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Processo n.º 469/12 e 470/12
2.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
I - Relatório
1. António Fonseca Ferreira, militante do Partido Socialista, apresentou requerimento, junto do Tribunal Constitucional, a 27 de junho de 2012, invocando o disposto no artigo 103.º-C da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC) e declarando vir propor “ação de impugnação de eleições de titulares de órgãos de partidos políticos”.
2. Refere o impugnante que pretende impugnar a decisão constante do acórdão da Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista, que confirmou a recusa da candidatura do mesmo às eleições para Presidente da Federação Distrital da Guarda do mesmo Partido.
Para fundamentar a sua pretensão, alega que, na qualidade de militante do Partido Socialista, inscrito há mais de seis meses e com as suas quotas pagas e em dia, apresentou, em 31 de maio de 2012, a sua candidatura à Presidência da Federação Distrital da Guarda, tendo a Comissão Organizadora do Congresso recusado tal candidatura, por considerar que o requerente não constava dos cadernos eleitorais definitivos da Federação da Guarda, mas sim dos cadernos da secção de residência do Lumiar/Ameixoeira.
Inconformado, impugnou tal recusa junto da Comissão Federativa de Jurisdição, que indeferiu a sua pretensão.
Ainda inconformado, o impugnante recorreu para a Comissão Nacional de Jurisdição, que declarou nula, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, a decisão recorrida.
Em obediência ao acórdão da Comissão Nacional de Jurisdição, a Comissão Federativa de Jurisdição proferiu nova decisão, mantendo o indeferimento da pretensão do impugnante.
De tal decisão foi interposto novo recurso, pelo impugnante, tendo a Comissão Nacional de Jurisdição proferido acórdão, em 22 de junho, negando provimento à pretensão deduzida.
Delimitando o objeto do recurso, refere o acórdão que importa dar resposta à seguinte questão: “Pode um militante (…) inscrito no partido há mais de seis meses, com as quotas em dia, ser candidato a Presidente de uma Federação, pese embora não esteja inscrito em nenhuma secção da área geográfica da Federação a que se candidata?”
O acórdão conclui pela resposta negativa a tal questão, chamando à colação o princípio “de pertença ou de funcionalidade”, que caracteriza como a obrigatoriedade de uma relação de proximidade, conhecimento e militância no âmbito da secção de recenseamento respetiva e que, em conformidade, apresenta como condicionante do exercício da capacidade eleitoral ativa e/ou passiva, entendida esta como manifestação de militância.
É este o acórdão que surge identificado como decisão impugnada, no âmbito da presente ação.
3. Invoca o impugnante que o cargo de Presidente da Federação implica, não apenas o exercício de competências ao nível da orientação política do Partido na área da respetiva Federação, mas igualmente, numa segunda linha, uma contribuição para a definição da linha programática e atuação partidária, a nível nacional. Por tal motivo, o “princípio de pertença” deverá ceder perante o “princípio da mais ampla participação na vida democrática e na organização e formação da vontade dos militantes, em obediência ao disposto no n.º 1 do artigo 51.º da CRP.”
Salienta, ainda, que o entendimento perfilhado pela decisão impugnada – por restringir o direito de participação no ato eleitoral, sem que isso resulte diretamente da lei - viola o artigo 18.º, n.os 1 e 2, da Lei Fundamental.
Acresce que, ainda que se levantassem dúvidas, o sentido defendido pelo impugnante deveria considerar-se o mais correto, por ser aquele que maximiza a possibilidade de intervenção dos militantes e de pluralidade do funcionamento da vida do Partido.
Mais refere o impugnante que o argumento baseado na existência de um dever de militar na Secção, onde se está recenseado, não tem como contraponto que tal dever só possa ser exercido em tal Secção.
Os Estatutos do Partido impõem que a candidatura a Presidente da Federação seja proposta por um determinado número de militantes inscritos na Federação respetiva, mas não obrigam que o próprio candidato esteja inscrito em tal Federação.
Conclui, pelo exposto, o impugnante que a decisão, de que presentemente reage, não tem suporte constitucional, legal, estatutário ou regulamentar, violando o disposto nos artigos 18.º, n.º 2; 51.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa; 5.º da Lei dos Partidos Políticos; 18.º e 47.º dos Estatutos do Partido Socialista; 5.º e 7.º, n.º 1, do Regulamento Eleitoral para Presidente da Federação da Guarda do Partido Socialista.
Termina, pedindo que a presente impugnação seja julgada procedente, sendo, em consequência, revogada a decisão de não admissão da candidatura do impugnante às eleições, para o cargo de Presidente da Federação da Guarda do Partido Socialista, e substituída por outra que admita tal candidatura.
4. Após citação, o Partido Socialista (PS) veio apresentar resposta, pugnando pela improcedência da impugnação.
Fundamenta a sua posição alegando que, nos presentes autos, está em causa uma situação idêntica à que já foi tratada no âmbito do Acórdão n.º 2/2011, proferido pelo Plenário do Tribunal Constitucional.
Assim, aplicando a doutrina defendida naquele aresto, conclui o Partido que o artigo 103.º-C da LTC “deve ser interpretado no sentido de que apenas é impugnável o ato eleitoral em si, no que se reporta à apreciação da validade e regularidade do ato, mas não os atos intermédios ou intercalares que apenas podem afetar a regularidade do procedimento e inquinar a decisão final”. Nestes termos, a impugnação apenas pode incidir sobre o ato final do procedimento, por corresponder ao ato recorrível, no âmbito da ação de impugnação de eleição.
Ora, a não aceitação da candidatura do impugnante ao cargo de Presidente da Federação, por parte dos órgãos jurisdicionais do PS, enquadra-se na categoria dos atos intermédios ou intercalares, prévios ao ato eleitoral, pelo que tal ato não é admissível como objeto da impugnação prevista no artigo 103.º-C da LTC.
Mais refere o Partido que, caso assim não se entenda, sempre deverá considerar-se improcedente a presente ação, porquanto a deliberação impugnada não viola a Lei ou os Estatutos, como resulta da respetiva fundamentação, para a qual o Partido remete.
5. Simultaneamente à instauração da descrita ação, António Fonseca Ferreira veio requerer, nos termos do artigo 103.º-E da LTC, a suspensão de eficácia da deliberação impugnada da Comissão Nacional de Jurisdição do Partido Socialista.
Utilizando argumentos já aduzidos na ação principal, conclui o requerente que os atos eleitorais, que serão consequência da deliberação impugnada, estão comprometidos ab initio por “vícios que determinam a invalidade dos mesmos, quer por nulidade quer por anulabilidade”.
Acrescenta que a não admissão da sua candidatura constitui “grave lesão dos seus direitos, liberdades e garantias enquanto cidadão e militante do Partido Socialista”, sendo que igualmente “viola os direitos, liberdades e garantias dos militantes do PS, a nível da Federação Distrital que, por essa forma, são cerceados na sua capacidade eletiva por um órgão que não detém essa competência”.
Mais refere que “quem for eleito para o cargo em questão passará a conduzir os destinos federativos do PS, para além de passar a deter os poderes de participação em decisões nacionais (…) vendo-se o requerente impedido bem como todos quantos nele apostam em dar esse contributo ao partido”.
Nestes termos, peticiona a suspensão da eficácia da deliberação impugnada até que esteja decidida a ação principal de que a presente medida cautelar é dependente.
6. O Partido Socialista, no prazo de cinco dias que lhe foi concedido para contestar, apresentou peça processual, pugnando pelo indeferimento da pretensão do requerente.
Reitera, na contestação, os fundamentos que o levam a concluir pela não atendibilidade da pretensão deduzida na ação principal, aplicáveis para ditar a inadmissibilidade da presente medida cautelar.
Mais refere que recai sobre o requerente o ónus de concretizar os factos que consubstanciam os danos apreciáveis, a cuja probabilidade de ocorrência alude o artigo 103.º-E da LTC, sendo que o requerente se limita a fazer alusões vagas e abstratas, inidóneas ao cumprimento de tal ónus.
Acresce que o deferimento do pedido de suspensão de eficácia se encontra ainda condicionado à alegação e prova sumária de que a deliberação em causa enferma de ilegalidade, por violação da lei ou dos estatutos, e de que o prejuízo resultante da suspensão não é superior ao que pode derivar da execução (artigos 396.º, n.º 1, e 397.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil).
No caso concreto, alega o Partido que a deliberação impugnada não enferma de ilegalidade, como resulta da fundamentação aduzida na mesma.
Por outro lado, o deferimento da medida cautelar pedida traria prejuízos relevantes, consubstanciados na diminuição da capacidade de intervenção na vida pública, decorrente do “vazio de poder em toda a estrutura responsável pela definição e orientação da política do partido a nível distrital”.
Nestes termos, não se encontrando preenchidos os requisitos legalmente exigidos para a adoção da medida cautelar, conclui o Partido Socialista pelo seu indeferimento.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentação
7. Nos presentes autos, o impugnante pretende a apreciação da validade do ato de recusa de admissão da sua candidatura à Presidência de uma Federação Distrital do Partido Socialista, integrando tal pretensão no âmbito da ação de impugnação de eleições de titulares de órgãos de partidos políticos, prevista no artigo 103.º-C da LTC.
O ato impugnado é prévio à realização do ato eleitoral, pelo que importa analisar se pode ser objeto de impugnação autónoma, junto do Tribunal Constitucional, ou se, pelo contrário, a sua validade apenas poderá ser discutida, no contexto de ação incidente sobre o próprio ato eleitoral, em momento necessariamente posterior à sua ocorrência.
Sobre tal questão já se debruçou o Acórdão do Plenário deste Tribunal, com o n.º 2/2011, cuja fundamentação se reitera e se reproduz, na parte mais relevante:
“ (…) Dispõe o n.º 1 do artigo 103.º-C da LTC que «as ações de impugnação de eleições de titulares de órgãos de partidos políticos podem ser instauradas por qualquer militante, que, na eleição em causa, seja eleitor ou candidato ou, quanto à omissão nos cadernos ou listas eleitorais, também pelos militantes cuja inscrição seja omitida», acrescentando o nº 3 do mesmo preceito que «a impugnação só é admissível depois de esgotados todos os meios internos previstos nos estatutos para apreciação da validade e regularidade do ato eleitoral».
Conforme resulta ainda do subsequente nº 4, «a petição deve ser apresentada no Tribunal Constitucional no prazo de 5 dias a contar da notificação da deliberação do órgão que, segundo os estatutos, for competente para conhecer em última instância da validade e regularidade do ato eleitoral».
Este artigo 103.º-C, referente às «ações de impugnação de eleição de titulares de órgãos de partidos políticos», tal como o artigo 103.º-D, relativo às «ações de impugnação de deliberação tomada por órgãos dos partidos políticos», foram aditados pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, com a finalidade de adaptar a LTC às novas exigências constitucionais resultantes da Lei de Revisão Constitucional de 1997, que acrescentou um n.º 5 ao artigo 51º da Constituição – passando a impor um dever de observância, por parte dos partidos, no plano da organização e funcionamento internos, dos princípios estruturantes da democracia, como os princípios da transparência, da organização e gestão democrática e da participação de todos os seus membros -, e alargou a competência do Tribunal Constitucional, em relação aos partidos, incumbindo-lhe o julgamento das referidas ações de impugnação (artigo 223.º, n.º 2, alínea h)).
Este último preceito, tendo consagrado esses dois tipos de ações de impugnação, limitou-se a remeter para a lei de processo a definição do elenco das deliberações do órgãos partidários que são judicialmente impugnáveis («julgar as ações de impugnação de eleições e deliberações de órgãos de partidos políticos que, nos termos da lei, sejam recorríveis»), e idêntica remissão foi depois efetuada pelo artigo 31º da Lei dos Partidos Políticos, aprovada pela Lei Orgânica n.º 2/2003, de 22 de agosto, que determinou, no seu n.º 2, que da decisão do órgão de jurisdição pode o filiado lesado e qualquer outro órgão do partido recorrer judicialmente nos «termos da lei de organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional».
Importa, no entanto, notar que a Constituição e a LTC consagraram um princípio de tipicidade das ações de impugnação (…).
No que se refere (…) às ações de impugnação de eleição, que agora interessa especialmente considerar, é de sublinhar que o legislador se reporta apenas à impugnação de eleição de titulares de órgãos partidários, e não genericamente a «matéria eleitoral» ou a «contencioso eleitoral» partidário ou a «recursos relativos a eleições», em claro contraste com as formulações mais amplas adotadas nos artigos 102.º e 102.º-D da LTC em relação aos processos eleitorais para a Assembleia da República, assembleias legislativas regionais ou órgãos do poder local.
Acresce que as disposições dos n.ºs 3 e 4 do artigo 103.º-C reforçam ainda o caráter restritivo do tipo de controlo jurisdicional que é admitido, no âmbito de impugnação de eleição, ao identificarem como objeto do processo a «apreciação da validade e regularidade do ato eleitoral».
Como se observou no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 85/2004, o legislador constitucional, tal como o legislador ordinário, rodeou de especiais cautelas a intervenção jurisdicional destinada a garantir a observância dos princípios organizatórios e procedimentais da democracia política, pretendendo evitar que, por essa forma, se pudesse vir a exercer um controlo sobre a atividade política dos partidos e, de algum modo, limitar a liberdade de organização da vontade popular, e por isso se circunscreveu os meios processuais de impugnação das deliberações dos órgãos de partidários àquelas que fossem consideradas «mais importantes para assegurar os princípios da organização e gestão democráticas dos partidos políticos, sem, por outro lado, judicializar a respetiva vida interna, correndo o risco de tolher a sua liberdade de ação política e o seu espaço de afirmação, interna e externamente».
(…) Neste contexto interpretativo, nada permite concluir (…) que a ação de impugnação de eleição a que se refere o artigo 103.º-C da LTC possa abranger, não apenas a validade e regularidade do ato eleitoral, mas também o ato decisório do órgão partidário que em última instância se tenha pronunciado sobre a omissão ou inclusão de militantes nos cadernos eleitorais, quando é certo que esse corresponde apenas a um ato intermédio ou intercalar que, quando muito, pode afetar a regularidade do procedimento e inquinar a decisão final que tenha fixado os resultados eleitorais.
Certo é que o n.º 1 do artigo 103.º-C da LTC alude à possibilidade de a ação de impugnação de eleição ser instaurada, quanto à omissão nos cadernos ou listas eleitorais, também pelos militantes cuja inscrição seja omitida; mas isso apenas evidencia um critério de legitimidade ativa no tocante à propositura da ação, significando que aquele que tenha sido impedido de votar por indevida omissão ou exclusão dos cadernos eleitorais possa igualmente impugnar o ato eleitoral.
O preceito estabelece, por conseguinte, um regime de legitimidade ativa que assenta na titularidade de um interesse direto e pessoal: é parte legítima o eleitor ou o candidato, e, portanto, quem tem capacidade eleitoral ativa ou passiva para o ato eleitoral em causa, podendo a impugnação ter por fundamento qualquer irregularidade que possa ter influído no resultado da eleição, como seja a indevida inscrição ou recusa de inscrição de militantes nos cadernos ou listas eleitorais; mas para além destes, se se tiver verificado a omissão ou exclusão dos cadernos ou listas eleitorais, também a pessoa diretamente afetada, que ficaria impossibilitada de participar na eleição, pode deduzir a impugnação. Mas essa impugnação não deixa, por isso, de respeitar ao próprio ato eleitoral cuja regularidade é posta em causa por virtude da recusa de inscrição indevida de determinadas pessoas.
Por outro lado, também a disposição do nº. 4 do artigo 103.º-C, ao fixar, para apresentação da petição no Tribunal Constitucional, um «prazo de 5 dias a contar da notificação da deliberação do órgão que, segundo os estatutos, for competente para conhecer em última instância da validade e regularidade do ato eleitoral», apenas pode ser interpretada como reportando-se à petição de recurso relativa ao ato final do procedimento, por ser esse o ato recorrível no âmbito da ação de impugnação de eleição.
Estas disposições estabelecem, por conseguinte, os pressupostos processuais do contencioso eleitoral, fixando regras quanto à legitimidade ativa (n.° 3) e ao prazo de propositura da ação (n.° 4), sem que daí possa extrair-se qualquer outra ilação quanto à impugnabilidade dos atos relativos à exclusão ou omissão dos cadernos ou listas eleitorais.
(…) Não tem qualquer analogia com o caso o regime previsto no artigo 98.º, n.º 3, do CPTA.
Esse preceito refere-se aos atos administrativos em matéria eleitoral que pertencem à jurisdição administrativa, cujo âmbito aplicativo se encontra delimitado pelo estabelecido no artigo 4.°, n.° 1, alínea m), do ETAF, reportando-se ao «contencioso eleitoral relativo a órgãos de pessoas coletivas de direito público para que não seja competente outro tribunal». Os atos eleitorais abrangidos são apenas os que respeitem a órgãos de pessoas coletivas de direito público, aqui se incluindo as eleições para os órgãos da administração direta e indireta do Estado, bem como da administração autónoma, com necessária exclusão dos atos eleitorais respeitantes a órgãos de pessoas coletivas de direito público cujo contencioso se encontra subtraído à jurisdição administrativa, como é o caso das eleições relativas ao Presidente da República, Assembleia da República, assembleias legislativas regionais dos Açores e da Madeira e autarquias locais, cuja impugnação é feita perante o Tribunal Constitucional (artigo 8.°, alíneas a), c) e d) da LTC).
São da competência dos tribunais administrativos e seguem o regime processual previsto nos artigos 97.° e segs. do CPTA, a impugnação da eleição para os vogais da junta de freguesia e para presidente e secretários da mesa da assembleia da freguesia, bem como da eleição para presidente e secretários da mesa da assembleia municipal, a realizar nas sessões de instalação dessa assembleia, que estão excluídas da jurisdição constitucional (artigos 9.°, n.° 1, e 45.°, n.° 1, da Lei n.° 169/99, de 18 de setembro). E integram ainda o contencioso eleitoral previsto no CPTA as eleições para órgãos de universidades, escolas, hospitais, e, em geral, de estabelecimentos e serviços públicos pertencentes à Administração Pública, que se encontrem especificamente previstas nos respetivos estatutos orgânicos.
Em relação a estes outros processos eleitorais, o artigo 98.º do CPTA consagra igualmente um princípio de impugnação unitária, permitindo apenas a impugnação do ato eleitoral (ou da respetiva homologação), como ato final do procedimento, ou de um ato praticado no decurso do procedimento, mas apenas quando este represente para o interessado uma decisão que afete irremediavelmente a sua situação jurídica, como é o caso da exclusão ou omissão de um eleitor, que assim fica impedido de exercer o seu direito de voto, ou da exclusão ou omissão de um candidato, que assim fica impedido de se apresentar à eleição. A norma do artigo 98.º, n.º 3, afasta, assim, o princípio geral da impugnabilidade dos atos procedimentais lesivos que resulta do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo 51.º, mantendo, porém, a exigência da impugnabilidade dos atos procedimentais destacáveis quando estes, pela sua própria natureza, afetem definitivamente a posição jurídica do interessado (neste contexto, a norma tem correspondência com o segmento inicial do artigo 51.º, n.º 3, que igualmente estabelece a obrigatoriedade da impugnação dos atos de exclusão).
Neste caso, estamos, no entanto, perante atos eleitorais que respeitam a órgãos da Administração Pública, e que relevam da atividade administrativa, e relativamente aos quais não têm cabimento as considerações de política legislativa, há pouco afloradas, que justificam, no que concerne às eleições para órgãos de partidos políticos, a aplicação de um princípio de intervenção mínima.
Princípio este que é também consentâneo com a regra do esgotamento de «todos os meios internos previstos nos estatutos para apreciação da validade e regularidade do ato eleitoral», que decorre dos n.ºs 3 e 4 do artigo 103.º-C da LTC, e que não é já aplicável no domínio do contencioso eleitoral administrativo.
Tal regra de exaustão dos meios estatutariamente previstos para apreciação da validade e regularidade do ato eleitoral assenta no reconhecimento de que, sendo embora necessário o controlo jurisdicional das associações partidárias, atenta a sua relevância no contexto de um Estado de Direito democrático (artigo 51.º da CRP), está ainda em causa um espaço de realização de autonomia associativa, também objeto de tutela constitucional, pelo que o Tribunal Constitucional, a quem compete essa fiscalização, só deverá intervir em última instância, isto é, para assegurar a observância dos limites materiais constitucionalmente impostos e depois de esgotados os mecanismos estatutários de autocontrolo.
E são essas razões de concordância prática entre a autonomia associativa partidária e os respetivos limites constitucionais, que justificam que para as eleições dos órgãos dos partidos políticos possa a lei estabelecer, relativamente ao critério da impugnabilidade contenciosa, um regime diferenciado em relação à impugnação de atos administrativos em matéria eleitoral cuja apreciação seja atribuída à jurisdição administrativa.
(…) A interpretação normativa adotada não viola, por outro lado, o princípio da tutela jurisdicional efetiva.
De facto, o recorrente não está impedido de sindicar jurisdicionalmente a questão da regularidade do processo eleitoral, designadamente quando tenha por base a indevida inscrição ou omissão de militantes dos cadernos ou listas eleitorais. Unicamente, de acordo com os pressupostos processuais legalmente estabelecidos, deverá fazê-lo apenas, após ter esgotado os meios internos de reapreciação, no âmbito da ação de impugnação de eleição após a realização do ato eleitoral.
De resto, assentando o regime de impugnação judicial de eleições de titulares de órgãos de partidos políticos em valores de ordem constitucional, como sejam os enunciados princípios da intervenção mínima e da subsidiariedade, não é possível imputar ao sistema, sob pena de falta de unidade e coerência constitucional, a violação do conteúdo essencial de um outro direito fundamental – o direito à tutela jurisdicional efetiva –, havendo antes de entender-se, segundo um princípio de harmonização, que a solução legislativa, na interpretação adotada, é mais conforme ao conjunto dos valores constitucionais em causa.”
Nestes termos, estando em causa nos presentes autos uma decisão sobre a admissão de candidatura a um ato eleitoral, esta decisão não é impugnável, de acordo com os princípios da tipicidade e da intervenção mínima que regem a competência do Tribunal Constitucional nesta matéria.
Os vícios que afetem ato anterior ao ato eleitoral, e que neste último se venham a repercutir, são invocáveis no momento da impugnação do ato eleitoral.
Encontra-se, assim, prejudicado o conhecimento do objeto da presente ação.
8. As considerações aduzidas, relativamente à ação principal, estendem-se logicamente à medida cautelar (artigo 103.º-E da LTC), determinando o seu não conhecimento.
Na verdade, a admissibilidade da adoção da medida cautelar pedida depende da impugnabilidade do ato, objeto da ação principal, junto do Tribunal Constitucional.
Afastada essa impugnabilidade, pelos motivos já expostos, fica prejudicado o conhecimento da medida destinada à tutela acessória ou instrumental.
9. Por idênticas razões, a ocorrência do ato eleitoral - que não é objeto de impugnação, no âmbito da presente ação - em nada altera a fundamentação e o sentido decisório assumidos, obviamente obstativos do deferimento do requerimento apresentado a 6 de julho de 2012.
III - Decisão
10. Em consonância, decide-se:
- Não conhecer do objeto da presente ação de impugnação;
- Não conhecer do pedido de suspensão de eficácia apresentado.
Sem custas, por não serem legalmente devidas.
Lisboa, 9 de julho de 2012. – Catarina Sarmento e Castro – Joaquim de Sousa Ribeiro – José da Cunha Barbosa – João Cura Mariano – Rui Manuel Moura Ramos