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Processo nº 601/2000 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
Recorrente(s): M.,Ldª Recorrido(s): Fazenda Nacional
I. Relatório:
1. A recorrente reclama para a conferência da decisão sumária que não conheceu do recurso por si interposto do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de
23 de Agosto de 2000, no qual pediu se julgasse inconstitucional a norma do artigo 147º, nº 6, do Código de Procedimento e de Processo Tributário
(Decreto-Lei nº 433/99, de 26 de Outubro), a qual – disse – viola o artigo 268º, nº 4, da Constituição.
A reclamante sustenta que, contrariamente ao que concluiu a decisão sumária reclamada, verificam-se os pressupostos do recurso.
A FAZENDA NACIONAL não respondeu.
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. Escreveu-se na decisão sumária: Na verdade pressupostos do recurso interposto são, entre outros, ter o recorrente suscitado a inconstitucionalidade de determinada norma legal, durante o processo, de modo adequado, em termos de o tribunal recorrido estar obrigado a conhecer de tal questão; e haver essa norma sido aplicada como ratio decidendi da decisão que se impugna. No presente caso, a norma que constitui objecto do recurso – dito artigo 147º, nº 6, que dispõe: 'o disposto no presente artigo aplica-se, com as adaptações necessárias, às providências cautelares a favor do contribuinte ou demais obrigados tributários, devendo o requerente invocar e provar o fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela actuação da administração tributária e a providência requerida' – foi, efectivamente, aplicada pelo acórdão de que se recorre. Simplesmente, o que a recorrente arguiu de inconstitucional não foi, propriamente, a norma que se contém no referido nº 6 do artigo 147º (é dizer, o
ónus, imposto ao requerente de uma providência cautelar, de invocar e provar o fundado receio de uma lesão irreparável do requerente a causar pela actuação da administração tributária e a providência requerida) – mas, mais precisamente, a decisão considerada em si mesma (ou seja, o facto de essa decisão não julgar procedente a providência cautelar, que o mesmo é dizer: o facto de ela ter concluído que a recorrente não logrou demonstrar que, da acção inspectiva promovida pela administração tributária, lhe adviria lesão irreparável). Na verdade, a recorrente disse ter suscitado a questão de inconstitucionalidade no ponto 4.4.3.3. da alegação apresentada no recurso para o Supremo Tribunal Administrativo. Ora, nesse ponto 4.4.3.3., o que a recorrente escreveu foi o seguinte: Pode mesmo concluir-se que os interesses a salvaguardar, com a não procedência da presente acção, seriam exclusivamente os da defesa da admissibilidade de a AF continuar a poder praticar actos ilegais – sem nenhuma justificação, repetimo-lo aqui, já que os pode praticar legalmente só porque, como se defende algo inexplicavelmente na douta sentença, 'a AF não está preparada para num tribunal ser sujeita à igualdade de armas com o contribuinte' ou porque a AF não está equipada com bons técnicos e meios adequados, (p. 8 da douta sentença recorrida). Tal perspectiva num estado de direito democrático é inadmissível. Como se vê, não há aí qualquer imputação de inconstitucionalidade à norma constante do dito artigo 147º, nº 6, feita de modo processualmente adequado, pois o que a recorrente disse foi tão-somente que 'tal perspectiva num estado de direito democrático é inadmissível'. Dos pontos 4.5.1. e 4.5.2. da mesma alegação e das conclusões 3 e 4, também não
é possível concluir que a recorrente tenha suscitado uma questão de inconstitucionalidade normativa. O que daí se retira é que a recorrente considera inconstitucional uma aplicação do dito artigo 147º, nº 6, que conduza a julgar improcedente a providência cautelar por si requerida. Dito de outro modo: o que, em seu entender, é inconstitucional é que, subsumindo o caso dos autos a tal normativo, se conclua não lhe causar a actuação da administração tributária lesão irreparável. De facto, escreveu-se aí: Assim a não se interpretar e aplicar os preceitos em causa nomeadamente o art.
147º, nº 6 do CPPT, na forma aqui defendida, dando procedência à presente acção, e a persistir-se na interpretação feita na douta sentença recusando procedência
à presente acção (ponto, 4.5.1. da alegação), na perspectiva da recorrente estaríamos perante uma evidente, gravosa e explícita violação da CRP, já que tais preceitos legais aplicados de tal forma seriam inconstitucionais nos termos aqui defendidos (ponto 4.5.2.). Este procedimento da AF, além de ser ilegal, a ser levado a cabo, causaria grave e irreparável prejuízo à recorrente, já que a impediria ilegal e injustificadamente de desenvolver em condições normais a sua actividade
(conclusão 3.). A não se interpretar e aplicar os preceitos em causa, nomeadamente o art. 147º, nº 6 do CPPT, na forma aqui defendida, dando procedência à presente acção, e a persistir-se na interpretação feita na douta sentença recusando procedência à presente acção, na perspectiva da recorrente estaríamos perante uma evidente, gravosa e explícita violação da CRP, tais preceitos aplicados de tal forma seriam portanto inconstitucionais nos termos aqui fundamentados. Assim não pode haver lugar à sua aplicação nos termos defendidos na douta sentença já que esvaziariam de sentido o direito fundamental de garantia, hoje contido no art. 268º, nº 4, da CRP, resultando mais uma vez o reafirmamos numa inconstitucionalidade (conclusão 4.).
É justamente pelo facto de, em direitas contas, a recorrente ter questionado a constitucionalidade do modo como foi feita pelo aresto recorrido a subsunção dos factos ao artigo 147º, nº 6 (ou seja, por ele ter julgado improcedente a providência cautelar por si requerida, em virtude de não ter considerado demonstrada a existência de lesão irreparável) – e não a constitucionalidade do referido normativo – que tal decisão escreveu: A salvaguarda do respectivo princípio constitucional [refere-se ao princípio constante do nº 4 do artigo 268º da Constituição] aí está cumprida na previsão e consagração do apontado meio processual, como emanação daquele princípio. A procedência ou improcedência de tal meio processual não se circunscreve já no
âmbito daquele princípio, antes havendo de se aferir, de acordo com a lei ordinária, ante a verificação ou não dos pressupostos que esta, ainda em cumprimento daquele princípio e face aos interesses em causa, porventura estabeleça como condição daquela. Não tendo a recorrente suscitado uma questão de inconstitucionalidade normativa
– única de que este Tribunal pode conhecer –, não se pode tomar conhecimento do recurso.
4. A reclamante diz, a terminar a sua reclamação, que 'invocou durante o processo, de modo processualmente adequado em termos de o tribunal recorrido estar obrigado a conhecer de tal questão (como conheceu) a inconstitucionalidade da norma do artigo 146º, nº 7, do CPPT, face ao artigo 246º, nº 4 da CRP', por isso que tal norma deva, agora, ser julgada inconstitucional 'nos termos em que essa inconstitucionalidade foi arguida, nas alegações de recurso da recorrente, apresentadas junto da Secção do Contencioso Tributário do STA – ponto 4.4.3.3. a páginas 15 e 16 [...]'.
Ora, como resulta claramente do citado ponto 4.4.3.3. das alegações, transcrito na decisão sumária, a reclamante não suscitou aí a inconstitucionalidade da norma que se contém no nº 6 do artigo 147º do Código de Procedimento e de Processo tributário. Ao menos não o fez de modo processualmente adequado. Noutros pontos da reclamação, a recorrente alude à inconstitucionalidade da
'interpretação', do 'sentido' e, portanto, do 'conteúdo' que o acórdão recorrido deu ao dito artigo 147º, nº 6 (cf. artigos 6º, 8º, 12º, 17º, 19º e 21º). A verdade, porém, é que não enunciou, em parte nenhuma, o sentido ou interpretação do artigo 147º, nº 6, que considera inconstitucional. O que, a dado ponto disse, reproduzindo a alegação apresentada no tribunal recorrido, foi que 'a não se interpretar e aplicar os preceitos em causa nomeadamente o artigo
147º, nº 6, do CPPT, na forma aqui defendida, dando procedência à presente acção, e a persistir-se na interpretação feita na douta sentença recusando procedência à presente acção, [...] estaríamos perante uma evidente, gravosa ou explícita violação da CRP, já que tais preceitos legais aplicados de tal forma seriam inconstitucionais nos termos aqui defendidos' (cf. artigo 17º, reproduzido, aliás, na decisão sumária quando nela se transcreve a conclusão 4ª da alegação). Há, por isso, que concluir que a recorrente não suscitou, ao menos em termos processualmente adequados, uma questão de inconstitucionalidade normativa. E só desta o Tribunal podia conhecer. Assim sendo, apenas resta indeferir a reclamação apresentada contra a decisão sumária de não conhecimento do recurso.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). indeferir a reclamação apresentada; e, em consequência, confirmar a decisão de não conhecimento do recurso;
(b). condenar a reclamante nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 29 de Novembro de 2000 Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida