expropriados para fins diversos, quer da utilidade pública agrícola, quer da edificação de construções urbanas – como é o caso da construção de vias de comunicação – não é inconstitucional. III. Decisão Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide: a) Não julgar inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 24º do Código das Expropriações vigente, interpretada por forma a excluir da classificação de
'solo apto para a construção' solos integrados na Reserva Agrícola Nacional expropriados para implantação de vias de comunicação; b) Por conseguinte, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o presente juízo sobre a questão de constitucionalidade.
Custas pelos recorridos, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 11 de Janeiro de 2000. Paulo Mota Pinto Bravo Serra Maria Fernanda Palma Guilherme da Fonseca (vencido, conforme declaração de voto junta) Luís Nunes de Almeida
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Votei vencido, por entender que deveria ser negado provimento ao recurso, mantendo-se o juízo de inconstitucionalidade da norma do nº 5 do artigo 24º do Código das Expropriações vigente, constante da sentença recorrida que, assim, deveria ser inteiramente confirmada. Para tanto, tendo sido Relator do acórdão nº 267/97, largamente transcrito no aresto, continuo a aderir, em toda a sua extensão e em todo o seu alcance, à doutrina dele emergente.
2. Mantendo, portanto, a adesão a tal doutrina e acolhendo o desenvolvimento argumentativo da sentença recorrida, não mereceria, em meu entender, ser censurado o juízo de inconstitucionalidade dela constante. E não me convence a bondade do julgado deste Tribunal Constitucional, invertendo agora o juízo de
(in)constitucionalidade, fundamentalmente porque se atendeu ser a 'história' dos casos nos dois processos em causa distinta, embora sem deixar de reconhecer que em ambos 'o prédio expropriado deixa de ter uma utilização agrícola' (para o acórdão, 'no caso de expropriação para edificação de prédio urbano, a expropriação visa justamente a concretização da aptidão edificativa cujo afastamento estava subjacente à exclusão da classificação como 'solo apto para construção', enquanto 'no caso de implantação de uma auto-estrada não se vem a verificar, pelo destino dado ao prédio expropriado, que este tivesse qualquer muito próxima ou efectiva aptidão edificativa de prédios urbanos, ou que fosse assim 'solo apto para construção', sequer para o expropriante'). Ora, a ideia nuclear - e que decorre da transcrição que é feita do acórdão nº
267/97 - de que o ónus ou o sacrifício que sofrem os proprietários de não poderem construir no terreno sujeito à integração na RAN (e não merecendo, por isso, 'a ‘graça’ de uma indemnização') não pode ser acrescido ou agravado com o sacrifício que adveio da expropriação, é igualmente aplicável ao caso dos autos e conduz ao mesmo tipo de solução, no plano da constitucionalidade da norma em causa. Pois que sempre a Administração deve respeitar, ela própria, o fim da afectação e não deve construir, seja 'um quartel de bombeiros', seja 'um sublanço da auto estrada'. E não é a circunstância de se tratar de expropriação de solos integrados na RAN para efeito de neles se edificar para fins diferentes de utilidade pública agrícola, ou de expropriação desse mesmo tipo de solos para construção de um troço de auto-estrada, que in casu pode ser decisiva para mudar de entendimento, pois sempre releva a ideia de sacrifício desproporcionado (acrescido) imposto aos particulares, qualquer que seja o fim subjacente à expropriação por utilidade pública, sempre que a onerosidade sofrida pelos proprietários é desajustada e injusta quando comparada com os benefícios que a comunidade retira da expropriação e da afectação prévia.
3. A argumentação restritiva de que se serve o acórdão para afastar a 'situação de desigualdade' dos expropriados perante os demais cidadãos assenta apenas na circunstância de, 'estando o valor do prédio expropriado limitado em consequência da existência de uma legítima restrição legal ao jus aedificandi, e não tendo o proprietário qualquer expectativa razoável de o ver desafectado e destinado à construção por particulares, não pode invocar-se também o princípio da justa indemnização para pretender ver reflectido no montante indemnizatório arbitrado ao expropriado uma potencialidade edificativa dos terrenos, legalmente inexistente e que não foi confirmada pela finalidade dada aos solos depois da expropriação (que não foi a edificação de construções urbanas, mas sim a construção de uma auto-estrada)'. Só que tal circunstância tem de ceder perante a consideração de que a restrição
à utilização do terreno, decorrente das suas características intrínsecas, da sua qualidade, e que acaba por culminar com a sua integração na RAN, impõe-se ao próprio Estado e não apenas aos proprietários. Como se escreveu no acórdão nº 267/97:
'É, antes de mais, a vinculação da Administração Pública ao princípio da igualdade (artigos 13º e 18º, nº 1 da CRP) e o dever de, nas suas funções, agir com respeito não só por aquele princípio, mas também pelo da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade que assim o impõem (artigo 266º, nº 2, CRP). A vinculação da Administração pelo princípio da igualdade exige que ela deve compensar o cidadão ou os cidadãos que por razões de interesse público são alvo de sacrifícios especiais, violadores do princípio da igualdade perante os encargos públicos (cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição..., cit., vol. 1, pág. 152)'. E mais á frente:
'O princípio da justiça e o da proporcionalidade constituem duas das vertentes do princípio da igualdade. Como já se referiu, a vinculação da Administração por estes princípios exige que o proprietário do terreno seja compensado quando, por razões de interesse público, seja alvo de sacrifícios violadores de tais princípios. Ora, não deixa margem para dúvidas que, no caso dos autos, os expropriados foram alvo de sacrifícios especiais violadores dos referidos princípios. O acréscimo de contribuição dos expropriados para a prossecução do interesse público coloca-os numa situação de desigualdade perante os demais cidadãos, numa desigualdade perante os encargos públicos (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional nº 184/92, (publicado no Diário da República, II Série, de 18 de Setembro de 1992). Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional nº 341/86 (publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Março de 1987), não pode nem deve conceber-se uma indemnização por sacrifício como um instituto complementar dos impostos, sob pena de vir a ser violado o princípio da igualdade'. Sendo a onerosidade sofrida pelos proprietários desajustada e injusta quando comparada com os benefícios que a comunidade retira da expropriação e da afectação prévia, e estando a Administração Pública obrigada a indemnizar os particulares de uma forma justa, sobretudo se àqueles foram impostos encargos especiais ou causado prejuízos anormais, não pode a consideração da finalidade da expropriação (construção de uma auto-estrada ou edificação de construções urbanas) desvirtuar a operatividade dos princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização, que impõem uma avaliação do montante indemnizatório do tipo a que chegou a sentença recorrida. Donde deriva que está sempre em causa uma proibição de impor aos particulares cujo prédio já foi, bem ou mal, integrado na RAN um sacrifício acrescido, o sacrifício da expropriação sem a indemnização justa, e qualquer que seja o fim subjacente à expropriação por utilidade pública, desde que diverso da aptidão agrícola. Guilherme da Fonseca