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Proc. nº 290/00 TC – 1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – MC foi julgado no Tribunal Judicial da Comarca de Ponte de Lima, na forma de processo sumário, pela prática de factos que integram o crime de pesca ilegal, p. e p. pelos artigos 43º e 65º do Decreto nº. 44 623, de 10 de Outubro de 1962 em conjugação com o nº. 14, alínea a), do edital da Direcção-Geral de Florestas relativo à zona de pesca profissional do Rio Lima, de 17 de Dezembro de 1999.
O Tribunal recorrido, na sentença proferida em 23 de Fevereiro de
2000 (fls. 17 e seguintes) entendeu '(...), in casu, a infracção de que vem acusado o arguido foi delimitada, não por acto legislativo (nem sequer por portaria que rege o exercício da pesca na zona em apreço – sendo que nem esta o poderia fazer), mas por simples edital da Direcção-Geral das Florestas! Ou seja, um dos elementos do tipo-de-ilícito concreto aqui em questão – a dimensão da
área de exclusão de pesca – foi definido por um acto de valor inferior a acto legislativo, o qual, não tem sequer um específico carácter normativo. Eis-nos, portanto, perante uma inconstitucionalidade formal.'
Acrescenta-se mais adiante:
'Doutro ponto de vista, o primado da actividade legislativa incriminadora pertence, como já supra ficou dito, ao parlamento, podendo este, contudo autorizar o governo a emanar Decretos-leis sobre aquela matéria. Desta forma, e como corolário lógico desta restrição, está absolutamente vedado a uma Direcção-Geral criar ou modificar tipos de crime, sob pena de os actos normativos decorrentes dessa actividade se encontrarem viciados de inconstitucionalidade orgânica. O que também sucedeu, no caso sub judice'.
(...)
'Pelo exposto, considera-se que enfermam de inconstitucionalidade as normas dos artº.s 43º e 65º do D.L. 44623, de 10/10/62, quando conjugadas com o nº. 14 do edital da Direcção-Geral de Florestas, de 17 de Dezembro de 1999, decidindo-se, ao abrigo do artº. 204º da Constituição, não as aplicar ao caso concreto, devendo daqui ser retiradas todas as consequências legais'.
Questionou-se, ainda, na sentença recorrida se o comportamento do arguido seria ainda subsumível à previsão originária dos artigos 43º e 65º do Decreto nº. 44
623, de 10 de Outubro de 1962, expurgado o processo de incriminação supra referido, questão a que foi dada resposta negativa, com a consequente absolvição do arguido.
O Ministério Público interpôs então recurso obrigatório para este Tribunal ao abrigo dos artigos 70º, nº. 1, alínea a) e 72º, nº. 3 da Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro por recusa de aplicação das normas contidas nos artigos 43º e 65º do Decreto nº 44623 em conjugação com o disposto no nº 14 do Edital da Direcção--Geral das Florestas, de 17/12/99 com os supra referidos fundamentos. O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal pronunciou-se pela não inconstitucionalidade das normas em apreço por entender que a técnica legislativa utilizada - o reenvio normativo para preceitos regulamentares e/ou concretos actos administrativos dos quais decorre directamente a proibição da conduta e indirectamente a relevância penal da infracção ao respectivo dever de abstenção - não viola a Lei Fundamental. Neste sentido, apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
'1º - A norma resultante dos artigos 43º e 65º do Decreto-Lei nº 44632, de 10 de Outubro de 1962, na parte em que tipifica e sanciona como crime de pesca ilegal a actividade piscatória exercida nas zonas aquáticas delimitadas e assinaladas pela Direcção Geral das Florestas, em regulamento ou acto administrativo destinado a concretizar, em termos de mero juízo técnico, a protecção dos bens e valores ambientais subjacentes à norma incriminadora, não viola os princípios constitucionais da legalidade e da tipicidade.
2º - Termos em que – por não se verificar inconstitucionalidade material das normas desaplicadas na decisão recorrida – deverá proceder o presente recurso'.
Cumpre apreciar e decidir.
2 – Dispõe o artigo 43º do Decreto nº. 44 623, de 10 de Outubro de 1962:
'É proibido pescar, em qualquer época do ano, nas zonas aquáticas designadas e assinaladas pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas para abrigos, desovadeiras e viveiros de reprodução, bem como, e independentemente de qualquer delimitação especial, dentro das eclusas, aquedutos ou passagens para peixes, e profissionalmente a menos de 200 m de barragens e 50 m de açudes, comportas, descarregadores ou quaisquer obras que alterem o regime normal de circulação de águas'.
A sanção correspondente à violação de tal dever de abstenção vem prevista no artigo 65º do mesmo diploma legal e que se transcreve:
'A pesca com inobservância do disposto no (...) artigo 43º (...), constitui crime punível com a pena de 10 a 30 dias de prisão e multa de 100$ a 2500$'.
Por seu turno o citado Edital, publicado com expressa invocação do nº 3 do do Regulamento da Zona de Pesca Profissional do Rio Lima aprovado pela Portaria nº
929/99, de 20 de Outubro, estabelece no seu nº 14:
'Tendo em vista a protecção das espécies aquícolas, é proibida a pesca nos seguintes locais: a. Açude de Ponte de Lima – 50 metros para montante e 200 metros para jusante;
............................................................................................................................'
A Portaria nº 929/99 é editada 'ao abrigo da base XXXIII da Lei nº 2097, de 6 de Junho de 1959, da alínea d) do artigo 31º e dos artigos 41º e 84º do Decreto nº
44623...' e nela é criada uma zona de pesca profissional em determinado trecho do Rio Lima (1ª) e 'proibida a pesca profissional em toda a rede hidrográfica do rio Lima, com exclusão da zona de pesca profissional criada nos termos do nº 1
(...)'.
Salienta-se, no preâmbulo, como fundamento da regulamentação então aprovada,
'que se torna necessário adoptar medidas com vista à conservação da fauna piscícola, nomeadamente as espécies migradoras existentes no rio Lima, de forma a proporcionar aos pescadores profissionais a usufruição de um recurso natural renovável, sem pôr em causa a sua sustentabilidade',
No Regulamento anexo à Portaria e por ela aprovado estabelece-se no nº 3:
'São definidos por edital da Direcção-Geral das Florestas, consultada a Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho:
............................................................................................................................ h) As zonas de protecção onde será proibida a pesca e que serão sinalizadas com placas previstas na legislação em vigor.'
Impõe-se, antes do mais, interpretar a sentença recorrida, que se pode subdividir em duas partes.
Na primeira, partindo do enquadramento jurídico-penal dos factos imputados ao arguido tal como ele constava do auto de notícia, entende-se que o bloco normativo constituído pelos artigos 43º e 65º do Decreto nº 44623 e nº 14 do Edital, configura um tipo legal de crime diverso do que vem previsto nos dois primeiros preceitos, diferença essa directamente resultante do que estabelece o nº 14 do Edital – este teria introduzido uma modificação num dos elementos típicos do crime. E daí a recusa de aplicação daquele bloco por inconstitucionalidade formal e orgânica.
Na segunda, tendo apenas como referência as normas dos artigo 43º e 65º do Decreto nº 44623, decide-se que dos factos provados não resultava que o arguido estivesse a pescar na área de proibição definida em tal norma, pelo que se decretou a sua absolvição.
A resolução da questão de constitucionalidade passa, pois, e apenas, pela ponderação do que foi decidido na primeira parte da sentença.
Vejamos.
A aceitar-se, sem crítica, a qualificação feita na sentença do disposto no citado bloco normativo, em particular no que concerne à introdução de um novo elemento típico do crime pelo nº 14 do Edital, não se suscitariam dúvidas de que se verificava a apontada inconstitucionalidade. E isto tanto mais que se considera, na sentença, que 'a norma penal fundamental' – aquela que se contem no artigo 43º do Decreto nº 44623 – se encontra perfeitamente definida, 'não fazendo remissão – no que tange à parte criminal – para qualquer outro acto normativo que eventualmente a completasse', o que afastaria a discussão sobre a legitimidade constitucional de normas penais em branco. Diga-se, em parêntesis, que, a não ser pelo assinalado ponto de partida – o enquadramento jurídico-penal dos factos feito no auto de notícia - teria então cabimento a pergunta sobre a razão por que a sentença acaba por estabelecer uma ligação entre a proibição do nº 14 do Edital (que não é mais do que uma proibição sem directa relevância penal) com o artigo 43º do Decreto nº 44623, quando ao mesmo tempo reconhece a inexistência de qualquer reenvio neste último preceito...
Na construção jurídica feita na sentença recorrida, mostrar-se-ia, com efeito, violado o princípio da legalidade em matéria de punição criminal consagrado no artigo 29º nº 1 da CRP enquanto ele proíbe a 'intervenção normativa de regulamentos não podendo a lei cometer-lhes tal competência' (Gomes Canotilho e Vital Moreira 'Constituição da República Portuguesa Anotada' 3º edição, p. 193; cfr. ainda, José de Sousa Brito 'A lei penal na Constituição', in 'Estudos sobre a Constituição', vol 2ª, pags. 234/235 e 244).
Reconhecendo que o juízo de inconstitucionalidade se impunha, como se impôs, na interpretação de que o aludido bloco normativo estabelecia um novo tipo legal de crime, a verdade é que esta não pode merecer o sufrágio do Tribunal, como se passa a demonstrar.
O Decreto nº. 44 623 é um '(...) diploma percursor da tutela penal de defesa do ambiente e da ecologia, na específica matéria da pesca e conservação de espécies piscícolas, introduzido na ordem jurídica nacional em 1962, fruto do entendimento do legislador ordinário, no vasto campo de discricionaridade que lhe está assinalado em termos de incriminação, de que as sanções penais eram necessárias, nas suas existência e medida, para tutela da conservação de algumas espécies piscícolas, consagrando assim, pelo menos, uma 'tutela indirecta de
'ambiente' (ainda mesmo quando este se tome só no enquadramento circunscrito do ambiente em que nascem e se conservam os seres vivos)' (cfr. Figueiredo Dias, Sobre o papel do direito penal na protecção do ambiente, in Revista de Direito e Economia, IV, 1978, pág. 4).
O 'Fomento Piscícola' é regulado no Capítulo III mediante um conjunto de normas de proibição, designadamente, de pesca em determinadas épocas e de determinadas espécies (artigo 29º), de pesca, comércio, transporte retenção e consumo de peixes com dimensões inferiores a certos limites (artigo 30º), de utilização de determinados processos e instrumentos de pesca (artigos 33º a 40º e 44º).
O sancionamento das práticas proibidas consta do Capítulo V ('Responsabilidade penal e civil') ora como transgressão, ora como contravenção, ora como crime, com a utilização da técnica quer directamente da descrição das condutas sancionadas, quer por remissão para as normas de proibição.
Reconhecida a inviabilidade de uma regulamentação que pudesse abarcar todas as situações da rede hidrográfica do país e da fauna piscícola existente e, do mesmo passo, a inevitabilidade de intervenções localizadas no espaço e no tempo para protecção das espécies, prevê igualmente o Regulamento aprovado pelo Decreto nº 44623 a alteração das regras nele estabelecidas através de instrumentos normativos mais ágeis, como é o caso da portaria.
A este respeito, avulta desde logo o artigo 31º que dispõe como segue:
'O Secretário de Estado da Agricultura poderá por portaria e mediante proposta da Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas: a) Alterar, em todo o País ou em determinadas bacias hidrográficas, sempre que tal se justifique, as épocas de defeso mencionadas no artigo 29º e as dimensões das espécies aquícolas e das malhas das redes mencionadas nos artigos 30º e 34º: b) Determinar a proibição total ou parcial da pesca de espécies cuja protecção seja reconhecida como necessária devendo indicar-se quais os cursos de água e o período a que a proibição respeite; c) definir as datas de defeso para as espécies que venham a ser introduzidas; d) Demarcar zonas de pesca profissional com redes e regulamentar o exercício de pesca nessas zonas.'
Também o artigo 41º prevê que o Secretário de Estado da Agricultura possa
'adoptar medidas especiais sobre os processos de pesca a adoptar nos cursos de
água cujas características se não coadunem com os processos legalmente autorizados'.
É neste contexto que surge a Portaria nº 928/99, a qual, com expressa invocação, entre outros, dos artigos 31º alínea d) e 41º do Decreto nº 44623, cria e regula
'uma zona de pesca profissional no troço do rio Lima compreendido entre a barragem de Touvedo , concelho de Ponte da Barca, a montante e a ponte de Lanheses, na freguesia de Lanheses, concelho de Viana do Castelo, a jusante'
(1º).
A pesca profissional é proibida em toda a rede hidrográfica do rio Lima, com exclusão da zona de pesca profissional criada nos termos do nº 1 e de outras zonas de pesca profissional que venham a ser constituídas (2º)
O exercício da pesca na zona então criada regula-se pelo Regulamento anexo à Portaria.
É precisamente neste Regulamento que se comete à Direcção-Geral das Florestas a definição, mediante edital, designadamente de 'zonas de protecção onde será proibida a pesca e que serão assinaladas com placas previstas na legislação em vigor' (nº 3 alínea h)).
O Edital em causa, documentado nos autos a fls. 40, estabelece então a regra já acima transcrita que proíbe a pesca no açude de Ponte Lima, 50 metros a montante e 200 metros a jusante (nº 14 alínea a)).
Ora, o Regulamento aprovado pelo Decreto nº 44623, relativamente a pesca em locais onde esta é proibida, apenas pune (com ressalva do disposto no artigo
42º, que para o caso não interessa) e como crime, no citado artigo 65º, as condutas previstas no artigo 43º, ou seja:
a) a pesca, em qualquer época do ano nas zonas aquáticas designadas e assinaladas pela Direcção-Geral dos Serviços Florestais e Aquícolas para abrigos, desovadeiras e viveiros de reprodução e, b) independentemente de qualquer delimitação especial, dentro das eclusas, aquedutos ou passagens para peixes e, profissionalmente, a menos de 200 metros de barragens e 50 metros de açudes, comportas, descarregadores ou quaisquer obras que alterem o regime normal de circulação das águas.
No caso, nunca a punição se poderia fundar na 1ª parte do citado artigo 43º - o arguido não se encontrava a pescar em zona aquática designada e assinalada pela referida Direcção-Geral (hoje Direcção-Geral das Florestas) para abrigos, desovadeiras e viveiros de reprodução.
Foi, aliás, a 2ª parte do preceito que a sentença recorrida ponderou para concluir que os limites estabelecidos no Edital eram diversos do que naquela se dispunha, sem que nela houvesse qualquer reenvio.
Ora, afigura-se que, ressalvando 'qualquer delimitação especial', o citado artigo 43º, ao mesmo tempo que estabelece a proibição de pesca em todos os açudes e fixa a referida fronteira de 50 metros, 'recebe' igualmente outros limites na definição dessa área de proibição.
E que delimitações especiais podem ser essas ?
Desde logo, as que podem resultar da regulamentação de zonas de pesca profissional que o citado artigo 31º alínea d) permite demarcar mediante portaria do Secretário de Estado da Agricultura, regulamentação que, no caso da pesca no rio Lima, admite a definição, por edital da Direcção-Geral das Florestas de zonas de protecção (onde é proibida a pesca), sinalizadas com placas previstas na legislação em vigor.
Pode, pois, afirmar-se que a 2ª parte do artigo 43º do Regulamento aprovado pelo Decreto nº 44623 prevê directa e expressamente uma proibição – a de pescar em todo e qualquer açude (com uma área que delimita) – reenviando para outras normas, não eventuais alterações a essa proibição, mas a fixação de limites especiais à área de proibição.
Compreende-se, aliás, que o faça. A multiplicidade de situações possíveis nas inúmeras bacias hidrográficas do país, exigindo, no âmbito de uma política de fomento piscícola e de protecção das espécies (e da própria pesca, como actividade lúdica ou profissional), regulamentação (e proibições) específicas, não pode ser abrangida por um diploma geral aplicável em todo o território nacional.
Estará, assim violado o princípio da legalidade em matéria penal ?
Afigura-se que não.
Antes do mais, importa acentuar que o Tribunal apenas pode ajuizar se ocorre incompatibilidade material com as normas ou princípios constitucionais por força do disposto no artigo 290º nº 2 da CRP, já que sendo o Decreto nº
44623 anterior à Constituição, está vedado conhecer de eventuais inconstitucionalidades orgânicas ou formais.
Sendo assim, o que está em causa é saber se - por força dessa remissão ou reenvio que decorre da letra do próprio artigo 43º do Decreto nº. 44
623 - a relevância axiológica do bem a tutelar e os elementos constitutivos do tipo se alcançam apenas e directamente através daquela norma legal ou se, pelo contrário, o bonus pater familias necessita de a completar com as disposições constantes do edital emitido pela Direcção-Geral das Florestas, ou seja, por outras palavras, saber se a dimensão axiológica do bem, o desvalor da acção, a consciência do ilícito se alcançam através apenas do artigo 43º em conjugação com o artigo 65º do Decreto nº. 44 623, que estabelece a respectiva punição, ou se o tipo só está completo em termos de permitir ao agente avaliar a ilicitude da sua conduta e determinar o seu comportamento de acordo com essa avaliação com recurso à incorporação da norma constante do edital, em especial do seu nº. 14.
A resposta a esta questão só pode ser no sentido do primeiro termo da alternativa.
Na verdade, o nº. 14 do edital não cria/modifica um novo tipo legal de crime, diferente e autónomo do previsto e punido pelos artigos 43º e 65º do Decreto nº. 44 623, de 10 de Outubro de 1962.
É que pela norma incriminatória e independentemente do reenvio normativo – que se cinge à limitação da área de proibição de pesca num determinado açude – o comportamento sancionado é objectivamente determinável, tornando-se claro o juízo de censura penal para os cidadãos que, deste modo, podem orientar a sua conduta de acordo com esse juízo normativo (cfr. 'Direito Penal – Questões Fundamentais. A Doutrina Geral do Crime' - apontamentos e materiais de estudo da cadeira de Direito Penal segundo as lições dos Profs. Figueiredo Dias e Costa Andrade, pag. 172).
Saliente-se que a norma remissiva não delega na Direcção-Geral de Florestas o poder de definir o conteúdo da incriminação, já que os critérios do ilícito penal (desvalor de acção, desvalor de resultado e identificação do bem jurídico tutelado) e os elementos constitutivos do tipo se encontram expressamente previstos nos artigos 43º e 65º do Decreto nº. 44 623, de 10 de Outubro de 1962
(cfr. em caso semelhante o Acórdão nº. 427/95 in 'Acórdãos do Tribunal Constitucional', 31º vol., p. 697 e segs.).
Neste enquadramento, a prescrição do nº 14 do Edital tem, como bem acentua o Exmo Magistrado do Ministério Público 'uma dimensão essencialmente técnica e casuística – traduzindo, deste modo, não a formulação de um juízo valorativo de natureza criminal mas a sua execução e concretização (...)'
Pelo que se deixa dito, não parece que se possa qualificar a norma do artigo 43º do Decreto nº 44623, como norma legal em branco, considerando como normas penais em branco aquelas que '(...) que cominam uma pena para comportamentos que não descrevem, mas se alcançam através de uma remissão da norma penal para leis, regulamentos ou inclusivamente actos administrativos autonomamente promulgados em outro tempo e lugar' (cfr. Figueiredo Dias e Costa Andrade, ob. cit., pp. 171 e 172) - a concreta delimitação espacial das zonas de exclusão de pesca – açudes, no caso em apreço – não se configura como elemento constitutivo essencial do tipo de ilícito, impedindo que o agente oriente a sua conduta de acordo com o direito.
Estamos, assim, perante uma situação em que o reenvio se circunscreve aos casos relativamente aos quais 'a norma penal indica já por si mesma a esfera e conteúdo de desvalor que a norma pretende impor e se relega para o regulamento tão só a enunciação técnica detalhada (...) enunciação técnica que, ainda, deve ser expressão de um critério técnico já locaIizável na norma penal de fonte legislativa' (citando Bricola, Luis Arroyo Zapatero 'Princípio de legalidad y reserva de ley en materia penal' in 'Revista Española de Derecho Constitucional' Maio/Agosto 1983, t. 8, pags. 34).
O princípio da legalidade não resulta assim violado, nomeadamente no plano da determinabilidade, visto que a utilização do reenvio normativo, que assinala in casu que a pesca no açude de Ponte de Lima é proibida, não obsta à determinabilidade objectiva das condutas proibidas e demais elementos de punibilidade requeridos; enfim, a certeza do direito, a cognoscibilidade acerca de quais as condutas puníveis não é minimamente afectada pela técnica de reenvio utilizada.
3 – Decisão: Pelo exposto e em conclusão, decide-se:
a. Não julgar inconstitucional a norma resultante dos artigos 43º e 65º do Decreto nº. 44 623, de 10 de Outubro de 1962 em conjugação com o disposto no nº
14 do Edital da Direcção-Geral das Florestas de 17 de Dezembro de 1999; b) conceder provimento ao recurso devendo a sentença recorrida ser reformada de acordo com o juízo de constitucionalidade agora formulado. Lisboa, 12 Dezembro de 2000- Artur Maurício Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa