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Processo n.º 658/99
2ª Secção Relator – Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Relatório
1. Em 2 de Outubro de 1995, o IAPMEI – Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento propôs, na repartição de finanças do 4º Bairro Fiscal do Porto, acção executiva, segundo o processo das execuções fiscais, contra o Banco C., com fundamento em garantia bancária por este prestada à empresa L., beneficiária de um incentivo financeiro no âmbito do SIBR–Sistema de Incentivos de Base Regional, estabelecido no Decreto-Lei n.º 483-B/88, de 28 de Dezembro, e que, em virtude de não cumprimento do contrato de concessão de incentivos, se encontrava obrigada a repor os valores transferidos, acrescidos de juros. Em 11 de Abril de 1996, o Banco C. deduziu oposição, ao abrigo do disposto no artigo 286º do Código de Processo Tributário, a tal acção de execução, desde logo invocando a inconstitucionalidade do artigo 30º do Decreto-Lei n.º 387/88, de 25 de Outubro (que criou o Instituto Português de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento). O Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, por sentença de 14 de Junho de
1999, invocando o Acórdão n.º 268/97, do Tribunal Constitucional (publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Maio de 1997), considerou que tal norma, aprovada no exercício de competências próprias do Governo, violava os termos do artigo 168º, n.º 1, alínea q), da Constituição, porquanto a partir da sua entrada em vigor 'os processos para cobrança coerciva das dívidas ao IAPMEI passaram a ser da competência material dos tribunais tributários' e 'é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre a organização e a competência dos tribunais', considerando-se, consequentemente, incompetente em razão da matéria e absolvendo o oponente da instância.
2. Desta decisão trouxe o Ministério Público recurso para este Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 72º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, tendo concluído assim as alegações aqui produzidas:
'1º- São matérias perfeitamente diferenciadas as que se reportam à determinação do âmbito do processo de execução fiscal e à delimitação da competência material dos tribunais tributários, só esta última estando incluída na reserva de competência legislativa da Assembleia da República – e sendo, pois, lícito que, mesmo em diploma não credenciado por autorização parlamentar, se possa determinar a aplicação do regime procedimental da execução fiscal à cobrança de certos créditos de que sejam titulares entidades públicas, mantendo-se o processo no âmbito da competência dos tribunais comuns.
2º- São organicamente inconstitucionais as normas que – constando de diplomas editados pelo Governo sem autorização parlamentar – afectem, em termos inovatórios e de forma directa e autónoma, o núcleo de competência material dos tribunais tributários (face aos tribunais comuns) tal como está definido no quadro legislativo na altura em vigor.
3º- O preenchimento e concretização da 'cláusula geral' constante do artigo 37º c) do CPCT, segundo a qual compete aos serviços de justiça fiscal a tramitação das execuções que respeitem a créditos equiparados aos do Estado – e que é possível cobrar através do processo de execução fiscal, cujo âmbito é definido pelo artigo 144º do mesmo Código – pressupõe, para além da existência de preceito legal expresso, prescrevendo tal equiparação, que esta se possa considerar materialmente fundada, atenta a natureza do crédito em causa.
4º- Não podem equiparar-se aos créditos do Estado, referidos no artigo 114º do CPCT, quaisquer relações creditórias, integralmente regidas pelo direito privado, de que sejam titulares institutos públicos personalizados.
5º- O preenchimento pelo legislador da 'norma em branco' que consta do artigo
62º, n.º 1, alínea c) do ETAF ( e que actualmente integra a alínea o) do n.º 1 do mesmo preceito), incluindo na competência dos tribunais tributários a cobrança coerciva de dívidas a pessoas colectivas públicas, diversas do Estado, pressupõe que o legislador que prescreve tal regime, ampliando o núcleo da competência em razão da matéria dos tribunais tributários, disponha da indispensável credencial parlamentar, sob pena de inconstitucionalidade orgânica.
6º- É organicamente inconstitucional a interpretação normativa do artigo 30º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 387/88,de 25 de Outubro, que se traduza em inferir da ampliação do regime procedimental da execução fiscal à cobrança de créditos do IAPMEI a necessária competência dos tribunais tributários, independentemente da natureza de tais créditos e da sua integral submissão a um regime de direito privado, por força do disposto no artigo 2º, n.º 2 do mesmo diploma legal.
7º- Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade orgânica constante da decisão recorrida.' Não tendo sido apresentadas alegações por parte do recorrido, cumpre agora apreciar e decidir. II Fundamentos
3. É a seguinte a redacção da norma do artigo 30º (com a epígrafe 'execução fiscal das dívidas') do Decreto-Lei n.º 387/88, de 25 de Outubro:
'1 - Os créditos devidos ao Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento ficam sujeitos ao regime de execução fiscal.
2 - Para a cobrança coerciva dos créditos referidos no número anterior, constitui título executivo a certidão de dívida emitida pelo IAPMEI, acompanhada de cópia dos contratos ou outros documentos a ele referentes.' Ora, como notou o Exm.º Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal,
'o objecto do presente recurso não será propriamente a norma desaplicada na decisão recorrida – que se limita a determinar, na sua literalidade, que a cobrança coerciva dos créditos devidos ao IAPMEI fica sujeita ao regime processual da execução fiscal, sem se pronunciar minimamente sobre qual é o tribunal competente para tal execução – mas a interpretação normativa de tal preceito que se traduz em inferir da forma de processo aplicável qual o tribunal para ele competente – ligando, deste modo, a aplicação do regime da execução fiscal à competência dos tribunais tributários.' Actualmente, vigorando o Código de Procedimento e Processo Tributário que prevê que a execução fiscal possa, em certas circunstâncias, decorrer perante os
'tribunais comuns' – cabendo então a estes tribunais o integral conhecimento dos incidentes, embargos, oposição, graduação e verificação de créditos e reclamações dos actos materialmente administrativos praticados pelos órgãos da execução fiscal (artigos 149º e 151º, n.º 2) –, poderia não se ter tal interpretação normativa como necessária.
À data dos factos vigorava, porém, o Código de Processo Tributário aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, que previa que fossem cobradas mediante processo de execução fiscal dívidas ao Estado ou a quaisquer outros serviços ou institutos públicos 'equiparadas por lei aos créditos do Estado' (alínea b) do n. 2 do artigo 233º) e que estabelecia a competência do Tribunal Tributário de
1ª Instância da área onde corresse a execução para decidir os 'incidentes' ou
'fases processuais' da execução, designadamente a oposição do executado (n.º 2 do artigo 237º). Acresce que, de toda a forma, foi esta interpretação, que infere da forma de processo de execução fiscal a competência dos tribunais tributários para a cobrança coerciva dos créditos devidos ao IAPMEI, aquela cuja aplicação foi recusada, com fundamento em inconstitucionalidade, na decisão recorrida. E foi-o, note-se, pelo Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, para onde o processo foi remetido em aplicação daquela norma. Assim, muito embora se pudesse sustentar que a interpretação normativa tida por inconstitucional não coincide com a literalidade da norma – não interessando curar da questão de saber se padeceria de inconstitucionalidade enquanto, nas palavras do Ministério Público, 'estabelece um verdadeiro processo executivo especial para a cobrança (nos tribunais comuns) de dívidas a certas pessoas colectivas públicas, delineando a sua tramitação segundo o modelo da execução fiscal, prosseguindo os objectivos de celeridade e simplicidade normalmente associados àquela forma de processo' –, não há dúvida de que à norma impugnada foi recusada aplicação no exacto sentido que é tido por inconstitucional, preenchendo-se o requisito para a sua apreciação sub specie constitutionis por este Tribunal ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro.
4. A questão está, portanto, em confirmar ou infirmar o juízo de inconstitucionalidade que levou à recusa de aplicação de tal norma. Como se escreveu no citado Acórdão n.º 268/97 (publicado no Diário da República, II série, de 22 de Maio de 1997), a propósito de taxas cobradas pelos tribunais judiciais que passaram a sê-lo pelos tribunais administrativos:
'(...) a norma sub iudicio (...) transferiu para os tribunais fiscais uma competência que, então, era dos tribunais judiciais.
(...) Tribunais fiscais e tribunais judiciais pertencem (...) a duas diferentes ordens judiciais: os primeiros, à ordem dos tribunais administrativos e fiscais (...); os segundos, à ordem dos tribunais judiciais(...).
(...) O Governo tem (...) de estar munido de autorização legislativa para editar normas que alterem a distribuição de competências entre tribunais pertencentes a ordens judiciais diferentes, uma vez que só desse modo ele pode legislar sobre matérias da competência legislativa parlamentar delegável.
É que, seja qual for o alcance a atribuir à reserva legislativa, no ponto em que ela tem por objecto a definição da ‘competência dos tribunais’, há-de incluir-se aí, sem dúvida, a definição de quais as matérias que são da competência dos tribunais judiciais e quais as que o são da dos tribunais fiscais [cf., sobre esta questão, entre outros, os Acórdãos n.ºs 36/87, 356/89, 72/90 e 271/92
(publicados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vols. 9º, 13º-I, 15º e 22º, resp. págs. 243 e segs., 443 e segs., 67 e segs., e 813 e segs.) e o Acórdão n.º
172/96, ainda por publicar].' Neste Acórdão n.º 172/96 (entretanto já publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 33, págs. 361-371), julgou-se 'inconstitucional a norma constante da alínea b) do n.º 2 do artigo 233º Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril (...) com o sentido de que ela alterou a competência dos tribunais tributários definida no artigo 61º, nº
1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 48.953, de 5 de Abril de 1969, na redacção do Decreto-Lei n.º 693/70, de 31 de Dezembro, e no artigo 62º, nº 1, alínea c), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, por violação do artigo 168º, nº 1, alínea q), da Constituição.' No presente caso, a interpretação tida como constitucionalmente desconforme na decisão recorrida, e que se entendeu decorrer da norma impugnada (por ser ela que equiparava o tratamento concedido às dívidas ao IAPMEI ao que era concedido
às dívidas ao Estado, preenchendo a hipótese normativa da alínea b) do n.º 2 do artigo 233º do Código de Processo Tributário, que só indirectamente foi convocada – e nem sequer referida na decisão recorrida –, e não integra o objecto do recurso), conduz a modificar a competência em razão da matéria para conduzir as acções de execução em que o exequente fosse o IAPMEI, subtraindo-as aos tribunais comuns e atribuindo-as aos tribunais fiscais. Ora, tratando-se de atribuir aos tribunais tributários competências para decidir acções executivas em que o exequente, sendo embora um instituto de direito público (artigo 1º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 387/88), se rege pelo direito privado (artigo 2º, n.º 2, do referido Decreto-Lei n.º 387/88) – mais a mais onde o que está em causa é a execução de uma garantia bancária e, portanto, relações de direito privado entre o IAPMEI (como beneficiário) e uma entidade privada que, no âmbito da sua liberdade e autonomia contratual, se constituiu garante de certos compromissos assumidos pelo garantido perante o beneficiário, e à margem destes –, poderia admitir-se que o Governo não teria invadido a área de competência reservada da Assembleia da República em matéria de organização e competência dos tribunais tributários se não alterasse a prévia distribuição de competências entre uma e outra ordem de tribunais (como se decidiu, designadamente, nos Acórdãos deste Tribunal n.ºs 114/00, ainda inédito, 468/98, publicado no Boletim do Ministério da Justiça, n.º 482, págs. 55 e segs.,
500/97, publicado no Diário da República, II Série, de 12 de Janeiro de 1998 e
271/92, publicado no Diário da República, II Série, de 23 de Novembro de 1992), ou se tal alteração de competências se revelasse um efeito reflexo necessário da adopção de uma certa forma procedimental (como se decidiu no Acórdão n.º 404/87, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Dezembro de 1987 – cfr. também o já citado Acórdão n.º 172/96 e o Acórdão n.º 329/89, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Junho de 1989). Porém, no caso sub iudicio não existe nenhuma norma anterior que possa retirar cariz inovador à norma ora sob apreciação: no Decreto-Lei n.º 51/75, de 7 de Fevereiro de 1975, que criou o Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas Industriais, que deu lugar ao Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento (para o qual foram transferidos todos os direitos e obrigações do primeiro), não havia norma alguma que estabelecesse a competência para o efeito de uma específica ordem de tribunais. Aplicavam-se, pois, as regras gerais de competência. Ora, segundo estas – e, desde logo, nos termos do n.º 3 do artigo 212º e do n.º 1 do artigo 211º da Constituição –, 'compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais', cabendo aos tribunais judiciais exercer a
'jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais', pelo que uma norma que atribuísse – como atribui a norma do artigo 30º do Decreto-Lei n.º 387/88, na interpretação questionada pelo oponente e cuja aplicação foi recusada pelo tribunal a quo – aos tribunais tributários competência para proceder à 'execução fiscal' de dívidas, com natureza diversa, sujeitas à aplicação do direito privado, teria necessariamente características inovadoras. Além disso, não podia ter-se como alterada a organização e competência dos tribunais comuns pelo simples facto de lhes caberem processos executivos que seguissem os trâmites da execução fiscal, pelo menos até à entrada em vigor do disposto no n.º 1 do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 241/93, de 8 de Julho, que veio estabelecer que 'o processo de execução fiscal passa a aplicar-se exclusivamente à cobrança coerciva das dívidas ao Estado e a outras pessoas de direito público.' Do preâmbulo do diploma infere-se que o objectivo do legislador era não só restringir o acesso à jurisdição fiscal, mas também, aparentemente, o acesso ao processo de execução fiscal que ficaria liberto 'para a função para que foi concebido, que é a cobrança coerciva das receitas do Estado e outras pessoas de direito público no âmbito das relações administrativas e fiscais', excluindo-se
'do processo de execução fiscal a execução de dívidas a entidades que não integrem a Administração Pública e actuem no âmbito do direito privado'
(itálicos aditados). Qualquer que fosse o entendimento posterior a este diploma, facto é que, anteriormente a ele, 'por vezes, a cobrança coerciva de certas dívidas, embora fosse da competência dos tribunais comuns, tinha de observar o processo de execução fiscal.' (Alfredo José de Sousa/José da Silva Paixão, Código de Processo Tributário – comentado e anotado, 3ª ed., Coimbra, 1997, pág.
479, anot. 9 ao artigo 233º). E, portanto, podia admitir-se que o legislador do Decreto-Lei n.º 387/88 tivesse, dentro das suas competências próprias, escolhido uma forma de processo específica para a cobrança coerciva dos créditos do IAPMEI sem interferir na distribuição de competências dos tribunais. Não é essa, porém, a interpretação que está em causa nos presentes autos: de tal norma fez-se decorrer a competência dos tribunais tributários e, perante a oposição do executado que suscitou a inconstitucionalidade de tal entendimento, o Tribunal Tributário de 1ª Instância julgou-se incompetente. O que demonstra que a interpretação da norma podia ser outra, constitucionalmente compatível, e que, et pour cause, a fixação da forma processual não implicava, ao contrário do que ocorria na jurisprudência supracitada (Acórdãos n.ºs 404/87, 329/82 e 172/96), uma alteração na competência dos tribunais que se possa dizer decorrer necessária e reflexamente da fixação da forma processual. Assim, como diz o Ministério Público nas suas alegações:
'Não é (...) possível – sob pena de clara inconstitucionalidade orgânica – que um diploma editado pelo Governo, no exercício da sua competência legislativa própria, ‘desloque’ processos, até então cometidos aos tribunais judiciais, para o âmbito da competência dos tribunais administrativos e fiscais, ou vice-versa.'
(…)
'a inconstitucionalidade orgânica, verificada pela decisão recorrida, não radica, deste modo (…) em se mandar seguir o regime da execução fiscal para realizar a cobrança coerciva de dívidas ao IAPMEI, mas em se pretender inferir necessariamente de tal forma procedimental qual o tribunal materialmente competente para o processamento de tais execuções.'
5. A esta conclusão não obsta a existência de uma 'norma em branco', como o era a da alínea c) do n.º 1 do artigo 62º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (alínea o) do mesmo número na redacção do Decreto-Lei n.º 229/96, de
29 de Novembro), que atribui competência aos tribunais tributários de 1ª instância para conhecer da 'cobrança coerciva de dívidas a pessoas colectivas públicas quando a lei o preveja(…)', norma essa emanada ao abrigo de autorização legislativa e não revogada pela entrada em vigor da alínea b) do n.º 2 do artigo
233º do Código de Processo Tributário (v. o Acórdão n.º 172/96, já citado). E não obsta porque a norma do artigo 30º do Decreto-Lei n.º 387/88, na interpretação em causa, previa uma autónoma alteração da competência dos tribunais (comuns e tributários) – quer resultasse implicitamente formulada, como no caso, quer fosse explicitamente consagrada – no caso específico das dívidas ao IAPMEI, que só a intervenção da Assembleia da República
(directamente, através de lei, ou indirectamente, mediante autorização legislativa) tornaria legítima (v., neste sentido, o citado Acórdão n.º 268/97, quanto a este ponto não contraditado pelos Acórdãos n.ºs 331/92, 371/94 – publicados no Diário da República, II série, respectivamente de 14 de Novembro de 1992 e 3 de Setembro de 1994 –, 500/97, já citado, e 157/98, inédito). Acompanhando novamente o Ministério Público nas suas alegações:
«o preenchimento – em termos inovatórios – da verdadeira 'norma em branco' constante do citado artigo 62º, n.º 1, alínea c) do ETAF pressupõe que o legislador disponha da indispensável credencial parlamentar.
(…) não estamos aqui perante um simples conceito indeterminado ou cláusula geral, a densificar ou concretizar por outras normas de desenvolvimento, mas perante uma verdadeira 'autorização em branco', que não pode ser exercida pelo legislador, de forma discricionária, sem que disponha de autorização legislativa para tal. Não se trata, deste modo, de admitir que da regulação (legítima) de certas medidas possam provir efeitos indirectos ou reflexos no tema da competência dos tribunais – mas de realizar o preenchimento de uma 'autorização em branco' para incluir a cobrança de quaisquer débitos a entidades públicas (directamente) no
âmbito da competência dos tribunais tributários.»
6. Aliás, logo se notou também a semelhança essencial entre esta questão e a que, a propósito da competência do Ministério Público, fora decidida pelo Acórdão n.º 678/95 (publicado no Diário da República, I Série A, de 5 de Janeiro de 1996). Tal aresto remetia para o Acórdão n.º 329/89 (publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Junho de 1989), também sobre a mesma questão, mas onde se escrevia, a propósito do já citado Acórdão n.º 404/87: 'tal reserva estava em causa, então, na parte respeitante à ‘competência dos tribunais’, mas as situações são perfeitamente paralelas.' E ainda, citando-se este último aresto a propósito do critério em sede de delimitação da reserva da Assembleia da República quanto à competência (dos tribunais e do Ministério Público):
'Ora, qualquer que seja o nível ou grau de definição da competência dos tribunais reservado à Assembleia da República, seguramente que nele não entram as modificações da competência judiciária a que deva atribuir-se simples carácter processual.'
Tendo-se já estabelecido que não se trata, no presente caso, de uma mera definição da forma processual, e tendo-se igualmente concluído que a alínea c) do n.º 1 do artigo 62º do ETAF não constitui credencial (parlamentarmente autorizada, muito embora) para a alteração da competência dos tribunais, em consonância com a anterior jurisprudência deste Tribunal, resulta clara a inconstitucionalidade da interpretação normativa a que o tribunal a quo recusou aplicação.
III Decisão Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a. Julgar inconstitucional a norma do artigo 30º do Decreto-Lei n.º
387/88, de 25 de Outubro, na interpretação segundo a qual cabe aos tribunais tributários o processamento dos processos de execução fiscal nela previstos; b. Em consequência, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que diz respeito à questão de constitucionalidade. Lisboa, 28 de Novembro de 2000 Paulo Mota Pinto Bravo Serra Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Luís Nunes de Almeida