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Procº nº 602/00
1ª Secção Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – RELATÓRIO
1. CF veio recorrer para o Tribunal Constitucional do despacho do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa que lhe indeferiu a reclamação que deduzira contra o despacho do Juiz de Instrução do Tribunal Criminal de Almada, o qual não admitira o recurso anteriormente por ele interposto para a Relação de decisões proferidas, em fase de inquérito, pelo Procurador-Adjunto.
O pretendido recurso foi interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC, para apreciação da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 399º do Código de Processo Penal, «na interpretação com que foi aplicada na decisão recorrida», a qual violaria o preceituado nos artigos 12º, nº 1, 18º, 20º e 32º, nº 1, da CRP.
Segundo o reclamante, a referida questão de inconstitucionalidade foi suscitada na reclamação apresentada ao Presidente do Tribunal da Relação.
Neste Tribunal, foi proferida decisão sumária pelo relator, nos termos do disposto no artigo 78º-A da LTC, que não tomou conhecimento do recurso.
Entendeu-se aí:
Nos termos do disposto no artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e do artigo 70º, nº 1, alínea b), da LTC, cabe recurso para este Tribunal das decisões dos tribunais «que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo».
Assim, este tipo de recurso de constitucionalidade há-de interpor-se apenas de decisões judiciais que apliquem norma ou normas jurídicas cuja questão de inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado durante o processo.
Mostra-se, pois, necessário, e antes de mais, que se esteja perante uma decisão judicial, na qual tenha sido resolvida uma questão de inconstitucionalidade, ainda que implicitamente. Contudo, o recurso de constitucionalidade em questão tem sempre como objecto a norma ou normas jurídicas efectivamente aplicadas por essa mesma decisão, como flui do artigo
280º, nº 1, da CRP, e dos artigos 70º, nº 1, alínea b), e 75º A, nº 1, da LTC.
Para além disso, como resulta das disposições citadas, e também do artigo 72º, nº 2, da LTC (versão decorrente da Lei nº 13–A/98, de 26 de Fevereiro), o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º pressupõe que a questão de inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo, «de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer».
Isto é, fora casos absolutamente excepcionais que aqui não ocorrem, a questão da inconstitucionalidade normativa há-de ter sido suscitada perante o tribunal a quo e antes de proferida a decisão recorrida.
Ora, no caso em apreço, o recorrente não suscitou perante o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, na reclamação que para ele deduziu, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Com efeito, ao considerar, nessa peça processual, «que tal situação é atentatória dos mais elementares princípios da Justiça e como tal consagrados constitucionalmente – artigo 22º da Constituição da República Portuguesa e que expressamente aqui se invoca», o então reclamante não assaca o vício de inconstitucionalidade a qualquer norma jurídica em concreto, mas antes apenas pretende que se reconheça a existência de uma situação de inconstitucionalidade. Designadamente, o então reclamante não invocou a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 399º do Código de Processo Penal, numa dada interpretação, que lhe cabia igualmente densificar. Aliás, ao pretender interpor recurso para o Tribunal da Relação, o recorrente também não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, antes sustentando tão-só que 'as decisões recorridas violavam o disposto nos artigos 32º, nº1 e 18º, nº 1 ambos da Constituição da República Portuguesa', para além de outros dispositivos legais.
Assim sendo, o recorrente não suscitou durante o processo qualquer questão de inconstitucionalidade de uma norma infra-constitucional.
2. Inconformado, o ora reclamante veio deduzir reclamação para a conferência, que fundamentou pela forma seguinte:
É manifesto que o Recorrente, na sua Reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação invocou – expressamente – a inconstitucionalidade do artigo
339º do Código de Processo Penal, em face da interpretação que lhe foi dada pelo Tribunal da Relação.
Como evidente é também que o Tribunal da Relação estava obrigado a conhecer da expressamente invocada inconstitucionalidade, nos termos do artigo
66º nº 2 do C. P. C., aplicável ex vi do artigo 666º nº 3 do mesmo diploma e ainda do artigo 4º do Código de Processo Penal. [...]
[...]
Como é evidente, a circunstância de na reclamação apresentada para o Presidente do Tribunal da Relação se ter invocado o artigo 22º como subsumindo o Princípio da Justiça mais não foi do que um mero erro de escrita, relevado no próprio contexto da alegação (menção expressa ao Princípio da Justiça), cuja rectificação aqui e desde já se requer. Pretendia-se – naturalmente – invocar o artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
Na sua resposta à reclamação, o Ministério Público considera que ela
é «manifestamente improcedente».
II – FUNDAMENTOS
3. O reclamante não aduziu quaisquer elementos novos na sua reclamação, limitando-se a afirmar que suscitou a questão de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 399º do CPP perante o Tribunal da Relação; ora, como se salientou na decisão sumária reclamada, o recorrente, na mencionada reclamação para o presidente da Relação, limitou-se a equacionar a existência de uma «situação» de inconstitucionalidade, não a assacando a qualquer norma infra-constitucional; como ele próprio referiu,
«[tal] situação é atentatória dos mais elementares princípios de Justiça...», em nenhum outro ponto da sua reclamação indicando ou suscitando qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Apenas no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade indicou, pela primeira vez, que pretendia ver apreciada a questão de inconstitucionalidade da norma constante do artigo 399º do CPP, o que não era já o momento oportuno para o efeito, nem a via adequada para o pretendido recurso de constitucionalidade.
4. O reclamante procurou ainda rectificar o seu lapso relativo à indicação do preceito constitucional violado – artigo 20º e não 22º, como indicou na reclamação. E ainda que bem se possa aceitar ter-se efectivamente tratado de um mero lapso de escrita, tal não invalida o anteriormente exposto, pois que se trata aqui do preceito constitucional violado, auando o que está em causa – e obsta ao conhecimento do recurso - é a não indicação pelo reclamante de qualquer norma infra-constitucional violadora da Lei Fundamental, durante o processo.
III – DECISÃO
5. Nestes termos, indefere-se a presente reclamação, confirmando-se a decisão sumária de não conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quinze (15) UC’s. Lisboa, 12 de Dezembro de 2000 Luís Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa