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Processo n.º 192/12
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que é recorrente A. e recorrida a B., S.A., foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 25 de janeiro de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 203/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«De acordo com a alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Nos presentes autos, não se pode dar como verificado o requisito da suscitação prévia, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, da questão de constitucionalidade posta pelo recorrente.
Convidado a precisar a norma cuja apreciação pretende, o recorrente respondeu que é a do n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil (…), nos termos constantes do requerimento de recurso então apresentado. Contudo, nas alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo não foi questionada a constitucionalidade desta norma ou de algum dos seus segmentos. O que o recorrente questionou foi antes uma dada interpretação daquele preceito legal. E se é isso que pretende significar quando remete para o requerimento de interposição de recurso, é de concluir, de igual modo, que não foi suscitada naquela peça processual a inconstitucionalidade do artigo 327.º do Código Civil, interpretado «no sentido de que o efeito interruptivo do prazo prescricional, com a citação judicial do prescribente (cfr. n.º 1 do artigo 323º do Código Civil) deve cessar com o termo do processo, considerando como tal o decurso do prazo para apresentação dos meios de defesa do prescribente (cfr. n.º 1 do artigo 327º do Código Civil, artigo 175º do Código de Processo das Contribuições e Impostos (CPCI) e artigo 496º do Código de Processo Civil (CPC)), iniciando-se a contagem do novo prazo prescricional logo após o ato interruptivo». Pelo contrário, esta dimensão interpretativa foi a que o recorrente considerou conforme aos princípios constitucionais da segurança e da confiança jurídica (cf. ponto 100. das alegações e conclusão XIII).
A não verificação daquele requisito do recurso de constitucionalidade obsta ao conhecimento do seu objeto, justificando-se a prolação da presente decisão sumária (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, invocando os seguintes argumentos:
«1. A decisão sumária aqui em crise veio considerar que o Recorrente não suscitou, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade do artigo 327º do Código Civil interpretado no sentido de que o efeito interruptivo do prazo prescricional, com a citação do prescribente (cfr. n.º 1 do artigo 323º do Código Civil) não cessa com o decurso do prazo para apresentação dos meios de defesa do prescribente (cfr. artigo 496º do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 175º do Código de Processo das Contribuições e Impostos (CPCI)), porquanto tal não deverá ser considerado que põe termo ao processo, nos termos do n.º 1 do artigo 327º do Código Civil.
2. Para o efeito alega que no requerimento de interposição de recurso o Recorrente considerou que a interpretação do Supremo Tribunal Administrativo foi conforme os princípios constitucionais da segurança e da confiança jurídica.
3. Ora, em abono da justiça, deve ser entendido que a questão aqui em apreço, nomeadamente, a causa de pedir e o pedido, resulta evidente do contexto e dos pontos 100 e 101 e conclusões XIII e XIV das alegações de recurso, que o Recorrente pretende que seja declarada inconstitucional a interpretação do Supremo Tribunal Administrativo segundo a qual o efeito interruptivo do prazo prescricional com a citação do prescribente não cessa com o decurso do prazo para apresentação dos meios de defesa do prescribente, nos termos melhor expostos nas alegações de recurso, para onde o requerimento de interposição de recuso remete.
4. Aliás, essa é a única posição que motivou a fundamentação e utilidade do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, bem como o presente recurso para o Tribunal Constitucional,
5. Mantendo-se o interesse na apreciação do objeto do recurso, cuja argumentação resulta evidente das alegações de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, bem como resulta claro o sentido da decisão recorrida que se pretende contestar.
6. De acordo com o pedido do requerimento de interposição de recurso, com a argumentação das alegações de recurso, bem como do sentido que se retira da decisão recorrida do Supremo Tribunal Administrativo, é claro concluir que o pedido do Recorrente pretendia declarar inconstitucional a interpretação do Supremo Tribunal Administrativo, que acolheu a interpretação do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, segundo a qual o efeito interruptivo do prazo prescricional, com a citação do prescribente (cfr. n.º 1 do artigo 323º do Código Civil), não cessa com o decurso do prazo para apresentação dos meios de defesa do prescribente (cfr. artigo 496º do CPC e artigo 175º do CPCI), porquanto tal não deverá ser considerado que põe termo ao processo, nos termos do n.º 1 do artigo 327º do Código Civil, mantendo-se assim indefinidamente na ordem jurídica o direito do titular do crédito; direito esse que o instituto da prescrição e os princípios a ele subjacentes pretende censurar pela inércia e decurso do tempo».
4. Notificada desta reclamação, a recorrida não respondeu.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso por não se poder dar como verificado o requisito da suscitação prévia, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, da questão de constitucionalidade posta pelo recorrente.
Convidado a indicar, com precisão, qual a norma cuja apreciação pretendia, o reclamante respondeu que se tratava da do n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil (…), nos termos constantes do requerimento de recurso então apresentado. Desta formulação remissiva inferiu-se que o reclamante pretendia a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 327.º do Código Civil, interpretado «no sentido de que o efeito interruptivo do prazo prescricional, com a citação judicial do prescribente (cfr. n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil) deve cessar com o termo do processo, considerando como tal o decurso do prazo para apresentação dos meios de defesa do prescribente (cfr. n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil, artigo 175.º do Código de Processo das Contribuições e Impostos (CPCI) e artigo 496.º do Código de Processo Civil (CPC), iniciando-se a contagem do novo prazo prescricional logo após o ato interruptivo» (negrito aditado). Por um lado, não tinha sido questionada, durante o processo, a conformidade constitucional do artigo 327.º, n.º 1, do Código Civil ou de um seu segmento; por outro, o recorrente havia especificado esta dimensão interpretativa – apenas esta – no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, antes de o mesmo ser aperfeiçoado. De resto, foi a circunstância de o recorrente parecer pretender a apreciação da interpretação normativa que tinha por correta, de acordo com o por si alegado no recurso interposto para o tribunal recorrido, o que, verdadeiramente, justificou o convite que lhe foi feito ao abrigo do artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC.
O reclamante vem agora afirmar que pretendia a apreciação da constitucionalidade da «interpretação do Supremo Tribunal Administrativo, que acolheu a interpretação do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, segundo a qual o efeito interruptivo do prazo prescricional, com a citação do prescribente (cfr. n.º 1 do artigo 323.º do Código Civil), não cessa com o decurso do prazo para apresentação dos meios de defesa do prescribente (cfr. artigo 496.º do CPC e artigo 175.º do CPCI), porquanto tal não deverá ser considerado que põe termo ao processo, nos termos do n.º 1 do artigo 327.º do Código Civil, mantendo-se assim indefinidamente na ordem jurídica o direito do titular do crédito» (negrito aditado). Entende que tal resulta «evidente do contexto e dos pontos 100 e 101 e das conclusões XIII e XIV das alegações de recurso» e que «essa a única posição que motivou a fundamentação e utilidade do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, bem como o presente recurso para o Tribunal Constitucional».
Ainda que assim seja, o que é facto é que, convidado a precisar a norma cuja apreciação pretendia, o recorrente não especificou a dimensão interpretativa que agora indica na presente reclamação e que, de facto, foi especificada no ponto 101. das alegações e na conclusão XIV do recurso para o Supremo Tribunal Administrativo. Ora, é no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade que, nos termos do disposto no artigo 75.º-A da LTC, é definido o respetivo objeto, constituindo um ónus do recorrente fazer tal indicação. Pelo que é por referência à norma indicada nesta peça processual que o Tribunal afere o requisito da suscitação prévia e de forma adequada da questão de inconstitucionalidade, o qual não se pode dar por satisfeito nos presentes autos, uma vez que a dimensão interpretativa identificada pelo recorrente naquele requerimento foi a que o próprio considerou conforme aos princípios constitucionais da segurança e da confiança jurídica (cf. ponto 100. das alegações e conclusão XIII).
Resta, pois, confirmar a decisão reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 20 de junho de 2012.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.