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Proc. nº 166/99 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – L...., S. A ., com sede em Lisboa, intentou no Tribunal Judicial de Lisboa, acção de condenação com processo ordinário contra A..., AB, com sede na Suécia, e outra, pedindo ao tribunal que condenasse as RR. a pagar à A . a quantia de 300.000.000$00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação, bem como o que viesse a ser liquidado em execução de sentença a título de danos patrimoniais e não patrimoniais e ainda em custas e demais acréscimos legais.
A empresa sueca foi citada por carta registada com aviso de recepção; na referida carta foi consignada a dilação mínima.
As RR. não contestaram, pelo que se consideraram confessados os factos articulados pela A ., nos termos do art. 484º nº. 1 CPC.
A acção foi julgada procedente por sentença do Tribunal Cível de Lisboa e as RR. condenadas a pagar à A . a quantia que viesse a ser apurada em execução de sentença referente aos danos patrimoniais e não patrimoniais invocados.
Nas alegações para o Tribunal da Relação de Lisboa, concluíram as RR., nos seguintes termos:
'.............................................................................................................
5. Ainda que se considere que a ora recorrente A... , AB, foi regularmente citada, então não podem ser dados como provados os juízos de valor constantes dos nºs. 10, 11, 13, 24, 25, 34, 35, 37, 38, 45 e 50 da sentença a quo, porquanto o efeito cominatório do art. 484º, nº. 1 do C.P.C. abrange apenas factos.
6. Dos factos provados não emerge qualquer ofensa ao bom nome, reputação e imagem da A .
7. A publicidade constante dos documentos dos autos não individualiza nem os produtos com que é comparado o produto fabricado pelas ora recorrentes, nem o seu produtor, sendo certo que não estão alegados factos que permitam concluir que tal publicidade se baseie em características essenciais, afins e objectivamente demonstráveis, pelo que não viola os arts. 7º e 16º do DL nº.
330/90, de 23 de Outubro.
8. Não foram alegados factos que permitam dar como provado que a A . sofreu danos patrimoniais em consequência da alegada conduta das ora recorrentes, pelo que não podia a decisão a quo concluir pela sua existência e muito menos determinar que tais danos sejam liquidados em execução de sentença, com base no art. 661º, nº. 2, do CPC.
9. A sentença a quo por erro de interpretação violou, assim, os arts. 194º, alínea a), 195º, nº. 1, alínea d), e nº. 2, alínea d), 197º, 228º, nº. 1, 244º,
484º, nº. 1 e 661º nº. 2, todos do C.P.C., e 7º e 16º do DL 330/90, de 23 de Outubro.
10. A sentença a quo violou ainda, por erro de interpretação, o artigo 20º da Constituição e 6º nº. 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em conjugação com o artigo 195º, nº. 1, alínea d) e 244º, ambos do C.P.C.; ou, se assim se não entender, o citado art. 195º, nº. 1, alínea d) e nº. 2, alínea d), estarão feridos de inconstitucionalidade por omissão, pelo que
11. A sentença a quo deve ser anulada, e efectivada a citação da ora recorrente A..., AB, aproveitar à A...Portuguesa, Lda., o prazo de contestação da primeira
, nos termos do art. 486º, nº. 2 do C.P.C.'
O acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa revogou parcialmente a decisão recorrida e julgou adequado fixar em 100.000.000$00 a indemnização apenas por danos não patrimoniais a pagar pelas apelantes, A...., AB e A...Portuguesa, Lda., à apelada, L..., SA, pelo facto de a sua imagem de mercado, o seu prestígio industrial e o bom nome terem sido intensa e negativamente afectados pela acção dolosa e ilícita das apelantes. Este aresto julgou ainda improcedente a alegada inconstitucionalidade.
Inconformadas, as RR. interpõem recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo nas suas alegações:
'.............................................................................................................
7. Mas ainda que assim fosse – o que por mera hipótese se admite – a lesão da imagem, prestígio e bom nome da recorrida não teria magnitude que justifique uma indemnização por danos não patrimoniais de 100 mil contos, nem ela é conforme com os critérios jurisprudenciais de equidade para a ofensa de interesses de maior valia – como é o caso da vida – ou em que a intensidade da lesão e o universo da sua publicitação não têm par com os dos autos.
8. O acórdão a quo, por erro de interpretação, violou, assim, os arts. 194º, alínea a), 195º, nº. 1, alínea d), e nº. 2, alínea d), 197º, 228º, nº. 1, 244º, 484º, nº. 1 e 712º, todos do CPC, e 483º e segs. do CCivil.
9. O acórdão a quo violou, ainda, por erro de interpretação, o art.
20º da Constituição e 6º, nº. 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, em conjugação com o art. 195º, nº. 1, alínea d) e 244º, ambos do C.P.C., na redacção vigente ao tempo da citação, sendo o último destes preceitos inconstitucional se o seu sentido for o de, na citação, por via postal, de réu residente em país estrangeiro, que não seja português, não ser exigível tradução, pelo menos, da carta de citação, na língua do Estado da residência do réu, ou numa das línguas veiculares da supracitada Convenção da Haia, se, como é o caso, o Estado requerente e o Estado requerido forem signatários da mesma Convenção.
10. O acórdão a quo deve ser revogado e absolvidas as Rés do pedido, ou, se assim se não entender, anulada a sentença de 1ª instância; e efectivada a citação da ora recorrente A...., AB, aproveitar à A...Portuguesa, Lda., o prazo de contestação da primeira, nos termos do art. 486º, nº. 2, do C.P.C..'
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça concedeu parcialmente a revista condenando as RR. a pagar 5.000.000$00 de indemnização, considerando, também, improcedente a arguição de inconstitucionalidade.
É deste acórdão que vem interposto o presente recurso, ao abrigo do disposto no artigo 70º nº. 1 alínea b) da Lei nº. 28/82.
Conforme o respectivo requerimento de interposição, pretendem as recorrentes a apreciação da constitucionalidade das normas constantes do artigos
195º nº. 1 alínea d), e 244º, ambos do CPC, na redacção anterior à introduzida pelos Decretos-Lei nº. 329-A/95, de 12 de Dezembro e nº. 180/96, de 25 de Setembro, por violação dos artigos 20º da CRP e 6º nº. 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Das suas alegações para o Tribunal Constitucional, extraem-se as seguintes conclusões:
'1. À citação de réu residente em país estrangeiro é aplicável a lex fori.
2. A Convenção de Haia de 15 de Novembro de 1965 permite a citação postal directa, sendo certo que o Reino da Suécia e a República Portuguesa são partes de tal Convenção.
3. Nos termos dos arts. 228º, nº. 1, e 244º, ambos do CPC, a citação de réu residente em país estrangeiro pode ser feita por via postal, desde que a isso não se oponha tratado ou convenção internacionais aplicáveis; mas quando ele não seja português, exige que, pelo menos, a carta de citação vá traduzida na língua do Estado de residência do réu, ou numa das línguas veiculares da supracitada Convenção de Haia.
4. Tal tradução constitui, à luz do citado art. 228º, nº. 1, do CPC, e do art.
20º da CRP e do art. 6º, nº. 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, formalidade essencial, cuja preterição determina falta de citação, ex vi do art.
195º, alínea d) do CPC, e, consequentemente, nulidade da sentença de 1ª instância, de harmonia com o preceituado nos arts. 194º, alínea a), e 197º, ambos do CPC, já que a referida decisão, como, aliás, os subsequentes Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça, considerou as Rés regularmente citadas.
5. Os arts. 244º e 195º, nº. 1, alínea d), ambos do CPC, na interpretação do tribunal recorrido, são inconstitucionais, por violadores do art. 20º da CRP, conjugado com o princípio da igualdade consagrado no art. 13º da CRP, e ainda do art. 6º, nº. 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.'
A recorrida, por seu turno, pugna pela manutenção do julgado recorrido.
Cumpre decidir.
2 – A questão de constitucionalidade que cumpre apreciar e decidir consiste em saber se as normas dos artigos 191º nº. 1 alínea d) e 244º do CPC, na redacção anterior às alterações introduzidas naquele diploma em 1987, interpretadas no sentido de que a citação feita em língua portuguesa, por via postal com aviso de recepção, de citando, residente em país estrangeiro, signatário da Convenção de Haia de 15/11/65, viola o princípio consignado no artigo 20º conjugado com o disposto no artigo 13º, ambos da Constituição e o artigo 6º nº. 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Para a recorrente, tal princípio imporia que a carta de citação viesse traduzida em língua sueca (língua do país da sede da recorrente) ou em outra das línguas veiculares da citada Convenção de Haia.
Será assim?
3 – Começa por se salientar que não se insere na competência do Tribunal Constitucional sindicar a legalidade da interpretação feita pelo STJ da norma constante do artigo 244º do CPC no sentido de que a ela obedece a citação feita em língua portuguesa, a isto se não opondo o disposto na Convenção de Haia (em especial o artigo 10º al. a)) aprovada para ratificação pelo Estado português através do DL nº. 210/71 de 18 de Maio.
Ao Tribunal Constitucional incumbe, apenas, no âmbito do recurso previsto no artigo 70º nº. 1 alínea b) da Lei nº. 28/82, decidir se aquela norma, com a interpretação que lhe foi dada, viola qualquer norma ou princípio constitucional.
Não deixa, porém, de se assinalar que a interpretação acolhida pelo STJ segue uma linha jurisprudencial largamente dominante nos nossos tribunais como se evidencia nos Acórdãos da Relação de Évora de 21/5/81, in Colectânea de Jurisprudência, III, p. 275 e 4/2/83 sumariado no BMJ, nº. 326, p. 540, da Relação do Porto de 15/9/88, sumariado no BMJ, nº. 379, p. 638 e do STJ de
10/3/77 in BMJ, nº. 265, pp. 175 e segs., sendo que este último revogou o acórdão da Relação de Coimbra de 23/4/76, único que a recorrente cita em abono da sua tese.
Uma segunda nota preliminar concerne à invocação da violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 6º nº. 1).
Cabe aqui chamar à colação o que a propósito de semelhante invocação se escreveu no Acórdão deste Tribunal nº. 352/98, in DR II Série nº. 160 de 14/7/98.
'(...) se a Convenção Europeia dos Direitos do Homem deve ser perspectivada num sentido de aplicação directa no ordenamento jurídico nacional, é necessário não olvidar que, se dos preceitos constitucionais relativos aos direitos fundamentais já se retirarem em todas as vertentes (aqui se incluindo as que se extratam de uma interpretação, como dizem Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., p. 138, 'de acordo com as regras hermenêuticas, à ordem constitucional dos direitos fundamentais'), o alcance e sentido que porventura se encontrem naquela Convenção, nada lhe sendo, pois, acrescentado por esta, o recurso à mesma é, de todo e na realidade das coisas, destituído de sentido (cf. por entre muitos, os Acórdãos deste Tribunal nºs. 14/84, nº. 2.2, parte final, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 2º vol., pp. 339 e segs. e 222/90, idem, 16º vol., pp. 635 e segs.). Parafraseando, e com a adaptação que se imporá, os autores e obra citados – que se reportam não à Convenção dos Direitos do Homem, mas sim à Declaração Universal dos Direitos do Homem e a propósito do nº. 2 do artigo 16º da Constituição – esta questão é praticamente irrelevante, pois a Constituição não só consumiu a Declaração – sendo muitas das disposições constitucionais reprodução textual, ou quase textual, de disposições daquela – mas também inclui direitos não referidos na Declaração'.
No mesmo sentido cfr. Acs. nºs. 147/92 e 223/95, in DR, II série, de 24/7/92 e
27/6/95, respectivamente.
No caso, o disposto no artigo 6º nº. 1 da CEDH consagrando o direito dos cidadãos a que a sua causa seja examinada 'equitativa e publicamente', 'num prazo razoável', 'por um tribunal independente e imparcial' não confere direitos diversos ou mais extensos do que os previstos na nossa Constituição, maxime no seu artigo 20º; ao invés, mesmo, este preceito constitucional, na concretização do princípio do acesso ao direito e do direito à tutela jurisdicional efectiva, e utilizando a linguagem do Acórdão, em parte transcrito, 'não só consumiu a Declaração (...) mas também inclui direitos não referidos na Constituição.'
4 – Sendo o artigo 20º da CRP um preceito que integra diversos comandos normativos e não explicitando, embora, a recorrente qual deles elege como parâmetro de inconstitucionalidade, toda a argumentação desenvolvida nas alegações faz convocar o segmento normativo final do nº. 4 daquele preceito no ponto em que confere o direito a um 'processo equitativo'.
Não foi o facto de a última revisão constitucional ter alterado aquele preceito, com expressa consagração do referido direito, que implicou diferente postura do Tribunal Constitucional relativamente ao que vinha sendo decidido, anteriormente
à revisão, sobre o mesmo direito.
Com efeito, já antes e face à redacção então vigente do artigo 20º nº. 1 da CRP, o Tribunal decidiu nos seguintes termos (Ac. nº. 208/93 in 'Acórdãos do Tribunal Constitucional', 24º vol. pp. 527 e segs):
'(...) Refira-se, quanto ao ponto de que nos ocupamos, desde logo, que, como tem sido sublinhado pela jurisprudência deste Tribunal o direito de acesso aos tribunais, consignado na transcrita norma, é um direito à solução dos conflitos por banda de um órgão independente e imparcial face ao qual as partes se devem postar em condições de total (...)
................................................................................................................ A estatuição constitucional de que agora nos ocupamos pressupõe, também, no domínio da jurisdição como função do Estado, a valência da ideia de igualdade consubstanciada em todos terem o direito de aceder aos tribunais em condições de igualdade e, se revertermos à jurisdição civil, e desfrutarem de iguais condições com vista à obtenção dos seus direitos ou interesses. Daí que essa igualdade inculque que as partes no processo tenham ao seu dispor os mesmos meios, não sendo legítimos tratamentos injustificados de favor de uma parte em detrimento da outra. É, enfim, imposto por aquela norma constitucional ao ordenamento jurídico infra-constitucional a consagração de toda uma arquitectura normativa processual de onde resulte para as partes uma 'igualdade de armas'.'
Com isto se pretende demonstrar ser irrelevante decidir se, tendo ocorrido a citação da recorrente em data anterior à revisão constitucional de 97, a questão de constitucionalidade deve ser resolvida no quadro normativo constitucional então vigente ou no que veio a resultar da referida revisão.
Como se viu do passo supra transcrito do Acórdão nº. 208/93 a exigência de um processo equitativo como vertente do direito de acesso aos tribunais, traduz-se, no essencial, no direito das partes 'a desfrutarem de iguais condições com vista
à obtenção dos seus direitos ou interesses'; as normas processuais hão-de proporcionar uma situação de paridade entre as partes na dialéctica que elas protagonizam na defesa dos seus respectivos direitos.
O modo como o legislador ordinário concretiza essa imposição da Lei Fundamental
é, porém, livre e incensurável no plano constitucional se as medidas legislativas adoptadas assegurarem, no processo, aquela igualdade.
Mas o direito a um 'processo equitativo' exige, para além disto, que a lei, na oferta de iguais meios de defesa dos direitos das partes, tenha construído um modelo que permita também, de uma forma adequada e equilibrada e sem prejuízo do respeito por outros valores igualmente determinantes na administração da justiça, uma defesa eficaz das perspectivas antagónicas que se confrontam no processo.
É óbvio, porém, que a arquitectura processual desenvolvida pelo legislador, no respeito pelos valores constitucionais a que deve obedecer, e cuja concordância determina, aqui e ali, cedências recíprocas – não pode, sempre e totalmente, ultrapassar diferenças que resultam da 'natureza das coisas', sobrando algumas vezes pequenas zonas em que a paridade absoluta não é sequer atingível; ponto é que, nesse âmbito, a 'diferença' se contenha em limites razoáveis e nunca comprometa a possibilidade de cada uma das partes invocar os seus direitos, expor os fundamentos em que eles se sustentam e contraditar as razões adversas.
No caso, questiona-se, do ponto de vista constitucional, a validade de uma norma que permitiria a citação, em país estrangeiro de uma sociedade com sede nesse país, através de carta registada com aviso de recepção, em língua portuguesa.
Ora, antes do mais, há que salientar o princípio consagrado no artigo 139º nº. 1 do Código de Processo Civil – o de que nos actos judiciais se usa a língua portuguesa – que é uma decorrência dos direitos de soberania do Estado Português.
Logo aqui, da exigência de nos actos judiciais se usar a língua portuguesa resultará para os estrangeiros, residentes ou não em país estrangeiro, uma
'diferença' que, embora legal e constitucionalmente justificada, não deixará de se traduzir para eles no 'encargo' de se exprimir, nas peças que apresentem no processo, em língua que não é a sua e podem até desconhecer; e, nem por isso, é defensável que se considere ofendido o direito constitucional a um processo equitativo, em litígios onde cidadãos estrangeiros se confrontem com cidadãos portugueses.
A observância daquele princípio da lex fori não impediria, contudo, que, em determinados actos processuais, se utilizasse língua estrangeira (através de tradução), como no caso de citação directa, de residente em país estrangeiro, mediante carta registada com aviso de recepção.
Não se contesta a extrema relevância do acto de citação no processo civil.
Trata-se, com efeito, de um acto que a lei conformou com especial cuidado nos artigos 228º e segs. do CPC, exigindo, designadamente, o cumprimento de determinadas formalidades essenciais, cuja preterição equiparou à falta de citação e sancionou com nulidade (artigos 194º, 195º e 198º do CPC).
Esse especial cuidado compreende-se pela função que o acto desempenha – '[dar] conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender' ou, ainda, 'para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa ' (artigo 228º nº. 1 do CPC) – sendo certo que é na contestação que deve ser deduzida toda a defesa (artigo 489º do CPC) e na sua falta, em processo ordinário (como é o dos autos), se consideram confessados os factos articulados pelo autor (artigo 484º nº. 1 do CPC).
Não pode, assim, ser alheio ao direito constitucional a um processo equitativo, em que se assegure a 'igualdade de armas' entre as partes, os termos em que o legislador ordinário definiu o acto de citação.
E a questão que se coloca no presente recurso é, precisamente, a de saber se a CRP, enquanto consagra o referido direito, não consente um acto de citação tal como ele foi praticado nos autos.
A resposta é negativa.
Na verdade, ponderado o valor da utilização da língua portuguesa nos actos judiciais, a citação, sem tradução na língua do país onde aquela é feita, ou numa das veiculares da Convenção de Haia, não compromete o direito do citado a um processo equitativo.
Um eventual constrangimento desse direito seria apenas congeminável, no momento em que a parte recebe a citação, ou pela absoluta ignorância do sentido da comunicação recebida ou, numa segunda fase, pela necessidade de a traduzir.
Ora, tendo como padrão um citando com diligência e zelo minimamente exigíveis, será de todo inaceitável que, recebida uma carta com aviso de recepção, a parte não procure saber o sentido da comunicação e, sem mais, a remeta para um arquivo.
Não está, com efeito, o legislador vinculado a dispor sobre o acto de citação, com observância de princípios de equitatividade e igualdade, supondo destinatários de que, razoavelmente, se não deva esperar uma conduta diligente e zelosa.
No que concerne à necessidade de uma tradução e sem embargo de se reconhecer um
'incómodo' acrescido no confronto com a parte que domine a língua portuguesa, não assume essa tarefa uma dimensão tal que acabe por representar uma diminuição relativa inadmissível dos direitos de defesa do citado.
Aliás, não obstante reconhecer-se que as dilações de prazo previstas no CPC visam, directamente, compensar as demoras inerentes às comunicações com o estrangeiro, elas não deixam aqui de, também, funcionar em termos de permitir a concretização daquela ou doutras diligências, sem encurtamento de prazos que comprometam a defesa eficaz que o citado pretenda deduzir.
Note-se, ainda, que a própria Convenção Europeia dos Direitos do Homem 'não garante expressamente o direito de ser informado numa língua que o réu compreenda da natureza e da razão de uma acção cível', limitando-se a prevê-lo em matéria penal (artigo 6º § 3), como julgou a Comissão Europeia dos Direitos do Homem na sua decisão de 9/12/91, in 'Decisions et Rapports', vol. 27, pp. 209 e segs.
Bem decidiu, pois, o acórdão recorrido julgando que se não verifica a arguida inconstitucionalidade material dos artigos 244º e 495º nº. 1 alínea d) do CPC
(redacção anterior às revisões de 95/96).
5 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 17 de Novembro de 1999 Artur Maurício Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida (vencido, por entender que um 'processo justo e equitativo' pressupõe, pelo menos, que o réu tome conhecimento, em língua para ele intelegível, de que foi citado para contestar uma acção contra ele intentada). José Manuel Cardoso da Costa (vencido, acompanhando a declaração de voto do Exmº Conselheiro Vice-Presidente, Luís Nunes de Almeida).