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Proc. nº 881/98
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. M... interpôs, junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, recurso de anulação do acto administrativo do órgão directivo dos serviços de previdência, que lhe fixou a respectiva pensão definitiva de aposentação (acto datado de 26 de Outubro de 1992 - D.R., II Série, de 30 de Dezembro de 1992).
Nas alegações, a recorrente sustentou a inconstitucionalidade dos artigos 43º, nº 1, alínea a), do Estatuto de Aposentação (Decreto Lei nº 498/92, de 9 de Dezembro) e 10º, nº 1, da Lei nº 2/92, de 9 de Março, por violação dos princípios da confiança, da boa fé, da justiça e da igualdade (artigos 2º e 13º da Constituição).
O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, por decisão de 6 de Junho de 1994, julgou procedente o recurso contencioso, declarando a invalidade do acto impugnado. Para tanto, considerou que o acto se encontrava viciado, em virtude de violar o disposto nos artigos 47º, nº 1, alínea b), 48º e 53º do Estatuto de Aposentação (devendo a pensão ser fixada em 363.528$00). O tribunal entendeu também que tinha sido violado o direito de audiência dos interessados. No que respeita, porém, à questão de constitucionalidade suscitada, entendeu o tribunal que as normas impugnadas não violavam os princípios constitucionais invocados.
2. A Direcção da Caixa Geral de Aposentações interpôs recurso da decisão de 6 de Junho de 1994 para o Supremo Tribunal Administrativo. Por seu turno, M... interpôs igualmente recurso da parte da sentença que decidiu não se verificar a inconstitucionalidade suscitada.
Nas alegações por si apresentadas, M... sustentou, de novo, a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 10º, nº 1, da Lei nº 2/92, de 9 de Março e 43º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro, por violação dos princípios da confiança, da boa fé, da justiça e da igualdade (artigos 2º e 13º da Constituição).
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 4 de Junho de
1998, negou provimento ao recurso interposto por M... e concedeu provimento ao recurso interposto pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações, revogando a sentença na parte em que julgou inválido o acto contenciosamente impugnado.
3. M... interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão de 4 de Junho de 1998, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição das normas contidas nos artigos 10º, nº 1, da Lei nº 2/92, de 9 de Março e 43º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº
498/72, de 9 de Dezembro.
Junto do Tribunal Constitucional, a recorrente alegou, tirando as seguintes conclusões: I. A douta Sentença recorrida considera aplicáveis à recorrente o art. 43º/1 a) do Est. Aposentação e o art. 10º/1 da Lei 2/92, apesar de esta só ter entrado em vigor após o requerimento de aposentação já ter sido entregue nos competentes serviços; II. Essa aplicação afecta negativa e significativamente o valor da pensão de reforma da recorrente, em cerca de cem mil escudos mensais; III. O art. 10º/1 da Lei 2/92 não prossegue ou salvaguarda direitos ou interesses que possam ser considerados prevalentes face à expectativa criada na recorrente pela legislação que aquela alterou; IV. O art. 10º/1 da Lei 2/92 afectou a recorrente de forma inadmissível, porque irrazoável, extraordinariamente onerosa e excessiva, não existindo interesse geral suficiente que a legitime; V. O art. 43º/1 a) do E. A. é também inconstitucional por ser norma de cuja interpretação decorre a aplicação à recorrente do art. 10º/1 da Lei 2/92; VI. Mesmo tratando-se de uma situação de 'retroactividade aparente' deve manter-se o juízo de censura de inconstitucionalidade das normas em causa; VII. É que, as normas em causa não cuidaram de prever uma qualquer medida de protecção dos cidadãos, pondo em causa com essa omissão de forma intolerável, inadmissível e arbitrária a confiança na actuação dos entes públicos; VIII. Nem sequer foi previsto qualquer regime transitório que acautelasse os procedimentos já iniciados; IX. O novo regime aplicou-se, assim, de imediato a situações já existentes, prejudicando gravemente as expectativas dos cidadãos, sem qualquer suporte material justificativo atendível; X. Ambos são inconstitucionais, porque violam os princípios da boa-fé e da confiança legítima, ínsitos num Estado de Direito (art. 2º CRP) e os princípios da igualdade e da justiça (art. 13º CRP);
XI. A douta Sentença recorrida é inconstitucional por ter aplicado estas normas inconstitucionais.
Por seu turno, a Caixa Geral de Aposentações contra-alegou, concluindo o seguinte:
1ª À data da entrada em vigor da Lei nº 2/92, de 9 de Março, a recorrente não tinha a sua situação de aposentação constituída, nem tão pouco era titular de uma expectativa juridicamente tutelada. nesse sentido.
2ª Em conformidade com o disposto no artigo 43º nº 1, alínea a), do Estatuto da Aposentação, a recorrente adquiriu o direito a uma pensão de aposentação de determinado montante na data da prolacção do despacho que lhe reconheceu o direito à aposentacão - isto é, em 92.05.04 - não sendo, pois, relevante a data em que apresentou o respectivo requerimento.
3ª À data deste despacho de 92.05.04 vigorava o artigo 10º, nº 1, da Lei nº
2/92, de 9 de Março, directamente aplicável à situação da recorrente.
4ª Não faz sentido falar em expectativa jurídica ou direito à aposentação requerido enquanto não houver despacho que reconheça o direito à aposentação, pois, o pedido pode não preencher todos os requisitos, legalmente eximidos, para a sua concessão, nem sequer há medida legislativa que confira, a esse pedido, um grau de protecção jurídica.
5ª Face ao novo regime estabelecido pelo artigo 10º, nº 1, da Lei nº 2/92, a recorrente poderia sempre ter desistido do requerimento de aposentação, mantendo-se no activo, nos termos do disposto no nº 4 do artigo 39º do Estatuto da Aposentação.
6ª Ainda que a recorrente, à data do requerimento de aposentação, tivesse uma expectativa, juridicamente tutelada, a um determinado montante da pensão de aposentação - o que se admite apenas para efeitos de raciocínio, sem conceder - a superveniência da Lei nº 2/92 nunca a teria afectado de forma inadmissível, onerosa e excessiva, a única forma susceptível de violar o princípio do Estado de Direito Democrático.
7ª A adopção da forma de cálculo da pensão constante do artigo 10º, nº 1, da Lei nº 2/92 - que veio posteriormente a ser transposta para o artigo 51º, nº 3 do Estatuto da Aposentação - visa. essencialmente, evitar a elevação brusca de remunerações - como seja a decorrente das diferenças de remuneração dos vários regimes de trabalho do pessoal das carreiras médicas - pouco antes do acto determinante para aposentação, atenuando-se, assim, o risco de atribuição de uma pensão de aposentação que não tenha um mínimo de correspondência com a carreira contributiva do subscritor, salvaguardando-se, concomitantemente, o necessário equilíbrio financeiro do sistema de protecção social.
8ª É por demais evidente que não se pode afirmar que seja uma medida desproporcionada relativamente à afectação da pretensa expectativa da recorrente, pois, consubstancia os mais elementares valores de justiça e igualdade entre os cidadãos subscritores do regime de previdência da função pública.
9ª O princípio da igualdade reconduz-se, na sua essência, a uma proibição de arbítrio que não admite quer a diferenciação de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objectivos, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais, dependendo, em
última análise, da ausência de fundamento material suficiente, isto é, falta de razoabilidade e consonância com o sistema jurídico (cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 369/97, 188/90, 187/90, 39/88).
10ª Nesta perspectiva e atendendo às razões supra expostas, não há dúvidas de que o artigo 10º, nº 1, da Lei nº 2/92, bem como o artigo 43º, nº 1, alínea a), na interpretação que lhes foi dada pelo Acórdão recorrido, não se apresentam como desrazoáveis ou inaceitáveis no contexto do ordenamento jurídico, em particular no que concerne ao sistema de protecção social da função pública.
11ª A recorrente fez uma errada interpretação dos preceitos constitucionais em questão, bem como da doutrina e jurisprudência que sobre eles cita, pois não restam dúvidas sobre a constitucionalidade das normas constantes do artigo 10º, nº 1, da Lei nº 2/92, de 9 de Março, e artigo 43º, nº 1, alínea a), do Estatuto da Aposentação.
4. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação
5. Os preceitos submetidos à apreciação do Tribunal Constitucional no presente recurso de constitucionalidade têm a seguinte redacção: Artigo 43º
(Regime de aposentação)
1. O regime da aposentação fixa-se com base na lei em vigor e na situação existente à data em que: a. Se profira despacho a reconhecer o direito a aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade;
(...) Artigo 10º
(Relevância de remuneração e descontos para a Caixa Geral de Aposentações e Montepio dos Servidores do Estado)
1. As remunerações percebidas nos três últimos anos de actividade pela prestação de serviço em diferentes regimes de trabalho que correspondam a aumento sobre a remuneração devida em regime de tempo completo ou integral relevam com o valor actualizado para a aposentação na proporção do tempo de serviço prestado em cada regime durante o referido período.
(...)
A recorrente considera que tais normas são inconstitucionais, por violação dos princípios da confiança, da boa fé, da justiça e da igualdade
(artigos 2º e 13º da Constituição).
6. Nos presentes autos, a recorrente requereu a aposentação em 27 de Fevereiro de 1992. A Lei nº 2/92, de 9 de Março, entrou em vigor em 24 de Março de 1992. Depois de reconhecido o direito à aposentação (em 4 de Maio de
1992), a Caixa Geral de Aposentações proferiu despacho, datado de 26 de Outubro de 1992, a fixar definitivamente a pensão de aposentação (despacho impugnado nos presentes autos).
Por força da norma contida no artigo 43º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro, a entidade recorrida, na fixação do valor da pensão, fez aplicação do disposto no artigo 10º, nº 1, da Lei nº 2/92, de 9 de Março, fixando a pensão de aposentação no valor de 355.689$00. Ora, a recorrente, no presente recurso de constitucionalidade, impugna precisamente este bloco normativo, uma vez que, alegadamente, de acordo com o regime vigente no momento em que requereu a pensão (artigo 53º do Estatuto de Aposentação), a mesma deveria ter o valor de 460.000$00.
7. A recorrente sustenta, por um lado, que as normas impugnadas violam os princípios da confiança e da boa fé, ínsitos no princípio do Estado de direito democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição.
O Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 303/90 (D.R., I Série, de
26 de Dezembro de 1990), afirmou que no princípio do Estado de direito democrático 'está, entre o mais, postulada uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas'.
Por outro lado, no Acórdão nº 237/98 (D.R., II Série, de 17 de Junho de 1998), o Tribunal considerou que 'uma norma jurídica apenas violará o princípio da protecção da confiança do cidadão, ínsito no princípio do Estado de direito, se ela postergar de forma intolerável, arbitrária, opressiva ou demasiado acentuada aquelas exigências de confiança, certeza e segurança que são dimensões essenciais do princípio do Estado de direito'. Nesse aresto, afirmou-se ainda que o 'princípio do Estado de direito democrático (...) é um princípio cujos contornos são fluidos (...), pelo que tem um conteúdo relativamente indeterminado'. Em consequência, concluiu-se que tais características 'sempre inspirarão prudência ao intérprete e convidá-lo-ão a não multiplicar, com apoio nesse princípio, as ilações de inconstitucionalidade'.
Resulta da jurisprudência citada que o Tribunal Constitucional tem entendido que a tutela constitucional da confiança não abrange todo e qualquer juízo de previsibilidade que o sujeito possa fazer em face de determinado quadro normativo vigente. Com efeito, apenas colidirá com a tutela da confiança a afectação infundada e arbitrária de expectativas legítimas objectivamente consolidadas.
Nos presentes autos, a recorrente requereu uma pensão de aposentação num momento em que vigorava um regime que levaria à fixação do respectivo valor num determinado montante (460.000$00). Contudo, nesse momento, vigorava também a norma que estabelecia que o regime aplicável à fixação da pensão de aposentação seria o regime vigente no momento em que o despacho de reconhecimento do direito
à pensão de aposentação voluntária viesse a ser proferido [artigo 43º, nº 1, alínea a), do Estatuto de Aposentação]. Nessa medida, a recorrente sabia, quando requereu a pensão, que o respectivo montante seria fixado de acordo com a lei vigente no momento da prolação desse despacho.
A pensão foi definitivamente fixada no valor de 363.528$00, nos termos do artigo 10º, nº 1, da Lei nº 2/92, de 9 de Março. O regime legal aplicado determinou, portanto, uma redução do valor da pensão em relação ao valor que resultaria da aplicação do regime vigente no momento em que a pensão foi requerida. No entanto, na data em que apresentou o requerimento (altura em que a situação jurídica da requerente como pensionista não se encontrava ainda definida), a recorrente tinha apenas a expectativa de lhe vir a ser atribuída uma pensão
(caso se verificassem os respectivos pressupostos) nos termos da lei vigente no momento da prolação do despacho que viesse a reconhecer o direito à pensão, tendo, naturalmente, o legislador a possibilidade de, no âmbito da liberdade de conformação legislativa, vir a estabelecer novos critérios de fixação da pensão aplicáveis, desse modo, no momento da fixação definitiva.
Uma vez que era já configurável a possibilidade de a sua situação vir a ser definida de acordo com o regime introduzido por uma eventual alteração legislativa, a recorrente não tinha uma expectativa consolidada de ver a sua pensão fixada de acordo com a lei vigente no momento em que apresentou o respectivo requerimento. Com efeito, em face do quadro legal vigente, a requerente apenas podia, como se referiu, representar que lhe seria, em princípio, concedida uma pensão de aposentação, de acordo com o regime vigente na data do despacho de reconhecimento do direito à pensão.
Conclui-se, assim, que não se verifica qualquer violação arbitrária e intolerável do princípio da confiança e da boa fé quando, de acordo com a norma contida no artigo 43º, nº 1, alínea a), do Estatuto de Aposentação (norma vigente no momento em que a pensão foi requerida), se fixa definitivamente o montante da pensão de aposentação à luz da lei vigente no momento em que o despacho que reconhece o direito da pensionista é proferido (artigo 10º, nº 1, da Lei nº 2/92, de 9 de Março).
8. A recorrente sustenta, por outro lado, que as normas impugnadas violam os princípios da igualdade e da justiça.
A violação dos princípios invocados decorre, na perspectiva da recorrente, de a situação da recorrente, definida à luz das normas impugnadas, ter sido objecto de um tratamento diferente do conferido a situações idênticas,
às quais foi aplicado outro regime legal.
Ora, o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição, impede que uma dada solução normativa confira tratamento substancialmente diferente a situações no essencial semelhantes. No plano formal, a igualdade impõe um princípio de acção segundo o qual as situações pertencentes à mesma categoria essencial devem ser tratadas da mesma maneira. No plano substancial, a igualdade traduz-se na especificação dos elementos constitutivos de cada categoria essencial. A igualdade só proíbe, pois, diferenciações destituídas de fundamentação racional, à luz dos próprios critérios axiológicos constitucionais [cf., nomeadamente, os Acórdãos nºs 39/88,
186/90, 187/90 e 188/90, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11º vol. (1988), p. 233 e ss., e 16º vol. (1990), pp. 383 e ss., 395 e ss. e 411 e ss., respectivamente].
Contudo, no caso em apreciação, a desigualdade invocada pela recorrente não resulta de um qualquer critério considerado em si discriminatório acolhido por uma dada norma jurídica. Com efeito, a desigualdade no presente processo decorre, na perspectiva da recorrente, da sucessão no tempo de regimes legais relativos à fixação da pensão de aposentação requerida (ou seja, do critério legal relativo à aplicação da lei no tempo). A recorrente sustenta que, dado ter requerido a pensão no domínio da vigência de um determinado regime que lhe é mais favorável (e que foi aplicado a colegas de profissão na mesma situação), a pensão a atribuir só poderia ser fixada de acordo com tal regime, não sendo portanto aplicável a lei vigente (desfavorável em comparação com aquele regime) no momento em que o despacho que reconheceu o direito à pensão foi proferido.
Colocada a questão neste plano, importa ter presente que o legislador tem uma ampla liberdade no que respeita à alteração do quadro normativo vigente num dado momento histórico. Na verdade, o legislador, de acordo com opções de política legislativa tomadas dentro de uma ampla zona de autonomia, pode proceder às alterações da lei que se lhe afigurarem mais adequadas e razoáveis, tendo presente, naturalmente, os interesses em causa e os valores ínsitos na ordem jurídica.
Uma alteração legislativa para operar, consequentemente, uma modificação do tratamento normativo conferido a uma dada categoria de situações. Com efeito, as situações abrangidas pelo regime revogado são objecto de uma valoração diferente daquela que incidirá sobre as situações às quais se aplica a lei nova. Nesse sentido, haverá situações substancialmente iguais que terão soluções diferentes.
Contudo, não se pode falar neste tipo de casos de uma diferenciação verdadeiramente incompatível com a Constituição. A diferença de tratamento decorre, como resulta do que se disse, da possibilidade que o legislador tem de modificar (revogar) um quadro legal vigente num determinado período. A intenção de conferir um diferente tratamento legal à categoria de situações em causa é afinal a razão de ser da própria alteração legislativa. O entendimento propugnado pela recorrente levaria à imutabilidade dos regimes legais, pois qualquer alteração geraria sempre uma desigualdade. Ora, tal posição não é reclamável pelo princípio da igualdade no quadro constitucional vigente.
9. É verdade que não deixa de ter pertinência constitucional a dimensão da sucessão de leis no tempo.
O legislador não tem a possibilidade de abranger na lei nova todas as situações que entender. Existem limites constitucionais (para além dos limites à aplicação retroactiva da lei penal e da lei fiscal - que não estão em causa nos presentes autos) que decorrem, desde logo, da tutela da confiança. Porém, tal questão já obteve resposta no presente Acórdão, tendo- se concluído que as normas em apreciação não violam o princípio da confiança legítima e da boa-fé.
Por outro lado, refira-se que o critério de aplicação da lei no tempo acolhido pela norma contida no artigo 43º, nº 1, alínea a), do Estatuto de Aposentação (aplicação da lei vigente no momento da prática do acto administrativo que reconhece o direito à pensão) não é desrazoável mesmo numa perspectiva de igualdade de posições de sujeitos jurídicos diacronicamente considerada. Com efeito, a solução que determina que a lei aplicável a um dado acto administrativo é a lei vigente no momento em que a Administração aprecia as circunstâncias do caso e define, inovatoriamente, através do acto administrativo praticado a situação do particular é uma solução racionalmente justificada, porque o momento do reconhecimento do direito é o momento central da definição da situação do particular requerente. É nesse momento que a situação é valorada e decidida na sua dimensão fundamental (é nessa altura que se decide da existência ou não do direito, neste caso particular do direito à pensão). Que a lei aplicável seja a lei vigente em tal momento, é um critério de decisão que se fundamenta num critério objectivo e racional, decorrente dos próprios princípios gerais relativos à aplicação da lei no tempo (aplicação da lei vigente no momento da prática do acto). Um tal critério não fomenta diferenciações injustificadas nem contraria a segurança e a justiça.
Assim, o argumento segundo o qual a igualdade seria violada pela possibilidade de requerentes contemporâneos, em situações idênticas, obterem despacho de reconhecimento do direito à pensão em datas diferentes (antes e depois da entrada em vigor do novo regime) não procede, porque a referida data do requerimento não constitui o momento pelo qual seja aferível a igualdade de posições perante a lei dos titulares do direito. O momento do reconhecimento do direito, esse sim, é o ponto de referência pelo qual a igualdade deve ser plenamente aferida.
10. Conclui-se, deste modo, que as normas impugnadas não violam os princípios constitucionais invocados pela recorrente.
III Decisão
11. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 10º, nº 1, da Lei nº 2/92, de 9 de Março, e 43º, nº 1, alínea a), do Decreto-Lei nº 498/72, de 9 de Dezembro, negando provimento ao recurso e confirmando, consequentemente, a decisão recorrida de acordo com o presente juízo de constitucionalidade.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 Ucs. Lisboa, 20 de Outubro de 1999 Maria Fernanda Palma Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa