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Processo n.º 893/2011
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A.., S.A., foi proferida decisão sumária de não conhecimento parcial do objeto do recurso, negando-lhe no demais provimento por ser manifestamente infundada a questão de constitucionalidade. Foram os seguintes, os fundamentos da referida decisão:
“3. O recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1 do artigo 70.° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos termos do qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Não se encontrando o Tribunal Constitucional vinculado pela decisão que admitiu o recurso, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 76.° da LTC, entende-se não se poder conhecer parcialmente do objeto do mesmo, sendo caso de proferir decisão sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A do mesmo diploma, entendendo-se ainda, na parte em que se conhece do objeto do recurso, e ainda ao abrigo do referido preceito legal, proferir decisão sumária por a questão a decidir ser simples, por manifestamente infundada.
Resulta do teor do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade que a recorrente pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, ao todo, três questões, a saber:
a) norma do artigo 12.° da Lei n.º 31/86, de 29 de agosto (Lei da Arbitragem Voluntária - LAV), interpretada no sentido de que dispensa (ou de que não impõe) o contraditório do requerido quanto ao requerimento de nomeação do árbitro, por violação grosseira do disposto no artigo 20.°, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, no segmento em que consagra o direito a um processo equitativo;
b) norma do artigo 201.°, n.º 1 do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de que a supressão do contraditório não corresponde a uma nulidade processual, igualmente por violação grosseira do disposto no artigo 20.°, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, no segmento em que consagra o direito a um processo equitativo;
c) norma do artigo 2.°, n.º 7 do Código do Procedimento Administrativo, interpretada, quando se admita que a nomeação judicial de árbitro é um 'ato (judicial) administrativo', no sentido de ela determinar a não aplicação do direito de audiência prévia, consagrado nos artigos 8.° e 100.° do Código do Procedimento Administrativo, a procedimentos administrativos especiais (como seria, então, o procedimento de nomeação judicial de árbitro), por ostensiva violação do princípio da imparcialidade da administração pública, consagrado no artigo 266.°, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
De seguida, proceder-se-á a análise de cada uma das questões de constitucionalidade em separado.
Questão A)
4. A recorrente solicita ao Tribunal Constitucional que aprecie a conformidade com a Constituição da norma do artigo 12.° da LA V, interpretada no sentido de que dispensa (ou de que não impõe) o contraditório do requerido quanto ao requerimento de nomeação do árbitro.
Independentemente da questão de saber se o procedimento previsto no artigo 12.° da LAV, visando a nomeação de árbitro pelo presidente do tribunal da relação, assume natureza contenciosa e jurisdicional ou antes configura um ato materialmente administrativo - matéria relativamente à qual o Tribunal Constitucional é incompetente - a questão de constitucionalidade suscitada é manifestamente infundada, não se entendendo a que título caberia exercer o contraditório sobre o ato de nomeação de um árbitro, numa situação em que a intervenção subsidiária do presidente do tribunal da relação assenta precisamente na recusa ou omissão de tal nomeação pela parte que agora pretendia exercitar o dito 'contraditório'; e não cabendo, no âmbito do procedimento a que se refere o artigo 12.° da LAV, dirimir quaisquer litígios ou conflitos entre as partes na convenção de arbitragem, que extravasem o âmbito estrito da referia omissão de nomeação do árbitro pela parte interessada.
Pelo que é manifestamente infundada a questão de constitucionalidade suscitada pela recorrente.
Questão B)
5. Solicita ainda a recorrente que o Tribunal Constitucional aprecie a constitucionalidade da norma do artigo 201.°, n.º 1 do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de que a supressão do contraditório não corresponde a uma nulidade processual.
Compulsados os autos, verifica-se que a dimensão normativa do artigo 201.°, n.º 1 do Código de Processo Civil questionada, i. é, com a delimitação que lhe é dada pela recorrente no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, não foi efetivamente aplicada pela decisão recorrida.
Com efeito, resulta da fundamentação da decisão recorrida, que aí se entendeu que, não havendo qualquer omissão de contraditório, inexistia justificação para a anulação do processo.
Ora, em sede de fiscalização concreta, tratando-se de formular um juízo que tem por objeto uma norma tal como foi aplicada num caso concreto, é um pressuposto de conhecimento do recurso de constitucionalidade que a decisão que o Tribunal Constitucional venha a proferir sobre a questão de constitucionalidade suscitada seja suscetível de produzir algum efeito sobre a decisão de que se recorre (nesse sentido, entre muitos outros, v. Acórdãos do TC nos 169/92, 463/94, 366/96 e 687/2004, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Assim, não se verifica, in casu, o pressuposto processual de efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, pressuposto esse sem a verificação do qual o Tribunal Constitucional não pode conhecer de recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.° da LTC.
Tanto basta para que, na parte que respeita a este pedido da recorrente, se não possa conhecer do recurso de constitucionalidade.
Questão C)
6. Vem a recorrente solicitar a apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 2.°, n.º 7 do Código do Procedimento Administrativo, interpretada, quando se admita que a nomeação judicial de árbitro é um 'ato (judicial) administrativo', no sentido de ela determinar a não aplicação do direito de audiência prévia, consagrado nos artigos 8.° e 100.° do Código do Procedimento Administrativo, a procedimentos administrativos especiais (como seria, então, o procedimento de nomeação judicial de árbitro).
Afirma a recorrente, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, que tal questão foi suscitada, repetidas vezes, ao longo do processo, designadamente, na sua forma mais acabada, nas alegações apresentadas no recurso de revista excecional.
Simplesmente, compulsados os autos, verifica-se que a questão de constitucionalidade relativa à norma do artigo 2.°, n.º 7 do Código do Procedimento Administrativo não foi previamente suscitada, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer, tal como é exigido pelo artigo 72.°, n.º 2 da LTC.
Com efeito, em lugar algum das suas alegações de recurso de revista para o tribunal a quo a recorrente suscitou qualquer questão de constitucionalidade normativa, reportável ao artigo 2.°, n.º 7 do Código do Procedimento Administrativo, não se podendo como tal considerar a afirmação que aí, no ponto XIV das conclusões, é feita, nos termos da qual '[seria inconstitucional], se caso se considerasse que o art. 12.° da LAV prevê um 'procedimento (judicial) administrativo, interpretar, como faz o tribunal recorrido, o art. 2.°/7 do CPA no sentido de ele determinar a não aplicação do direito de audiência prévia a procedimentos administrativos especiais, por ostensiva violação do princípio da imparcialidade da administração pública, consagrado no art. 266.°/2 da Constituição da República Portuguesa', na medida em que o vício de inconstitucionalidade é imputado à própria atividade interpretativa do tribunal recorrido e não a uma norma ou dimensão normativa em si mesma considerada.
Segundo jurisprudência firme do Tribunal Constitucional, '[s]uscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica é fazê-lo de modo tal que o tribunal perante o qual a questão é colocada saiba que tem uma questão de constitucionalidade determinada para decidir. Isto reclama, obviamente, que – como já se disse - tal se faça de modo claro e percetível, identificando a norma (ou um segmento dela ou uma dada interpretação da mesma) que (no entender de quem suscita essa questão) viola a Constituição; e reclama, bem assim, que se aponte o porquê dessa incompatibilidade com a lei fundamental, indicando, ao menos, a norma ou princípio constitucional infringido' (Ac. n.º 269/94, disponível em www.tribunalconstitucionalpt). Como se afirma no Ac. n.º 367/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, '[a]o questionar-se a compatibilidade de uma dada interpretação de certo preceito legal com a Constituição, há de indicar-se um sentido que seja possível referir ao teor verbal do preceito em causa. Mais ainda: esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há de ser enunciado de forma a que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de tanto os destinatários desta como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, afrontar a Constituição.
Tanto basta para que, na parte que respeita a este pedido da recorrente, se não possa conhecer do recurso de constitucionalidade”.
2. Notificada dessa decisão, A., S.A. veio reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), nos seguintes termos:
“1. Considerando o sentido que o tribunal recorrido lhe havia hermeneuticamente imputado, a recorrente havia suscitado três questões de inconstitucionalidade: i) interpretada no sentido de que dispensa, ou não impõe, o contraditório do requerido sobre o requerimento de nomeação judicial de árbitro, inconstitucionalidade da norma do art. 12.º da LAV, por violação do disposto no art. 20.º/4 da CRP, no segmento que consagra o direito a um processo equitativo; ii) no caso de entender que a nomeação judicial de arbitro não passa de um procedimento administrativo, inconstitucionalidade da norma do art. 2.º/7 do CPA, interpretado no sentido de ela determinar a não aplicação dos 8.º e 100.º do CPA, por violação do princípio da imparcialidade da administração pública consagrada no art. 266.º/2 da CRP; iii) inconstitucionalidade da norma do art.º 201.º do CPC, interpretada no sentido de a supressão do requerido no processo de nomeação judicial de árbitro não corresponder a uma nulidade processual, por violação, também, do art. 20.º/4 da CRP, no segmento que consagra o direito a um processo equitativo.
2. Sua Excelência, a Senhora Juíza Conselheira Relatora, decidindo sumariamente, julgou improcedente a primeira daquelas três questões de inconstitucionalidade, considerando-a 'manifestamente infundada' e rejeitou a admissão do recurso quanto às outras duas.
3. No que concerne à decisão que julgou improcedente a questão da inconstitucionalidade do art. 12.° da LAV, por 'manifestamente infundada', aquilo que a recorrente pode dizer é que 'manifestamente infundada' é a própria decisão de Sua Excelência, a Senhora Juíza Conselheira Relatora -com o devido respeito, mas também com a veemência que a indignação faz irromper da consciência.
4. Diz Sua Excelência, a Senhora Juíza Conselheira Relatora, que 'não entende [ ndo] a que título caberia exercer o contraditório sobre o ato de nomeação de um árbitro, numa situação em que a intervenção subsidiária do presidente do Tribunal da Relação assenta precisamente na recusa ou omissão de tal nomeação pela parte que agora pretendia exercer o dito contraditório' .
5. Afigura-se à recorrente que não é função dos tribunais dizerem que não entendem esta ou aquela solução, esta ou aquela proposição jurídica.
6. Constitui dever dos tribunais dizerem o que entendem, fundamentando-o jurídico-normativamente, ainda que sumariamente.
7. Só desse modo se atinge o limiar mínimo da decisão racional – e se evita o decisionismo.
8. Há, pelo menos, três razões que justificam o entendimento de que a questão de constitucional idade em apreço não é manifestamente inconstitucional.
9. Em primeiro lugar, o contraditório do requerido no processo de nomeação judicial de árbitro (que ocorre, forçosamente, quando o requerido não o nomeia voluntariamente) corresponde, como consta das alegações produzidas nas instâncias, à solução desde sempre consagrada nos mais importantes ordenamentos jurídicos civilizados, que constituem, em muitos domínios, modelos e referências para o ordenamento jurídico português: Alemanha, França, Inglaterra, Áustria, Espanha – ordenamentos inspirados, por seu turno, pela Lei modelo UNCITRAL.
10. Em segundo lugar, o próprio legislador português - oh ironia do destino! - acaba de consagrar, na Lei n.' 63/2011, de 4 de dezembro (que aprova a nova lei da arbitragem voluntária), no seu art. 60.°, o contraditório do requerido no processo de nomeação judicial de árbitro.
11. Consagração que, longe de constituir uma inovação legislativa, corresponde apenas à expressão formal-legislativa daquela que era já a solução normativa material vigente, por força da interpretação conforme à Constituição do art. 12.0 da agora revogada LAV.
12. Pois que outra razão pode justificar a consagração legislativa do contraditório que não seja a obediência ao princípio do contraditório, jurídico-constitucionalmente ínsito no direito ao processo equitativo?
13. A norma, expressa, apenas agora existe. O princípio, esse, sempre existiu! E foi para realização dele que a norma veio à existência!
14. Em terceiro lugar, a maioria da doutrina que se pronunciou sobre o problema, defende, expressamente, a posição segundo a qual, já no quadro da LAV, o requerido tem direito a ser ouvido sobre o requerimento de nomeação judicial de árbitro: Lebre de Freitas (artigo publicado na Themis, n.º 18, 2010, baseado no parecer junto aos autos); Paulo da Costa e Silva (em parecer que se junto às alegações apresentadas no STJ); João Raposo (A Intervenção do Tribunal Judicial na Arbitragem: Nomeação de Árbitros e produção de prova, in I Congresso do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa, Intervenções).
15. Uma consideração minimamente atente e ponderada de todos estes elementos e circunstâncias, que vá para além da intuição apressada e do juiz moral precipitado, permitirá a Vossas Excelências, seguramente, concluir que o recorrente suscita uma questão de constitucionalidade pertinente e fundada (e agora, depois de publicada a nova lei da arbitragem, mais pertinente e fundada do que nunca).
16. No que concerne à questão da constitucionalidade relativa à norma do art. 2.º/7 do CPA, considera Sua Excelência, a Senhora juíza Conselheira Relatora, que “(…)” o vicio de constitucionalidade é imputado à própria atividade interpretativa do tribunal recorrido e não a uma norma ou dimensão normativa em si mesma considerada”.
17. Se fosse um advogado a subscrever tal afirmação, não é difícil imaginar os epítetos que seriam usados para caracterizar a sua conduta processual.
18. O recorrente, nas alegações apresentadas ao tribunal recorrido, deixou bem claro o sentido da norma do art. 2.º/7 do CPA que considera inconstitucional – sentido que diz ter sido considerado na interpretação que dela fez o tribunal recorrido.
19. Distinguir, a propósito da formulação usada pelo recorrente entre “vício da atividade interpretativa” e vício do sentido normativo que a atividade interpretativa do tribunal recorrido atribui ao preceito legal em causa é o mesmo que distinguir entre o ato de tocar harpa e o resultado do ato de tocar harpa.
20. Não é, com o devido respeito, uma distinção a que corresponda uma verdadeira diversidade ontológica, mais se assemelhando a um expediente tático de retórica escolástica.
21. De resto, o STJ, a fls. 24 do acórdão recorrido, compreendeu e tratou expressamente a questão da violação do princípio da imparcialidade da atividade administrativa, consagrado no art. 266.º/2 da CRP.
22. O que significa, afinal, que o ora recorrente identificou corretamente o segmento normativo cuja inconstitucionalidade invocou.
23. Quanto à questão da constitucionalidade do art. 201.º do CPC, o recorrente concede que o tribunal recorrido não chegou a aplicar a norma.
24. Tal questão foi levantada à cautela: se não o fizesse, não seria surpreendente (considerando a técnica decisória subjacente a muitas das decisões sumárias do TC – de que a presente não deixa de ser um exemplo flagrante) que depois se atalhasse à recorrente que, afinal, fora essa a norma aplicada.
Em conclusão: a questão da inconstitucionalidade do art.º 12.º da LAV não é manifestamente infundada, o recorrente identificou corretamente o segmento normativo do art.º 2.º/7 do CPA cuja inconstitucionalidade invocou”.
3. O recorrido, B., S.A., respondendo à reclamação, veio sustentar que a mesma deve ser julgada improcedente, mantendo-se a decisão sumária.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Na reclamação apresentada, a reclamante pretende controverter o fundamento oferecido na decisão sumária reclamada para o não conhecimento parcial do objeto do recurso de constitucionalidade na parte relativa à norma do artigo 2.º, n.º 7 do Código do Procedimento Administrativo (CPA), interpretada, quando se admita que a nomeação judicial de árbitro é um “ato (judicial) administrativo”, no sentido de ela determinar a não aplicação do direito de audiência prévia, consagrado nos artigos 8.º e 100.º do CPA, a procedimentos administrativos especiais (como seria, então, o procedimento de nomeação judicial de árbitro) – o da falta de suscitação prévia da questão de constitucionalidade, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer, tal como é exigido pelo artigo 72.º, n.º 2 da LTC.
Além disso, pretende a reclamante controverter a decisão sumária na parte em que nela se julgou manifestamente infundada a questão de constitucionalidade da norma do artigo 12.º da LAV, interpretada no sentido de que dispensa (ou de que não impõe) o contraditório do requerido quanto ao requerimento de nomeação do árbitro
Na reclamação apresentada, a reclamante não contesta a decisão sumária na parte em que, com fundamento na não verificação do pressuposto processual de efetiva aplicação pela decisão recorrida da norma cuja constitucionalidade se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, nela se decidiu não conhecer do recurso na parte em que este tem por objeto a norma do artigo 201.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, interpretada no sentido de que a supressão do contraditório não corresponde a uma nulidade processual. Face à sua não impugnação pela reclamante, a questão do não conhecimento do recurso na parte relativa a essa norma ficou definitivamente decidida, não podendo ser aqui reapreciada.
Vejamos, pois.
4.1. No que respeita à questão de constitucionalidade da norma do artigo 2.º, n.º 7 do CPA, interpretada, quando se admita que a nomeação judicial de árbitro é um “ato (judicial) administrativo”, no sentido de ela determinar a não aplicação do direito de audiência prévia, consagrado nos artigos 8.º e 100.º do CPA, a procedimentos administrativos especiais (como seria, então, o procedimento de nomeação judicial de árbitro) entendeu a decisão sumária que dela não poderia o Tribunal Constitucional conhecer por tal questão não ter sido previamente suscitada, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer, tal como é exigido pelo artigo 72.º, n.º 2 da LTC.
Na reclamação apresentada, afirma a reclamante que assim não é, sustentando que nas alegações apresentadas no tribunal recorrido deixou bem claro o sentido da norma do artigo 2.º, n.º 7 do CPA que considera inconstitucional e que não faz qualquer sentido distinguir entre “vício da atividade interpretativa” e “vício do sentido normativo que a atividade interpretativa do tribunal recorrido atribui ao preceito legal em causa”.
A prova de que tal questão foi previamente suscitada, de modo processualmente adequado, perante o tribunal recorrido, estaria no facto de o tribunal a quo, no acórdão recorrido, ter compreendido e tratado expressamente a questão da violação do princípio da imparcialidade da atividade administrativa, consagrado no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição.
Não tem razão a reclamante.
Desde logo, em lugar algum o acórdão recorrido se pronunciou expressamente sobre a questão de constitucionalidade da norma do artigo 2.º, n.º 7 do CPA, não se podendo considerar como apreciação de uma questão de constitucionalidade normativa reportável a esse preceito legal as considerações nele feitas sobre a questão de saber se a falta de audição da recorrente, ora reclamante, pelo Senhor Presidente do Tribunal da Relação, antes deste tomar a decisão de nomear um árbitro, implica ou não uma violação dos princípios constitucionais, consagrados no artigo 20.º e 266.º da CRP, designadamente do princípio do contraditório e da igualdade das partes, que conduziriam forçosamente a uma “irregularidade de constituição do tribunal arbitral”. Resulta de uma leitura cuidada do acórdão recorrido que o que aí é objeto de apreciação, face a esses parâmetros constitucionais, é a falta de audição da recorrente, ora reclamante pelo Senhor Presidente do Tribunal da Relação em si mesma considerada, não apreciando o tribunal a quo em lugar algum a conformidade com a Constituição do artigo 2.º, n.º 7 do CPA ou sequer de determinada interpretação deste.
Ainda que assim não fosse, isto é, mesmo na hipótese de o acórdão recorrido se ter ocupado expressamente da questão de constitucionalidade da norma do artigo 2.º, n.º 7 do CPA, interpretada, quando se admita que a nomeação judicial de árbitro é um “ato (judicial) administrativo”, no sentido de ela determinar a não aplicação do direito de audiência prévia, consagrado nos artigos 8.º e 100.º do CPA, a procedimentos administrativos especiais (como seria, então, o procedimento de nomeação judicial de árbitro) – o que já vimos não ter sido o caso –, tal circunstância em nada aproveitaria à recorrente, ora reclamante, pois ela jamais teria a virtualidade de tornar inexigível o ónus que sobre a parte impende, caso pretenda, posteriormente, vir a recorrer para o Tribunal Constitucional, de suscitar previamente a questão de constitucionalidade. Isto porque tal exigência nada tem de supérfluo e decorre, aliás, diretamente da lei (LTC, artigo 72.º, n.º 2).
Ora, não há dúvida de que, como bem demonstra a decisão sumária, e ao contrário do que sustenta a reclamante, em lugar algum das suas alegações de recurso de revista para o tribunal a quo a recorrente suscitou qualquer questão de constitucionalidade normativa, reportável ao artigo 2.°, n.º 7 do CPA, na medida em que o vício de inconstitucionalidade imputado o é a uma hipotética atividade interpretativa do tribunal recorrido e não a uma norma ou dimensão normativa em si mesma considerada.
E não se diga, como sugere a reclamante, que tal entendimento assenta numa distinção a que não corresponde uma verdadeira diversidade ontológica. Antes pelo contrário, a esses diferentes modos de formular a questão correspondem dois objetos do processo diferentes, apenas um deles, dada a sua natureza normativa, sendo idóneo para o efeito de um recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, não podendo o outro – quer consista na própria decisão judicial quer na atividade desenvolvida pelo órgão judicial – constituir objeto idóneo de um recurso de constitucionalidade. Tanto assim é que, ao delimitar o objeto do recurso de constitucionalidade, no requerimento de interposição do mesmo, a recorrente, ora reclamante, enuncia a questão de constitucionalidade em termos diferentes do modo como alega tê-lo feito nas alegações do recurso interposto para o tribunal a quo, o que indica justamente a incorreção do incumprimento do pressuposto processual de suscitação prévia da questão de constitucionalidade, de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida em termos de este estar obrigado a dela conhecer, tal como é exigido pelo artigo 72.º, n.º 2 da LTC.
Assim, é de indeferir a reclamação quanto a esse ponto, confirmando a decisão sumária.
4.2. Como se disse, pretende ainda a reclamante controverter a decisão sumária na parte em que, conhecendo-se parcialmente do objeto do recurso, nela se julgou manifestamente infundada a questão de constitucionalidade da norma do artigo 12.º da Lei LAV, interpretada no sentido de que dispensa (ou de que não impõe) o contraditório do requerido quanto ao requerimento de nomeação do árbitro.
Ao fazê-lo, a reclamante identifica três razões que, segundo ela, justificariam o entendimento de que a questão de constitucionalidade em apreço não é manifestamente infundada e que são as seguintes: (i) o contraditório do requerido no processo de nomeação judicial de árbitro corresponde à solução desde sempre consagrada nos mais importantes ordenamentos jurídicos civilizados, que constituem, em muitos domínios, modelos e referências para o ordenamento jurídico português; (ii) o próprio legislador veio consagrar o contraditório do requerido no processo de nomeação judicial de árbitro na nova lei da arbitragem (Lei n.º 63/2011, de 4 de dezembro); (iii) a maioria da doutrina que se pronunciou sobre o problema defende expressamente a posição segundo a qual, já no quadro da LAV, o requerido tem direito a ser ouvido sobre o requerimento de nomeação judicial de árbitro.
Ora, quanto a estas três razões, deve começar por dizer-se o seguinte:
Desde a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, que a Lei do Tribunal Constitucional, no seu artigo 78.º-A, confere ao relator a competência para julgar, por decisão individual, do mérito da questão de constitucionalidade que é apresentada ao Tribunal em duas circunstâncias: no caso de ela já ter sido antes resolvida pelo próprio Tribunal ou no caso de a questão se mostrar manifestamente infundada.
Uma questão de constitucionalidade é manifestamente infundada quando, à evidência, se revelam improcedentes as razões que a sustentam.
No presente caso, alegava a recorrente, agora reclamante, a inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º n.º 4 da CRP, do artigo 12.º da Lei da Arbitragem Voluntária, na interpretação segundo a qual “se dispensa (ou se não impõe) o contraditório do requerido quanto ao requerimento de nomeação de árbitro”.
No artigo 20.º, n.º 4 da CRP encontra-se sediado o princípio do “processo equitativo” ou do “processo devido em direito”, elemento integrante do princípio mais vasto do Estado de direito, consagrado no artigo 2.º. Como é bem sabido, e como o Tribunal tem dito inúmeras vezes, na conformação das normas de processo (que não penal) goza o legislador ordinário de uma ampla margem de liberdade, margem essa que é limitada pela exigência nuclear que, neste domínio, a Constituição lhe impõe: a de que o processo que conforme não deixe de ser um processo justo (um due processo of law), no qual as partes que nele intervêm devem poder apresentar todas as suas razões de facto e de direito. O princípio do contraditório, segundo o qual não é lícito ao juiz “decidir questões de facto e de direito, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem” (artigo 3.º do Código de Processo Civil), não tem assim um fundamento constitucional qualquer. A ampla margem de liberdade de que goza o legislador ordinário na conformação das normas de processo é limitada, afinal, por um dos valores constitucionais de maior densidade axiológica: o princípio do processo equitativo, decorrente do princípio do Estado de direito.
À evidência, de um princípio com esta densidade axiológica nunca poderia decorrer um dever líquido e certo do legislador ordinário, de, em processo arbitral, fazer depender de prévia audição o ato de nomeação do árbitro por parte do presidente do tribunal do Estado, quando o que dera causa à necessidade de intervenção deste último (e à necessidade de nomeação do árbitro) fora nem mais nem menos que o comportamento processual da parte que reclamava o “direito” a ser ouvida. Foi isto que se disse na Decisão Sumária reclamada e que agora se mantém, uma vez que as três razões apontadas pela reclamante – e que se prendem com alterações legislativas insertas na já por várias vezes referidas ampla margem de liberdade conformadora do legislador ordinário nestes domínios – em nada abalam a certeza do que antes se afirmou.
III – Decisão
5. Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação, confirmando-se a decisão sumária reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 27 de junho de 2012.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.