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Proc. nº 89/2000
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade, em que figura como recorrente B... e como recorridos M... e outros, a relatora proferiu decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso, em virtude de não ter sido suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa durante o processo.
A recorrente reclamou para a Conferência da decisão sumária, tendo esta sido confirmada pelo Acórdão nº 297/2000, de 31 de Maio.
A recorrente requereu a aclaração do Acórdão nº 297/2000, pretendendo que se esclarecesse se, quando se afirma que nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não existe qualquer conclusão com o nº 4, se considerou que 'a interpretação seguida dos citados preceitos do RAU não contraria o disposto no nº 1 do artigo 65º da Constituição'. Juntou cópia das alegações para o Supremo Tribunal de Justiça e apresentou, na mesma data, um requerimento onde, dando conta de que nos autos não se encontra a folha das alegações que contém as conclusões, pede 'a anulação do processado e que o assunto seja novamente submetido à Conferência, pois esta apreciou o recurso com esta falta, que já foi corrigida com a junção da cópia integral das alegações para o STJ'.
Os recorridos pronunciaram-se no sentido do indeferimento da aclaração e da improcedência do pedido de anulação do processado.
2. O pedido de aclaração apresentado não tem fundamento. Com efeito, quando, no Acórdão nº 297/2000, o Tribunal Constitucional afirmou que não existe nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça qualquer conclusão com o nº 4 quis significar precisamente o que tal afirmação literalmente representa, e que resultava clara e inequivocamente da análise das alegações de fls. 120 a 123. De resto, a própria requerente se apercebe do efectivo sentido da afirmação constante do Acórdão aclarando, no requerimento de fls. 173, onde pede a anulação do processado, por de facto faltar a última folha das alegações que contém as conclusões numeradas.
Indeferir-se-á, nessa medida, o pedido de aclaração.
3. Detectada a falta de uma folha das alegações, a requerente vem pedir a anulação do processado, em virtude de o Tribunal Constitucional ter apreciado o recurso com esta falta. Invoca o disposto no artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil, e afirma que no momento próprio terá juntado ao processo as alegações completas, uma vez que, se tal não tivesse acontecido, o recorrente teria sido convidado a formular conclusões ou o recurso teria sido mesmo considerado deserto logo no Supremo Tribunal de Justiça.
Em face dos elementos constantes dos autos, verifica-se que, efectivamente, as alegações de fls. 120 e ss. não têm conclusões numeradas. Por outro lado, as páginas do processo estão numeradas sem qualquer falha e sem qualquer rasura, o que afasta a possibilidade de ter sido perdida uma folha após a incorporação das alegações nos autos. Assim, dos autos não resulta que o Supremo Tribunal de Justiça tenha apreciado o recurso com a folha alegadamente em falta, o que, aliás, também é indiciado pela parte expositiva do acórdão de
18 de Janeiro de 2000 (onde não se faz referência às conclusões do recurso).
Pretende a requerente, porém, suprir agora tal falta, apresentando uma cópia das alegações com conclusões numeradas, e afirmando que a falta consubstancia uma irregularidade que influencia a decisão da causa, originando nulidade, nos termos do n.º 1 do artigo 201º do Código de Processo Civil. Nos termos do artigo 690º do Código de Processo Civil, sobre o recorrente impende o ónus de formular conclusões, devendo o relator convidar o recorrente a apresentá-las, sob pena de não se conhecer do recurso na parte afectada (nº 4 do mencionado artigo).
As alegações apresentadas no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não tinham conclusões numeradas. Não obstante, o Tribunal tomou conhecimento do objecto do recurso, superando, assim, a sua falta.
Vem agora o recorrente arguir a irregularidade, junto do Tribunal Constitucional, pedindo a anulação do processado. Tal pretensão, contudo, não procede. Com efeito, a falta de conclusões
(imputável à então recorrente) ocorreu no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo esse Tribunal entendido tomar conhecimento do objecto do recurso.
No Tribunal Constitucional não foram apresentadas alegações, uma vez que a Relatora proferiu decisão sumária, ao abrigo do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional. Ao Tribunal Constitucional, no âmbito do recurso de constitucionalidade interposto, compete apreciar a questão da constitucionalidade normativa suscitada [artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional), assim como decidir sobre a admissibilidade do recurso (artigos 76º e 78º-A da mesma Lei). Não lhe compete, porém, apreciar alegadas nulidades ocorridas junto do Supremo Tribunal de Justiça.
Improcede, pois, o pedido de anulação do processado agora deduzido.
4. Não obstante a conclusão que se acaba de alcançar, ainda se dirá o seguinte:
O requerente junta aos autos uma folha com conclusões numeradas, afirmando que na conclusão nº 4 suscitou uma questão de constitucionalidade normativa.
Tal conclusão tem a seguinte redacção:
4. Deve ser considerado que a Ré tem direito ao novo arrendamento, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 90º do RAU, revogando-se o douto acórdão em revista que violou esta disposição legal conjugada com os nºs 3 e 4 do artigo
94º do citado regime aprovado pelo Decreto-Lei nº 321-B/90, conjugados com o nº
1 do artigo 65º da Constituição que impõe a interpretação mais favorável ao arrendatário de entre as possíveis.
Verifica-se que a requerente imputa nessa conclusão a violação de diversos preceitos legais 'conjugados com o nº 1 do artigo 65º da Constituição'
à decisão recorrida e não a uma dada norma ou dimensão normativa.
Ora, sendo o presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário que o recorrente suscite durante o processo uma questão de constitucionalidade normativa, o que significa que ele tem o ónus de indicar com precisão, perante o tribunal a quo, a norma que considera inconstitucional, o princípio ou a norma constitucional que considera violado e apresentar uma fundamentação, ainda que sucinta, da inconstitucionalidade apontada (cf. Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
Como se referiu e resulta da respectiva transcrição, na conclusão nº
4, a requerente não imputa a inconstitucionalidade a uma norma ou a uma dimensão normativa, mas sim à decisão então recorrida.
Nessa medida, ainda que a folha alegadamente em falta constasse dos autos desde a apresentação das alegações de fls. 120 e ss., também não se verificariam os pressupostos processuais do recurso interposto, pois continuaria a não ter sido suscitada durante o processo qualquer questão de constitucionalidade normativa. A Decisão Sumária de fls. 149 e ss. e o Acórdão nº 297/2000 que a confirmou manter-se-iam, pois, na essência das respectivas fundamentações, inalterados.
Também por esta razão, o pedido de anulação do processado deveria ser julgado improcedente.
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide: a) Indeferir o requerimento de aclaração de fls. 166 e ss.; b) Indeferir o requerimento de anulação do processado de fls. 175; c) Confirmar, consequentemente, o Acórdão nº 297/2000.
Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça em 12 UCs. Lisboa, 25 de Outubro de 2000 Maria Fernanda Palma Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa