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Proc. nº 542/00
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Povoação foi rejeitado o recurso interposto por AB, da decisão da autoridade administrativa competente que o havia condenado ao pagamento de uma coima no valor de 6.500$00, pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelo art. 49º, nºs 1, al. d) e 3 do Código da Estrada.
2. Dessa decisão foi interposto pelo Representante do Ministério Público junto daquele Tribunal, ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC, o presente recurso de constitucionalidade, por o Tribunal a quo ter aplicado a norma que se extrai dos artigos 59º, nº 3 e 63º, nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, com um sentido já anteriormente julgado inconstitucional, no
âmbito dos acórdãos 303/99 e 319/99, pelo Tribunal Constitucional.
3. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária concedendo provimento ao recurso (fls. 23 e 24). É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
'3. A questão de constitucionalidade que agora, mais uma vez, vem colocada à consideração deste Tribunal - reportada à interpretação da norma constante dos artigos 59º, n.º 3 e 63º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, enquanto permite rejeitar de forma imediata a impugnação judicial que não contenha conclusões - pode perspectivar-se como simples, em termos de poder ser objecto da decisão sumária a que se refere o nº 1 do art. 78º-A da LTC, porquanto já foi, efectivamente, objecto de anteriores decisões deste Tribunal.
4. Na realidade no Acórdão nº 303/99 (Diário da República, II Série, de 16 de Julho de 1999) decidiu este Tribunal 'julgar inconstitucionais - por violação do disposto no artigo 32º nº 1 da Constituição - os artigos 63º, nº 1 e 59º, nº 3 do Regime Geral das Contra-Ordenações quando interpretados no sentido da falta de indicação das razões do pedido nas conclusões da motivação levar à rejeição liminar do recurso interposto pelo arguido, sem que tenha havido prévio convite para proceder a tal indicação'. E, no acórdão 319/99 (Diário da República, II Série, de 22 de Outubro de 1999) decidiu-se 'julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.º10 da Constituição, a norma constante dos artigos
59º, n.º3 e 63º, n.º1, do Decreto-Lei n.º 433/83, de 29 de Outubro, quando interpretada no sentido de que o recurso apresentado em processo de contraordenação sem conclusões deve ser imediatamente rejeitado, sem que o recorrente seja previamente convidado a apresentar as conclusões em falta'.
5. É este juízo de inconstitucionalidade que, mantendo-se as razões que conduziram àquelas decisões, para as quais aqui se remete, agora há, mais uma vez, que reiterar'.
4. É desta decisão que vem interposta pelo representante do Ministério Público junto deste Tribunal, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, nº 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que vem fundamentada nos seguintes termos:
'1. O recurso tipificado na alínea g) do nº 1 da Lei nº 28/82 pressupõe uma estrita coincidência entre o juízo de inconstitucionalidade normativa, precedentemente editado pelo Tribunal Constitucional, e o juízo de inconstitucionalidade formulado no caso sub juditio.
2. Na hipótese dos autos, é duvidoso que a situação processual corresponda inteiramente à que esteve na base do decidido nos acórdãos nºs 303/99 e 319/99 – já que não está em causa a mera inexistência de conclusões (caso em que cumpre ao tribunal convidar o recorrente a suprir a omissão em falta), mas também a inexistência de uma 'alegação' concludente, da qual conste fundamentação legal, minimamente idónea e adequada para pôr em causa a decisão que se pretendia impugnar.
3. Sendo certo que – em situações processuais absolutamente idênticas às dos autos – este Tribunal vêm, através de decisão proferida no âmbito da 3ª Secção – entendendo que se não verificam os pressupostos do recurso interposto.
4. Sustentando, não apenas a aludida diferenciação de situações processuais entre o caso e os citados arestos, mas também a inutilidade do conhecimento do recurso, já que a decisão impugnada teria assentado num duplo fundamento alternativo: a falta de conclusões e a inexistência de alegação concludente, em que se fundamentasse legalmente a impugnação deduzida.
5. Nestes termos – e, desde logo, no interesse da unidade da jurisprudência – deduz-se a presente reclamação para a conferência.
6. Desde já se assumindo que – a improceder a questão prévia ora suscitada – se concorda, subsidiariamente, com o juízo de inconstitucionalidade emitido quanto
à norma extraída dos artigos 59º, nº 3 e 63º, nº 1 do Decreto-Lei nº 433/82'.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
III – Fundamentação
5. No Acórdão deste Tribunal nº 319/99 (Diário da República, II Série, de 22 de Outubro de 1999) foi decidido: 'julgar inconstitucional, por violação do artigo
32º, nº 10 da Constituição, a norma constante dos artigos 59º, nº3 e 63º, nº1, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, quando interpretada no sentido de que o recurso apresentado em processo de contra-ordenação sem conclusões deve ser imediatamente rejeitado, sem que o recorrente seja previamente convidado a apresentar as conclusões em falta' O Tribunal Constitucional - e, concretamente, esta Secção – decidiu já igualmente que não se verificavam os pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da LTC quando o fundamento utilizado pelo tribunal a quo para rejeitar o recurso era, simultaneamente, a falta de alegações e de conclusões. Fê-lo, concretamente, no âmbito do processo nº
314/2000, que deu origem à decisão sumária nº 179/2000, e no âmbito do processo nº 341/2000, que deu origem ao acórdão nº 493/2000. No primeiro caso o tribunal a quo havia rejeitado o recurso com a seguinte fundamentação:
'por não constarem do requerimento as respectivas alegações e conclusões como exige o art. 59º, nº 3 do DL 433/82, de 27.10, na redacção introduzida pelo DL
244/95, de 14.09, rejeito o recurso apresentado, nos termos do artigo 63º, nº 1 do aludido diploma legal'. (Sublinhado nosso).
E, no segundo caso, podia ler-se na fundamentação da decisão recorrida:
'De uma simples leitura do recurso interposto resulta que o mesmo não respeita as exigências de forma impostas pela lei, uma vez que não consta de alegações e conclusões (art. 59º, nº 3 do DL 433/82, «in fine»), antes baseando-se numa exposição de motivos que legitimam, no entender dos arguidos recorrentes, a presente impugnação. Assim sendo, deverá o presente recurso ser rejeitado, ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 63º do DL 433/82, «in fine».
(...)'.(Sublinhado nosso).
6. Pois bem: sustenta o Ministério Público, ora reclamante, que a situação processual que se encontra retractada nos presentes autos é idêntica à que deu origem àquelas decisões - e diferente da que deu origem ao acórdão nº 319/99 -, devendo igualmente conduzir à rejeição do recurso interposto ao abrigo da alínea g) do nº 1 do art. 70º da LTC, por não estarem preenchidos os seus pressupostos legais de admissibilidade. Julgamos, porém, que não é assim. Como pode ver-se pelas transcrições feitas supra, é inequívoco que quer na situação processual que deu origem à decisão sumária nº 179/2000, quer na que deu origem ao acórdão nº 493/2000, o tribunal a quo expressamente convocou como fundamentos da rejeição liminar do recurso a falta de alegações e a falta de conclusões. O mesmo, porém, não poderá dizer-se na situação que agora constitui objecto dos autos. Para o demonstrar, transcreve-se de seguida a decisão recorrida:
'Nos termos do artigo 59º, nº 3, do DL nº 433/82, de 27 de Março, com as alterações introduzidas pelo DL nº 244/95, de 14 de Setembro, o recurso deve ser apresentado por escrito e constar de alegações e conclusões. O recurso interposto não observa minimamente os requisitos de forma impostos pela lei, não contendo conclusões nem constando das «alegações» qualquer fundamentação legal – cfr. artigo 59º, nº 3, do DL nº 433/82, de 27 de Março, com as alterações introduzidas pelo DL nº 244/95, de 14 de Setembro. Em conformidade, ao abrigo do disposto nos art.s 59º, nº 3 e 63º, nº 1 do referido DL nº 433/82, de 27 de Março, com as alterações introduzidas pelo DL nº
244/95, de 14 de Setembro, rejeito o recurso interposto por falta de conclusões.' (sublinhado nosso).
7. Do despacho supra transcrito verifica-se que o (único) fundamento que o tribunal a quo, ao menos de forma expressa, invoca como fundamento da rejeição liminar do recurso é a falta de conclusões, não fazendo qualquer referência, na parte estritamente decisória do despacho recorrido, à falta alegações.
É certo que no segundo parágrafo da decisão se pode ler que 'das alegações não consta qualquer fundamentação legal'. Daí, porém, não pode retirar-se que o tribunal a quo tenha igualmente decidido rejeitar o recurso com fundamento na falta de alegações. Não só porque ao dizer que 'das alegações não consta qualquer fundamentação legal' está a implicar que foram apresentadas alegações
(embora sem fundamentação legal), mas, fundamentalmente, porque não foi a falta de alegações (ou sequer de fundamentação legal das que foram apresentadas) que o tribunal expressamente invocou como razão da decisão de rejeitar o recurso, mas um outro fundamento, que expressamente invocou na parte decisória do despacho: a falta de conclusões. Interpretada assim a decisão recorrida, como julgamos que deve sê-lo, a dimensão normativa utilizada como ratio decidendi pela decisão recorrida coincide inteiramente com a que foi julgada inconstitucional pelo acórdão nº 319/99, pelo que se verifica o pressuposto de admissibilidade do recurso interposto pelo recorrente. Andou, por isso, bem a decisão reclamada ao conhecer do objecto do recurso e, ao fazê-lo, ao reiterar o juízo de inconstitucionalidade formulado no acórdão nº
319/99. III - Decisão Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação; e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida que concedeu provimento ao recurso.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2000 José de Sousa e Brito Messias Bento Luís Nunes de Almeida