Imprimir acórdão
Processo nº 795/99
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - J..., identificado nos autos, interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo da deliberação do plenário do Conselho Superior da Magistratura, de 13 de Janeiro de 1998, (e não 1997, como, certamente, por lapso, indica), na qual se reconheceu 'grave urgência para o interesse público na imediata execução da deliberação de 9 de Dezembro de 1997 do Plenário deste
órgão, através do qual foi designado o próximo dia 16 de Fevereiro para a realização da eleição dos membros do Conselho Superior da Magistratura a que refere o artigo 137º, nº 1, alínea c), do Estatuto dos Magistrados Judiciais
(Lei nº 21/85, de 30 de Julho) e por essa razão prosseguir a execução do acto'
(acta nº 1/98, de 13 de Janeiro de 1998).
Na respectiva petição alega-se, para além do mais, e no que ora interessa, a inconstitucionalidade das normas dos artigos 168º, nºs. 1 e
2, e 145º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho (Estatuto dos Magistrados Judiciais) e, bem assim, do artigo 17º, nº 1, alínea g), do mesmo diploma legal, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio.
O Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 28 de Janeiro de 1999, julgou procedente a excepção de incompetência em razão da matéria do Tribunal para conhecer do objecto do recurso – que fora levantada pelo Ministério Público – e indeferiu o pedido de isenção de custas, formulado ao abrigo daquele artigo 17º, nº 1, alínea g).
Assim, quanto à competência dos tribunais administrativos – no caso, o Tribunal Central Administrativo (Secção do Contencioso Administrativo) – para conhecer do recurso contencioso interposto pelo recorrente da deliberação do Conselho Superior da Magistratura (de 13 de Janeiro de 1998), ponderou-se no aresto:
'Refere-se na petição, que a Constituição, ao garantir no artº 268º, nº 4, ‘aos administrados tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos’ pressupõe a reserva material absoluta dos tribunais administrativos para julgamento dos litígios emergentes das relações jurídicas, administrativas e fiscais. Porém, o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 347/97, in DR II Série, nº 170,
25.7.97, pág. 8955, rebatendo a inconstitucionalidade do artº 168º, nº 1, da Lei nº 21/85, doutrinou que o artº 214º, nº 3, da Constituição (artº 212º, nº 3, após a 4ª revisão constitucional) – ‘contém a mera definição da área própria (do
âmbito regra) da ‘nova’ ordem judicial administrativa e fiscal no contexto da organização dos tribunais, sem com isso pretender necessariamente estabelecer uma reserva material absoluta. Dessa definição do âmbito-regra (que corresponde à justiça administrativa em sentido material) deriva para o legislador ordinário tão-somente a obrigação de respeitar o núcleo essencial da organização material das jurisdições... Mas só isso: não fica proibida a atribuição pontual a outros tribunais do julgamento (por outros processos) de questões substancialmente administrativas sendo certo que essas ‘emissões’ orgânico-processuais (muitas delas tradicionais) podem ter justificações diversas, devendo por isso, incluir-se na margem de escolha política e, portanto, de liberdade constitutiva própria do poder legislativo.
...poderá afirmar-se que o artº 214º, nº 3, da CRP, consagra a criação de uma jurisdição administrativa ordinária. Ou seja, dá forma a uma jurisdição administrativa autónoma. Porém isso não significa necessariamente que todos os litígios emergentes de qualquer relação jurídica administrativa devam ser dirimidos pelos tribunais administrativos. Com efeito, o que se pretendeu foi o estabelecimento de uma competência comum, genérica, dos tribunais administrativos para apreciar os litígios jurídico-.administrativos, não uma reserva absoluta de competência.
...a finalidade principal que presidiu à inserção da norma constante do nº 3 do artº 214º no texto constitucional foi a abolição do carácter facultativo da jurisdição administrativa, e não a consagração de uma reserva de competência absoluta dos tribunais administrativos. Todos estes argumentos confluem para a conclusão de que não existe impedimento constitucional à atribuição pontual e fundamentada de competência aos tribunais judiciais para a apreciação de determinadas questões de natureza administrativa
. Encontra-se, desde já: quer essa competência, pertença ao STJ ou ao STA é indiferente para o recorrente. As garantias são as mesmas (...), não existem razões para subtrair parcelas de competência ao STJ para as atribuir ao STA. Na verdade, colocada a questão nestes termos, e tendo em conta o carácter genérico da sua competência, pode afirmar-se, com segurança, que a atribuição de competência ao STJ para dirimir um litígio jurídico-administrativo em nada diminui as garantias dos cidadãos (...). Também, já o STA fixara entendimento análogo para o referido preceito constitucional, interpretando restritivamente a reserva de jurisdição dos tribunais administrativos (cfr. acórdão de 3.10.96 in Ac. Douts. nº 420, pág.
146 e seguintes). Jurisprudência acolhida pela doutrina, como refere J.C. Vieira de Andrade, in Direito Administrativo e Fiscal, 1997, pág. 11: ‘A melhor doutrina, hoje há de algum modo sufragada pelo Tribunal Constitucional e pelo STA, parece ser, no entanto, a que se lê no referido preceito constitucional como um imperativo estrito, contendo uma proibição absoluta mas (em nosso juízo, sem sequer forçar o texto) como uma regra definidora de um modelo típico susceptível de adaptações ou de desvios em casos especiais, desde que não fique prejudicado o núcleo caracterizador do modelo (...) não fica proibida a atribuição pontual a outros tribunais do julgamento (por outros processos) de questões substancialmente administrativas, sendo certo que essas remissões orgânico-processuais (muitas delas tradicionais) podem ter justificações diversas, devendo por isso incluir-se na margem de escolha política e, portanto, de liberdade constitutiva própria do poder legislativo’. Também J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, em Constituição anot. 3ª. ed. pág.
814 reflectem idêntica sensibilidade relativamente aos tribunais administrativos, escrevendo ‘que estes tribunais são os tribunais comuns em matéria administrativa e fiscal, à imagem de norma relativa aos tribunais judiciais’, e mencionando expressamente o julgamento dos recursos dos actos do CSM pelo STJ (Lei 85/87, 13.12), como um dos casos em que a lei confia a tribunais não administrativos o julgamento de questões que em princípio se devem ter por administrativas. E tem sido uniformemente sufragado tal doutrina por este Tribunal, não se vendo razão para divergir. Como se escreveu no Acórdão de 2.3.98, processo 755/98, «o argumento fundado na ‘especialização’ perde grande parte do seu sentido, uma vez que o seu principal suporte (densificação das garantias dos juízos) é conseguido através de uma maior autonomia dentro de cada categoria de tribunais». Aliás, como bem se sublinha nesse Acórdão, estando em causa actos de gestão da Magistratura Judicial, sejam juízes do STJ ou do STA, não pode é ‘beliscar-se’ a independência dos magistrados na função de julgar, ou ter-se-ia de ‘forjar um grupo de ‘juízes especiais’ para julgar os litígios emergentes dos actos dos respectivos Conselhos Superiores’. Os tribunais, seja qual for a jurisdição em que se integrem, são independentes e apenas estão sujeitos à lei (artº 203º da Constituição). Podemos, pois, concluir que os artigos 168º. nºs. 1 e 2 e 145º. da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, não são inconstitucionais, e que o STJ é o Tribunal competente para conhecer os recursos interpostos das deliberações do CSM.'
No tocante ao pedido de isenção de custas, escreveu-se no acórdão em análise:
'A jurisprudência tem sido unânime no entendimento de que a isenção de custas resultante do artº 17º, nº 1, alínea g) da Lei 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei 10/94, de 5 de Maio, abrange, apenas, as acções em que o Magistrado Judicial intervenha por força das suas funções de julgador, excluindo-a nos casos, onde se discuta a situação estatutária (cf. Acs. do STA de 15.5.97, in rec. 41 922, 5.3.97, in rec. 28 553/A e 17.12.96, in rec. 34 427, e recursos do TCA em que intervém o ora requerente por questões de natureza estatutária: Ac. 12.3.98, in processo 755/98, e 23.4.98 in processo nº 700/98, entre todos). O artº 179º do EMJ (Lei 21/85, de 30.3) prescreve:
‘1. O recurso é isento de preparos. 2- O regime de custas é o que vigorar, quanto a recursos interpostos por funcionários, para o Supremo Tribunal Administrativo’. A Lei 10/94 de 5 de Maio, aditou ao artº 17º da Lei 21/85 a alínea g) com a seguinte redacção:
‘São direitos especiais dos juízes
(...) g) A isenção de preparos e custas com qualquer acção em que o juiz seja parte principal ou acessória, por via do exercício das suas funções.’ Não há incompatibilidade entre as citadas normas, sendo que aquela (artº 179º, nº 2 da Lei 21/85) contém uma norma de incidência tributária, aplicável aos recursos contenciosos de actos do CSM, como é o caso dos autos. E, efectivamente, a questão sub judice não surgiu ‘em razão do exercício da função jurisdicional’ do requerente, mas respeita à sua situação estatutária, sendo-lhe aplicável o disposto no artº 179º do EMJ.'
2. - Inconformado, do assim decidido recorreu o interessado para o Supremo Tribunal Administrativo.
Sintetizou, assim, as suas alegações:
'I. O Conselho Superior da Magistratura configura-se como órgão de características nitidamente administrativas. II. Para além da matéria cível e criminal, a competência dos tribunais judiciais
é residual e supletiva, apenas abrangendo as matérias não atribuídas a outras ordens de jurisdição – artº 210º, nº 1, da Constituição. III. A Constituição atribui a resolução de litígios emergentes das relações jurídicas administrativas aos tribunais a administrativos (artº 212º, nº 3, da Constituição), pelo que tais litígios são insusceptíveis de constituir matéria não atribuída a outras ordens de jurisdição para efeitos de fazer funcionar a jurisdição residual e supletiva dos tribunais judiciais, aqui considerando o Supremo Tribunal de Justiça. IV. Aos juízes dos tribunais judiciais, aqui incluídos os juízes do Supremo Tribunal de Justiça, carece a ‘preparação especializada do juiz apto a dirimir os litígios jurídico-administrativos’, e portanto para dirimir os litígios jurídicos suscitados entre os juízes e o Conselho Superior da Magistratura. V. É assim violadora do disposto no artº 20º, nº 1, da Constituição, a manutenção da competência contenciosa da secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça para conhecer jurisdicionalmente das impugnações dos actos administrativos do Conselho Superior da Magistratura. VI. Não se compreende a razão porque, estando em causa litígios suscitados por um grupo de cidadãos, os juízes, o legislador ordinário já prescinde da jurisdição de juízes portadores de preparação especializada aptos para dirimir o mesmo tipo de litígios levantados por outros cidadãos, o que configura discriminação entre o cidadão/juiz e o cidadão/não juiz, mostrando-se violado o princípio da igualdade garantido pelo artº 13º da Constituição. VII. A partir da Revisão Constitucional de 1989, as normas que conferem competência contenciosa à secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça, os artºs. 145º e 168º, nºs. 1 e 2, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, têm-se por supervenientemente inconstitucionais, o que gera a sua caducidade, mostrando-se violado o disposto nos artºs. 13º, 20º, nº 1, 211º, nº 1, 212º, nº 3, e 110º, nº
2, da Constituição. VIII. Os juízes do Supremo Tribunal de Justiça são nomeados pelo Conselho Superior da Magistratura, que sobre eles exerce a acção disciplinar (artº 149º, alínea a), e artº 151ºº, alínea a), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho). IX. Por outro lado, a secção ad hoc prevista do artº 168º, nº 2, da Lei nº
21/85, de 30 de Julho, é constituída, para além do vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por quatro juízes, um de cada uma das secções, anual e sucessivamente designados, tendo em conta a respectiva antiguidade, designação essa da competência precisamente do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
(simultaneamente Presidente do Conselho Superior da Magistratura), nos termos do artº 22º, nº 1, da Lei nº 38/87, de 23 de Dezembro. X. Os membros da dita secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça estão sujeitos à acção disciplinar, não só do órgão recorrido, que sobre eles tem o poder da exoneração (artº 149º, alínea a), e artº 151º, alínea a), da Lei nº
21/85, de 30 de Julho), mas também do seu Presidente (artº 158º, nº 1, alíneas b) e g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho). XI. Por força da sujeição às competências de gestão de pessoal (nomeação e disciplinar) do Conselho Superior da Magistratura dos membros do órgão ‘secção prevista no artº 168º, nº 2, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho’, não tem este
órgão características que o permitam configurar como ‘órgão jurisdicional’. XII. Os membros da secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça não estão numa posição estrutural de independência em relação ao Conselho Superior da Magistratura. XIII. Daí que o artº 168º, nºs. 1 e 2, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, se mostre inconstitucional também por violação do princípio ínsito no artº 203º da Constituição, e do disposto no artº 20º, nº 1, da mesma Lei Fundamental. XIV. A inconstitucionalidade do artº 168º, nºs. 1 e 2, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, implica a inconstitucionalidade consequencial de todas as disposições legais da lei em causa que pressuponham a competência ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça, e nomeadamente, os artºs. 145º, 171º, 173º, 174º, 175º, 176º, 177º. XV. Se na norma do artº 4º, nº 1, alínea c), do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, for suposto que os tribunais judiciais praticam actos que ‘constituem, modificam ou extinguem relações jurídicas administrativas’, então a excepção não se aplica ao conhecimento jurisdicional dos actos dos Conselhos Superior da Magistratura pela jurisdição administrativa, uma vez que aquele órgão não se caracteriza como ‘tribunal’, já que prossegue o interesse público traduzido na gestão e disciplina dos juízes dos tribunais judiciais. XVI. Mas se se pretender fazer funcionar a excepção, interpretando a norma como actos em matéria administrativa que se verificam no âmbito dos tribunais judiciais, então têm-se tal norma como violadora do disposto nos artºs. 211º, nº
1, 212º, nº 3, e 110º, nº 2, da Constituição. XVII. A 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo, por força do disposto o artº 40º, alíneas b) e f), do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, é competente para decidir, em 1ª instância, o presente processo, pelo que deve a sentença recorrida ser revogada, conhecendo-se em seguida do pedido. XVIII. No caso dos autos, o litígio surge em virtude de o ‘exercício de funções de juiz’ do recorrente enquanto magistrado judicial integrar os seus direitos de intervenção e de participação em procedimento electivo-designativo de vogais do CSM recrutado em juízes, direitos que a actuação descrita nos autos viola, pelo que se considera que tal exercício de funções coconstitui a causa de pedir da presente impugnação. XIX. De qualquer forma, o caso sub judice surge em sede de litígio a propósito de procedimento eleitoral designante de titular de órgão do Estado, procedimento eleitoral assente na matriz democrática do Estado de direito que é a República Portuguesa, pelo que, e por força da subsidiaridade do direito eleitoral constante da Constituição e da lei eleitoral relativa ao Presidente da República e aos deputados à Assembleia da República, relativamente à regulamentação de qualquer outra eleição, vale aqui o disposto no artº 159º, alínea b), do Decreto-Lei nº 319-A/76, de 3 de maio (regula a eleição do Presidente da República), e no artº 170º, alínea b), da Lei nº 14/79, de 16 de Maio (Lei eleitoral para a Assembleia da República) – ‘são isentos de quaisquer taxas, emolumentos, imposto de selo e imposto de justiça, quaisquer recursos previstos na lei’. XX. Por outro lado, a defesa do Estatuto dos juízes cabe à iniciativa destes, pois de outra forma os juízes hipotecam a sua independência a quem se arrogue a defesa dos juízes. XXI. É nesta sede que surge o direito especial do artº 17º, nº 1, alínea g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na sua referência a ‘qualquer acção em que o juiz seja parte principal ou acessória, por via do exercício das suas funções’. XXII. A isenção de custas concedida na lei insere-se no direito de tutela jurisdicional efectiva. XXIII. O sujeito do direito à isenção que vai implicado na norma é a pessoa do titular do órgão de soberania Tribunais. XXIV. A ‘acção’ pressuposta é todo o expediente judicial destinado a exigir dos tribunais uma determinada composição de um litígio. XXV. A isenção é concedida (aos juízes) nos expedientes judiciais em que é pedida por ou contra um juiz, uma determinada composição de um litígio suscitado por causa exercício das suas funções. XXVI. Para efeito da isenção de custas em causa, um juiz está no exercício de funções quando se encontra em posição de poder actuar os poderes funcionais implicados na competência do tribunal a que está adstrito. XXVII. Por isso, o exercício de funções deve coconstituir a causa de pedir da acção, de tal forma que aqui são contidos os litígios de natureza estatutária em que o juiz é parte. XXVIII. A isenção de custas pretendida pelo recorrente é de tipo subjectivo
(Acórdão nº 466/97), surge em acção em que aquele é parte principal, por via do exercício de funções, já que visa a garantia jurisdicional do ‘acto de eleger
[...], indissoluvelmente ligado ao próprio exercício da função judicial’
(Acórdão nº 279/98). XXIX. Na medida em que a interpretação recorrida parte de uma definição restritiva face aos dizeres da lei, termos em que se interpreta restritivamente uma lei atributiva de direito fundamental, simultaneamente direito instrumental de acesso à Justiça, diminuindo a sua extensão e o seu conteúdo essencial, interpretação que contraria o disposto no conjunto normativo dado pelos artºs.
18º, nº 3, e artº 20º, nº 1, da Constituição.'
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 28 de Setembro de 1999 (Primeira Secção – Segunda Subsecção), negou provimento ao recurso.
Aí se escreveu, nomeadamente, no concernente às questões de constitucionalidade suscitadas pelo recorrente:
'[...] a Constituição (artigo 268º, nº 4) não reserva aos tribunais administrativos, de uma forma absoluta, o julgamento dos litígios que tenham por objecto relações jurídicas administrativas, não impedindo que o legislador ordinário – como no caso acontece com a Lei nº 21/85, de 30/7 (artigos 145º e
168º) – pontualmente atribua a competência para tal julgamento aos tribunais comuns (veja-se, por ex., o que acontece em matéria de contra-ordenações). Nem, aliás, a Constituição só reserva aos tribunais, de forma exclusiva, funções jurisdicionais, pois que igualmente nada impede a lei de lhes cometer poderes em matéria administrativa (gestão dos tribunais e do respectivo serviço), atenta a sua estrita conexão com a função jurisdicional que exercem. Por outro lado, não se vê que a competência atribuída ao STJ em matéria contenciosa tendo por objecto deliberações do CSM possa implicar perda da independência daquele Tribunal pelo facto de os respectivos juízes se encontrarem sujeitos aos poderes daquele segundo órgão em matéria da respectiva movimentação e ainda no âmbito disciplinar.
É que o STJ enquanto Tribunal actua com inteira independência, não estando sujeito a quaisquer valores ou instruções, de quem quer que seja, muito menos do CSM.'
Na sequência da transcrita ponderação, o acórdão recorrido teve por improcedente a matéria constante das dezassete primeiras conclusões pelo recorrente formuladas nas respectivas alegações de recurso.
Mas igual destino sofreu a matéria condensada nas conclusões restantes.
Com efeito, debruçando-se sobre o problema de custas judiciais igualmente levantado pelo recorrente, o Supremo Tribunal Administrativo mais disse:
'[...] a isenção de custas, de que fala o artigo 179º do Estatuto dos Magistrados Judiciais (artigo 179º, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio) cobre apenas aquelas situações em que o Magistrado é demandado por terceiro por acto relativo ao exercício das suas funções. E não, como a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem entendido, os casos, como o presente, em que o Magistrado pretende exercer direitos estatutários
[...]. Por outro lado, a solução agora adoptada não implica qualquer limitação ao direito fundamental de acesso aos tribunais (artigo 21º da Constituição) por parte do recorrente.
É que o mesmo, se acaso não estiver em condições de acorrer ao pagamento das despesas para si resultantes do presente processo, poderá lançar mão do instituto de apoio judiciário, o que sempre lhe facultará no caso a defesa contenciosa dos seus direitos.'
3. - É desta decisão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28 de Setembro de 1999, que o interessado interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, tendo por objecto a apreciação da constitucionalidade das seguintes normas:
a) do artigo 168º, nºs. 1 e 2, e do artigo 145º, ambos da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, '(as normas que conferem competência contenciosa à secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça)', por violação do disposto nos artigos 13º, 20º, nº 1, 211º, nº 1, 212º, nº 3, e 110º, nº 2, da Constituição da República (CR);
b) do artigo 168º, nºs. 1 e 2, da citada Lei nº 21/85 –
'(norma que pressupõe a caracterização da secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça como órgão jurisdicional)' – por violação do princípio ínsito no artigo
203º da CR, conjugado com o disposto nos artigos 20º, nº 1, e 268º, nºs. 4 e 5, do mesmo diploma;
c) do artigo 17º, nº 1, alínea g), da Lei nº 21/85, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio – '(norma que concede a isenção de custas ao recorrente)' – por violação ao disposto nos artigos 18º, nº 3, e 20º, nº 1, da CR.
Precisa-se que a redacção da Lei nº 21/85 a ter em conta
é a anterior à dada pela Lei nº 143/99, de 31 de Agosto.
Nas respectivas alegações, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
'I. O objecto do presente recurso de constitucionalidade é dado pela inconstitucionalidade das seguintes normas legais: o o artº 168º, nºs. 1 e 2, e o artº 145º, ambos da Lei nº 21/85, de 30 de Julho (as normas que conferem competência contenciosa à secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça), que violam o disposto nos artºs. 13º, 20º, nº 1, 211º, nº
1, 212º, nº 3, e 110º, nº 2, da Constituição; o O artº 168º, nºs. 1 e 2, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho (norma que pressupõe a caracterização da secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça como
órgão jurisdicional), que viola o disposto no princípio ínsito no artº 203º da Constituição, e conjugado com o disposto no artº 20º, nº 1, e 268º, nºs. 4 e 5, da mesma Lei Fundamental; o O artº 17º, nº 1, alínea g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio (norma que concede a isenção de custas ao recorrente), na interpretação restritiva seguida, que viola o disposto nos artºs. 18º, nº 3, e 20º, nº 1, da CRP. II. Subjacente às normas inconstitucionais está a seguinte questão: estamos perante um tribunal (secção ad hoc do STJ), no sentido determinado pela Constituição e pelos instrumentos internacionais aos quais a República Portuguesa se vinculou, quando os seus juízes são nomeados e designados pelo réu
(CSM), destinando-se o tribunal a julgar só os litígios suscitados contra esse réu por um grupo específico de cidadãos (juízes)? III. O recorrente pretende o direito a que o Tribunal Constitucional se refere, no Acórdão nº 86/88 (BMJ-376,237), como o direito a uma solução jurídica de actos e relações jurídicas controvertidas, a que se deve chegar em prazo razoável e com garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma partes poder deduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado da causa. IV. Atendendo aos critérios estabelecidos pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem para averiguar a existência de um tribunal independente, ou seja, ao modo de designação e duração do mandato dos seus membros, à existência de uma protecção contra as pressões externas, e à existência de aparência de independência. V. Verificamos que o Conselho Superior da Magistratura influencia indirectamente a composição da secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça na medida em que fixa o número das secções do Supremo Tribunal de Justiça, secções essas de que são recrutados os juízes da secção ad hoc. VI. A duração do mandato de juiz da secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça
é de apenas uma ano. VII. Se bem que os juízes da secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça gozem do estatuto de juiz, e de todas as competentes garantias, o certo é que inexiste qualquer protecção contra pressões, uma vez que compete a próprio Conselho Superior da Magistratura (órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial – artº 136º do EMJ), não só a instauração de procedimento disciplinar contra magistrados judiciais (artº 111º do EMJ), mas também a respectiva decisão
(artº 149º, a), artº 151º, a), do EMJ). VIII. Por outro lado, a aposentação por incapacidade dos magistrados judiciais é promovida pelo Conselho Superior da Magistratura (artº. 65º, nºs. 1 e 2, do EMJ), que inclusivamente pode determinar a imediata suspensão do exercício de funções do magistrado cuja incapacidade especialmente o justifique – artº 65º, nº 3, do EMJ. IX. Acresce que, os magistrados judiciais em exercício não podem ser nomeados para comissões de serviço sem autorização do Conselho Superior da Magistratura – artº 53º, nº 1, do EMJ. X. Todas as ligações resultantes da lei constituem razões legítimas de receio em relação a uma jurisdição carecida de imparcialidade, atenta a manifesta dependência dos vogais da secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça face ao Conselho Superior da Magistratura e ao seu Presidente. XI. Ao recorrente afigura-se que toda a situação exposta permite invocar que as normas que prevêem a existência da secção ad hoc – artº 168º, nºs. 1 e 2, do EMJ
–violam o princípio da igualdade garantido pelo artº 13º da Constituição. XII. Estando em causa eleições de vogais do Conselho Superior da Magistratura
‘juízes eleitos por juízes’, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça integram por direito próprio o respectivo colégio eleitoral, constituindo ipso facto interessados no próprio procedimento eleitoral, tal como vem claramente afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (1ª.) de 16.12.99, Processo nº 239/99. XIII. Se com o ’25 de Abril de 1974’ se entendeu que os juízes do Supremo Tribunal Administrativo não podiam mais ser nomeados pelo Governo, ou seja pelo
órgão do topo da Administração Pública, não há então fundamento para continuar a admitir que os recursos dos actos do Conselho Superior da Magistratura seja julgados por juízes nomeados e designados (através do seu Presidente) pelo Conselho Superior da Magistratura? XIV. Daí que o artº 168º, nºs. 1 e 2, e o artº 145º, ambos da Lei nº 21/85, de
30 de Julho (as normas que conferem competência contenciosa à secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça), violem o disposto nos artºs. 13º, 20º, nº 1, 211º, nº 1, 212º, nº 3, e 110º, nº 2, da Constituição. XV. Por força da sujeição às competências de gestão de pessoal (nomeação e disciplinar) do Conselho Superior da Magistratura dos membros do órgão ‘secção prevista no artigo 168º, nº 2, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho’, não tem este
órgão características que o permitam configurar como ‘órgão jurisdicional’. XVI. Daí que o artº 168º, nºs. 1 e 2, da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, se mostre inconstitucional também por violação do princípio ínsito no artº 203º da Constituição, e do disposto no artº 20º, nº 1, e especialmente, quanto ao contencioso administrativo, no artº 268º, nºs. 4 e 5, da mesma Lei Fundamental. XVII. O recorrente é titular do direito especial consagrado no artº 17º, nº 1, alínea g), da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio, ex vi o artº 77º do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, consubstanciado na ‘isenção de preparos e custas em qualquer acção em que o juiz seja parte principal ou acessória, por via do exercício das suas funções’. XVIII. Na medida em que a interpretação recorrida parte de uma definição restritiva face aos dizeres da lei, temos que se interpreta restritivamente uma lei atributiva de direito fundamental, simultaneamente direito instrumental de acesso à justiça, diminuindo a sua extensão e o seu conteúdo essencial, interpretação que contraria o disposto no conjunto normativo dado pelos artºs.
18º, nº 3, e artº 20º, nº 1, da Constituição.'
O Conselho Superior da Magistratura ofereceu o merecimento dos autos.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II
1. - Constitui objecto do presente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade a apreciação da adequação ao texto constitucional das normas dos nºs. 1 e 2 do artigo 168º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, do artigo 145º do mesmo diploma – uns e outro na redacção anterior à Lei nº 143/99, de 31 de Agosto -, e, bem assim, da alínea g) do nº 1 do artigo
17º da Lei nº 21/85 citada, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio.
Dizem os preceitos em causa:
'Artigo 145º
(Contencioso Eleitoral) O recurso contencioso dos actos eleitorais é interposto, no prazo de quarenta e oito horas, para o Supremo Tribunal de Justiça e decidido, pela secção prevista no artigo 168º, nas quarenta e oito horas seguintes à sua admissão. Artigo 168º
(Recursos)
1 - Das deliberações do Conselho Superior da Magistratura recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça.
2 – Para efeitos de apreciação do recurso referido no número anterior, o Supremo Tribunal de Justiça funciona através de uma secção constituída pelo seu vice-presidente e por quatro juízes, um de cada uma das secções, anual e sucessivamente designados, tendo em conta a respectiva antiguidade, cabendo ao vice-presidente voto de qualidade.
[...] Artigo 17º
(Direitos Especiais)
1 – São direitos especiais dos juízes:
------------------------------------- g) A isenção de preparos e custas em qualquer acção em que o juiz seja parte principal ou acessória, por via do exercício das suas funções.
[...].'
O recorrente sustenta a inconstitucionalidade das primeiras normas, na medida em que conferem competência ao Supremo Tribunal de Justiça para conhecer do recurso, por violação do disposto nos artigos 13º, 20º, nº 1, 211º, nº 1, 212º, nº 3, e 110º, nº 2, da CR, do mesmo passo que os nºs. 1 e 2 do artigo 168º, ao caracterizarem como órgão jurisdicional a secção neles prevista, violam os artigos 20º, nº 1, e 268º, nºs. 4 e 5, da Lei Fundamental.
E defende, ainda, que a reproduzida norma do artigo 17º, nº 1, alínea g), viola o disposto nos artigos 18º, nº 3, e 20º, nº 1, da CR.
2. - Não é a primeira vez que o Tribunal Constitucional se confronta com os problemas de constitucionalidade pertinentes às normas dos artigos 145º e 168º, nºs. 1 e 2, da Lei nº 21/85, tal como equacionados estão , no caso sub judice, pelo recorrente.
O tratamento dessas questões será conjunto, dada a estreita relação que mantêm entre si, e seguirá, de resto, a solução já avançada pelos arestos que anteriormente sobre elas se debruçaram, uma vez que se aceita essa linha jurisprudencial, não se surpreendendo motivos válidos para dela nos afastarmos.
2.1. - A autonomização organizacional do exercício da jurisdição administrativa liga-se hoje, fundamentalmente –e como se ponderou, nomeadamente no acórdão nº 247/97 deste Tribunal, publicado no Diário da República, II Série, de 25 de Julho de 1997 -, à necessidade de uma preparação especializada do juiz, apto a dirimir os litígios dessa natureza, o que não significa, necessariamente, que devam ser resolvidos pelos tribunais administrativos todas as questões emergentes das relações jurídico-administrativas.
Com efeito, pretende-se 'o estabelecimento de uma competência comum, genérica, dos tribunais administrativos para apreciar os litígios jurídico-administrativos, não uma reserva absoluta de competência'. E, como, então, se escreveu, mais adiante, '[...] a finalidade principal que presidiu à inserção da norma constante do nº 3 do artigo 214º [hoje, artigo
212º] no texto constitucional foi a abolição do carácter facultativo da jurisdição administrativa, e não a consagração de uma reserva de competência absoluta dos tribunais administrativos'.
É assim que, nesta linha discursiva, o acórdão recorrido observa não reservar o texto constitucional aos tribunais administrativos, de uma forma absoluta, o julgamento dos diferendos que tenham por objecto relações jurídicas daquele tipo, permitindo que o legislador ordinário atribua competência pontual nessa matéria aos tribunais comuns, tal como, por outro lado, não reserva a estes funções exclusivamente jurisdicionais. De resto, como já se sublinhou no acórdão nº 687/98, inédito, sem prejuízo de os tribunais administrativos se perfilarem como tribunais comuns em matéria administrativa, vários são os casos em que ocorrem razões justificativas de desvio a essa regra, sem que, submetidos à apreciação jurídico-constitucional, se tenha concluído por um juízo negativo de constitucionalidade.
Assim, e por exemplo, à luz do nº 3 do artigo 214º da CR
(na versão anterior à última revisão constitucional), decidiu-se não violar esse preceito a norma do artigo 61º, nº 1, do Decreto-Lei nº 48 953, de 5 de Abril de
1969 (redacção do Decreto-Lei nº 693/70, de 31 de Dezembro), ao atribuir aos Tribunais Tributários competência para cobrar dívidas de que fosse credora a Caixa Geral de Depósitos (cfr. acórdãos nºs. 371/94, 372/94, 508/94, 574/94,
610/94 e 629/94, os três primeiros publicados no Diário da República, II Série, de 3 e 7 de Setembro e 13 de Dezembro de 1994, respectivamente); o mesmo se tendo decidido em relação à norma do artigo 36º, nº 1, da Portaria nº 640/76, de
26 de Outubro, ao prever recurso contencioso para os tribunais administrativos dos actos de registo de imprensa (cfr. acórdão nº 607/95, publicado no Diário citado, II Série, de 15 de Março de 1996; e, bem assim, quanto aos preceitos do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei nº 438/91, de 9 de Novembro, que atribuem aos tribunais judiciais a competência para julgar a questão da indemnização por expropriação por utilidade pública, como é o caso dos artigos
37º, 50º, 51º, nº 1, 52º, nº 2, e 53º, nº 2, desse diploma (cfr. acórdão nº
746/96, publicado no mesmo jornal oficial, II Série, de 4 de Setembro de 1996).
Do mesmo modo se enunciaram, no acórdão nº 290/99, inédito, os exemplos dos recurso de aplicação de coimas (artigos 59º e seguintes do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro), dos recursos das decisões administrativas em matéria de patentes (artigo 2º do Código de Propriedade Industrial), e, em certos casos, no contencioso dos actos dos conservadores, no domínio do direito registral e do notariado (artigos 145º e seguintes do Código do Registo Predial, 104º e seguintes do Código do Registo Comercial e 193º e seguintes do Código do Notariado).
Não está, pois, vedada a atribuição pontual a outros tribunais, que não os da ordem judicial administrativa e fiscal, de competência para conhecerem de questões de matriz jurídica-administrativa, nomeadamente quando existam razões justificativas dessas 'remissões' orgânico-processuais. Outra interpretação, mais rigorosa, implicaria – observa J. C. Vieira de Andrade
– 'a inconstitucionalização – ou, pelo menos, suscitaria dúvidas e questões sobre a constitucionalidade – de leis importantes e de práticas de longa tradição, designadamente em matéria de polícia judiciária, contra-ordenações e expropriações por utilidade pública, uma revolução que só deveria operar-se se tivesse sido claramente assumida pela revisão constitucional [cfr. A Justiça Administrativa (Lições), Coimbra, 1998,, pág. 17].
Ora, a esta luz, o Tribunal Constitucional tem considerado que não viola o nº 3 do artigo 212º da CR a atribuição feita pelo ora impugnado artigo 168º da Lei nº 21/85 ao Supremo Tribunal de Justiça da competência para julgar os recursos interpostos das deliberações do plenário do Conselho Superior da Magistratura.
Existem, a este respeito, razões que continuam a justificar a solução legislativa.
Como se escreveu no já citado acórdão nº 687/98:
«Existe, desde logo, uma razão de tradição jurídica. De facto, quando a lei, pela primeira vez, atribuiu essa competência ao Supremo Tribunal de Justiça – o que aconteceu no Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pelo Lei nº 85/77, de 13 de Dezembro (cfr. artigo 175º, entretanto alterado pelo Decreto-Lei nº
348/80, de 3 de Setembro), daí passando para o actual Estatuto -, a existência dos tribunais era [...] meramente facultativa. Ora, [...], nada aponta para que, com a consagração constitucional da obrigatoriedade da existência de tribunais administrativos para a administração da justiça administrativa, se tenham pretendido inconstitucionalizar aquela e muitas outras soluções legislativas, em que se comete aos tribunais judiciais a competência para o julgamento de questões jurídico-administrativas. Como se sublinhou no acórdão nº 371/94 (atrás citado), 'o acolhimento pelo legislador constitucional de conceitos pré-constitucionais não revela intenção de romper com o status quo ante'.»
Se o artigo 212º, nº 3, da CR, não é violado pelo nº 1 do mencionado artigo 168º, também o não é pelo nº 2 do mesmo preceito, ao definir a composição da secção do contencioso administrativo do Supremo Tribunal de Justiça.
Não se vê, na verdade, como a constituição dessa secção pode colocar em causa a independência e a imparcialidade dos juízes que a compõem, sendo certo que, integrada a secção pelo vice-presidente daquele Tribunal e por quatro juízes, um por cada secção, são estes anual e sucessivamente designados, tendo em conta a respectiva antiguidade.
No mesmo sentido se pronunciou o acórdão nº 290/99, citado, ao debruçar-se sobre problemática similar.
Aí se evidenciou não só a intenção constituinte de estabelecer uma competência comum, genérica, dos tribunais administrativos para apreciar os litígios administrativos e não uma reserva absoluta de competência – abonando-se, nomeadamente, nos Trabalhos Preparatórios da Revisão Constitucional, vol. IV, 1989, págs. 4134 – como se entendeu que a competência do Supremo Tribunal de Justiça, no caso, se insere na linha tradicional e razoável da atribuição de competências aos tribunais judiciais para apreciar questões de natureza administrativa como a subjacente.
Também, e entre outros, neste sentido se pronunciou o acórdão nº 373/99, inédito, que faz notar, adjuvantemente, serem as garantias dos recorrentes no recurso contencioso para o Supremo Tribunal de Justiça idênticas às do recurso contencioso que corre perante o Supremo Tribunal Administrativo: os fundamentos são os do recurso a interpor dos actos do Governo
(nº 3 do artigo 168º), o efeito do recurso é, em regra, meramente devolutivo (nº
1 do artigo 170º da Lei nº 21/85, na redacção da Lei nº 10/94) e o formalismo é idêntico ao do recurso perante o Supremo Tribunal Administrativo, sendo, de resto, aplicáveis subsidiariamente as normas que regem os trâmites processuais
(cfr. artigos 171º a 178º do Estatuto).
2.2. - Não violando o nº 3 do artigo 212º da CR, também o artigo
168º da Lei nº 21/85, nos seus nºs. 1 e 2, não viola nem o nº 1 do artigo 211º, nem o nº 2 do artigo 110º da Lei Fundamental.
Com efeito, e como se observa no acórdão nº 687/98, citado, a violação destes normativos constitucionais apenas decorreria da existência de incompatibilidade com a norma constitucional primeiramente indicada.
2.3. - Segundo o recorrente, ocorre igualmente violação do disposto no artigo 20º, nº 1, da CR, em si próprio considerado ou em conjugação com os artigos 212º, nº 3, e 268º,nº 4, do mesmo texto, o que resultaria, em síntese, quer da ausência de uma preparação especializada dos juízes para decidir recursos em matéria de contencioso administrativo, quer da menor fiabilidade nas garantias de imparcialidade oferecidas pelos magistrados que integram a secção prevista no artigo 168º citado, atenta uma alegada dependência dos mesmos perante o Conselho Superior da Magistratura e do seu Presidente.
Também neste ponto não lhe assiste razão.
O facto de se reconhecer, em regra, a necessidade de existir uma preparação especializada quanto aos juízes que decidem nesta área jurídica, o que, inclusivamente, está na origem da autonomia dada à jurisdição administrativa, não permite concluir, como se viu, pela inconstitucionalidade da normação que atribua pontualmente competência nessa matéria aos tribunais judiciais, nomeadamente ao Supremo Tribunal de Justiça.
De harmonia com o acórdão nº 290/99, insista-se, 'da Constituição não resulta uma suspeição sobre a preparação técnica em matéria administrativa dos juízes dos tribunais judiciais. Por outro lado, o próprio reconhecimento de casos pontuais e fundamentados em que é atribuída competência a tribunais não administrativos para dirimir litígios administrativos fundamenta-se, racionalmente, numa peculiar natureza desses conflitos que torna compreensível a intervenção de uma determinada categoria de tribunais'.
Tal como então, conclui-se agora ser compatível, in casu, a natureza do litígio com a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, atendendo à formação dos respectivos juízes.
Acresce carecer de qualquer fundamento o juízo de falta de independência suscitado pelo recorrente, seja numa perspectiva estrutural relativa à secção do Supremo, relativamente ao Conselho Superior da Magistratura, seja no tocante aos magistrados que a compõem.
A referida secção, como verdadeiro órgão jurisdicional que é, beneficia da independência que o artigo 203º da Constituição confere a todos os tribunais, sem excepção. Independência que, como se observou no acórdão nº 575/99, inédito, implica que nenhum tribunal esteja subordinado a instruções hierárquicas de outro, sem prejuízo do instituto dos recursos e da existência de uma ordem judicial e que, obviamente, não é afectada 'pela inevitável sujeição dos juízes a um poder disciplinar e pela consagração de um mecanismo de nomeação de juízes'. Se assim fosse, nenhum tribunal seria, afinal, independente (cfr., a este propósito, o ponto 11 do acórdão nº 336/95, publicado no Diário da República, II Série, de 31 de Julho de 1995).
De resto, a composição do Conselho Superior da Magistratura, constitucionalmente fixada (artigo 218º da CR), reflecte a legitimidade democrática desse órgão, geradora de uma responsabilidade democrática na qual a garantia de independência dos magistrados judiciais constitui pilar fundamental.
Não se reconhece, assim, o alegado vício de inconstitucionalidade.
2.4. - Sustenta-se, ainda, existir violação do princípio da igualdade, na medida em que, diferentemente do que sucede nos casos em que intervêm cidadãos não magistrados judiciais, os interessados no processo eleitoral a que os autos aludem estão privados do recurso a tribunais especializados, o que os coloca em pé de desigualdade no tocante ao acesso aos tribunais, sendo certo os juízes do Supremo Tribunal de Justiça que integram por direito próprio o respectivo colégio eleitoral são, ipso facto, interessados no próprio procedimento eleitoral.
A questão, nos termos em que vem formulada, reconduz-se, em parte, à problemática precedente, que se afastou: assim sucede na medida em que, não obstante se reconhecer a cultura de cidadania em que se vive e a consolidação dos valores democráticos do Estado de direito, se alega surpreender-se uma nota de precariedade e fragilidade no que respeita aos conflitos que no seio dos magistrados vão exponencialmente surgindo.
Ora, como observa Gomes Canotilho, a operatividade do princípio da igualdade passa pela comparação das situações fácticas e concretas dos diferentes grupos de destinatários da actividade legislativa, a fim de se saber se entre eles se verificam diferenças fácticas com peso suficiente para justificar um tratamento jurídico diferenciado (cfr. Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 124, pág. 327). A esta luz, as considerações já alinhadas permitem concluir também aqui não existir vício de constitucionalidade, uma vez que a diferenciação de disciplina jurídica não é arbitrária nem carece de fundamento material bastante.
3. - Também não é a primeira vez que o Tribunal Constitucional se pronuncia quanto à alegada inconstitucionalidade, por violação dos artigos
18º, nº 3, e 20º, nº 1, da CR, da norma do artigo 17º, nº 1, alínea g), da Lei nº 21/85, na redacção da lei nº 10/94.
3.1. - Sustenta o interessado que a interpretação dada pela decisão recorrida à norma em referência restringe a lei atributiva de direito fundamental, simultaneamente direito instrumental do acesso à justiça, diminuindo a sua extensão e o seu conteúdo essencial, assim contrariando as citadas disposições constitucionais.
Com efeito, decorre da interpretação feita que se entende não consagrar a impugnada norma um privilégio pessoal, operando a isenção em qualquer acção em que o juiz intervenha, tão só pretendendo não sujeitar os juízes às regras gerais sobre custas nas acções em que intervenham, fundamentalmente, em virtude da sua actividade profissional.
Ora, este Tribunal já considerou que a isenção de preparos e custas em causa se circunscreve apenas aos casos em que o magistrado seja parte principal ou acessória na acção por ele (ou contra ele) movida com fundamento no exercício das respectivas funções, assim a isenção configurando-se como um 'direito especial de função': é o caso do acórdão nº 697/96, por publicar.
Igualmente no acórdão nº 466/97, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Outubro de 1997, escreveu-se que a isenção contida na norma acha-se 'condicionada pela verificação cumulativa de dois pressupostos: o juiz há-de ser parte principal ou acessória na respectiva acção; esta deverá fundar-se em factos, comportamentos ou razões directamente conexionados com o exercício das suas funções'.
Por seu turno, no acórdão nº 476/97, inédito, observou-se não existir nenhuma consagração legal que isente pessoalmente de custas os magistrados judiciais, pelo facto de o serem.
No mesmo sentido se pronunciaram outros arestos, independentemente de algumas nuances nas dimensões interpretativas apreciadas, como é o caso dos acórdãos nºs. 290/99, 424/99, 475/99 e 121/2000, todos ainda não publicados.
Transcreva-se parte do acórdão nº 475/99 – em que o recorrente é o dos presentes autos -, perfeitamente adaptável ao caso sub judice e para cuja fundamentação se remete:
'A interpretação restritiva que o recorrente refere pressupõe que os efeitos do exercício da função de juiz, dada a sua natureza, pode acarretar uma litigiosidade acrescida. Segundo esse entendimento, contestado pelo recorrente, o legislador apenas pretendeu não sujeitar os juízes às regras gerais sobre custas nas acções em que intervenham, fundamentalmente, em virtude da sua actividade profissional, É apenas essa a ratio essendi da norma na interpretação impugnada. Segundo tal interpretação, não se trata, pois, de um privilégio pessoal. Assim, a isenção em causa não seria concedida em qualquer acção em que o juiz interviesse, apenas o seria nas acções em que o juiz interviesse 'por via do exercício das suas funções'. Para além do mais, nos presentes autos, o recorrente decidiu tão-só impugnar as eleições para os cargos de presidente e vice-presidente do Tribunal Central Administrativo. Assim, se é verdade que tal pretensão é legítima para o recorrente ser juiz desse tribunal, não se trata, contudo, de uma acção em que o juiz tenha intervindo por via do exercício das suas funções, segundo a interpretação referida. Com efeito, para tal interpretação não existe conexão directa entre a acção interposta e o exercício da profissão de magistrado, uma vez que aquela não surge como decorrência de uma actuação profissional do juiz. Trata-se da mera efectivação judicial de um direito de participação activa na organização do tribunal e na composição dos respectivos cargos electivos, em função de uma decisão de consciência, enquanto profissional interessado no funcionamento da instituição. Ora, não decorre da Constituição a exigência de qualquer privilégio nas condições de acesso à justiça em função do mero estatuto de Magistrado Judicial e da respectiva participação em actos eleitorais para a presidência dos tribunais. Consequentemente, não se verifica qualquer violação do disposto nos artigos 18º, nº 3, e20º, nº 1, da Constituição. Na verdade, a interpretação acolhida pela decisão recorrida não limita o acesso aos tribunais nem qualquer direito, liberdade ou garantia.'
A isenção de preparos e custas de que gozam os juízes não pode, na verdade, ser entendida como um privilégio.
É antes – como se ponderou no acórdão nº 345/99, publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Fevereiro de 2000 - «um direito especial, com cujo reconhecimento se visa a criação de condições objectivas capazes de permitir ao juiz o cumprimento do dever de julgar os casos cujo resolução se lhe pede, com independência e imparcialidade – um dever que, sendo, simultaneamente ético e jurídico, é postulado pela garantia de independência dos tribunais, consagra no artigo 203º da Constituição.
Por isso, tal isenção só vale para os processos em que o juiz é parte (principal ou acessória) por causa do exercício das suas funções –
é dizer: para os processos em que ele se vê envolvido, nos dizeres da lei, 'por via do exercício das suas funções'».
Só nesses processos é que a isenção é necessária ao cumprimento independente e imparcial das funções de juiz, maxime da função judicativa. Se a isenção valesse para os demais casos, designadamente para os processos emergentes de factos que o juiz pratica em momento em que se encontra em posição de poder actuar os poderes funcionais implicados na competência do tribunal a que está adstrito – processos que surgem por ocasião mas não por causa do exercício das funções – atribuir-se-ia ao juiz um privilégio, uma vez que a isenção já não decorre da necessidade de lhe garantir independência e imparcialidade, como sublinha ainda o acórdão nº 345/99.
3.2. - Ao caso vertente ajustam-se perfeitamente as considerações transcritas, sendo, aliás, evidente o paralelismo com a situação abordada pelo acórdão nº 475/99, pelo que nada mais há, neste domínio, a acrescentar.
III
Em face do exposto, decide-se:
a) não julgar inconstitucional as normas dos artigos
168º, nºs. 1 e 2, e 145º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, por violação do disposto nos artigos 13º, 20º, nº 1, 211º, nº 1, 212º, nº 3, e 110º, nº 2, da Constituição da República;
b) não julgar inconstitucional as normas do artigo 168º, nºs. 1 e 2, da citada Lei nº 21/85, por violação do princípio ínsito no artigo
203º da Constituição da República, conjugado com o disposto nos artigos 20º, nº
1, e 268º, nºs. 4 e 5, do mesmo texto;
c) não julgar inconstitucional a norma do artigo 17º, nº
1, alínea g), da Lei nº 21/85, na redacção da Lei nº 10/94, de 5 de Maio, por violação do disposto nos artigos 18º, nº 3, e 20º, nº 1, daquele diploma;
d) negar provimento ao recurso, e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
15 unidades de conta. Lisboa, 11 de Outubro de 2000 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida